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SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA Aline Michele Nascimento Augustinho Desigualdades étnico-raciais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Refletir sobre a desigualdade simbólica por preconceito e discrimi- nação racial. Reconhecer o fator biológico e o fator social na construção do con- ceito de raça. Identificar diferentes formas de ações afirmativas e suas justificativas. Introdução Neste capítulo, você vai ver como se formou a desigualdade simbólica que dá origem à discriminação e ao racismo. Desde a Antiguidade, a expansão territorial era perseguida pelas nações. Assim, foram criados os contextos de dominação. Como você sabe, o processo expansionista dei- xou marcas tanto nas sociedades colonizadas quanto nas colonizadoras. No Brasil, último país ocidental a abolir a escravatura, as raízes históricas de dominação do povo negro deixaram um legado de marginalização social. Por isso, as ações afirmativas e as políticas públicas se voltam, no século XXI, a resgatar a dívida histórica e devolver as possibilidades que são devidas a esse povo. Ao longo deste capítulo, você vai conhecer trabalhos da sociologia brasileira sobre o tema e ver como diferenciar os conceitos de raça a partir das perspectivas biológica e sociológica. Além disso, vai ver como as ações afirmativas podem ser úteis na busca por uma sociedade justa. Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia brasileira Os estudos de Fernandes (1978) datados da década de 1960 colocaram em xeque as leituras anteriores das relações raciais no Brasil. Nas décadas de 1940 e 1950, havia a ideia de que o Brasil era um país miscigenado, composto por inúmeras raças e etnias e que, portanto, não existiriam por aqui comportamen- tos racistas ou excludentes. Para Fernandes (1978), contudo, as falas sobre o tema não condiziam com a realidade. Filho de uma lavadeira, esse sociólogo tivera experiências de vida que indicavam que os trabalhadores braçais, mais pobres, eram em sua maioria negros ou descendentes de famílias negras. As classes mais abastadas, no entanto, aquelas que contratavam os serviços de sua mãe, eram compostas por uma maioria branca. Se havia tanta diferença racial entre as classes, como não havia racismo? Fernandes (1978) entendeu que as relações de raça no Brasil tinham um recorte de classe: as classes mais baixas eram negras, e as mais altas, brancas. Para ele, o termo “racismo” aparece como “preconceito de cor” (FERNANDES, 1978). A leitura da democracia racial era estimulada especialmente por duas obras de Gilberto Freyre: Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos. Freyre (1981) produziu ensaios sociológicos de extrema importância, narrando as formas de vida e a relação entre os núcleos sociais brancos e negros no Brasil pós-colonial. A análise desse sociólogo, no entanto, é mais suave no tocante aos conflitos e problemas vividos pelo povo negro após a abolição da escravatura, já que não houve qualquer política de auxílio para aqueles que, longe de seu continente natal, não tinham empregos ou moradia. Em 1955, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) financiou um projeto desenvolvido por Florestan Fernandes e Roger Bastide sobre as possibilidades de harmonia racial. De acordo com Nogueira (2007), as leituras sobre as relações raciais no Brasil e a condição do negro na estrutura social brasileira se iniciaram a partir de três perspectivas: a interpretação afro-brasileira iniciada por Nina Rodrigues, que tinha foco nas contribuições de africanos escravizados e seus descendentes na cultura brasileira; a análise histórica de como o negro passa a fazer parte da cultura brasileira, cujo principal expoente seria Gilberto Freyre; e a vertente sociológica, que se preocuparia com a interpretação das relações sociais entre brancos e negros na sociedade brasileira. As duas perspectivas iniciais citadas por Nogueira (2007) tinham a tendência a romantizar a presença do negro na sociedade e na história brasileiras, salientando as cores trazidas por sua cultura, sua música, sua culinária. Mas, embora não o negassem, tais perspectivas não refletiam sobre o fato de que essa contribuição se deu forçadamente, já que o povo negro nunca foi convidado a povoar terras brasileiras, mas foi forçado via escravidão. A dimensão da violência e da segre- gação econômica vividas nos períodos pré e pós-abolição não era mencionada. A perspectiva das relações sociais entre brancos e negros se inicia no Brasil, ainda de acordo com Nogueira (2007), em 1935, por meio de estudos conduzidos Desigualdades étnico-raciais2 na Bahia por Donald Pierson, publicados em São Paulo na Revista do Arquivo Municipal e na Revista Sociologia. Durante as décadas de 1940 e 1950, a presença do negro nos “sertões” brasileiros foi o foco dos estudos, com olhar voltado para seu trabalho nos campos de cana-de-açúcar e nas usinas. Criava-se o estereótipo do negro sertanejo. Mas foi entre 1950 e 1960 que, financiados pelos projetos da UNESCO, sociólogos brasileiros e estrangeiros debruçaram-se sobre as formas de relacionamento e os trânsitos sociais do negro no Brasil. Se você considerar que no mesmo período, nos Estados Unidos, havia as lutas pelos direitos civis da população negra, vai perceber que esse movimento despertou o interesse de outros países em compreender as suas “relações raciais”. Por isso, a questão da “situação racial” se torna preponderante: como o negro se encontra nas sociedades pós-escravocratas? Como a raça que o dominava se comportava então? Assim, há um deslocamento: do olhar roman- tizado sobre as contribuições culturais do negro para o sangue e a violência envolvidos nessa contribuição forçada. Além disso, passam a ser considerados os resultados negativos para os descentes dos escravizados, em contraponto ao lucro e à acumulação de quem os mantinha cativos. Fernandes (1978) , avaliando esse quadro, indica que a situação racial no Brasil seria ainda de dominação; não uma dominação inteiramente baseada na raça, mas na classe. Observe que, com isso, o sociólogo afirma que ainda havia dominação: ocorrera uma transferência de poder simbólico de dominação após a abolição da escravidão, uma vez que o povo negro não tinha retido a sua liberdade, mas também não tinha espaço para ascender socialmente. Afinal, não havia políticas sociais que os acolhessem como cidadãos tais quais os brancos, deixando-os à própria sorte. Entre 1920 e 1940, a intensa migração europeia para o Brasil encontrou aqui uma estrutura de acolhimento e de respeito à dignidade humana e social que os negros nunca encontraram, especialmente por meio do trabalho formal e da possibilidade de educação, o que, numa sociedade capitalista, pode significar a manutenção ou a ascensão social. Nogueira (2007, p. 291) afirma: De um modo geral, tomando-se a literatura referente à “situação racial” brasileira, produzida por estudiosos ou simples observadores brasileiros e norte-americanos, nota-se que os primeiros, influenciados pela ideologia de relações raciais característica do Brasil, tendem a negar ou a subestimar o preconceito aqui existente, enquanto os últimos, afeitos ao preconceito, tal como se apresenta este em seu país, não o conseguem “ver”, na modalidade que aqui se encontra. Dir-se ia que o preconceito, tal como existe no Brasil, cai abaixo do limiar de percepção de quem formou sua personalidade na atmosfera cultural dos Estados Unidos. 3Desigualdades étnico-raciais A baixa “percepção” do racismo no Brasil se deve a um elemento principal: haveria no País uma distinção entre o preconceito de marca e o preconceito de origem. O preconceito de marca seria o racismo mais facilmente observado na América do Norte, onde pessoas negras e seus descendentes são segregados por pertencerem a essa etnia, independentemente de serem birraciais ou “mestiços”. No Brasil, esse preconceito estaria firmementeassociado também à con- dição social e à classe do sujeito: um negro que ascende socialmente seria “aceito” mais facilmente pela sociedade branca, “quase” como um igual. Mas um homem negro pobre não teria qualquer privilégio ou passibilidade. Haveria ainda algumas diferenças na questão do colorismo: no Brasil, indi- víduos com ascendência multirracial com pele clara e fenótipos próximos aos brancos teriam mais “passibilidade” social, ou seja, se passariam por brancos e sofreriam menos racismo. Países como os Estados Unidos mantêm a política da “única gota”: uma única gota de sangue negro tornaria a pessoa também negra, independentemente da cor da pele e dos fenótipos. Com isso, Nogueira (2007) diz que ainda existem preconceito e racismo no Brasil, mas que eles são velados quando o indivíduo ascende socialmente, porque seria vantajoso manter o trânsito social livre entre as classes abastadas. Embora o conceito de raça seja utilizado para os estudos sobre racismo e discriminação étnica, não deve ser utilizado fora desse contexto. Afinal, o termo de fundamento biológico não diz respeito a um cenário verdadeiro para humanos. Ou seja: biologi- camente, não existem raças humanas. Por isso, utilize o termo “raça” apenas quando surgir o debate adequado, e não para apontar culturas que você ainda desconhece, pois elas são tão importantes quanto a sua. O fator biológico e o fator social no conceito de raça Você provavelmente já viu um mapa-múndi, certo? Já reparou que nas re- presentações cartográfi cas o continente europeu está sempre centralizado? O planeta Terra é redondo e não tem “centro”. Se um astronauta observar o planeta do espaço, a parte central vai depender da localização do próprio viajante espacial. As representações da Europa como central nos mapas não são acidentais. Elas estão ali porque representam a visão dos povos que em- Desigualdades étnico-raciais4 preenderam as grandes expansões marítimas a partir do século XIV. Para os expansionistas, conquistadores de territórios, o centro do mundo era a própria terra natal, e o restante, adjacência, territórios “descobertos”. O problema dessa visão é que boa parte dos territórios descobertos nessas jornadas eram novos apenas para os europeus, mas, por vezes, mantinham sociedades centenárias e até milenares. Então, a descoberta só podia pertencer aos povos europeus por meio da conquista e do domínio. Assim, houve a imposição da cultura, das estruturas e até da constituição física do que seria “central”. Peles claras e provenientes da Europa eram o centro, e o que não condizia com essa descrição, periférico. Nas lutas pelo espaço social ao longo dos períodos de dominação de um povo por outros, constituiu-se a ideia de que uma raça poderia ser superior a outra. O nazismo, modelo político de extrema direita que precedeu a Segunda Guerra Mundial na Alemanha, se constituiu baseado na ideia de superioridade física, intelectual e moral da raça ariana, subjugando outros povos, especialmente os judeus. Os europeus não foram os únicos povos a empreender jornadas de con- quista e dominação de territórios. Muitas sociedades o fizeram, incluindo sociedades orientais, árabes e africanas. Porém, a expansão imperialista do Velho Continente, especialmente a partir do século XV, fez com que houvesse ali centralização política e de poder econômico. Com os territórios dominados tornando-se independentes, a partir do século XIX, houve a manutenção dos valores imperialistas, criando uma leitura eurocêntrica de mundo. Os conflitos étnicos tampouco se baseiam apenas na relação entre países centrais e peri- féricos, mas o racismo se estabelece essencialmente por meio dessa relação. Afinal, ele foi a motivação da escravização de sociedades negras diversas com vistas ao lucro dos países colonizadores. O racismo e os conflitos étnicos são derivados da ideia de que um povo é central, superior, e que outros povos, com peles, fenótipos, culturas ou religiões diferentes, devem ser inferiorizados. Mas, como você vai ver, há na interpretação racista também um viés econômico, já que normalmente as raças e etnias que se tentam subjugar passam a ser economicamente dominadas e exploradas. O racismo e os conflitos étnicos, portanto, se constituem no exercício da dominação e da violência, bem como da subjugação simbólica pautada na exclusão e no apagamento da individualidade. No Brasil, o mito da democracia racial vem constantemente sendo negado, e o racismo, apontado — especial- mente pela geração de brasileiros negros nascida a partir de fins dos anos 1980 e início dos anos 1990. O racismo se mostra especialmente pela violência policial e pela marginalização social da população negra, assim como pelo 5Desigualdades étnico-raciais encarceramento sumário do povo negro. Religiões de matriz africana são discriminadas, a ponto de sofrerem atentados em seus prédios, como apedre- jamento e incêndios criminosos, especialmente no Rio de Janeiro, onde fiéis não estão seguros para expressar livremente sua religião (o que é garantido pela Constituição), correndo o risco de sofrer represálias. Conflitos étnicos são disputas culturais. Normalmente, acontecem em asso- ciação a uma disputa também territorial. Pode não haver a intenção de domínio da outra cultura, mas de legitimação religiosa, cultural ou ancestral. Quando os conflitos étnicos se associam a disputas territoriais, pode haver movimentos separatistas, em que a comunidade pretende formar um novo Estado, pautado em suas próprias características culturais e/ou religiosas. Quando essa intenção separatista é completamente refutada pelo Estado em que a comunidade em conflito se encontra, o desgaste pode evoluir para uma guerra. O conflito entre Israel e Palestina pode ser considerado um conflito étnico por disputa de território. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) delimitou um Estado duplo israelense e palestino, mas em 1948 foi criado o Estado de Israel, que recebeu judeus de todo o mundo após o holocausto. Porém, a região era previamente habitada por palestinos, árabes de cultura majorita- riamente islâmica. A disputa cultural se inicia especialmente por Jerusalém, a chamada Terra Santa, território importante para cristãos e muçulmanos. Para palestinos, Jerusalém ainda é árabe, e para israelenses, pertence aos hebreus. Os Estados tomaram a frente do conflito, gerando ataques e ofensivas constantes, com períodos de paz e outros mais violentos. O racismo, por sua vez, é a inferiorização de uma raça associada à supervalorização de outra. Existem novas abordagens sociológicas que indicam que o racismo só acontece quando há a possibilidade de dominação estrutural ou hegemônica da raça discriminada. Essa nova leitura indica que no Brasil, por exemplo, o racismo se dá pela marginalização e pela inferio- rização de pessoas negras ou indígenas por brancos, porque os brancos são estruturalmente dominantes, sendo maioria na arena política e na detenção de recursos financeiros. Quando um indivíduo de cultura não dominante discrimina outra cultura ou indivíduo de grupo social distinto, haveria então episódio de preconceito ou injúria racial. Isso porque sua discriminação, embora possa ter impactos emocionais negativos no indivíduo ofendido, não pode causar cerceamentos políticos ou econômicos, porque ele não tem o poder estrutural. Vertentes sociológicas tradicionais, por sua vez, indicam que racismo é toda e qualquer Desigualdades étnico-raciais6 ação de inferiorização, discriminação ou segregação de um grupo sociocultural baseada em elementos culturais, religiosos ou fenotípicos, independentemente do grupo que ofende ou que é ofendido. O escopo biológico indica que a utilização do termo “raça” para seres huma- nos é inadequada. Isso porque a raça seria a determinação de uma subespécie, ou de várias subespécies, atreladas a uma espécie. Ou seja, ela identificaria diferenças genéticas significativas entre grupos diversos, porém pertencentesà mesma espécie. Seres humanos não possuem diferenças genéticas significativas entre si a ponto de formar subgrupos. Pelo contrário, as estruturas dos códigos genéticos são praticamente indistintas, independentemente dos fenótipos, como cor da pele, cabelos e olhos e estrutura física. Por isso, a determinação do termo “raça” a partir dos pressupostos biológicos é errônea. Do ponto de vista sociológico, o termo “raça” tende a ser utilizado para a identificação de grupos sociais com traços culturais, sociais e religiosos específicos, havendo ou não características fenotípicas associadas (BOBBIO et al., 1998). No caso da sociologia brasileira, esse termo é utilizado para iden- tificar o racismo, ação discriminatória vivida por indivíduos afro-brasileiros. Contudo, não é adequado, considerando a leitura biológica, identificar grupos culturais quaisquer como raças. Compreenda mais sobre o conceito de raça na perspectiva sociológica com o artigo Como trabalhar com "raça" em sociologia (GUIMARÃES, 2003), disponível no link a seguir. https://goo.gl/XWHdd9 Ações afirmativas As ações afi rmativas são políticas públicas que visam a diminuir os impactos sociais causados por confl itos étnicos ou racismo. Seu objetivo maior é ofe- recer equidade, a fi m de que a sociedade atinja um panorama de igualdade. A equidade diz respeito a tratar grupos sociais distintos de forma diferente, a partir de suas necessidades específi cas, para que então eles possam desenvolver ferramentas e travar contato com outros grupos sociais de forma igualitária. 7Desigualdades étnico-raciais Um projeto de ação afirmativa conhecido no Brasil é o de cotas raciais para o acesso a universidades públicas. Ele busca garantir o acesso da população negra ao ensino universitário, acesso este que foi historicamente impedido devido à escravização e às suas consequências. Há ainda universidades que oferecem cotas sociais para estudantes de baixa renda e provenientes de escolas públicas, corrigindo o ciclo de quase nulidade na ascensão social das classes D e E, cuasado pela estrutura capitalista neoliberal adotada pelo País a partir da década de 1990. A temática das ações afirmativas chegou ao Brasil no princípio dos anos 2000, a partir da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação e Xenofobia da ONU, realizada em 2001 na África do Sul. Na conferência, salientou-se que as desigualdades sociais e econômicas e os conflitos étnico- -culturais eram uma responsabilidade dos Estados para com seus cidadãos. Saná-los dependeria da observância das particularidades dos impactos gerados em cada grupo social (SCHWARCZ, 2001). Posteriormente, no Brasil, alguns projetos de ação afirmativa contra o racismo foram elaborados, como a Lei nº 10.639, de 2003, que prevê a obri- gatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio, uma vez que mais da metade dos estudantes são afro-brasileiros. Há também a Lei nº 11.096, de 2005, que coloca em prática o Programa Universidade para Todos (PROUNI), plataforma de acesso à universidade para pessoas de baixa renda que teve grande impacto nos padrões de mobilidade social brasileiros nos 10 anos subsequentes à sua promulgação. Das ações afirmativas podem derivar projetos especiais que auxiliem o grupo em questão. Considere, por exemplo, as cotas sociais para estudantes de escolas públicas. Reconhecidamente, as escolas públicas brasileiras não têm os melhores índices de aproveitamento, salvo algumas escolas-modelo. Algumas universidades públicas, então, contam com projetos de auxílio e tutoria nos estudos para quem encontra dificuldades. Alunos de escolas particulares podem chegar às universidades com bom conhecimento em outros idiomas, fator que facilita os estudos de ponta e abre oportunidades no mercado de trabalho, mas essa não é uma realidade para alunos provenientes de escola pública, em geral. Por isso, há projetos de exten- são que oferecem cursos de idiomas, dos básicos aos aprofundados. Assim, ao deixar a universidade, alunos cotistas e ingressantes por ampla concorrência terão os mesmos conhecimentos, as mesmas bases e, consequentemente, as Desigualdades étnico-raciais8 mesmas oportunidades. As políticas para provimento de equidade resultarão, algum tempo depois, num contexto de igualdade. As políticas públicas voltadas para ações afirmativas podem receber crí- ticas que salientam a desigualdade no tratamento de grupos sociais. As cotas raciais, por exemplo, são constantemente questionadas, e um dos argumentos erroneamente utilizados é o de que elas seriam uma forma de discriminação social. No entanto, elas são extremamente necessárias, porque não se pode oferecer as mesmas oportunidades para grupos sociais com possibilidades tão distintas. Fazê-lo seria compactuar com a manutenção das estruturas de marginalização das classes sociais mais pobres, compostas em sua maioria por afrodescendentes. Se, no caso das cotas sociais, um aluno cotista precisa trabalhar para viver e essa é sua prioridade, como ele pode manter o mesmo nível de aprendizagem que um aluno de escola privada, que se dedica apenas aos estudos? Apenas o tempo disponível para as atividades escolares já se torna um princípio de desigualdade. A qualidade das escolas frequentadas, outro. A possibilidade de permanência na universidade pública, especialmente em cursos de período integral, sem suporte da universidade ou de programas sociais, outro desnível. Nesse cenário, sem as ações afirmativas e os projetos de auxílio delas derivados, mesmo que esse aluno chegue à universidade, as possibilidades de ele se manter nela são pequenas. Se conseguir finalizar o curso e se formar, ficaria, ainda assim, em uma posição inferior. Afinal, a bagagem cultural e o capital simbólico adquiridos por aqueles que têm melhores condições financeiras lhes ofereceriam mais e melhores portas de emprego, fomentando as desigualdades sociais. As ações afirmativas podem ser destinadas a qualquer grupo social que, por algum motivo, seja lesado em suas oportunidades de vida. Pessoas com deficiência têm atualmente seu direito de estudar em escolas públicas comuns, o que favorece a interação e o desenvolvimento social. Porém, podem precisar de equipamentos, recursos ou atenção especial, dependendo da deficiência. Esse auxílio, elemento da equidade, auxiliará o aluno com deficiência a ter os mesmos estímulos e possibilidades que os outros, aprendendo e se desenvol- vendo tanto quanto eles, gerando, assim, uma situação de equidade. Portanto, as ações afirmativas se baseiam na elaboração de ferramentas que favoreçam a equidade, para depois se chegar à igualdade. As diferenças precisam ser observadas e compreendidas na ação do Estado pelo bem de seus cidadãos. Como você viu, ao longo da trajetória das civilizações ocidentais, as 9Desigualdades étnico-raciais diferenças foram ainda mais aprofundadas. Quem tinha as melhores oportuni- dades conseguia provê-las também para seus descendentes. Nesse sentido, as ações afirmativas permitem ainda que a etnia marginalizada ocupe os espaços necessários para que possa reificar seu valor. No caso do povo negro no Brasil, as políticas de cotas raciais permitem que o negro saia da condição de estudante para ocupar espaços e posições que lhes eram negados, como o comando de uma sala de aula universitária, a chefia de uma equipe médica e a responsabilidade por um grande projeto de engenharia civil. Ou seja, todo e qualquer espaço de que os brancos e des- cendentes europeus usufruíram quase com exclusividade por séculos. Essas políticas públicas não privilegiam um grupo, mas fornecem ferramentas para que seus componentes tenham tantas oportunidades quanto qualquer cidadão, inclusive aqueles beneficiados pelo privilégio branco. No panorama contem- porâneo das estruturas e das formas de relacionamento social, considerando os legados históricos para osgrupos dominantes e os que foram dominados, a justiça social se dá pela observância das diferenças. No link a seguir, você encontra a Lei n.º 12.288, de 20 de julho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, que direciona as políticas públicas para a promoção da equidade e da igualdade racial no Brasil. Acesse e faça o download! https://goo.gl/U4sWs1 BOBBIO, N. et al. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: UnB, 1998. v. 1. BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. 2003. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 18 out. 2018. BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no Desigualdades étnico-raciais10 ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/ L11096.htm>. Acesso em: 18 out. 2018. FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São Paulo: Ática, 1978. v. 2. FREYRE, G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 6. edição. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. NOGUEIRA, O. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 287-308, 2007. SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. Leitura recomendada DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 1981.GUIMARÃES, A. S. A. Como trabalhar com "raça" em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n1/a08v29n1.pdf>. Acesso em: 18 out. 2018. 11Desigualdades étnico-raciais Conteúdo:
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