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Cinema e Subjetividade Contemporânea

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962
MÍDIA CINEMATOGRÁFICA E SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA 
 
Pedro Mestre Passini (Psicologia. Universidade Estadual de Londrina) 
Paulo Roberto de Carvalho 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Desde o surgimento do cinema somos fascinados e capturados pelas possibilidades que este 
nos proporciona. Mesmo com vários estudos relacionando ao cinema e seus efeitos no 
homem, poucos foram os diálogos com a Psicologia – a maioria dos estudos detém-se na área 
da Antropologia e da Sociologia. Este trabalho procura relacionar algumas teorias, buscando 
conexões possíveis entre a mídia cinematográfica e os estudos em subjetividade, 
principalmente aqueles referentes às teorias de Felix Guattari. Para isso, será estudado o 
conceito de subjetividade (elemento chave na teoria do autor), como ele se insere na vida 
cotidiana através da mídia e qual a relevância do cinema nesta esfera. Procuraremos também, 
ainda que de modo preliminar, compreender como o cinema impacta a vida em sociedade 
construindo e modificando os modos de pensar, sentir e agir do homem contemporâneo. O 
presente estudo fundamenta-se, assim, na concepção de que a constituição da subjetividade se 
dá a partir do tempo histórico em que ocorre. A presença recorrente do cinema que hoje se 
veicula também na televisão e na internet permite-nos considerar a hipótese de que o mesmo 
desempenha o papel de um componente de subjetivação, ou seja, participa da produção 
subjetiva ou psicológica do humano na contemporaneidade. 
 
 
Palavras-chave: Cinema; subjetividade; mídia; contemporaneidade. 
 
 
 
 963
No início do século XX, dois eventos que ascenderam rapidamente e logo se 
tornaram de grande relevância perante o social. O primeiro, oriundo das artes, é o cinema, 
desenvolvido a partir da invenção do cinematógrafo – pelos irmãos Lumière em 1895 – e da 
primeira projeção realizada no mesmo ano (KEMP, 2011, p. 8). O segundo é a psicologia, 
com sua vertente experimental de Wilhelm Wundt e com os esboços da psicanálise por 
Sigmund Freud (SCHULTZ; SCHULTZ, 2002). 
 
Para Kemp: “Em meros 20 anos desses esforços pioneiros – um piscar de 
olhos na história da literatura e da arte -, os filmes passaram a ser assistidos por grandes 
plateias em todo o mundo” (KEMP, 2011, p.8). Como explicitado pelo autor, foi rápida a 
expansão do cinema pelo mundo: dentro destes primeiros 20 anos o cinema era visto e 
possuía grande destaque em quase todos os países. O cinema atingiu o mercado do ocidente e 
do oriente concomitantemente. Dois fatores podem ser apontados como agentes dessa 
expansão: o primeiro como explica Bernadet (1980, p. 23-24) é a facilidade de se fazer 
cópias, possibilitando a reprodução ilimitada a baixo custo e a rápida disseminação do mesmo 
material. O segundo é o fato de que, naquela época o cinema era mudo e por isso propiciou a 
criação de uma linguagem universal, própria do cinema, uma vez que se utilizava apenas de 
imagens. Neste trecho, Jean Aumont, se utiliza do discurso de Louis Delluc para explicar tal 
fato: 
 
A característica essencial dessa nova linguagem é sua universalidade; ela permite 
contornar o obstáculo da diversidade das línguas nacionais. Realiza o sonho antigo 
de um ‘esperanto visual’: ‘O cinema anda por toda parte’, escreve Louis Delluc em 
Cinéma et cie, ‘é um grande meio para os povos dialogarem’. Essa ‘música luz’não 
precisa ser traduzida, é compreendida por todos e permite reencontrar uma espécie 
de estado ‘natural’ da linguagem, anterior ao arbitrário das línguas (AUMONT, 
2012, p. 159). 
 
Apesar de ter durado por pouco tempo – o primeiro filme falado data de 
1927 (POWER, 2011, p. 78) –, o cinema mudo teve força suficiente para instaurar o cinema 
na cultura popular, tornando, então, irrelevante as barreiras das línguas nacionais. Em uma 
curta passagem, Kemp (2011) aponta: “Do jeito que as coisas ocorreram, quando os filmes 
falados entraram em cena o hábito de ir ao cinema já estava firmemente arraigado para ser 
desencorajado por barreiras de linguagem” (p.8). E a partir disto surgem métodos para que a 
barreira da linguagem fosse transposta (legendas, dublagens, traduções simultâneas dentro das 
salas de cinema). Alguns dados da consolidação do cinema na cultura mundial são que, nos 
dias atuais, o mercado que envolve a prática do cinema arrecada cerca de 34,7 bilhões de 
 964
dólares ao ano (MPAA, 2013); e no mercado brasileiro, levando em conta uma população 
com entorno de 190 milhões habitantes (IBGE, 2011), entorno de 150 milhões de bilhetes 
foram vendidos em 2013, arrecadando cerca de 1.7 bilhões de reais (ANCINE, 2014). 
 
Mas, o que é o cinema? Podemos ir além da projeção e falar de outras 
características da sétima arte. Em seu fascículo da Coleção Primeiros Passos, intitulado “O 
que é Cinema” (2012), Jean-Claude Bernardet explora varias faces do cinema. No contexto 
trabalhado aqui, vale destacar a complexa cadeia que envolve sua produção e a questão 
mercadológica. 
 
No que tange a cadeia de produção, Bernardet comenta que, além do 
processo vivido por nós ao irmos à sala de cinema, à escolha do filme e ao pagamento do 
ingresso na bilheteria, existe todo um processo no qual são envolvidos: 
 
...mil e um elementos diferentes, a começar pelo seu gosto para esse tipo de 
espetáculo, a publicidade, pessoas e firmas estrangeiras e nacionais que fazem e 
investem dinheiro em filmes, firmas distribuidoras que encaminham os filmes para 
os donos das salas e, finalmente, estes, os exibidores, que os projetam para os 
espectadores que pagaram para sentar numa poltrona e ficar olhando as imagens na 
tela. Envolve também a censura, processos de adaptação do filme aos espectadores 
que não falam a língua original (2012, p. 9). 
 
Em suma, a experiência cinematográfica envolve uma gama de profissionais 
em suas várias etapas processuais. Portanto deve-se pensar no cinema como área que 
extrapola a sala de projeção. A partir disto, esbarramos no mercado cinematográfico. Como já 
exposto anteriormente o cinema nasce e se desenvolve como uma arte extremamente rentável 
e de fácil distribuição. Acompanhando a expansão territorial e capital da indústria 
cinematográfica, são criadas inúmeras especialidades com a finalidade de transformar a 
criação do filme em processo de produção. Bernardet (2012), diz que “À medida que a 
indústria foi se implantando, maior rigor foi imposto ao planejamento do filme e as funções 
foram-se dividindo” (p. 68). A transformação do processo de produção de forma quase 
fordista, onde cada trabalhador tem sua função específica e acaba não visualizando o produto 
como um todo, ocorre ao mesmo tempo que a massificação do público consumidor. O 
exemplo máximo disso são as fórmulas, ou moldes, em que os roteiros, cinematografias e 
atuações devem ser baseados para agradar o público. Podemos dizer que convivemos ainda 
com esta fórmula de produção cinematográfica que foi estabelecida na década de 30 em 
Hollywood (BERNARDET, 2012). 
 965
Seguindo o desenvolvimento do cinema, foram propostas varias linguagens 
cinematográficas, as quais se diversificam pelas vertentes experimentais do início das 
produções cinematográficas. A normatização e unificação desta linguagem ocorrem, também, 
por uma questão mercadológica, uma vez que o público consumidor se adéqua mais 
facilmente a um modelo que sofra poucas variações, do que a vários modelos que 
proporcionam quantidades enormes de variações (BERNARDET, 2012). O que é importante 
ressaltar sobre estas linguagens, é que, a partir do surgimento da televisão – e, portanto, 
abertura de um novo mercado de consumo mais imediato e constante – essa linguagem 
cinematográfica se torna uma constate na vida da população. Levando em consideração que 
95% dos domicílios brasileiros possuem um ou mais aparelhos de televisão (IBGE, 2011), 
podemos considerar que a linguagem cinematográfica televisionada é um dos meios de 
comunicação e lazer mais presentes no cotidianoda população. 
 
Mesmo com a grande relevância econômica e fascinadora que o cinema 
possui, os estudos psicológicos voltados para este fenômeno permanecem escassos e 
começam a ganhar destaque por volta da década de 60. Seu nascimento, juntamente com a 
vertente experimental da psicologia, resultou em alguns estudos por parte de Hugo 
Münsterberg (1916), onde o autor, através da Gestaltthorie, buscou investigar como o 
espectador de cinema percebia e experienciava o filme. Münsterberg se utilizou de conceitos 
como: atenção, memória e imaginação, e emoções (AUMONT, 2012, p. 224-225). 
 
Estudos em outras áreas das ciências humanas eram realizados em maior 
profusão; pode-se citar a semiologia com os estudos de Etienne Souriau (1953) e a 
antropologia com os estudos de Edgar Morin (1956). São esses dois autores que dão origem 
aos estudos sobre a subjetividade que o cinema produz (AUMONT, 2012, p. 235). Souriau 
(1953, apud AUMONT, 2012) discorre sobre a influência do que se produz durante a sessão 
de cinema sobre a vida do espectador para além da projeção. O autor comenta sobre “uma 
espécie de impregnação produtora de modelos de comportamento” (p. 235). Morin (1956, 
apud AUMONT, 2012) se baseia nos ensaios de Souriau para descrever o espectador do 
cinema com um homem imaginário. Esse imaginário viria dentro do cinema por este ser uma 
representação, onde os espectadores podem criar, imaginar, ou sonhar de acordo com as 
impressões. Nas palavras do próprio Morin, o cinema funciona “como representação de uma 
representação viva, o cinema convida-nos a refletir sobre o imaginário da realidade e a 
 966
realidade do imaginário” (1977, apud AUMONT, 2012, p. 236). Outro ponto importante, na 
teoria de Morin, é a abordagem sobre a “projeção-identificação”, a qual Aumont diz que “em 
vez de se projetar no mundo, o sujeito absorve o mundo em si” (2012, p. 237). 
 
Já na década de 1970 tem-se como referencia os estudos de Christan Metz, 
nos quais o autor se utiliza da teoria psicanalítica lacaniana para explicar a identificação do 
espectador com o cinema. Para Metz, a tela seria como um espelho onde o espectador, mesmo 
não vendo o seu próprio corpo, consegue assimilar identificações pontuais em seu imaginário. 
Ainda segundo o autor, há dois tipos de identificação: a primeira sendo com a visão da câmera 
cinematográfica, e a segunda com os personagens, o enredo, com o representado no filme 
(AUMONT, 2012). 
 
Ainda na década de 1970, porém saindo do viés psicanalítico, Félix Guattari 
nos fala sobre um cinema que pretende e produz um imaginário social, como um meio de 
subjetivação, onde uma multiplicidade de intensidades, movimentações se apresentam na tela, 
mas que tendem a escapar de um esquadrinhamento de significantes para se conectarem só em 
um segundo momento, cristalizando um enredo, personagens e estereótipos comportamentais. 
Nessa lógica, onde inúmeras imagens, mas não só imagens são captadas pelos espectadores, 
não se poderia dizer que o entretenimento se finda por si só, mas que no cinema as 
intensidades são produzidas e incorporadas na subjetividade por aqueles que assistem ao 
filme (GUATTARI, 1980, p. 112-3). 
 
Para melhor entendimento do que o autor propõe, se faz indispensável uma 
breve passagem sobre o que Guattari e Rolnik (2005) entendem por subjetividade; eles a 
conceituam como um ininterrupto processo social que veicula componentes de subjetivação 
apropriados de modo individual. As subjetividades nascem então, fora do individuo, mas por 
serem incorporadas e constituírem modos de vida continuam sendo reproduzidas em 
instâncias individualizadas. Por ser de ordem naturalmente social, Guattari e Rolnik não 
contrapõem a produção de subjetividade ao sistema econômico, deste modo, eles nos 
apresentam a subjetividade capitalística: “trata-se de sistemas de conexão direta entre as 
grandes maquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas 
que definem a maneira de perceber o mundo”, atualmente produzida sob a lógica do capital 
(GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 35). 
 967
Ora, o cinema atualmente é uma das grandes máquinas produtivas capaz de 
definir modos de percepção do mundo. Diz Guattari a respeito desta capacidade 
cinematográfica: 
 
pagamos por um lugar no cinema para nos fazermos invadir por qualquer pessoa e 
para nos deixarmos levar em qualquer espécie de aventura, em encontros em 
principio sem amanhã. Em princípio! Porque na verdade, a modelação que resulta 
desta vertigem a baixo preço não se dá sem deixar vestígios: o inconsciente se revê 
habitado por índios, cow-boys, tiras, gangsters, belmondos e marilyn monroes... 
(GUATTARI, 1980, p. 114-5). 
 
No entanto, Guattari insiste que não se é afetado pura e simplesmente pelos 
personagens e pela história do filme, mas que há inúmeras intensidades que tem essa 
capacidade de afetar, de produzir componentes subjetivos também. 
 
Os códigos se emaranham sem que nenhum jamais consiga a preeminência sobre os 
demais, sem constituir “substância” significante; passa-se, num vaivém contínuo, de 
códigos perceptivos a códigos denotativos, musicais, conotativos, retóricos, 
tecnológicos econômicos, sociológicos, etc (GUATTARI, 1980, p. 113). 
 
E essa capacidade que o cinema possui em produzir subjetividades, com seu 
enredo e personagens, mas principalmente com suas intensidades moleculares é o que 
viabiliza o processo de singularização tanto da arte cinematográfica como dos indivíduos. 
Singularizar-se é abrir espaços para outras combinações do desejo, para outros modos de ser, 
outras sensibilidades, outras percepções, num movimento contra a subjetividade capitalística 
que conquista e controla quase que integralmente os modos de viver no mundo (GUATTARI; 
ROLNIK, 2005). 
 
Guattari (1980) propõe uma forma de entender a linguagem do cinema, não 
mais como uma ferramenta fechada dotada de significados, mas como “um instrumento 
dentro de uma orquestração semiótica complexa”, onde “Os códigos se emaranham sem que 
nenhum jamais consiga a preeminência sobre os demais, sem constituir ‘substância’ 
significante” (p. 113). Desse modo a linguagem do cinema não seria uma produtora de leis, 
mas sim um meio de “combate” às produções capitalísticas de subjetividade, que se prendem 
a significados estereotipados (p. 116). 
 
Diante da potência múltipla do cinema em agenciar subjetividades é difícil 
considerar o individuo como um ser total e uno. Ainda, pensando nas subjetividades que o 
 968
produzem como não sendo passíveis de totalização e, por tanto, múltiplas em seus 
agenciamentos, “o indivíduo, [...], está na encruzilhada de múltiplos componentes de 
subjetividade.” (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p.43). 
 
Mesmo existindo a pretensão de afirmar uma individualidade, as produções 
do humano são possíveis dentro de uma multiplicidade que o habita. No trecho a seguir, 
Guattari e Rolnik expõem essa característica do modo de produção do indivíduo: 
 
Sempre há a pretensão do ego se afirmar numa continuidade e num poder. Mas a 
produção da fala, das imagens, da sensibilidade, a produção do desejo não se cola 
absolutamente a essa representação do indivíduo. Essa produção é adjacente a uma 
multiplicidade de agenciamentos sociais, a uma multiplicidade de processos de 
produção maquínica, a mutações de universos de valor e de universos de história 
(GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 40). 
 
É possível considerar, então, que outro conceito deverá ser aqui introduzido: 
o de multiplicidade. Para fugir do binarismo do ou isso, ou aquilo (ou subjetividade 
capitalística, ou narcisismo, por exemplo), Deleuze e Guattari (1972) propõem a síntese 
produtiva em sua forma conectiva, do “e... e... e...”. Neste sentido, eles adentram numa 
discussão já cara à filosofia, a do Uno e do múltiplo. A tentativa é deixar de lado a concepção 
de que o múltiplo é a fragmentação de uma unidade ou que são partesque irão compor um 
todo de forma simétrica no futuro. Eles observam: “Só a categoria de multiplicidade, 
empregada como substantivo e superando tanto o múltiplo quanto o Uno, superando a relação 
predicativa do Uno e do múltiplo, é capaz de dar conta da produção desejante: a produção 
desejante é multiplicidade pura, isto é, afirmação irredutível à unidade. (p. 62)”. 
 
Se o conceito de multiplicidade torna-se estratégico e necessário para uma 
analise do contemporâneo e oferecem condições para compreensão da subjetividade na sua 
interface com o cinema nem por isso a psicologia aproximou-se dele. A história da psicologia 
ao longo dos séculos XIX e XX atesta, ao contrário, um distanciamento máximo da 
multiplicidade que pode ser assinalado em duas vertentes. Por um lado a psicologia, com 
destaque para a sua vertente psicanalítica, passa a buscar sistematicamente a unidade do 
sujeito. Por outro, quando refere-se a multiplicidade, é sempre sobre o signo da doença, da 
desqualificação em função de uma unidade perdida. 
 
 969
Em sua obra “Doença Mental e Psicologia” (1975), Michel Foucault coloca 
em evidência esse movimento, que é comum à psicologia e a psiquiatria e que alinha, 
identificando, o sujeito normal como constituído numa totalidade unitária. Com isso é toda a 
psicologia que torna-se tributária de certa concepção de homem. Vejamos: 
 
Pela unidade que ela assegura, e pelos problemas que suprime, esta noção de 
totalidade tem todas as possibilidades para trazer à patologia um clima de euforia 
conceitual. É deste clima que quiseram aproveitar-se os que, de perto ou de longe, 
inspiraram-se em Goldstein. Mas a infelicidade quis que a euforia não estivesse do 
mesmo lado que o rigor (FOUCAULT, 1975, p. 16). 
 
Por outro lado, para a multiplicidade constituinte do subjetivo ficou 
reservada a presença nas diferentes configurações da personalidade patológica, conforme 
podemos observar: 
 
A síntese complexa do dialogo é substituída pelo monólogo fragmentário; a sintaxe 
através da qual se constitui um sentido é quebrada, e só subsistem elementos verbais 
dos quais escapam sentidos ambíguos, polimorfos e lábeis; a coerência espaço-
temporal que se ordena no aqui e agora desmoronou-se, e só subsiste um caos de 
aqui sucessivos e de instantes insulares (FOUCAULT, 1975, p.24). 
 
A concepção de uma unidade do sujeito que comporta o corpo e a 
subjetividade por vezes cede espaço a uma outra totalização, mais restrita, que incide apenas 
sobre o psiquismo do sujeito. Ganha evidencia então, nos campos da psiquiatria, da psicologia 
e da psicanálise o conceito de personalidade, que circunscreve uma função integradora, 
produtora do todo. A loucura, neste contexto, manifesta-se pela subtração desta mesma 
unidade, como na passagem que se segue: “a regressão patológica é assim somente uma 
operação subtrativa; mas o que se subtrai nesta aritmética, é justamente o termo último, que 
promove e arremata a personalidade; quer dizer que ‘o resto’ não será uma personalidade 
anterior, mas abolida” (FOUCAULT, 1975, p. 33). Torna-se possível compreender que a 
ausência de um elemento da personalidade a desconstrói, restando assim apenas a 
multiplicidade de fragmentos. 
 
Também é possível entrever que a delimitação dos campos da loucura e da 
sanidade se faz a partir da multiplicidade e da totalização, identificando-se repetidas vezes a 
doença com o múltiplo assim como a sanidade como o todo, cuja as características 
frequentemente assinaladas são a estabilidade, a organização e a coerência presentes na 
totalização. 
 970
Na conclusão de sua obra Michel Foucault reverte a problemática do 
múltiplo e do todo a relacionando com o meio social na qual o sujeito individual se constitui. 
O fio condutor da análise aqui são as características atribuídas à totalidade, mas também ao 
humano psicologicamente saudável: a coerência e a estabilidade. Estariam esses elementos 
presentes na vida em sociedade? Vejamos: “O homem tornou-se para o homem tanto a 
imagem de sua própria verdade quanto a eventualidade de sua morte. Só no imaginário pode 
encontrar o status fraternal onde as relações sociais encontraram sua estabilidade e coerência” 
(FOUCAULT, 1975, p. 94). 
 
Se a vida em sociedade é múltipla e complexa, marcada pela segmentação e 
pela variação infinita dos atos, posicionamentos e avaliações, como manter a expectativa de 
que o humano socializado e subjetivado nessas condições se constitua como unidade, na 
forma de uma personalidade coerente? Ao tomar estas questões em análise, Foucault acaba 
por reconhecer, na personalidade esquizofrênica, cindida e fragmentada a marca do tempo 
histórico no qual vivemos, da contemporaneidade capitalista. 
 
O mundo contemporâneo torna possível a esquizofrenia, não porque seus 
acontecimentos o tornam inumano e abstrato, mas porque nossa cultura faz do 
mundo uma leitura tal que o próprio homem não pode mais reconhecer-se ai. 
Somente o conflito real das condições de existência pode servir de modelo estrutural 
aos paradoxos do mundo esquizofrênico (FOUCAULT, 1975, p. 96). 
 
Aqui, basta desvencilhar a noção de conflito de qualquer dualidade para 
reencontrar uma multiplicidade de forças conflitantes, irredutíveis a qualquer totalização 
como uma descrição plausível da vida na sociedade atual. Por que seria diferente no 
psiquismo do sujeito que se constituiu nesta mesma sociedade? 
 
O sujeito é antes de qualquer coisa um reflexo do mundo a sua volta, 
constituído que foi neste mesmo mundo. Também o cinema, com sua variação incessante de 
perspectivas, sua pequena multidão de personagens, cada um deles vasculhado pelo 
espectador, que com ele se identifica. O cinema é então um espelho do mundo, tão 
multifacetado quanto ele, irredutivelmente múltiplo e conflitual. 
 
O cinema, assim, cria as condições para uma critica histórica das 
concepções de subjetividade presentes nas diferentes vertentes da psicologia, realizando, na 
prática a desmistificação do humano. Afinal, não é gratuito que Gilles Deleuze, filósofo 
 971
estudioso do cinema tenha, numa interlocução com Michel Foucault dito: “Nós somos todos 
pequenos grupos” (DELEUZE, in: FOUCAULT, 1996, p. 70). 
 972
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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de Exibição - Informe Anual Preliminar 2013. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em:< 
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POWER, D. Os Primeiros Filmes Falados. In: KEMP, P (Edit). Tudo Sobre o Cinema. Rio 
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SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 
2002. 
 
FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. 
 
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984. 
 
DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo: 
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