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A POSSIBILIDADE DE RATEIO DA PENSÃO POR MORTE ENTRE CÔNJUGE E CONCUBINA VIÚVAS. Luiz Felipe Germani Ferreira 1 Sumário: 1. Introdução. 2. Previdência Social e o risco social morte. 2.1. Pensão por morte. 3. Companheiros beneficiários da pensão por morte. 3.1. Situação de concubinato. 4. Jurisprudência contrária ao rateio da pensão entre cônjuge e concubina. 5. Jurisprudência favorável ao rateio da pensão entre cônjuge e concubina. 5.1. Precedente do reconhecimento da união estável homoafetiva. 6. Repercussão geral no STF. 6.1. Entendimentos doutrinários favoráveis à mudança do posicionamento do STF. Conclusão. RESUMO: Este artigo analisa a possibilidade de rateio da pensão por morte entre cônjuge e concubina viúvas de um segurado da previdência. Primeiramente analisou-se a legislação previdenciária quanto à proteção do risco social morte. Foram vistos os dispositivos legais que garantem o direito a pensão por morte e os dependentes que podem ser beneficiários. Verificou-se que os concubinatos impuros não estão amparados, pois a lei difere união estável de concubinato, não permitindo que pessoas impedidas legalmente de casar tenham a mesma proteção garantida à união estável. Foi visto que muitos tribunais, inclusive o STF, se posicionaram pela impossibilidade de rateio da pensão, fundamentando suas decisões no impedimento legal. No entanto, constatou-se que parte da jurisprudência defende que, em determinadas ocasiões, a interpretação literal da lei deve ceder à hermenêutica que abrange princípios constitucionais para proteger de forma adequada os casos concretos que estão à margem da previdência. Ademais, foi trazido ao trabalho os julgamentos que reconheceram a união estável aos casais homoafetivos, pois esta jurisprudência derrubou os argumentos de interpretação exegética da lei, que afirmavam que a Constituição somente protegia o núcleo familiar passível de se converter em casamento. Desta forma, noticiou-se que o STF, aceitou o RE 669465 como caso de repercussão geral, possibilitando a mudança de seu entendimento. Assim, relacionou-se entendimentos que defendem o avanço da jurisprudência, possibilitando o rateio da pensão por morte entre as duas famílias do segurado falecido, assim consagrando os princípios constitucionais, a dignidade da pessoa humana e o direito a proteção previdenciária. Palavras chaves: Concubina. Pensão por Morte. Previdência Social. Dignidade da Pessoa Humana. STF. ABSTRACT: This article analyzes the possibility of apportionment of the death pension between spouse and concubine widows of a pensioner. Firstly, it analyzed the social security legislation regarding the protection of social risk of death. We have seen the legal provisions that guarantee the right to a death pension and the dependents who may be beneficiaries. It has been found that unclean concubinates are not supported, for the law differs from stable union of concubinage, not allowing persons legally prevented from marrying to have the same protection guaranteed to the stable union. It was seen that many courts, including the STF, were positioned because of the impossibility of apportioning the pension, based their decisions on the legal impediment. However, it has been found that part of the case-law holds that, on certain occasions, the literal interpretation of the law must yield to hermeneutics which covers constitutional principles to adequately protect concrete cases which are outside the scope of social security. In addition, the judgments that recognized the stable union of homosexual couples were brought to work, since this jurisprudence overturned the arguments for the exegetical interpretation of the law, which affirmed that the Constitution only protected the family nucleus that could be converted into marriage. Thus, it was reported that the STF accepted RE 669465 as a case of general repercussion, allowing the change of understanding. Thus, understandings were established that defend the advancement of jurisprudence, enabling the apportionment of the death pension between the two families of the deceased insured, thus consecrating the constitutional principles, the dignity of the human person and the right to social security protection. Keywords: Concubine. Pension by Death. Social Security. Dignity of Human Person. STF. 1 Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE/RS em convênio com a Universidade de Caxias do Sul – UCS. 2 1. Introdução. Primeiramente, destaca-se que a Previdência Social é um seguro que protege os riscos sociais presentes na vida humana, entre eles a morte. O ordenamento jurídico nacional garante uma pensão aos dependentes econômicos do segurado falecido que preencha alguns requisitos previstos na legislação previdenciária. No entanto, existem alguns dependentes econômicos que estão desamparados, é a situação dos companheiros em concubinato impuro, ou seja, que vivem em uma união afetiva com o segurado que já é casado, que possui outra família concomitantemente. Geralmente os companheiros em concubinato não têm direito a receber a sua quota da pensão por morte, que, como previsto na lei de benefícios da previdência, deveria ser rateada em partes iguais a todos os dependentes de mesma classe, isto é, os companheiros. Entretanto, há um grave dissenso na jurisprudência pátria quanto à concessão do benefício às concubinas. O STF quando se manifestou sobre o tema negou o benefício, baseado na impossibilidade legal de haver união estável com uma pessoa que está impedida de casar, pois já vive na constância de outro casamento. Neste sentido seguiram diversos entendimentos, inclusive do STJ e da TNU. Porém, sempre houve julgamentos que baseados em princípios constitucionais e na devida proteção previdenciária possibilitaram o rateio da pensão por morte entre a esposa e a concubina, tanto anteriores ao posicionamento do STF, como julgados recentes de Tribunais Federais. Ocorre, que com o julgamento do STF que, reverenciando princípios constitucionais, possibilitou o reconhecimento da união estável para pessoas do mesmo sexo, de forma contrária ao positivado no Código Civil, foi aberto o precedente para o reconhecimento de união estável entre outros companheiros de fato que seriam impedidos de se casar. Assim, atualmente, na jurisprudência pátria é possível encontrar julgados que seguem o primeiro entendimento do STF e também decisões que se baseiam em princípios constitucionais para conceder o benefício. Em um caso destes que foi deferido o benefício, o INSS recorreu até o STF, que percebendo a mudança jurisprudencial e a transformação da sociedade contemporânea, definiu o julgamento como evento de repercussão geral, que ainda aguarda por decisão do plenário do STF. 3 Desta forma, cabe analisar os princípios constitucionais que vêm baseando a nova jurisprudência nacional e entendimentos doutrinários que reforçam a necessidade de mudança no posicionamento da Corte Máxima, pois esta decisão irá repercutir sobre muitas pessoas que se encontram desamparadas economicamente pela previdência social. 2. Previdência Social e o risco social morte. Inicialmente, cabe apresentarmos brevemente a Previdência Social, que é o sistema contributivo pelo qual os trabalhadores e seus dependentes ficam resguardados quanto a infortúnios ou situações que ensejem a necessidade de um amparo financeiro, mediante prestações pecuniárias ou serviços. A Previdência Social garante a subsistência das pessoas frente aos riscos sociais que enfrentem (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário, maternidade, prole, reclusão). 2 Também é possível definir a Previdência Social como a forma que o Estado cumpre seu dever de proteger os trabalhadores, que contribuam parao sistema, e seus dependentes do estado de necessidade decorrente da perda ou redução das condições laborais necessárias para obter o sustento básico. 3 Tais acontecimentos que podem ocorrer na vida de qualquer pessoa, certamente ou com grande probabilidade, que geram um transtorno nas condições normais de vida, principalmente na impossibilidade de obtenção do sustento através do trabalho, são denominados de riscos sociais. Sendo que nestes momentos críticos a subsistência dos indivíduos deve ser mantida pela Previdência do Estado. 4 ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR, neste sentido corroboram: Na terminologia do seguro, chamam-se tais eventos de “riscos”, e por dizerem respeito ao próprio funcionamento da sociedade, denominam-se “riscos sociais”. Os regimes previdenciários são instituídos com a finalidade de garantir aos seus beneficiários a cobertura de determinadas contingências sociais. Em sua essência, as normas buscam amparar os trabalhadores e seus dependentes quando vitimados por eventos, reais ou presumidos que venham a produzir uma perda integral ou parcial dos rendimentos familiares ou despertem outra necessidade considerada socialmente relevante. 5 2 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 57. 3 CASTRO e LAZZARI, op. cit. p. 27. 4 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social: Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 6. 5 Ibid. p.6. 4 Assim, tendo em vista que a previdência social visa garantir a dignidade das pessoas quando atingidas por um infortúnio que as deixe desamparadas economicamente, destaca-se no presente artigo o risco social que acomete, cedo ou tarde, todas as pessoas - a morte. O risco social morte é previsto constitucionalmente, está arrolado no artigo 201, I, da Carta Magna 6 , e o benefício de pensão por morte aos dependentes está prescrito no inciso V deste artigo. VIANNA aduz que “esse risco social implica a necessidade social de ausência de rendimentos do segurado para a manutenção da família previdenciária – os dependentes do segurado -, o que será coberto pelo benefício em questão”. 7 2.1. Pensão por Morte. Bocchi Junior, Bocchi Neto e Lépore em seu manual voltado para a prática da advocacia previdenciária definem tecnicamente que pensão por morte é o benefício de prestação continuada, substitutivo da remuneração do segurado falecido (aposentado ou não) e devido aos seus dependentes. 8 E que esta prestação é detalhada especificadamente nos artigos 74 a 79 da Lei 8.213/91 9 e regulamentada pelo Decreto 3.048/99 10 nos artigos 105 a 115. Assim, segue in verbis o artigo 74 da Lei de Benefícios da Previdência Social – 8.213/91, que define o benefício da pensão por morte. Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste; (Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015) II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) 6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 05 out. 1988. p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 09 abril. 2017. 7 VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 561. 8 BOCCHI JÚNIOR, H.; BOCCHI NETO, H.; LÉPORE, P. Manual do Advogado Previdenciário: Teoria e Prática. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 390. 9 BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF., 25 jun. 1991. p. 14809. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 09 abril. 2017. 10 BRASIL. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF.,07 de maio de 1999. p. 50. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: 09 abril. 2017. 5 III - da decisão judicial, no caso de morte presumida. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) § 1o Perde o direito à pensão por morte, após o trânsito em julgado, o condenado pela prática de crime de que tenha dolosamente resultado a morte do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) § 2o Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015). Desta forma, para complementar a noção do benefício, cabe expor o artigo 16 da Lei 8.213/91 que define os dependentes no sistema previdenciário: Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada. Destaca-se ainda o art. 77 da Lei 8.213/91 que dispõe sobre a divisão do benefício entre os dependentes e sobre a cessação do benefício. Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 2o O direito à percepção de cada cota individual cessará: (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) I - pela morte do pensionista; (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) 6 II - para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, ao completar vinte e um anos de idade, salvo se for inválido ou tiver deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015) (Vigência) III - para filho ou irmão inválido, pela cessação da invalidez; (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) IV - pelo decurso do prazo de recebimento de pensão pelo cônjuge, companheiro ou companheira, nos termos do § 5º. (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014) (Vigência) (Vide Lei nº 13.135, de 2015) V - para cônjuge ou companheiro: (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) a) se inválido ou com deficiência, pela cessaçãoda invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável: (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) § 2o-A. Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea “a” ou os prazos previstos na alínea “c”, ambas do inciso V do § 2o, se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contribuições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) § 2o-B. Após o transcurso de pelo menos 3 (três) anos e desde que nesse período se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nascer, poderão ser fixadas, em números inteiros, novas idades para os fins previstos na alínea “c” do inciso V do § 2o, em ato do Ministro de Estado da Previdência Social, limitado o acréscimo na comparação com as idades anteriores ao referido incremento. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) § 3º Com a extinção da parte do último pensionista a pensão extinguir-se-á. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) § 4o (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) § 5o O tempo de contribuição a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) será considerado na contagem das 18 (dezoito) contribuições mensais de que tratam as alíneas “b” e “c” do inciso V do § 2o. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 7 § 6º O exercício de atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual, não impede a concessão ou manutenção da parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave. (Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015) 3. Companheiros beneficiários da pensão por morte. Ao interpretar os artigos supramencionados, conjugando o artigo 74 com o inciso I do artigo 16, ambos da Lei 8.213/91, percebe-se que os (as) companheiros (as) dos segurados falecidos têm direito à pensão por morte. E ao analisarmos o artigo 77 verifica-se que havendo dependentes da mesma classe, a pensão deverá ser rateada em partes iguais entre todos. No entanto, segundo a lei, considera-se companheiro (a) apenas a pessoa que viva numa relação de união estável com o segurado (a). Conforme o art. 16, §6º, do regulamento da Previdência Social - Decreto nº 3.048/99, “união estável é aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002”. 11 Destarte, importante trazer a baila os artigos do Código Civil 12 que versam sobre a união estável: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. 11 VIANNA, op. cit. p. 438-439. 12 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 11 jan. 2002. p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 abril. 2017. 8 Além do mais, a Constituição Federal em seu artigo 226, §3º, também trata da união estável: “§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Assim, da mera interpretação literal dos dispositivos legais invocados, conclui-se que quando uma das partes está na constância do casamento não se configura o instituto da união estável com outra pessoa. A lei de benefícios da previdência ainda garante excepcionalmente, conforme artigo 76, §2º, o direito ao cônjuge divorciado ou separado do segurado falecido ao recebimento de pensão por morte em rateio com a companheira e demais dependentes de primeira classe, na hipótese de estar recebendo pensão alimentícia ou até mesmo que venha a necessitar de alimentos após o óbito, conforme a jurisprudência pátria dominante. Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação. § 1º O cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte o companheiro ou a companheira, que somente fará jus ao benefício a partir da data de sua habilitação e mediante prova de dependência econômica. § 2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei. Neste sentido, é a súmula do STJ de número 336: A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente. 13 Desta forma, no caso de um segurado ser casado no papel com uma pessoa, mas estar separado de fato e convivendo em união estável com outra pessoa, as duas terão direito ao benefício de pensão por morte rateado de forma igual. 3.1. Situação de Concubinato. 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 336. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2012_28_capSumula336.pdf>. Acesso em: 09 abril. 2017. 9 Por outro lado, com uma interpretação exegética de tais dispositivos legais, depreende- se que se o segurado for casado e não separado de fato, mas possuir outro relacionamento duradouro, esse seria um concubinato impuro e não uma uniãoestável, portanto não passível de gerar direitos à concubina. 14 O Código Civil define o instituto jurídico do concubinato em seu artigo 1.727, distinguindo da união estável. Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Cabe destacarmos o comentário do doutrinador CARVALHO FILHO sobre o concubinato mencionado neste artigo: Este artigo define concubinato e tem por finalidade deixar clara a diferença entre ele e a união estável. O concubinato definido no artigo corresponde ao concubinato impuro ou adulterino (o puro é a união estável), que se caracteriza pela clandestinidade e deslealdade do relacionamento, não eventual, daquelas pessoas de sexos diferentes que estão impedidas de se casar e, portanto, de constituir família. Da conjugação do texto deste artigo com aquele do art. 1.523, §1º, pode-se concluir que estas pessoas impedidas de se casar são, na verdade, as já casadas, pois, assim não fosse, aquelas separadas de fato ou separadas judicialmente, que ainda não podem casar-se novamente, porque dependentes do divórcio, não estariam autorizadas a manter outra relação não eventual – união estável -, praticando o concubinato tratado no dispositivo. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não há como ser conferido status de união estável a relação concubinária concomitante a casamento válido. O concubinato não gera os direitos e deveres nem produz os efeitos da união estável. Poderá, todavia, produzir outros efeitos. O concubino não tem direito a alimentos – o art. 1.694 limita esse direito aos parentes, cônjuges e companheiros -, mas poderá pleitear em juízo direito ao patrimônio adquirido com esforço comum, além de indenização pelos serviços domésticos prestados, como já admitiu o Superior Tribunal de Justiça. Segundo Rodrigo Toscano de Brito, existem duas teses a respeito da disputa patrimonial em casos de relacionamentos coexistentes decorrentes de um casamento e uma relação concubinária paralela. A primeira sustenta que devam ser aplicadas as regras pertinentes ao regime de bens do casamento para a união oficial, que é decorrente do direito de família, aplicando-se as normas relativas à sociedade de fato, do direito das obrigações, à relação dita concubinária. A outra corrente dispõe que também o relacionamento paralelo – concubinato – deva ser considerado entidade familiar e, portanto, estar protegido pelas regras de direito de família, com fundamento nos princípios que atualmente o orientam: da dignidade da pessoa humana, da afetividade, da pluralidade das formas de família, eudemonista, e, ainda, da boa-fé objetiva. Dentro desta mesma linha, há quem entenda reconhecer iguais direitos ao cônjuge e ao concubino, analisando-se se houve afronta à boa-fé e à dignidade da pessoa humana, a partir da existência ou não de deslealdade entre os cônjuges. 15 Neste sentido, compete expor jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. ART. 6º, § 1º, DA LICC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 7 DO STJ. INAPLICABILIDADE. PARTILHA DE 14 VIEIRA, Paulo de Tarso Souza de Gouvêa. A cobertura previdenciária da concubina no regime geral de previdência social. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11555>. Acesso em: 09 abril. 2017. 15 CARVALHO FILHO, Milton Paulo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: coordenador Cezar Peluso. 3ª ed. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 1940-1941. 10 BENS. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. LEI N. 9.278/96. NÃO-INCIDÊNCIA. PERCENTUAL COMPATÍVEL. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. É inviável o conhecimento de suposta ofensa a norma infraconstitucional se não houve prequestionamento nem a oposição de embargos declaratórios para provocar o seu exame pelo Tribunal de origem. 2. Afasta-se o óbice da Súmula n. 7 do STJ quando não se está a perquirir as circunstâncias fáticas do feito, mas tão-somente saber se a maternidade, criação e formação dos filhos pela concubina, bem como a dedicação por ela proporcionada ao réu para o exercício de suas atividades – como reconhecidamente albergado no aresto de origem –, mostram-se aptas, bastantes por si sós, para embasar a meação dos bens arrolados na peça preambular. 3. Demonstrado no acórdão recorrido, de forma inconteste, que a contribuição da concubina-autora para formação do patrimônio comum dos conviventes ocorreu de forma indireta, impõe-se o afastamento da meação, por sucumbir frente à prevalência da partilha dos bens que, a par das circunstâncias dos autos, não há que ser em partes iguais. 4. Inaplicabilidade, ainda que por analogia, das disposições prescritas na Lei n. 9.278/96. 5. Incidência de normas legais e orientações jurisprudenciais que versam sobre concubinato, especialmente a Lei n. 8.971/94 e a Súmula n. 380 do Supremo Tribunal Federal, delimitando que a atribuição à companheira ou ao companheiro de metade do patrimônio vincula-se diretamente ao esforço comum, consagrado na contribuição direta para o acréscimo ou a aquisição de bens mediante o aporte de recursos ou força de trabalho. 6. Levando-se em conta a moderação e o bom senso recomendados para a hipótese em apreço, o arbitramento, no percentual de 40% (quarenta por cento) sobre o valor dos bens adquiridos na constância do concubinato e apurados na instância ordinária, apresenta- se compatível com o caso em apreço, por encontrar amparo nos sempre requeridos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. 7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (STJ - REsp: 914811 SP 2007/0002867-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/08/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: --> DJe 21/11/2008, - -> DJe 21/11/2008) 16 Todavia, a legislação previdenciária não traz nenhuma regra que tutele as situações existentes de mais de uma relação de companheirismo concomitante. A legislação infraconstitucional nos indica que o concubinato impuro não gera direito aos companheiros em concubinato, em especial na seara previdenciária, cujos dependentes se resumem aos taxativamente relacionados no artigo 16 da Lei 8.213/91. 17 É notório, que muitos homens casados possuem outro relacionamento, muitas vezes mantêm uma relação estável, duradoura e pública com outra mulher, com ela tendo filhos e criando-os, simultaneamente ao seu casamento formal. Observa-se que é corriqueira a situação de segurados que viajam muito a trabalho e escondem da esposa e da concubina a existência da outra família. Também há casos em que o homem omite por algum tempo e, posteriormente, quando a situação vem à tona, ele consegue persuadir as duas mulheres a aceitarem a existência uma da outra. Ou ainda, o caso do segurado prometer e iludir a 16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 914811 SP 2007/0002867-6. Segunda Seção, Relatora Ministra Nancy Andrighi. DE 21 nov. 2008. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2049599/recurso-especial-resp-914811/inteiro-teor-12228467> Acesso em: 09 abril. 2017. 17 BARBOSA FILHO, Nilson Rodrigues. A pensão por morte em concubinatos de longa duração na jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/29143>. Acesso em: 9 abril. 2017. 11 concubina de que irá largar a outra família, e assim, ir levando os dois relacionamentos simultaneamente. O grave problema é o fato de que o segurado, nesses casos, mantém duas unidades familiares que necessitarão de amparo previdenciário na hipótese de sua morte e osistema previdenciário ainda não protege tal hipótese. 18 Estes casos, que não são regulados normativamente, podem causar um grande problema de ordem social, pois quando o segurado que mantinha o sustento da família vem a óbito a concubina acaba ficando desamparada economicamente. Esta situação faz crescer a demanda judicial previdenciária em muito e os tribunais não tem posição pacífica sobre o tema, agravando o desamparo destas pessoas que dependiam de seus companheiros para obter seu sustento. 4. Jurisprudência contrária ao rateio da pensão entre cônjuge e concubina. Verifica-se que há vários julgados que decidiram pela impossibilidade de rateio da pensão entre esposa e concubina. Sendo que o fundamento jurídico tomado por essa vertente jurisprudencial é, essencialmente, o de que legislação brasileira não permite união estável entre companheiros impedidos de casar, assim, deixando desamparados os companheiros que vivem em concubinato. 19 Salienta-se que o STF se manifestou contrário à possibilidade de divisão da pensão por morte entre concubina e esposa. Em sua decisão se manteve preso à distinção entre os conceitos de companheirismo e concubinato. COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. (STF - RE: 397762 BA, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/06/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: "caDJe-172 DIVULG 11-09- 2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-03 PP-00611 RDDP n. 69, 2008, p. 149-162 RSJADV mar., 2009, p. 48-58) 20 18 VIEIRA, op. cit. 19 VIEIRA, op. cit. 20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 397762 BA. Primeira Turma, Relator Min. Marco Aurélio. DE 11 set. 2008. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2918741/recurso- extraordinario-re-397762-ba/inteiro-teor-101175791> Acesso em 09 abril. 2017. 12 VIANNA concorda com o posicionamento do STF, que segue a disposição legal de que não é possível se configurar união estável quando uma pessoa já é casada. O argumento de que a união estável pressupõe possibilidade de conversão em casamento, conforme, aliás, expressamente disposto no art. 1.726 do Código Civil, aliado ao impedimento previsto no art. 1.521, VI, do mesmo Codex, qual seja, a proibição de pessoas casadas novamente casarem, nos leva a acompanhar a posição do Supremo Tribunal Federal. 21 O STJ acompanhou o posicionamento do STF, não possibilitando a concubina de receber sua cota na pensão por morte, fundamentando que tal situação não se amolda ao previsto na legislação previdenciária. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPARTILHAMENTO DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. CONCOMITÂNCIA ENTRE CASAMENTO E CONCUBINATO ADULTERINO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. 2. As situações de concomitância, isto é, em que há simultânea relação matrimonial e de concubinato, por não se amoldarem ao modelo estabelecido pela legislação previdenciária, não são capazes de ensejar união estável, razão pela qual apenas a viúva tem direito à pensão por morte. 3. Recurso especial provido (STJ - REsp: 1104316 RS 2008/0238547-7, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 28/04/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: 20090518 --> DJe 18/05/2009) 22 Ainda, é possível ver tal entendimento no âmbito dos Tribunais Federais, como no julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINA. RELACIONAMENTO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES. 1. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, entre eles, nos termos do art. 16, da Lei 8.213/91, a companheira. 2. Ausência de demonstração da separação de fato, uma vez que o segurado era casado, e não há prova cabal de que tenha se separado judicialmente de sua esposa. 3. As provas documentais produzidas pela autora somente demonstram a dependência dela com relação ao de cujus e a existência de um relacionamento amoroso duradouro, que não são suficientes para afastar a presunção de mantença do casamento e o direito à percepção do benefício pela ex-esposa. 4. O reconhecimento da união estável exige que ambos (segurado e companheira) sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, divorciados ou viúvos, além de conviverem em uma entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. Assim, estão excluídas as situações de concomitância, de simultaneidade de relação marital e de concubinato, como a da hipótese em questão (, 17/03/2009; AgRg no REsp 1.016.574-SC, 3/3/2009, REsp 362.743-PB, DJ 11/10/2004 e AgRg no REsp 628.937-RJ, DJ 27/3/2006.). 5. Não há que se falar em convolação do concubinato em união estável, em momento posterior ao óbito, uma vez que o próprio falecido não demonstrou essa vontade em vida. 6. Apelação a que 21 VIANNA, op. cit. p. 441. 22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1104316 RS 2008/0238547-7. Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. DE 18 maio 2009. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4137223/recurso-especial-resp-1104316-rs-2008-0238547-7/inteiro- teor-12213033> Acesso em: 09 abril 2017. 13 se nega provimento. (TRF1, AC 200538090014848, Candido Moraes, 2ª Turma, e-DJF1 22/05/2014) 23 O posicionamento exegético do STF, que não permitia a concessão de pensão por morte a cônjuge concubina, por não enquadrar como companheiro a pessoa que é impedida de casar e vive em união afetiva, influenciou até mesmo a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência da Justiça Federal, como segue abaixo. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE ESPOSA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. RELAÇÃO EXTRACONJUGAL PARALELA AO CASAMENTO. AUSÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. INCIDENTE PROVIDO. 1. Não caracteriza união estável a relação afetiva extraconjugal, paralela ao casamento, pois nesse caso há impedimento à dissolução do casamento pelo divórcio. Hipótese distinta consiste na relação afetiva estabelecida pelo cônjuge separado de fato ou de direito, imbuída de affectio maritalis, i. e., com intuito de constituir entidade familiar. 2. O concurso entre esposa e companheira para o recebimento de pensão por morte só é possível na hipótese de “cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos”, nos termos do art. 76, § 2º, da Lei nº 8.213/91. Do contrário, não sendo o cônjuge separado de fato ou de direito não há que se falar em relação de companheirismo, mas de concubinato, que não enseja o direito à pensão previdenciária.4. Incidente de uniformização acolhido, com a determinação de devolução dos recursos com mesmo objeto às Turmas de origem a fim de que, nos termos do art. 15, §§ 1º e 3º, do RI/TNU, mantenham ou promovam a adequação da decisão recorrida. (TNU - PEDILEF: 200872950013668 SC, Relator: JUÍZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOSLEMOS FERNANDES, Data de Julgamento: 11/10/2011, Data de Publicação: DOU 28/10/2011) 24 5. Jurisprudência favorável ao rateio da pensão entre cônjuge e concubina. Por outro lado, grande parte da doutrina e jurisprudência defende que, em determinadas ocasiões, a interpretação literal da lei deve ceder à hermenêutica que abrange princípios constitucionais para proteger de forma adequada os casos concretos que estão à margem da previdência, de maneira que não fiquem desamparados os dependentes provenientes de concubinatos de longa duração, decorrentes de relacionamentos afetivos públicos entre pessoas com impedimento legal para casar. 25 Anteriormente ao posicionamento do STF, existiam julgados que previam a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a esposa e a concubina. Como a súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos: 23 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível 200538090014848. Segunda Turma, Relator Candido Moraes. DE 22 maio 2014. Disponível em: <http://arquivo.trf1.gov.br/AGText/2005/0001400/00014817620054013809_3.doc> Acesso em: 09 abril 2017. 24 BRASIL. Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 200872950013669 SC. Relatora Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes. DE 28 out. 2011. Disponível em: <https://tnu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20876116/pedido-de- uniformizacao-de-interpretacao-de-lei-federal-pedilef-200872950013668-sc-tnu> Acesso em: 09 abril 2017. 25 BARBOSA FILHO, op. cit. 14 SÚMULA Nº 159 - TFR - DJ DE 13/06/1984 - Enunciado: É legitima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos. 26 Verifica-se que a jurisprudência pátria já teve outros precedentes no sentido de conceder a pensão por morte também aos companheiros em regime de concubinato. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE – CONCUBINA. 1 - A definição de concubinato, para fins de proteção previdenciária (art. 16, § 3º, da Lei nº 8.213/91), é mais abrangente que o conceito delineado na legislação civil, uma vez que a inexistência de impedimentos matrimoniais somente se impõe ao dependente, e não ao segurado. 2 – Reconhecimento de efeitos previdenciários à situação do concubinato demonstrado nos autos, não sendo impedimento, para tanto, a existência simultânea de esposa. 3 - Ostentando a condição de companheira, milita em favor da Autora a presunção de dependência econômica prevista no § 4º, do art. 16, da Lei nº 8.213/9, que não é elidida pelo decurso de longo prazo entre o passamento do segurado e o requerimento, judicial, da pensão, uma vez que o liame da subordinação econômica deve ser aferido no momento da ocorrência do risco social, quando a requerente reuniu todos os pressupostos de aquisição do direito. 4 – Apelação provida. (TRF2, AC 2002.02010272335/RJ, Poul Dyrlund, 6ª T., m., DJ 1.4.03). 27 Inclusive o STJ já havia possibilitado a partilha da pensão entre a viúva e a concubina em 2005: RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo". Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime, no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 742685 RJ 2005/0062201-1, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 04/08/2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 05/09/2005 p. 484 RDTJRJ vol. 71 p. 121) 28 Também há posicionamentos mais recentes do Tribunal Federal da 4ª Região no sentido favorável ao rateio da pensão: EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. RATEIO. ESPOSA E CONCUBINA. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MANUTENÇÃO. 1. A concepção acerca da família, é consabido, sofreu significantes variações ao longo dos tempos, tendo sido moldada conforme os anseios de cada época. Neste processo evolutivo, algumas de suas características foram preservadas, outras, por não se adequarem mais à realidade social, restaram superadas. Tal 26 BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula nº 159. Disponível em: <http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/75/TFR/159.htm>. Acesso em: 09 abril 2017. 27 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível 2002.02010272335/RJ. Sexta Turma, Relator Poul Dyrlund. DE 01 abril. 2003. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf2.jus.br/sm/download?name=apolo-inteiro- teor&id=2003,04,01,00272330920024020000_93673.pdf>. Acesso em: 09 abril 2017. 28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 742685 RJ 2005/0062201-1. Quinta Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. DE 05 set. 2005. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7203146/recurso-especial-resp-742685-rj-2005-0062201-1/inteiro- teor-12951698>. Acesso em: 09 abril 2017. 15 processo de adaptação resultou no que hoje se entende por família. 2. Etapa importante do referido processo evolutivo ao qual a família vem se submetendo encontrou eco e reprodução no mundo jurídico, impondo sua representação na Constituição Federal de 1988, cujas inovações conferiram status de família à união estável e aos núcleos monoparentais, pondo-se, desta forma, fim ao conceito "matrimonializado" de família (art. 226 e §§ da CF/88). Neste diapasão, a afetividade, consubstanciada com a estabilidade (relacionamentos duradouros, o que exclui os envolvimentos ocasionais) e a ostentabilidade (apresentação pública como unidade familiar) passa a servir de lastro para a conceituação da família contemporânea. 3. Na atualidade, a família tem sido alvo de profundas reflexões, as quais vêm resultando em modificações no modo de pensá-la e defini-la. Não se trata de questionar a instituição familiar em si, mas sim a forma que adquiriu como resultado do processo histórico que desembocou nos padrões sociais atuais. 4. Com a imposição legal da igualdade entre homens e mulheres, bem como em virtude da necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana, constatou-se a relevância de se adequar o conceito do modelo familiar, já não mais nos moldes tradicionais. A reformulação jurídica do conceito de família, desta forma, é mero reflexo das inovações ocorridas no cenário social. 5. O momento atual, no que concerne ao modelo familiar, é de transição. Busca-se consolidar um novo formato a ser conferido à família, tendo o ordenamento jurídico pátrio passado a sofrer alterações significativas, a fim de se adequar aos novos anseios da sociedade. Neste sentido, a CF/88 representou um marco evolutivo nesse processo de adaptação, ampliando o conceito de família e passando a servir de norte para todas as normas infraconstitucionais. 6. A admissão de outros modelos familiares que não o lastreado no casamento é resultado da alteração da base ideológica de sustentação da família. Procura-se hoje considerar a presença do vínculo afetivo e protetivo como fator determinante para a enumeração dos núcleos familiares. Admitida a afetividade como elemento essencial dos vínculos familiares, aqui vista também como a intenção de proteção mútua, resta saber até que ponto os relacionamentos humanos nos quais tal sentimento esteja presente podem vir a ser rotulados de família, sendo, consequentemente, abarcados pelas normas jurídicas que tutelam os indivíduos que a constituem. 7. Entende-se por concubinato puro a modalidade de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, que obedeça os ditames sociais. Trata-se de verdadeiro casamento não oficializado, uma vez que atendea todas as condições impostas à sua celebração e os envolvidos se comportam como se casados fossem, lhes faltando apenas o reconhecimento estatal. Já o concubinato impuro, por sua vez, refere-se a todo e qualquer envolvimento afetivo que se estabeleça em afronta às condições impostas ao casamento, condições estas materializadas nos impedimentos matrimoniais. 8. A princípio, dentro do quadro evolutivo jurídico, marcado pela valorização do afeto e superação de formalismos, parece ter sido preservada a vigência do princípio jurídico da monogamia. Isto porque não se pode olvidar que o modelo monogâmico ainda é o que melhor atende às aspirações da sociedade contemporânea, garantindo a estabilidade necessária à educação da prole e ao desenvolvimento do homem na qualidade de agente econômico, político e social. 9. Nessa linha de raciocínio, o reconhecimento de direitos previdenciários decorrentes de concubinato impuro depende de uma série de requisitos que demonstrem cabalmente a existência de dois relacionamentos (casamento e concubinato) que em praticamente tudo se assemelhem, faltando ao segundo tão-somente o reconhecimento formal. Deve ser levado o efetivo "ânimo" de constituição de uma unidade familiar para fins de proteção mútua e estatal, com suas respectivas variáveis, tais como eventual dependência econômica, tempo de duração da união, existência de filhos, etc. Do contrário, deve prevalecer o interesse da família legalmente constituída. 10. Na hipótese dos autos, correta a sentença que determinou o rateio da pensão entre esposa e concubina, eis que restou demonstrado pela autora que seu relacionamento duradouro com o de cujus se revestia dos requisitos necessários para a caracterização da união estável constitucionalmente protegida. 11. Atendidos os pressupostos do art. 273 do CPC - a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano irreparável -, é de ser mantida a antecipação da tutela deferida na sentença. (TRF4, AC 0000316-54.2011.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 31/01/2012). 29 29 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível 0000316-54.2011.404.9999. Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira. DE 31 jan. 2012. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF402320766>. Acesso em: 09 abril 2017. 16 PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE ESPOSA E CONCUBINA. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. CUSTAS. ISENÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. Inconteste a qualidade de segurado do instituidor da pensão, presumida a dependência econômica da esposa e demonstrada a união estável entre a concubina e o de cujus, é de ser mantida a sentença que determinou que o benefício seja rateado entre todos em parte iguais, desde a DER. 2.Correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação e, a partir de julho de 2009, juros e correção nos termos da Lei nº 11.960/2009. 3. O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça. (TRF-4 - APELREEX: 161566520154049999 RS 0016156-65.2015.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2016, SEXTA TURMA). 30 Percebe-se que a jurisprudência está acompanhando os anseios da sociedade por mudanças quanto aos modelos estigmatizados de núcleos familiares, pois se busca hoje uma estrutura que considere a presença do vínculo afetivo e protetivo como fator determinante para a enumeração dos núcleos familiares, não mais atrelado apenas aos formalismos da lei matrimonialista. Verifica-se que estas jurisprudências vêm protegendo as relações de concubinato impuro, mas desde que haja na relação o efetivo "ânimo" de constituição de uma unidade familiar para fins de proteção mútua, eventual dependência econômica, longa duração da união, existência de filhos, etc, ainda que não reconhecida formalmente pelo Estado. Os Juízes Federais ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR têm opinião de que o conceito de “companheiro” que é mencionado no art. 201, inciso V, da Constituição, como detentor do direito à pensão por morte, tem uma abrangência maior do que apenas o conceito de união estável. E afirmam que: “Para o direito previdenciário, não importa se havia ou não impedimentos para obstar a conversão da união entre duas pessoas em casamento, mas se havia uma identidade de propósitos afetiva e econômica duradoura”. 31 Ainda, os doutrinadores CASTRO e LAZZARI aduzem que: Nos casos em que o cônjuge falecido mantinha, ao mesmo tempo, relação conjugal e em concubinato, deve ser avaliado o conjunto probatório para verificar se a(o) requerente viveu e dependeu do(a) segurado(a) até o falecimento deste(a). Restando demonstrada a situação de concubinato, esta deve ser reconhecida para fins previdenciários, não sendo impedimento para tanto a existência simultânea de esposa(o). 32 30 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário 0016156-65.2015.404.9999. Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira. DE 04 maio 2016. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF411468460>. Acesso em: 09 abril 2017. 31 ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR, op. cit. p. 113. 32 CASTRO e LAZZARI, op. cit. p. 827-828. 17 5.1. Precedente do reconhecimento da união estável homoafetiva. Destaca-se, que além de todos os fundamentos que já vem sendo invocados para garantir o direito às concubinas dependentes a dividir a pensão com a outra família do segurado, é importante mencionar que o julgamento que possibilitou o reconhecimento da união estável aos casais homoafetivos fez quedar os argumentos de interpretação exegética da lei, que afirmavam que a Constituição somente protegia o núcleo familiar passível de se converter em casamento (Lembra-se que hoje em dia é possível até mesmo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, conforme Resolução do CNJ Nº 175 de 14/05/2013). Neste sentido, cabe trazer as excelentes jurisprudências que garantiram o reconhecimento da união estável aos casais homoafetivos e o direito à pensão por morte, inicialmente no TRF4, depois no STJ e finalmente no STF, estas que as ementas seguem abaixo, respectivamente. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos. 2. Às ações coletivas não se nega a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. 4. Tratando-se de dano de âmbito nacional, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada. 5. O princípio da dignidade humana veicula parâmetros essenciais que devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na Constituição. 6. A exclusão dos benefícios previdenciários,em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. 7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. 9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial - em alguns países de forma mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. 11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o 18 mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão. (TRF-4 - AC: 9347 RS 2000.71.00.009347-0, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 27/07/2005, SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/08/2005 PÁGINA: 809). 33 PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite- se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 820475 RJ 2006/0034525-4, Relator: Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/09/2008, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 06/10/2008). 34 UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU 33 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível 9347 RS 2000.71.00.009347-0. Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira. DE 27 jul. 2005. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF400109800>. Acesso em: 09 abril 2017. 34 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 820475 RJ 2006/0034525-4. Quarta Turma, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. DE 06 out, 2008. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/849523/recurso-especial-resp-820475-rj-2006-0034525-4>. Acesso em: 09 abril 2017. 19 PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI)- A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARÇO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL . - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político- jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR . - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e dabusca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares . - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar . - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA . - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE . - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III)- significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina . - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais . - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A 20 PROTEÇÃO DAS MINORIAS . - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica- se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito . - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico- normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina. (STF - RE: 477554 MG, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26- 08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287). 35 Estas decisões avançaram da mera reprodução legal, e, exaltando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, protegeram minorias que estavam desamparadas, ampliando o conceito de união estável para além daquele entre somente pessoas que possam vir a casar. 6. Repercussão geral no STF. Toda esta evolução jurisprudencial pode ter aberto um precedente para mudança de entendimento da Suprema Corte, pois já foi reconhecido o tema como causa de repercussão geral no âmbito do STF. A Questão constitucional levantada no Recurso Extraordinário (RE) 669465 sobre a possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme notícia veiculada no portal do STF. 36 Assim, dispôs a notícia: O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs o RE contra acórdão (decisão colegiada) da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Espírito Santo, que manteve a sentença que reconheceu direitos previdenciários à concubina de um segurado do INSS. De acordo com os autos, ela teve um filho com o beneficiário e com ele conviveu por mais de 20 anos, em união pública e notória, apesar de ser casado. A decisão recorrida determinou que a pensão por morte fosse rateada entre a concubina e viúva. O INSS alega violação ao artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, ao sustentar que “não sendo possível reconhecer a união estável entre o falecido e a autora (concubina), diante da circunstância de o primeiro ter permanecido casado, vivendo com esposa até a morte, deve- se menos ainda atribuir efeitos previdenciários ao concubinato impuro”. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 477554 MG. Segunda Turma, Relator Ministro Celso de Mello. DE 26 ago. 2011. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22926636/recurso- extraordinario-re-477554-mg-stf>. Acesso em: 09 abril 2017. 36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF - Efeitos previdenciários em concubinato de longa duração tem repercussão geral. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=203568>. Acesso em: 09 abril 2017. 21 Repercussão Para o relator do recurso, ministro Luiz Fux, “a matéria não é novidade nesta Corte, tendo sido apreciada algumas vezes nos órgãos fracionários, sem que possa, contudo, afirmar que se estabeleceu jurisprudência”, declarou. Em sua manifestação, o ministro-relator citou decisões do Supremo como, por exemplo, no RE 590779, em que se destacou que “a titularidade decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina”. Nesse sentido, o relator manifestou-se pela presença do requisito da repercussão geral. “Considero que a matéria possui repercussão geral, apta a atingir inúmeros casos que exsurgem na realidade social”, salientou o ministro. O entendimento foi confirmado pela Corte por meio de deliberação no Plenário Virtual. Desta forma, percebe-se uma tendência de mudança no entendimento do STF, que como Corte defensora da Constituição e das minorias, há de conectar sua jurisprudência aos anseios sociais e mudanças jurisprudenciais que reconhecem a necessidade de preservar a dignidade da pessoa humana com a proteção previdenciária de novos modelos familiares. 6.1. Entendimentos doutrinários favoráveis à mudança do posicionamento do STF. Ainda que na esfera dos Tribunais Federais persista um dissenso sobre a possibilidade ounão de ser rateada a pensão por morte entre concubina e viúva, a doutrina sempre trabalhou buscando avanços na proteção de direitos. Desta fonte o STF pode beber para buscar a inspiração para mudar seu posicionamento estritamente legal. Os doutrinadores ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR buscam nos princípios da Constituição Federal os fundamentos para a garantia da devida proteção previdenciária, que protejam esta situação da segunda família do segurado que está desamparada: A CF, como centro unificador do direito público e do privado, consagra uma nova tábua de valores em matéria familiar nos seus arts. 226 a 230, exigindo que as disposições da Lei de Benefícios sejam interpretadas em sintonia com os seus preceitos, sem olvidar o disposto no seu Título I, consagrador dos princípios fundamentais, os quais reverenciam a dignidade da pessoa humana, a igualdade material e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Segundo Tepedino, no caso brasileiro, o legislador constituinte teria formulado, nesse Título I, uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da dignidade da pessoa humana, como valor máximo do ordenamento (arts. 1º, III, 3º, III conjugados com o §2º do art. 5º), definindo uma nova ordem pública. A existência ou não daquilo que a lei chama de união estável, acreditamos que o mais correto seria entender esta expressão como companheirismo, será aferida pelo administrador ou pelo 22 Juiz diante do requerimento do interessado. A ideia, porém, é de reconhecimento do instituto diante de pessoas que vivam como se casadas fossem. 37 No mesmo sentido, CANEGUSUCO apoia que é necessário dar amparo e operabilidade a certas situações não reguladas expressamente pela ordem jurídica, que as decisões que permitem a concessão da pensão por morte à concubina não estão desprestigiando a família em seu conceito tradicional e o casamento ou contemplando a bigamia. Pois, na realidade não estão permitindo que estas relações jurídicas fiquem marginalizadas do direito, prestigiando o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia substancial, previstos constitucionalmente, e, que devem regular todo o ordenamento jurídico. 38 O Professor VIEIRA afirma que as normas previdenciárias tem de ser analisadas de forma mais ampla, sendo interpretadas a partir de seu aspecto finalístico e, de forma sistemática, em conjunto com os mandamentos constitucionais de proteção familiar: Assim, considerando-se que as normas previdenciárias têm fundamento histórico, lógico e finalístico na proteção do indivíduo em face dos infortúnios da vida, uma interpretação sistemática dessas em conjunto com as normas da Lei Civil e dos mandamentos constitucionais que protegem a família deve se sobrepor à mera intepretação literal, de forma que, em situações específicas em que o concubinato é marcado pela boa-fé de um dos parceiros, pela longa duração, publicidade, intenção de constituir uma família, filhos em comum, dependência econômica, dentre outras, deve-se reconhecer o direito da concubina ao recebimento de benefício previdenciário gerado pelo falecimento ou prisão do segurado, rateando-se a renda mensal entre ela, a esposa e demais dependentes que integram a primeira classe. 39 A Procuradora Federal TSUTSUI também expõe que o direito deveria proteger as relações afetivas estáveis, duradouras e públicas, independentemente de formalidades legais. Pois, se na Constituição não é previsto a necessidade de casamento formal para estarem protegidas as famílias de fato, a Justiça não deve se apegar a este argumento de que pessoas impedidas de casar não podem viver em união estável, para afastar a proteção previdenciária a uma segunda família. Como segue em suas palavras: Contudo, a legislação deveria avançar para acompanhar a complexidade das relações sociais do mundo contemporâneo e proteger os relacionamentos estáveis, duradouros e públicos, que constituam uma família de fato, desde que devidamente comprovados, independentemente da origem dessas relações. 37 ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR, op. cit. 113-114. 38 CANEGUSUCO, Miriam. Efeitos previdenciários em concubinato de longa duração. 12 abril 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI198993,41046- Efeitos+previdenciarios+em+concubinato+de+longa+duracao>. Acesso em: 09 abril 2017. 39 VIEIRA, op. cit. 23 Se a Constituição Federal retirou o pressuposto de casamento para proteção de uma família de fato, o casamento também não deveria ser utilizado como argumento para afastar a proteção a uma segunda família. Tanto é verdade que, embora exista o crime de bigamia, caso haja duas uniões estáveis de fato, ambas serão protegidas pelo Direito. O preconceito referente ao concubinato deveria ser abandonado pelo ordenamento jurídico, sob todos os aspectos. Inclusive, sequer há o termo “concubino” no dicionário da Língua Portuguesa, mas somente concubina, o que denota sua origem retrógrada e preconceituosa. O dever de fidelidade já existe e moralmente deve ser respeitado, mas não garante a estabilidade da família. Muitas vezes surge uma segunda família de fato, e, desde que devidamente comprovado que também configure uma união estável, duradoura e pública, com objetivo de constituição de família, deveria ser objeto de proteção pelo Estado, independentemente da origem, o que, porém, ainda não ocorre no ordenamento vigente. 40 IBRAHIM afirma que na esfera do direito previdenciário, não cabe distinguir a união estável do concubinato, ou, se existe boa ou má-fé na segunda relação, haja vista que a lei não pode desconstituir os fatos, sob pena de ineficácia social. Pois, neste caso o fato jurídico relevante é que uma nova sociedade familiar foi formada e esta deve ser abarcada pelo direito. 41 Neste sentido o Doutrinador discorre sobre os objetivos da proteção social, que são mais amplos do que resguardar uma posição moral no sentido de família, pois tem como finalidade principal a busca pela justiça social: A proteção social não se subsume a uma concepção ideal de vida e família; não visa impor projetos de vida ou condutas dentro da moral dominante, da mesma forma não se trata de chancelar uniões heterodoxas ou contrárias à moral dominante, mas sim assegurar os meios mínimos de vida aos segurados e seus dependentes econômicos. Não é, também, benesse estatal ou caridade alheia, mas forma de seguro social atuarialmente financiado para atender a tais situações, como o concubinato, sempre admitidas, que não podem ficar ao largo do sistema por contrariar a moralidade dominante da sociedade e mesmo do direito privado sobre o que deve ser uma família. Admitir, em tais casos, a prevalência de um conceito de família e união estável, ainda que previsto na Constituição, em detrimento do direito à vida e à previdência social (igualmente previstos na Constituição), é chegar a um resultado inadequado de ponderação, afastando aspectos mais relevantes do bem-estar social em favor de uma moralidade dominante. A aplicação correta do direito previdenciário não implica, como possa parecer, uma necessária ampliação dos beneficiários, mas sim uma adequação à sua finalidade protetiva, afastada de qualquer tipo de perfeccionismo ético. Sem dúvida isso pode gerar ampliações de prestações, como foi a aceitação da união homoafetiva, mas há restrições, como a negativa de benefício para cônjuge separado de fato, salvo se comprovada a dependência econômica, pois se não mais vivem juntos, a premissa protetiva é que não mais dependência, pouco importando a que 40 TSUTSUI, Priscila Fialho. Rateio de pensão por morte entre viúva e concubina. Conteúdo Jurídico, Brasília, DF: 12 nov. 2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45771&seo=1>.
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