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Filosofia Política Filosofia Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Yoná Santos Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos 5 Nesta unidade, abordaremos as principais ideias políticas de Platão e Aristóteles. Em Materiais Didáticos, você encontrará o conteúdo e as atividades propostas para o tema do pensamento político na Grécia Antiga. O principal objetivo desta unidade é compreender como o pensamento político de Platão e de Aristóteles estão estruturados e quais as principais diferenças entre eles. Aqui você terá um entendimento sobre alguns elementos que marcaram o pensamento político no mundo ocidental. Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles · Política em Platão e Aristóteles · As Ideias Políticas de Aristóteles · Algumas Considerações Finais 6 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Contextualização Para iniciar esta unidade, convidamos você a refletir acerca do tema: qual a melhor forma de governo? No dia 21 de abril de 1993, a população brasileira foi até as urnas escolher qual a melhor forma de governo: parlamentarismo, presidencialismo ou monarquia. Veja o vídeo de três campanhas exibidas na TV, defendendo cada uma das três formas de governo: Explore • Vídeo parlamentarismo: https://www.youtube.com/watch?v=nDbFMRK95N8 • Vídeo presidencialismo: https://www.youtube.com/watch?v=v9eH0XlsBdw • Vídeo monarquia: https://www.youtube.com/watch?v=2ZN5AOQ9FCs 7 Política em Platão e Aristóteles Abordaremos adiante as ideias políticas de Platão e Aristóteles. Este texto enfocará três tópicos: o Pai da Filosofia Política; a República, de Platão; e a Política, de Aristóteles. É importante ressaltar que várias questões pensadas por esses filósofos foram incorporadas nas teorias políticas modernas que embasaram o atual regime democrático. Aqui você terá melhor compreensão sobre esses tópicos, cujas análises são baseadas em estudos realizados por especialistas sobre esses temas. O Pai da Filosofia Política Nascido em Atenas, no seio de uma família aristocrática de eminentes políticos, no ano de 427 a.C. o jovem Arístocles, mais conhecido como Platão, apelido dado em virtude de seus ombros largos, é sem dúvida um dos maiores pensadores do mundo ocidental. Conheceu Sócrates quando tinha aproximadamente vinte anos, tornando-se seu aluno e discípulo. Fundou a Academia, escola de filosofia assim chamada por situar-se nos jardins do herói ateniense Academus, e escreveu mais de vinte diálogos. Depois da morte de seu professor, deixou Atenas e viajou por doze anos, regressando aos quarenta anos de idade. A Teoria das Ideias ou dos Dois Mundos, a Teoria da Reminiscência, a Teoria das Três Partes da Alma e os Graus do Conhecimento são as principais formulações teóricas que fazem parte do sistema epistemológico platônico. Considerado o pai da filosofia política, um dos seus diálogos mais famosos é A República, em grego politeia (significa, em português, organização da cidade), escrito em 375 a. C. Abalado com a morte de Sócrates pela democracia, propõe-se a pensar como deveria ser uma cidade justa. De maneira geral, nesse diálogo, é apresentado a nós a cidade ideal concebida por Platão, cuja organização política está baseada nas três partes da alma e tem como teoria política a defesa da sofocracia ou da teoria dos reis filósofos e a célebre alegoria da caverna. Você Sabia ? No ano de 367 a.C., um tirano da cidade de Siracusa, Dionísio II, convidou Platão para implementar suas ideias em sua pólis. Passado o entusiasmo inicial, Dionísio não suportou o treinamento militar e os estudos propostos por Platão. Como maneira de afastar o filósofo, mandou prendê-lo para que fosse vendido como escravo. Platão logo mais seria resgatado por seus amigos e voltaria à sua terra natal Atenas. 8 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles A República de Platão Uma das mais importantes obras de Platão e um dos trabalhos mais influentes da história da Filosofia, o diálogo A República tem como tema inicial a justiça e está dividida em dez livros, ou dez capítulos. Os personagens são: Sócrates (mestre de Platão), Gláucon e Adimanto (irmãos de Platão), Céfalo (dono da casa onde ocorre o diálogo), Polemarco (filho de Céfalo) e Trasímaco (um sofista). Sócrates inicia o diálogo conversando com Céfalo, um homem bem mais velho que, em certo momento, pergunta ao mesmo o que seria a justiça. Diálogo com o Autor – Muito bem, Céfalo! – respondi. – Mas no que tange a essa justiça de que falamos que vem a ser ela? Dizer a verdade e pagar as dívidas, nada mais? E mesmo aí não haverá exceções? Suponhamos que um amigo, em seu juízo perfeito, me tenha confiado algumas armas, mas venha reclamar quando estiver doido; deverei devolver-lhas? Ninguém diria tal, nem que eu agisse bem em fazê-lo, como tampouco julgariam que fosse meu dever falar sempre a verdade a uma pessoa em semelhante estado. (PLATÃO, 2000, p. 10). – Tens toda a razão – afirmou ele. – Nesse caso, a justiça não se limita a falar a verdade e a devolver o que recebemos. (PLATÃO, 2000, p. 9-10). Platão, por meio de Sócrates, defende a ideia de que existem indivíduos justos, assim alguns possuem a propriedade, ou a essência da justiça como parte de si. Lançando mão do arsenal metafísico de Platão, podemos afirmar que tudo aquilo que é justo no mundo sensível, participa da ideia de justiça presente no mundo inteligível. Assim, existe justiça em alguns indivíduos e o Estado é formado de indivíduos. Há pessoas justas e injustas, o Estado é formado pelas pessoas, logo deve existir justiça no Estado, na organização política. Outro movimento da argumentação de Platão é que se por um lado, os indivíduos são pequenos, o Estado é grande, por agregar vários indivíduos. Portanto, a justiça existente no indivíduo é de pequenas proporções e a justiça existente no Estado será de grandes proporções. Assim, é mais fácil compreender o que é justiça analisando o Estado (por ele ser maior, a justiça dele – também maior- será mais visível). Mas para analisar o Estado, precisamos saber como ele se constitui, como ele se forma. Como o Estado se forma para Platão? O Estado foi criado pelos homens para suprir as nossas necessidades pessoais, pois nenhum homem basta a si mesmo, nenhum homem é autossuficiente. Assim, fica estabelecida a necessidade de viver em sociedade. Para Platão, o Estado surge da divisão de trabalho e da especialização, que é gerada pelas necessidades dos homens. Após se constituir é necessário um numero grande de homens e também pessoas que defendam o mesmo de outros grupos que podem querer invadir e roubar as riquezas dessa comunidade. 9 É necessário que exista uma classe de produtores que serão a base da pólis, pois são os responsáveis pela produção material, que inclui alimentos, materiais primas, utensílios etc. Segundo Platão, não poderiam assumir cargos públicos, seriam separados, desde cedo, para receberem uma educação voltada para o ofício que exerceriam, a fim de se especializares, teriam direito à propriedade privada, mas ela seria limitada para que não surgissem excessos (que são fontes de injustiça) e poderiam constituir uma família tradicional. Além necessidade de produção, também surgiria nessa pólis platônica ideal a necessidade de autodefesa. Assim, será necessária uma classe de indivíduos especializados nas artes bélicas. Especializada aqui significa desenvolver bem a sua função. É preciso que essa classe tenha uma educação especial e seja distinta das demais para que execute bem o seu ofício. Entre os guardiões da cidade, devem existir aqueles que irão obedecer e aqueles que irão mandar. Aqueles que se destacarem como os mais sábios, serão os mais aptos a comandar. Para que a sabedoria se desenvolva apropriadamente neles, precisam de uma educação diferenciadaem relação aos demais guardiões. Por serem sábios, são também os mais adequados para administrarem a cidade. Diálogo com o Autor – Novamente será preciso aumentar o nosso Estado; e não pouco desta vez, mas de tal modo que possa dar guarida a um exercito inteiro, capaz de sair em campanha para combater os invasores e defender tudo quanto possuímos, além das pessoas que há pouco enumeramos. (PLATÃO, 2000, p.43). – [...] continua valendo aqui princípio que todos nós reconhecemos quando estávamos constituindo o Estado. Esse princípio, se ainda te lembras, era o de que ninguém pode desempenhar com êxito muitos ofícios. (PLATÃO, 2000, p.43). – Portanto – continuei – quanto mais importante seja a missão dos guardiões, mais tempo, arte, habilidade e zelo se exigirão deles? – Não será necessário que tenham também uma aptidão natural para essa profissão? – Certamente. – Então é obrigação nossa escolher, se pudermos homens de tal natureza e qualidade que sejam aptos para a tarefa de guardiões da cidade? (PLATÃO, 2000, p.43). São qualidades dos guardiões: devem ser vivos para se aperceberem das coisas, velozes para correr no encalço do que veem, vigorosos para lutarem, indomáveis diante de qualquer perigo, devem ter como qualidades a da mansidão para com seus concidadãos e a impetuosidade com os inimigos, ou os invasores. Platão também se preocupará com a educação dos guardiões, que deverá se iniciar com a ginástica para o corpo e a música para a alma. Como deve ser a vida dos guardiões? Poderão constituir uma família, ter filhos? 10 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Diálogo com o Autor – Que espécie de comunhão de mulheres e de crianças é essa que deve prevalecer entre os nossos guardiões e como serão criados os pequenos, no período intermediário ao nascimento e ao começo da educação, período que parece requerer os maiores cuidados? Dize-nos como serão essas coisas. (PLATÃO, 2000, p.103). Segundo Platão, as mulheres terão a mesma educação que os homens: deverão aprender música e ginástica. Homens e mulheres devem ser regidos pelas mesmas leis e exercer as mesmas funções. Haverá a comunhão de homens e mulheres. – Que todos os guardiões terão suas esposas em comum e nenhum coabitará privadamente com qualquer deles; e os filhos serão igualmente comuns, e nem o pai conhecerá a seus filhos nem o filho a seu pai. (PLATÃO, 2000, p.109). – E primeiro lugar – comecei – creio que, se os nossos governantes e seus auxiliares forem dignos desses nomes, estarão uns dispostos a fazer o que se lhes mande e os outros a ordenar em obediência às leis ou seguindo-lhes o espírito em todos os detalhes que forem confiados à sua direção. (PLATÃO, 2000, p.110). – Então tu, que és o legislador, escolherás as mulheres do mesmo modo que escolheste os varões e lhes entregarás aquelas cuja natureza se assemelhe o mais possível à deles. E como morarão e tomarão suas refeições em comum, sem que ninguém possua nada como coisa própria, e como estarão juntos e se misturarão uns com os outros, tanto nos ginásios como nos demais atos de sua vida, uma necessidade irresistível os impelirá, imagino eu, a unir-se entre si. (PLATÃO, 2000, p.110). – Mas sigamos a diante Gláucon: numa cidade de gente feliz; a promiscuidade é um vício detestável que os governantes certamente proibirão. (PLATÃO, 2000, p. 110). – E acho que os jovens mais valentes e mais bem-dotados, além das outras honras e recompensas que lhes tributarmos, devem ter mais liberdade de coabitar com as mulheres; o que, por outro lado, será um excelente pretexto para que desse tipo de homens nasça a maior quantidade possível de filhos. (PLATÃO, 2000, p.111). O que acontecerá com os filhos dos guardiões? – Essas autoridades, digo, tomarão os filhos dos melhores e os levarão para o infantário, num bairro especial da cidade, onde os deixarão a cuidado das amas-de-leite; quanto aos filhos dos seres inferiores – e da mesma forma se dentre os primeiros nascer algum aleijado – os esconderão, como convém, num lugar secreto e oculto. – Sim – disse Gláucon – se quisermos que a raça dos guardiões se conserve pura. – E serão eles quem tratará de criá-las; levarão aos infantários as mães que tiverem os peitos cheios de leite, mas tomando todo o cuidado para que nenhuma reconheça seu filho, e requisitarão outras amas se for necessário, (PLATÃO, 2000, p.112). 11 Platão propõe que aos guardiões sejam apresentadas algumas disciplinas intelectuais, como a geometria, a aritmética, a dialética e a filosofia e que sejam separados desse grupo, aqueles que mostrarem habilidade para lidarem com esse tipo de conhecimento intelectual. Aos 20 anos de idade, ele começará a ensinar aos discípulos a correlação das ciências; dos 30 aos 35 anos se dará o estudo da dialética; dos 35 aos 50 anos os escolhidos serão postos à prova em diversos cargos públicos, depois disso se ocuparão principalmente com a Filosofia, mas terão que exercer o governo cada um por seu turno. Diálogo com o Autor – [...] e quando tiverem visto o bem em si, o adotarão como modelo durante o resto de sua existência, em que governarão cada qual por seu turno, tanto à cidade e aos seus particulares como a si mesmos; pois embora dediquem a maior parte de seu tempo à Filosofia, terão de carregar aos ombros, quando chegue a sua vez, o peso dos assuntos públicos e governar um depois do outro para o bem da cidade, não como quem realizasse alguma tarefa honrosa mais simplesmente por ineludível dever. (PLATÃO, 2000, p.172). Os filósofos eram homens sábios, portanto, deveriam ser os governantes. Assim, é necessário sabedoria para governar. Platão vai extrair da classe dos guardiões os governantes. As mulheres também podem ser filósofas. Diálogo com o Autor – E de nossas governantes também, Glaucón. Não creias que tudo quanto eu disse se aplique apenas aos homens, e não ás mulheres que se revelarem suficientemente dotadas. (PLATÃO, 2000, p.173). – Nada mais justo, pois deixamos estabelecido que elas hão de compartilhar todas as coisas em igualdade de condições com os homens. (PLATÃO, 2000, p.173). Essa divisão do trabalho tem como base a teoria de Platão das três partes da alma. Para Platão, a alma humana é dividida em três partes: parte superior ou racional (controla ou modera os outros dois lados), parte intermediária ou irascível (responsável por dar ao homem ânimo para resolver conflitos e agir) e parte inferior ou concupiscível (responsável pela satisfação dos desejos). Cada parte da alma tem uma virtude própria: a parte racional tem como virtude a temperança (virtude que domina ou disciplina os prazeres e os desejos); a parte intermediária tem como virtude a coragem ou fortaleza (virtude de não se deixar levar pelos prazeres, dores, medos ou paixões, ter convicção, opinião firme) e por fim a parte da alma superior tem como virtude a sabedoria ou sapiência (capacidade de contemplar as formas e distinguir a maneira correta do Estado se comportar). 12 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Assim, existe um cruzamento entre as partes da alma e as classes sociais da pólis: produtores – parte inferior; guardiões – parte intermediária e governantes – parte racional. Essas três partes da alma são o que permite com que as pessoas sejam diferentes e tenham habilidades diferentes. Assim, cada um ocupa o lugar que lhe é próprio, de acordo com a sua virtude, sua habilidade natural, seu dom. Isso é justo, colocar cada um na sua posição adequada. Assim, o Estado seria justo, a medida que ajusta, adequa, cada um ao lugar que lhe é apropriado. Em resumo, Platão formulou a ideia de uma pólis justa, organizada hierarquicamente e governada por sábios, filósofos. Nos livros VIII e IX, Platão analisará as formas de governo. A aristocracia (que vem de areté e quer dizer virtude, é o governo dos mais virtuosos, dos melhores,mais adequados, mais capazes), timocracia (governo baseado no reconhecimento, na honra, no prestígio, no status social e não nas virtudes), oligarquia (entendida como plutocracia, é o governo de poucos, fundado sobre o reconhecimento da riqueza como bem supremo, ou seja, são os que possuem mais bens, mais posses que passam a dirigir o governo, a origem dessas posses pode ser a herança ou a rapina), democracia (entendida como demagogia, é uma liberdade excessiva, a democracia é entendida como demagogia, ou seja, para agradar o povo, se cede um excesso de liberdades o que leva ao desgoverno, já que uma grande parte de pessoas vai participar de assuntos políticos) e tirania (a liberdade sem freio pode levar um indivíduo habilidoso e ganancioso a tomar o governo, tonar-se totalitário e incorrer em excessos, criar leis e costumes que vão beneficiar a si próprio). Diálogo com o Autor – Afirmavas ainda que, se esta era boa, as outras tinham de ser por força deficientes. E, no tocante às demais formas de governo, que existiam, se bem me lembro, quatro espécies delas, e que valia a pena considerar os seus defeitos, bem como os defeitos dos indivíduos que lhes correspondiam. (PLATÃO, 2000, p.175). – [...] os quatro governos de que falo são conhecidos pelos nomes seguintes: primeiro o dos cretenses e dos lacedemônios, tão exaltado pelo vulgo; segundo a chamada oligarquia, um regime menos popular que aquele e eivado de numerosos vícios; segue-se a este o seu contrário, a democracia, e por último vem a gloriosa tirania, que de todos os mais difere e é a quarta e ultima doença da cidade. (PLATÃO, 2000, p.175). Segundo Platão, a melhor forma de governo é a aristocracia e a pior forma de governo é a tirania. A aristocracia imita a forma do bem, por isso é a melhor forma de governo. Na tirania, os cidadãos não estão nos seus lugares adequados, não há justiça. Diálogo com o Autor – Já descrevemos o homem que corresponde à aristocracia, do qual dissemos com razão que é bom e justo. (PLATÃO, 2000, p.176). 13 As Ideias Políticas de Aristóteles Aristóteles nasceu em Estagira no ano de 384 a.C., filho de um médico da corte do rei Felipe da Macedônia. Mais tarde, ele próprio seria preceptor do rei, Alexandre, o mesmo que com o falecimento do pai mais tarde se tornaria Alexandre o Grande. No que se refere a filosofia, Aristóteles foi aluno de Platão, deixando a sua cidade natal aos dezoito anos e indo morar em Atenas para estudar na Academia, por onde permaneceu por mais de quinze anos. Depois da morte de Platão, fundou a sua própria escola de filosofia o Liceu, que se localizava próximo ao templo de Apolo Lício, por isso esse nome, onde seus alunos eram chamados de peripatéticos, aqueles que caminham enquanto aprendem. O Liceu abrigava um acervo enorme de livros e uma das maiores coleções de fauna e flora. Amante e estudioso da natureza, Aristóteles, o grande sistematizador, é considerado o pai da biologia, da lógica, da pedagogia e de muitos outros ramos do saber. Aristóteles também não considerava a democracia que se vivia em Atenas a melhor forma de governo para promover o bem comum, mas isso não quer dizer que defendeu a sofocracia de seu mestre Platão. A filosofia política de Aristóteles está dispersa em varias obras. A Ética a Nicômaco, além da Política, também é uma obra importante para entender o pensamento político do estagirita. Uma boa parte da obra foi escrita após Aristóteles ter sido preceptor de Alexandre, O Grande. Aristóteles foi professor de Alexandre, O Grande, dos treze aos quinze anos. Após a morte do imperador, Aristóteles sofreu com a reação que houve em Atenas e para fugir dos inimigos foi para Calcídia, morrendo em 322 a.C., poucos meses depois de ter se exilado. Aristóteles inicia a sua reflexão política se perguntando por que os seres humanos criam comunidades. Como resposta, apresenta o fato da natureza ter feito a distinção dos seres humanos em macho e fêmea, o que levou à criação das primeiras comunidades, as famílias. Diálogo com o Autor A principal sociedade natural, que é a família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher, do senhor e do escravo. (ARISTÓTELES, 1998, p. 3) A própria necessidade de produção e proteção, leva ao surgimento das famílias. Essas famílias não bastam a si mesmas e por isso surgem as vilas, as comunidades, que começam a produzir alimentos específicos, vivem próximas umas das outras e começam a realizar trocas, o que leva ao surgimento de vilas. 14 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles O raciocínio inicial é semelhante ao de Platão: comunidades, humanas surgem porque nenhum indivíduo é autárquico. As vilas satisfazem as necessidades gerais dos homens pelo mesmo raciocínio usado por Platão: a produção de bens e a especialização. As demais necessidades humanas são morais ou éticas, ou seja, existem necessidades morais ou éticas (a própria filosofia, necessidades intelectuais, questões éticas e morais), e essas só poderiam ser satisfeitas pela pólis. Só as cidades, por meio de leis, magistraturas etc., podem garantir a satisfação de todas as necessidades humanas. Aristóteles acredita que a vida em sociedade vai se desenvolver, ela é um fato natural, assim como é um fato natural, as borboletas serem crisálidas, é natural do homem criar cidades. Em algum momento o homem irá formar cidades, por isso ele se configura como um animal político. Diálogo com o Autor É, portanto, evidente que toda cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável. (ARISTÓTELES, 1998, p. 4). Para Aristóteles, o homem é um zoon politikon, um animal como todos os outros, mas que tem uma característica que o diferencia que é criar instituições políticas, viver em cidades. Diálogo com o Autor Assim, o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão limitado a esse único efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos, o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala. Este comércio da palavra é o laço de toda a sociedade doméstica e civil. O Estado, ou sociedade política, é até mesmo o primeiro objeto a que se propôs a natureza. (ARISTÓTELES, 1998, p. 5) Aristóteles naturaliza a política como parte integrante do ser humano e coloca a pólis como um fenômeno natural. Logo, é o Estado que dá sentido a vida em comunidade, é ele que vai atender à realização das atividades morais e éticas. 15 Diálogo com o Autor Mas, não é apenas para viver juntos, mas sim para viver bem juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade corresponderia os escravos e até mesmo os outros animais. (ARISTÓTELES, 1998, p. 53). As famílias são o núcleo originário que compõe as cidades, elas são a base sobre a qual as cidades surgem. Se o núcleo familiar é a base sobre a qual cidades surgem, a estrutura familiar servirá também como base para a organização da cidade. Segundo Aristóteles, as relações familiares possuem quatro elementos: a relação homem- mulher, a relação pai-filhos, a relação senhor-escravo e a arte de obter bens (crematística: a arte de obter riquezas ou bens: por meio de da caça, pastoreiro, cultivo dos campos, escambo ou comércio com base em trocas, uso do dinheiro para o comércio). O filósofo rejeita o modo não natural de obter riquezas.Assim, uma economia saudável, será baseada nos modos naturais (não naturais teria como exemplo o dinheiro) de obtenção de bens. Aristóteles defendia a escravidão, pois acreditava que o intelecto governa o corpo e a vontade, então os homens no qual o intelecto predomina, devem comandar aqueles no qual o intelecto não predomina, naturalizando assim a escravidão. Os mais aptos irão comandar e os menos fortes serão comandados. As mulheres eram consideradas seres com o intelecto fraco. Quem é o cidadão para Aristóteles? Para ser cidadão é necessário fazer parte da administração da cidade, não basta habitar no território da cidade e não basta ser descendente de cidadãos. Para ser um cidadão é necessário participar da vida política, logo, os cidadãos são aqueles que tomam parte na política diretamente e tem tempo livre para participar da política. Diálogo com o Autor De acordo com nossa definição, a coisa é simples. Se participarem do poder público, serão cidadão. A outra definição, que exige que se tenha nascido de um cidadão ou de uma cidadã, excluiria desta categoria, em contrapartida, os primeiros habitantes e os próprios fundadores da cidade. (ARISTÓTELES, 1998, p. 44). O conceito tradicional de cidadania na Grécia Antiga não atende aos critérios de Aristóteles. É necessário estar efetivamente nas assembleias, fazer discursos, votar, ocupar cargos, para ser cidadão. Diálogo com o Autor Resulta de tudo isso que há várias espécies de cidadãos, mas os verdadeiros são apenas os que participam dos cargos. (ARISTÓTELES, 1998, p. 47). 16 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Aristóteles faz uma divisão entre tipos de governo. Um só homem: pode ser monarquia (busca o bem comum) ou tirania (busca interesses próprios); poucos homens: aristocracia (um grupo de cidadãos virtuosos) ou oligarquia (oligo = poucos, poucos homens que visam os seus interesses); muitos homens: politia ou politeia (muitos homens que visam o bem comum, eles não são tão excelentes, tão virtuosos, competentes ou capazes, mas estão tentando fazer algo em prol do coletivo, os cidadãos se alternam nesse governo) ou democracia (uma grande massa de pessoas passa a participar da política e a enriquecer, pois a grande maioria é formada por pobres e assim solapar a autoridade dos ricos). Existem governos virtuosos que buscam o bem da comunidade e aqueles que são degenerados, buscam interesses próprios. Assim, fica estabelecida uma divisão entre formas de governo virtuosas (a monarquia, aristocracia e politia) e corrompidas (tirania, oligarquia e democracia). Diálogo com o Autor Estas três formas de governo podem degenerar: a monarquia em tirania; a aristocracia em oligarquia; a república em democracia. A tirania não é, de fato, senão a monarquia voltada para a utilidade do monarca; a oligarquia, para a utilidade dos ricos; a democracia para a utilidade dos pobres. Nenhuma das três se ocupa do interesse público. O governo é o exercício do poder supremo do Estado. Este poder só poderia estar ou nas mãos de um só, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou a maioria não buscam, uns aos outros, senão a felicidade geral, o governo é necessariamente justo. Mas, se ele visa ao interesse particular do príncipe ou dos outros chefes, há um desvio. O interesse deve ser comum a todos ou, se não o for, não são mais cidadãos. (ARISTÓTELES, 1998, p. 106). Para Aristóteles a forma de governo ideal é a monarquia. Sendo um adepto do realismo, defende que a melhor forma de governo na prática, na época dele, viável, concreta, real, é a politia, ou seja, um grupo de cidadãos, razoavelmente grande, que não precisam ser tão virtuosos, mas que podem ter algumas virtudes, se alternando nas funções do governo e preocupados com o bem comum. Diálogo com o Autor A monarquia é, na nossa opinião, um dos melhores regimes. Contudo, é preciso examinar se é preferível, para um país e para um povo que queiram ser bem governados, ter ou não um rei, se não há um sistema mais interessante ou se a monarquia, sendo boa para uns, não seria má para outros. O governo é o exercício do poder supremo do Estado. Este poder só poderia estar ou nas mãos de um só, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou a maioria não buscam, uns aos outros, senão a felicidade geral, o governo é necessariamente justo. Mas, se ele visa ao interesse particular do príncipe ou dos outros chefes, há um desvio. O interesse deve ser comum a todos ou, se não o for, não são mais cidadãos. (ARISTÓTELES, 1998, p. 151). 17 Como seria a pólis ideal para Aristóteles? Ela não deveria ser nem muito pequena (cidades muito pequenas não conseguem ser autossuficientes), nem muito numerosa (cidades muito numerosas são ingovernáveis); o território não deve ser nem muito pequeno (territórios pequenos são insuficientes para a produção de tudo aquilo de que a cidade necessita) nem muito extenso (territórios muito grandes produzem bens supérfluos e são difíceis de defender); os cidadãos devem possuir uma síntese de qualidades físicas e intelectuais, não precisam ter uma excelência tão elevada como pretendia Platão. Fica expresso nessa concepção, que Aristóteles está aplicando o justo meio na política. Que classes a pólis deve ter? Cultivadores da terra (escravos); artesãos; comerciantes; (não cidadãos); guerreiros, legisladores, políticos e sacerdotes (cidadãos). Nessa última categoria haveria uma progressão de ocupações. Os não cidadãos e os escravos levariam vidas voltadas para as condições necessárias à sua subsistência. A paideia na pólis aristotélica teria como finalidade a formação de homens bons e virtuosos. Seria voltada, inicialmente para o corpo, pois ele se desenvolve antes da razão. Depois prosseguiria para a educação dos impulsos e instintos. Em outra etapa se voltaria à alma racional. A educação tendo como finalidade as técnicas de manufatura é um contrassenso para Aristóteles, pois não educaria tendo como fim o homem, mas sim as coisas que servem ao homem. Algumas Considerações Finais Em resumo, a teoria política de Platão terá como base a defesa dos Reis-filósofos, ou seja, os filósofos são os mais aptos a governarem a cidade, pois possuem maior sabedoria e como acessam de maneira mais frequente o mundo das ideias, estão mais próximos da ideia de justiça. O reconhecimento dos filósofos está baseado na teoria das três partes da alma, onde cada parte determinará qual classe o habitante da pólis fará parte e receberá uma educação especializada. Já Aristóteles, terá uma visão mais realista e menos idealizada da política. Não defenderá a Teoria dos Reis Filósofos e afirmará que o mais importante é que em qualquer forma de governo o objetivo principal seja pensar no bem comum e colocar os interesses próprios de lado. Aristóteles defenderá a politia como melhor forma de governo, uma espécie de democracia justa. Mas também não deixar de afirmar que teoricamente a monarquia seria a melhor forma de governo. 18 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Material Complementar Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta unidade, leia as seguintes obras: • Hadot, Pierre. O que é Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 2012. • Jaeger, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2013. • Platão. Diálogos III: A República. Tradução de Leonel Vallandro. 26 ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. • Aristóteles. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Todos enriquecerão sua compreensão sobre o pensamento político na Grécia Antiga. 19 Referências PLATÃO. Diálogos III: A República. Tradução de Leonel Vallandro. 26 ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.20 Unidade: Filosofi a Política na Antiguidade: Platão e Aristóteles Anotações
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