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Da Cartografia do Danúbio à Construção - BALEIRO & QUINTEIRO

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Da Cartografia do Danúbio à Construção de um Itinerário Turístico: Uma
Leitura de Danúbio de Claudio Magris
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Da Cartografia do Danúbio à Construção 
de um Itinerário Turístico: Uma Leitura de 
Danúbio de Claudio Magris
RITA BALEIRO | ESGHT – Universidade do Algarve | rbaleiro@ualg.pt
SÍLVIA QUINTEIRO | ESGHT – Universidade do Algarve / CEC– FLUL | smoreno@ualg.pt
1. Literatura e turismo, leitura literária e viagem
Na reflexão sobre literatura e turismo, a partir da leitura de Danúbio de 
Claudio Magris (1986), sobressaem desde logo dois pontos de contacto. O 
primeiro diz respeito ao facto de a literatura “transportar” as memórias e as 
descobertas da viagem (Magris, 2010 [1986]: 18). O segundo, intimamente 
associado ao primeiro, prende-se com a recuperação e (re)construção de 
uma memória do espaço no texto literário e a sua transformação por essa 
via em espaço turístico.
Sendo a experiência da viagem turística difícil de transmitir na sua 
totalidade, uma vez “que há qualquer coisa, como em qualquer mudança, 
que se perde […]” (ibidem), a literatura permite apresentar as marcas 
visíveis dessa experiência que se caracteriza por ser “imprevisível”, “intri-
cada”, “dispersa” e “incerta” (Magris, 2010 [1986]: 14). Neste prisma, e 
como referimos, a literatura funciona como um “transporte” (idem: 18) das 
“peripécias indefinidas do viajar” (ibidem), ao mesmo tempo que, tal como 
refere o narrador de Danúbio, “colmata os espaços em branco da existência” 
(Magris, 2010 [1986]: 40) e acalma a ansiedade própria do ser humano: 
“Quando o caderno fica cheio de gatafunhos, a alma sente-se mais tran-
quila, trauteando despreocupadamente o tempo que passa” (idem: 113).
Quer a literatura quer o ato de viajar edificam-se sobre algo exterior 
e, por esse motivo, obrigam a uma reconstrução do passado, ou, tal como 
afirma o narrador de Danúbio: a viagem “orienta para a origem” (idem: 
364), e a literatura é a “arqueologia da vida” (idem: 329). Sucede, porém, 
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que nem a imobilidade desenhada do mapa ou da página do livro, nem a 
rigidez do itinerário ou das palavras do autor servem em absoluto ao via-
jante e ao leitor que permanentemente sentem a compulsão de se inscrever 
nos espaços físicos ou imaginários que percorrem quando questionam o que 
observam e leem. Assim, na viagem, tal como no ato de leitura literária, o 
sujeito constrói o sentido do que vai visitando e conhecendo, a partir da 
bagagem de conhecimentos e experiências prévios que carrega e na qual se 
incluem os conhecimentos e as experiências linguísticas, textuais, enciclo-
pédicas e de vida. Essa bagagem de conhecimentos e experiências, ou seja, 
o “linguistic-experiential reservoir” (Rosenblatt, 1994: 6-7), caracteriza-se 
por não ser estanque e por sofrer modificações constantes, uma vez que se 
constrói dialética e permanentemente. Encontramos a este propósito um 
dos paralelismos entre a leitura literária e o ato de viajar. Na primeira, o 
leitor é, desde o início, acompanhado por uma expectativa, uma ideia, um 
sentimento ou um objectivo que, à medida que a leitura evolui, orienta a 
sua atenção, através de impulsos não lineares e auto-corretores, de modo 
a fazer emergir a síntese e a organização da informação. No segundo, o 
viajante convoca as suas memórias visuais, históricas e culturais, enquanto 
cumpre a incursão turística, ou seja, quando se desloca para fora do seu 
ambiente quotidiano com um determinado objetivo (OMT, 1995) e vai ris-
cando no itinerário os sítios por onde passa. Neste processo, as expectativas 
do viajante são confirmadas ou, pelo contrário, são modificadas por novas 
associações criadas na relação que estabelece com os locais visitados e, no 
caso específico do narrador de Danúbio, também com as personagens reais 
ou fictícias que o narradorencontra, associa e/ou coloca nos diferentes 
espaços visitados. Fica deste modo claro que a viagem, tal como o ato da 
leitura de um texto literário, é complementada pela miríade de pensamen-
tos, reflexões, interrogações e emoções que acompanha o sujeito. Será por 
este motivo que este narrador-viajante afirma que a literatura “verdadeira” 
é aquela que, tal como a viagem, “não lisonjeia quem lê, confirmando-o 
nos seus preconceitos e nas suas certezas”, mas sim aquela que coloca o 
leitor em dificuldades, obrigando-o “a refazer as suas contas com o mundo 
e com as suas certezas.” (Magris, 2010 [1986]: 203). Na verdade, tanto a 
desorientação do leitor perante a contingência semântica do texto literário, 
como a desambientação do viajante quando sai do seu espaço quotidiano, 
são fulcrais para que se inicie o processo de questionamento, uma vez que 
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“sem desorientação e perda, sem errância pelos atalhos que se confundem 
na floresta não há chamamento, [e] não é possível ouvir-se a fala autêntica 
do Ser.” (idem: 56. Maiúscula no original).
A viagem, tal como refere o narrador-viajante de Danúbio, é pluridi-
mensional, incluindo não apenas a dimensão supostamente factual e obje-
tiva dos livros de História ou dos guias turísticos, mas também a dimensão 
subjetiva que consegue assombrar as certezas e convicções do viajante 
que pode demorar algum “tempo a orientar-se entre tantas afirmações 
contrárias mas não contraditórias.” (idem: 329). 
De facto, a novidade e a indeterminação que caracterizam a viagem, 
não obstante a presença do mapa e das linhas que definem o itinerário, 
forçam o viajante a estabelecer novas associações entre os elementos que 
julgava ir encontrar e os elementos que encontra e que sobejas vezes o 
desorientam pelo artificialismo que as caracteriza ou pelo esforço que 
implica a recuperação de informações que “a História enfiara já no quarto 
de arrumos.” (idem: 221). Será este grau de indeterminação ou, por vezes, 
de desorientação, o fundamento da surpresa que a viagem constantemente 
proporciona, impossibilitando a existência de duas viagens iguais. 
O relato escrito da viagem é o resultado dessa interação dinâmica entre 
o viajante e os espaços que percorre, do “distribuir os volumosos cadernos 
de apontamentos” (idem: 18) que para além de descrições, contêm os pen-
samentos do viajante sobre a “superfície plana do mapa” (ibidem). E, por 
esse motivo, nesse texto é tão nítida a inscrição do sujeito que é forçado a 
dar unidade e sentido ao que vive durante o percurso. Deste modo, tal como 
temos vindo a afirmar, não obstante a certeza do mapa e do traçado do 
itinerário, este narrador-viajante é constantemente surpreendido e forçado 
a criar sentidos a partir da interação das suas idiossincrasias emocionais, 
temporais e espaciais (traços de personalidade, memórias de eventos pas-
sados, necessidades e preocupações presentes, uma disposição emocional 
e uma condição física particulares) e a informação que lhe é oferecida nos 
locais que visita ou nos guias turísticos que lê.
Retomando o que referimos no início, a relação entre literatura e 
turismo passa não só pela capacidade que o texto literário tem de fixar 
memórias e experiências de viagens, mas também pela potencialidade do 
texto literário de recuperar e (re)construir memórias de espaços e de trans-
formar, por essa via, o espaço em espaço turístico, ou seja, “a physically or 
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socially demarcated area arranged for touristic visits.”. (Cohen, 2000: 591). 
Uma das autoras que sublinha esta capacidade transformadora da litera-
tura é Patrícia Cunha (2006: 1), para quem o texto literário tem o poder 
de construir e de perpetuar a imagem de um espaço turístico. Esta autora 
ilustra a sua tese oferecendo o exemplo da Carta de Pêro Vaz de Caminha 
a El-Rei D. Manuel (1500) que, a seu ver, determinou a associação entre 
o destino turístico, Brasil, e a ideia de Paraíso (2006: 2) potencializando 
a criação de uma visão paradisíaca do espaço brasileiro que se perpetuou 
até ao presente. Deste modo, a forma como o espaço é referido num dado 
texto literário afeta decisivamente a construção da imagem desse espaço 
como espaço turístico, podendo mesmo constituir uma espécie de protocolo 
para a sua leitura. É claramente o que sucede após a leitura de Danúbio. 
Não é possível reter a perceção que se tinha desse espaço antes da leitura 
da obra de Magris ou visitar os países que compõem o painel dos países 
centro-europeus sem a interferência do relato da viagem do narrador de 
Danúbio. A imagem do espaço que o leitor de Danúbio construirá a partir 
da leitura do texto de Magris, também este já uma construção do espaço 
realizada pelo autor, vai determinar a transformação desse espaço em 
produto turístico, i.e., um recurso natural ou cultural, ao qual se associa 
um valor simbólico, e que foi assinalado por um determinado sistema de 
turismo (Leiper, 2000: 589). De facto, não podendo ser experienciado pelo 
consumidor antes da sua aquisição, o espaço turístico é sempre um produto 
cuja valorização depende na íntegra das memórias evocadas por outros e 
das descrições que esses outros fazem do espaço. Esta valorização depende 
da criação, no potencial turista, de uma espécie de memória virtual ou 
de uma memória do não-vivido, que lhe permite antecipar a sua própria 
experiência e que em Danúbio assume duas formas distintas: a memória 
virtual que a sua narração cria no leitor e a memória virtual do narrador.
2. O narrador-viajante de Danúbio
O narrador-viajante de Danúbio retrata física e culturalmente os países 
centro-europeus que atravessa, e é retratado por nós e por ele mesmo, como 
um turista ao qual não basta o saber enciclopédico sendo, por essa razão, 
imperativo o conhecimento da realidade e o confronto com essa mesma 
realidade que eventualmente poderá abalar as suas convicções e alterar as 
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suas interrogações. Por esse motivo, e numa referência a Johannes Keppler, 
o matemático que no século XVII descobriu que os planetas desenhavam 
elipses em torno do Sol, sublinha a importância de sair do espaço familiar 
que se conhece: “A alma é tacanha […], e refugia-se nos esconsos da lite-
ratura em vez de investigar na criação os desígnios divinos. Quem se fia 
apenas no papel pode acabar por descobrir não ser mais do que uma mera 
silhouette recortada no papel de seda que treme e se encolhe ao soprar o 
vento.” (Magris, 2010 [1986]: 28. Itálico no original). O escritor-viajante, 
que encontramos em Danúbio, embora não esteja à procura do novo ou do 
desconhecido, uma vez que conhece muito bem o espaço físico, cultural 
e político que percorre, quer arriscar uma viagem a partir do traçado car-
tográfico do rio Danúbio que se inicia no interior, espaço definido como 
seguro, como “um poderoso refúgio” (idem: 201), em direção ao mar, que 
é apresentado como o espaço de aventura, de “abandono ao novo e ao 
desconhecido” (ibidem). Efetivamente, ainda que realize um percurso em 
direção ao incerto, um percurso aparentemente contrário à confirmação da 
sua identidade, o narrador de Danúbio não abandona em momento algum a 
segurança que lhe é dada pela certeza, pela organização possível dentro da 
imprevisibilidade da viagem.Assim, o narrador afirma ser “reconfortante 
que a viagem tenha uma arquitectura e que seja possível contribuir com 
algumas pedras para esta última embora o viajante pareça ser não tanto 
alguém que constrói paisagens […] como alguém que as desmonta e desfaz 
[…].” (Magris, 2010 [1986]: 15). Esta desconstrução não é, no entanto des-
regrada ou aleatória, mas sim, “uma arte de decompor e recompor, ou seja, 
de criar uma outra ordem” (ibidem). Estamos pois perante um narrador-via-
jante para quem a ordem e o mapeamento são fundamentais. Na realidade, 
durante esse estado transitório do homem que é a viagem, a ordem conforta 
o viajante: “o viajante lê e anota nomes nas estações que deixa para trás 
[…] satisfeito com essa ordem” (Magris, 2010 [1986]: 40-41), até porque 
“só o reconhecimento preciso do visível nos permite alcançar as margens e 
aventurarmos um olhar para lá das fronteiras” (idem: 121). Não obstante, 
a ordem e o mapeamento – o “método [que] é a construção da experiência” 
(idem: 15) – servem frequentemente apenas para que o indivíduo saia dessa 
ordem e construa a experiência turística à sua margem. 
Logo, o facto de ao mapa físico definido pelo percurso do Danúbio 
se sobrepor o mapa mental e intelectual do narrador, construindo e des-
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construindo paisagens, surge como algo natural. É, aliás, a inscrição do 
narrador-viajante no percurso que lhe confere a identidade e singulari-
dade. Assim, num primeiro plano, seguimos o percurso cartográfico do 
Danúbio e, num segundo plano, acompanhamos o curso intelectual do 
narrador cujos conhecimentos e expectativas são, ou não, confirmados. 
Ou seja, por um lado, o afastamento do espaço de origem dá ao viajante a 
possibilidade de confirmar “as suas raízes e os seus hábitos” (idem: 58) e, 
por outro, oferece-lhe a possibilidade de questionar aquilo que observa. É 
exatamente nesse questionamento da realidade que surge uma das face-
tas mais nítidas do narrador-viajante de Danúbio: a sua imensa bagagem 
cultural que molda a observação dos locais visitados e que transforma este 
narrador num tipo específico de turista.
2.1 O narrador-viajante de Danúbio enquanto turista 
O narrador-viajante revela um conhecimento prévio do lugar visitado, um 
olhar informado e crítico que aproxima a sua prática enquanto turista da do 
turista cultural, uma figura cujas experiências estão “centradas na cultura 
ou no ambiente cultural, incluindo por isso as paisagens do destino, os 
valores e os estilos de vida, o património, artes visuais e representações, 
indústrias culturais, tradições e atividades de lazer das populações ou 
comunidades visitadas. Pode incluir a assistência a espetáculos, visita a 
museus e monumentos, e ainda interação com os locais.” (Hammond, 
2004: 6).[1] Tudo isto são atividades que podemos observar em Danúbio. 
E, nesta perspetiva, a atitude do narrador justapõe-se à do turista cultu-
ral, na medida em que é instruído, independente e ativo, no modo como 
constrói o seu percurso e como reflete sobre a sua experiência turística 
(ver Magris, 2010 [1986]: 74). A experiência turística do narrador não 
consiste apenas em riscar sucessivamente monumentos e atrações de uma 
1 Muito embora a definição de turista cultural, tal como a do conceito de turismo cultural, não 
seja una nem consensual (cf. Alzua, O’Leary & Morrison, 1998: 3; McKercher & Cros, 2001: 
3), o turista cultural é frequentemente caracterizado como sendo bem informado, crítico 
e ativo, como alguém que viaja com motivações de ordem cultural, nomeadamente, para 
visitar locais de interesse histórico, etnográfico, literário, entre outros, como alguém que 
dá importância à qualidade e à autenticidade da experiência, e que aprecia o contacto com 
os habitantes do local que visita (Crinion, Leader-Elliot & Tourism South Australia. Cultural 
Tourism Committee, 1991; Dewar, 2000; DGOTDU, 2005).
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lista elencada por outrem, nem corresponde propriamente a uma viagem 
de descoberta, ainda que essa dimensão esteja implícita no próprio ato de 
viajar. A viagem descrita em Danúbio traduz sobretudo a ambição de pro-
curar e identificar conhecimentos anteriores, eventualmente dispersos, que 
são convocados, no seu conjunto, no momento de articular o pensamento 
sobre aquilo que é vivido. Esta pretensão transparece no tipo de olhar 
adotado pelo narrador que realiza o percurso com o propósito de “reconhe-
cer”, aquilo que é já conhecido. Podemos confirmar a presença deste tipo 
de olhar no momento em que o narrador se compara a Victor Bérard que 
“levava consigo a Odisseia ao navegar pelo Mediterrâneo, para reconhecer 
os lugares e o seu segredo” (Magris, 2010 [1986]: 328. Itálico nosso). Ou 
seja, o tipo de olhar do narrador de Danúbio é projetado para observar os 
objetos em função de um discurso que lhe era previamente familiar (cf. 
Westover, 2009: 13). De facto, o narrador procura este discurso familiar 
e fá-lo escolhendo como pontos de visita (e assinalando-os como atrações 
turísticas[2]), os lugares que já lhe são conhecidos, ainda que a partir de 
um saber enciclopédico. Neste processo de “reconhecimento”, o narrador 
faz a viagem questionando, selecionando, ordenando, hierarquizando, 
ou seja, construindo o seu próprio discurso sobre os lugares que visita 
num reflexo de uma atitude que não se limita a descrever, mas que, pelo 
contrário, revela um entendimento profundo e sustentado sobre o obser-
vado, como é próprio do turista cultural. Neste caso, trata-se de um turista 
cultural, munido de “uma máquina fotográfica espácio-temporal capaz 
de reproduzir, […] de modo sucessivo” um conjunto de acontecimentos/
episódios que “ao longo dos séculos e dos milénios existiu na porção de 
espaço enquadrada pela objectiva” (Magris, 2010 [1986]: 329). E é esta 
máquina espácio-temporal, ou seja, este conhecimento privilegiado do 
espaço visitado e da sua História, que faz deste narrador-viajante um turista 
com uma capacidade excepcional para apreender, destruir e (re)construir 
o que observa ao longo do seu percurso.
Podemos ainda relacionar o narrador-viajante de Magris com um dos 
perfis subsidiários do turista cultural, o do turista literário (cf. Stiebel, 
2004: 32) ou com o do peregrino literário, como eram designados os 
primeiros turistas literários. À semelhança do narrador de Danúbio, os 
2 A “atração turística” refere-se a um espaço que detém um interesse especial e que, por esse 
motivo, foi assinalado por um dado sistema de turismo (Lew, 2000: 35-37).
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primeiros turistas literários distinguiam-se por serem instruídos, conhe-
cedores dos clássicos e terem a formação necessária para apreciarem o 
património com que se deparavam (Herbert, 2001: 313). No entanto, 
como refere David Herbert (2001: 313), a figura do peregrino literário 
tem sido progressivamente substituída pela do turista que visita os espaços 
literários somente por curiosidade e interesse geral e não com a dedicação 
informada do primeiro, razão pela qual, entendemos que o narrador de 
Danúbio, enquanto turista, está mais próximo dos peregrinos literários do 
que da generalidade dos atuais turistas literários.
Um dos pontos de contacto entre o narrador criado por Magris e a 
figura do peregrino literário é a recuperação intencional da memória, 
uma vez que a viagem descrita em Danúbio reconstrói a memória dosmomentos históricos que mais marcaram a Europa Central e das pessoas 
(intelectuais, artistas e políticos) que os protagonizaram. Outro dos pontos 
de contacto é a procura de uma experiência de proximidade relativamente 
aos espaços, às paisagens, aos monumentos, mas sobretudo aos autores – 
aos escritores, filósofos, artistas e políticos –, que se faz visitando as suas 
casas, os locais onde trabalharam ou morreram, os seus túmulos, as estátuas 
construídas em sua homenagem, as bibliotecas a que deram os seus nomes 
e/ou contêm o seu espólio, percorrendo as ruas que estes calcorrearam 
ou, simplesmente, indo aos cafés que frequentavam. Este processo de 
evocação da memória de personalidades com dimensões muito distintas 
(internacionais, nacionais, locais) é motivado pelo facto de a maioria destas 
figuras ter contribuído para a construção da identidade desses espaços. Ao 
seguir o percurso do Danúbio, descrevendo os lugares e acompanhando 
essas descrições com comentários, reflexões, citações e histórias daqueles 
cujas vidas, obras ou mortes estão ligadas a esses lugares, o narrador cria 
um itinerário ordenado geograficamente, mas não cronologicamente, uma 
vez que na sua narrativa coexistem várias épocas num mesmo momento 
e num mesmo lugar, como bem nota Kristian Gerner (1999: 3). É a forma 
como o narrador evoca as suas memórias, ignorando a ordem cronológica, 
porque, segundo afirma, “Não há um comboio único do tempo, seguindo 
numa direcção única a uma velocidade constante; por vezes cruzamos 
um outro comboio, que vem ao nosso encontro do sentido oposto, do 
passado, e por um momento esse passado fica ao nosso lado, junto a nós, 
no nosso presente.” (Magris, 2010 [1986]: 46), que enforma e confere 
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uma identidade própria aos lugares visitados – as memórias do narrador 
transformam-se em memórias do espaço.
A recuperação da memória individual registada (do autor, do narrador, 
da personagem, do próprio turista) tem ainda outro efeito: transforma-se 
em memória coletiva. De acordo com Harald Hendrix (2007: 3), a depura-
ção da memória individual, a sua simplificação, faz com que permaneçam 
as linhas mais fortes e mais comuns, os elementos-chave, aqueles que 
sendo mais consensuais são a base da memória cultural. De resto, todo o 
processo de memorização, tal como todo o processo de esquecimento, é 
sempre uma questão de escolha, de seleção do que lembrar e do que esque-
cer (mesmo que inconscientemente). A memória, em qualquer das formas 
que pode assumir (individual, coletiva, cultural) é sempre um construto, o 
que está em perfeita sintonia com a ideia de “criação” do espaço turístico, 
ou seja, da modificação de um espaço através de um processo subjetivo 
que condiciona o próprio genius loci, por via de um conjunto de conexões 
e de sentidos que nele são inscritos. Assim, entendemos que a memória 
literária é, neste contexto, algo que reflete e gera outros lugares – lugares 
transformados pelo narrador e desse modo veiculados ao leitor. E é desta 
maneira que este homem de letras, que “prefere divagar, moralizar sobre as 
presunções da exactidão científica”, se inscreve na paisagem, se acrescenta 
ao traçado exacto do mapa, nele refletindo o seu próprio sentido: “observo 
a casa, rodeio-a, inspecciono-a, comparo-a com a sua descrição epistolar.” 
(Magris, 2010 [1986]: 29).
Em suma, não obstante a proximidade que verificamos existir entre 
o narrador de Danúbio e a figura do peregrino literário, constatamos que 
seria redutor identificá-lo apenas como tal, do mesmo modo que seria 
redutor e inadequado classificá-lo simplesmente como um turista literário. 
Trata-se claramente de um turista cultural, categoria que, englobando as 
outras duas, não se esgota nestas definições.
No próximo ponto, destacamos uma das categorias dos traços da expe-
riência turística: a valorização da autenticidade.
3. A construção do espaço e a questão da autenticidade 
Tal como referimos previamente, em Danúbio, o leitor acompanha o pro-
cesso de construção da identidade do narrador-viajante, sendo que esta é 
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tanto “feita de lugares, das ruas onde vivemos e deixámos parte de nós” 
(Magris, 2010 [1986]: 281) como dos espaços por onde passa. Este pro-
cesso de construção é um mecanismo que confere amplamente unidade 
à dispersão provocada pelo caráter “fluido”, “contínuo” e “indistinto” do 
rio (idem: 365). Neste processo de construção simultânea do espaço e da 
sua própria identidade, o narrador-viajante segue as pistas cartográficas 
ao mesmo tempo que deixa um trilho nítido das suas pistas culturais e 
intelectuais. Como afirma Manfred Pfister (2006: 25), os viajantes seguem 
e deixam pistas que se inscrevem na memória cultural de um determinado 
lugar. No caso de Danúbio, estas pistas contribuem de modo decisivo para 
a construção do espaço percorrido enquanto espaço turístico, um espaço 
em tudo adequado à prática do turismo cultural e, portanto, no qual a 
questão da autenticidade é fundamental.
A relevância que o caráter indistinto do autêntico adquire no espaço 
turístico ganha destaque em diversos momentos da narrativa, mas há um 
episódio inicial no qual a imperiosa necessidade de justificar a autentici-
dade ganha um tom jocoso. Referimo-nos à indispensabilidade da presença 
da tabuleta onde se marca a “verdadeira” origem do rio “Hier entspringt die 
Donau” (Magris, 2010 [1986]: 20. Itálico no original). E se este episódio 
remete para uma disputa entre autoridades locais, para as quais afirmar que 
na sua localidade se situa a nascente do Danúbio é sobretudo uma questão 
de rentabilização turística de um elemento geográfico, para o narrador 
de Magris o que sobrevém é uma genuína preocupação com a questão da 
autenticidade. Uma necessidade quase obsessiva de encontrar a verdade 
e a origem que o leva mesmo a testar a hipótese absurda de a fonte deste 
rio ser uma torneira mal fechada (ver Magris, 2010 [1986]: 29).
Efetivamente, e como afirmámos, para o narrador de Danúbio a viagem 
constitui uma forma de chegar ao autêntico: de verificar no lugar o que se 
aprendeu nos livros e nos mapas e de encontrar “um sopro ou uma corrente 
de ar vindos da vida verdadeira” (idem: 28). Uma procura da verdade 
que o leva mesmo a colocar a questão do autêntico como uma questão de 
dignidade e de respeito por si próprio, opondo-a à indignidade da farsa 
que refere a propósito do funeral de Rommel (idem: 78) e da encenação 
da ostentação nazi: “Este respeito por si próprio e pela própria dignidade 
[…] faz surgir os uniformes SS, ou das autoridades nazis de visita ao Lager, 
em toda a sua miséria de farpelas de carnaval” (idem: 188).
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O narrador-viajante de Magris questiona passo a passo todos os objetos 
da sua visita e todos os testemunhos e factos concernentes, assim cons-
truindo e desconstruindo meticulosamente as paisagens, lendas, mitos e 
até a própria História. Assumindo que para construir é preciso desconstruir 
(idem: 15), o narrador produz um itinerário único, assente na sua noção 
de autenticidade, na sua verdade dos lugares, dos homens e dos factos. 
Em Danúbio, o narrador assume simultaneamente as funções de turista 
e guia, leitor e escritor das suas paisagens, experiências e até da História.É 
ele quem distingue o que é autêntico do que é encenação, o que é essencial 
do acessório e que define um itinerário próprio, marcado pela subjetividade 
das suas múltiplas referências ao património cultural (tangível e intangível) 
da Europa Central e por reflexões a seu respeito. De facto, o narrador-
-viajante de Danúbio, tal como o turista cultural, ou tal como o peregrino 
literário, tem um pré-conhecimento da reprodução, constituindo a viagem 
uma forma de se aproximar do original, de confirmar a autenticidade, tal 
como refere Paul Westover (2009: 13, cf. Herbert, 2001: 313).
 No fundo, é como se todo o património material e imaterial presente 
ao longo do Danúbio só se concretizasse no momento em que o narrador 
realiza esse percurso, quando é confrontado com as evidências físicas e as 
confronta com o seu conhecimento. A sua visita e a sua confirmação ou 
não dos factos anteriormente conhecidos por via dos livros constituem a 
forma de autenticação. É o que sucede por exemplo quando chegado a 
Viena afirma: “O Danúbio não é azul, como querem os versos de Karl Isidor 
Beck, que sugeriram a Strauss o título sedutor e mentiroso da sua valsa.” 
(Magris, 2010 [1986]: 228) e, perante a mentira repõe a (sua) verdade, 
afirmando que “O Danúbio é louro […]. Amarelo lodoso” (ibidem).
Este processo de confirmação ou da afirmação da autenticidade é em 
tudo semelhante ao que refere a propósito de Martin Heidegger. O filósofo 
só considerava autênticos os bosques diante da sua casa e os camponeses 
cujos nomes e gestos conhecia (Magris, 2010 [1986]: 54). Para ele os res-
tantes “camponeses, florestas, falas, costumes […] tornavam-se abstractos, 
ideológicos, irreais, como se apenas existissem em estatísticas áridas e 
fossem uma invenção” (idem: 55), carecendo da observação direta que os 
concretiza e autentica. Tal como Heidegger, o narrador-viajante-turista 
cultural também constrói a sua realidade com base no que lhe é dado 
observar diretamente, refletir e opinar no local. O itinerário da nascente 
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à foz do Danúbio é aquele cujas pistas segue e no qual inscreve as suas 
próprias pistas. Um itinerário irrepetível, mas que o seu leitor poderá 
seguir geograficamente, percorrendo o trilho do narrador e inscrevendo 
os seus vestígios num novo e único itinerário, como é apanágio daqueles 
que viajam munidos da sua própria “máquina fotográfica espácio-tempo-
ral” (idem: 329).
Conclusões
Em suma, podemos afirmar que o texto literário é um meio privilegiado 
para a construção de espaços turísticos. As palavras dos autores cristalizam 
as memórias dos lugares. As experiências vividas pelos autores e/ou perso-
nagens geram lugares turístico-literários, na medida em que condicionam 
a imagem veiculada por esses espaços.
Literatura e turismo estabelecem uma relação privilegiada que em 
Danúbio pode ser entendida a partir de pelo menos três pontos de vista 
distintos: o primeiro atende ao modo como o texto literário permite orde-
nar e perpetuar a experiência turística que, caso não fosse registada em 
palavras, se perderia no ato transitório da viagem; o segundo consiste no 
modo como um texto pode ser um propulsor de turismo cultural, ao criar 
nos leitores o desejo de percorrer o mesmo itinerário do protagonista, e 
o último funda-se na constituição do texto literário enquanto ponto de 
partida para a estruturação de itinerários.
Texto, paisagem, lugar literário e destino turístico têm na sua génese 
a interseção do olhar com o mundo. Todos eles são construtos, adquirindo 
sentidos diversos em tempos e espaços diferentes. Daí a possibilidade de, 
por um lado, a literatura construir lugares turísticos e, por outro, de estes 
serem matéria-prima na construção dos textos literários. 
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