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Cartas pastorais - 1Timóteo

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CONTEÚDO
PREFÁCIO DO AUTOR	7
ABREVIATURAS	8
INTRODUÇÃO	9
1. As Personalidades	9
2. O Problema Crítico	11
3. A Situação Histórica Biográfica	14
4. Os Falsos Mestres	18
5. O Ministério	20
6. A Atmosfera Teológica	23
7. linguagem e Estilo	28
8. Duas Conclusões Preliminares	34
9. A Questão da Autoria	36
10. Data e Relacionamentos Mútuos	41
A PRIMEIRA EPÍSTOLA A TIMÓTEO: Comentário	47
A SEGUNDA EPÍSTOLA A TIMÓTEO: Comentário	145
A EPÍSTOLA DE TITO: Comentário	205
PREFACIO DO AUTOR
Qualquer pessoa que trabalha num comentário sobre as Epístolas Pastorais deve ter cada vez mais consciência de quanto deve aos seus antecessores. Em meu caso, esta divida é especialmente grande para com os exegetas clássicos dos tempos patrísticos e da Reforma, cuja exposição permanece tão estimulante quanto antes, e, entre seus sucesso res modernos, a W. Lock, E. F. Scott, J. Jeremias, M. Dibelius e C. Spicq, que passaram pelo terreno com tanta erudição e habilidade que deixaram pouca coisa para outras pessoas respigarem. Lástima não ter podido fazer uso da admirável edição compacta do Dr. C. K. Barrett, que somente veio ao público quando este livro estava nas provas de paginação.
Inevitavelmente o problema da autoria avulta-se nas páginas seguintes, mas procurei fazer com que não eclipsasse as cartas propriamente ditas. Quer tenham sido escritas por Paulo ou por um discípulo inspirado (o partidário mais convicto de qualquer destes pontos de vista, se tiver mente aberta, deve reconhecer a força do conceito oposto), certamente não se encaixam na descrição demasiadamente comum delas como sendo meros manuais da piedade burguesa e da ortodoxia estática. Estão cheias de declarações esplêndidas da verdade crista e de chamadas inspiradoras ao testemunho cristão; e fornecem janelas incomparáveis para as condições e tensões da vida da igreja num período para o qual, segundo qualquer teoria razoável de atribuir a data, quaisquer outras evidências estão quase totalmente em falta. Como tais, merecem serem estudadas com a atenção mais devota pelo povo cristão de hoje.
Basta apenas informar o leitor que, como outros redatores nesta série, fiz minha própria tradução do original (seguiremos Almeida Revista e Atualizada no Brasil nas transcrições), e agradecer os numerosos amigos que me deram ajuda e encorajamento. Entre estes, gostaria especialmente de mencionar o Professor F. F. Bruce, que bondosamente leu e comentou a Introdução, o Reverendo D. Guthrie, que ofereceu sugestões valiosas, e Sra. Etta Guilick, em cuja casa em Somerset o livro começou, e foi datilografado em parte.
Dia da Ascensão, 1963.
ABREVIATURAS
ai.	Aliter, i.é, "doutra forma."
ARA	Almeida Revista e Atualizada no Brasil
ARC	Almeida Revista e Corrigida
AV	Authorizedou KingJames — Versão da Bíblia.
LXX	Septuaginta (Versão grega do Antigo Testamento).
m	Nota marginal.
Moffatt	The Bible, A New Translation, por J. Moffatt.
MS (S)	Manuscrito(s)
NEB	The New English Bible (Novo Testamento)
N.T.	Novo Testamento.
A.T.	Antigo Testamento.
PG	Patrologia Graeca, ed.J.Migne.
PL	Patrologia Latina, ed. J. Migne.
RSV	Revised Standard Version da Bíblia em Inglês.
Vulgata	A versão Vulgata, ou latina, da Bíblia.
Outros comentários usualmente têm sido citados pêlos nomes dos seus autores.
INTRODUÇÃO
l. AS PERSONALIDADES
Estas três cartas, que formam um grupo distinto na coletânea paulina, declaram ser comunicações do grande Apóstolo enviadas a dois dos seus lugares-tenentes da maior confiança. Receberam o título de "Pastorais" desde o início do século XVIII porque estão endereçadas a pastores e, em grande medida, dizem respeito aos deveres deles.
Timóteo é um dos mais conhecidos entre as personagens secundárias do Novo Testamento. Filho de um pai pagão e de uma mãe judia convertida, juntou-se pela primeira vez à comitiva de Paulo em Listra, na Licaônia, no início da segunda viagem missionária deste. Já era um cristão de certa posição, tendo sido provavelmente convertido por Paulo quando este pregara na localidade um ou dois anos anteriormente. Parece que o Apóstolo teve simpatia por ele e o persuadiu a acompanhá-lo, mas primeiramente o circuncidou como uma concessão às suscetibilidades judaicas (At 16:1-3). A partir de então, foi companheiro constante de Paulo e seu amigo íntimo, e cooperou com ele em várias das suas cartas (l e 2 Ts, 2 Co, Fp, Cl e Fm), e foi encarregado de várias missões importantes, e.g. para Téssalônica (l Ts 3:2) e para Corinto (l Co 4:17). O Apóstolo o considerava seu "cooperador", e seu "filho amado e fiel no Senhor" (Rm 16:21; l Co 4:17). Quando Paulo estava começando sua última viagem a Jerusalém, Timóteo fazia parte do grupo (At 20:4), e estava ao seu lado durante sua prisão em Roma. Realmente, Paulo recebia consolo especial da sua presença e planejou o envio dele numa missão para a igreja filipense (Fp 2: 19-24).
Nossas informações acerca de Tito são mais escassas, mas ele, também parece ter sido um convertido de Paulo e ter desfrutado da mais plena confiança deste. Um pagão de nascença, escoltou seu mestre na sua segunda viagem para Jerusalém, onde uma tentativa, mais provavelmente mal-sucedida, foi feita no sentido de submetê-lo à circuncisão (Gl 2:1-5). Mais tarde, quando os relacionamentos com a igreja de Corinto estavam a ponto de romper-se, foi para lá como o enviado pessoal do Apóstolo, levando a carta severa que era virtualmente um ultimato. Parece ter manobrado a situação desajeitada com perícia, e ter restaurado a comunidade à lealdade e à obediência, e depois de dar seu relatório a Paulo na Macedônia, foi enviado de volta para Corinto a fim de entregar 2 Coríntios e completar a coleta ali (2 Co 7:6-16; 8:6; 12:17-18). Ainda que não ficasse tão próximo do Apóstolo quanto Timóteo, deve ter tido um caráter mais forte, e seu serviço a Paulo deve ter começado antes e ter abrangido um período ainda mais longo.
Conforme o quadro exposto nas cartas, Timóteo e Tito agora são delegados apostólicos temporariamente encarregados das igrejas de Éfeso e de Creta respectivamente. Timóteo, pelo menos, ainda é relativamente jovem (l Tm 4:12; 2 Tm 2:22), talvez com seus trinta e cinco anos ou mais, e temos a impressão que é um homem tímido e sensível, cuja disposição de ânimo precisa de apoio, l Timóteo o representa presidindo sobre a congregação de Éfeso; Paulo o deixou ali, ou de qualquer maneira pediu que continuasse ali, e planeja visitá-lo antes de passar-se muito mais tempo. Neste ínterim, encoraja-o a reestabelecer a tradição sadia do ensino cristão contra as tendências heréticas divisivas, tendo em vista aquele objetivo, organizar o ministério e a vida diária da congregação numa base apropriada. A carta a Tito, que é semelhante na sua ocasião e no seu alvo, dá a entender que Paulo e seu cor-respondente já tinham levado a efeito uma missão conjunta em Creta.O próprio Apóstolo agora foi para a Grécia, com a intenção de passaro inverno na cidade adriática de Nicópolis; Tito foi deixado em Creta com a tarefa de estabelecer um ministério apropriadamente ordenado em todas as cidades da ilha, e também de pôr fim aos falsos ensinos que são generalizados. Parece que seu empreendimento é considerado de duração menor, visto que Paulo antevê sua reunião com ele em Nicópolis.
Estas duas cartas, embora sejam endereçadas a indivíduos, claramente visam (se são cartas verdadeiras) ser lidas em alta voz à congregação reunida também. Este fato se ressalta especialmente nas saudações no fim, que estão no plural. O tom de 2 Timóteo é muito mais pessoal, embora ela, também termine com uma saudação no plural. Tem a aparência a ser a última das três, quanto à data, visto que representa o Apóstolo em prisão rigorosa em Roma, acorrentado como criminoso
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e esperando sua execução num futuro previsível. Timóteo, segundo parece, ainda está em Éfeso, e os falsos mestres ainda são uma ameaça com sua influência desmoralizadora; Paulo manda-o precaver-se contra eles. Mas boa parte da carta consiste nas admoestações pessoais do Apóstoloao seu discípulo no sentido de levar a efeito seu ministério com perseverança, seja qual for o sofrimento acarretado. Anseia por sua presença, e conclama-o a vir até ele antes do inverno começar.
2. O PROBLEMA CRÍTICO
Se forem tomadas por aquilo que ostentam ser, as Epístolas Pastorais têm, assim, um interesse e uma importância especiais. Como cartas, diferem da maioria das paulinas, sendo escritas a indivíduos mais do que as igrejas, e diferem de Filemon porque seu caráter é oficial, em vários graus, e não exclusivamente pessoal. Levantam a cortina de modo revelador, quanto a aspectos das atividades do Apóstolo que, de modo geral, passam desapercebidos no restante da sua correspondência.
Mostram-nos alguma coisa acerca dos seus relacionamentos com seus colegas mais íntimos e responsáveis, e ilustram sua solicitude pêlos arranjos administrativos, sua abordagem aos problemas práticos, e as novas ênfases na sua teologia posterior. Além disto, oferecem relances fascinantes da vida e da organização da igreja, e das distorções doutrinárias contra as quais tinha de lutar, na década dos sessenta, no século I. No que diz respeito ao próprio Paulo, nem é necessário dizer que a evidência delas no tocante aos seus movimentos e atitudes nos anos finais de sua carreira é incomensuravelmente preciosa.
É como tais que as Pastorais eram tidas em grande estima pêlos cristãos desde os tempos mais antigos até ao século XIX. Sua atestação na era sub-apostólica e no começo do século II tem sido declarada tão boa como a de qualquer das paulinas a não ser Romanos e l Coríntios. Várias passagens em l Clemente ( c. de 95), e de modo ainda mais convincente nas cartas de Inácio (c. de 110), parecem ecoar tão de perto passagens nas Pastorais que somente a cautela excessiva recusa-se a admitir a dependência direta. Neste último caso, o relacionamento é tão estreito que foi proposta a contra-teoria de que o autor das Pastorais foi ele mesmo o copista. Do outro lado, é praticamente certo, e poucos têm duvidado, que Policarpo de Esmirna as conhecia e que as citou na sua bem conhecida carta aos filipenses (no mais tardar, c. de 135). Desde os meados do século II, sua posição está asse-
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gurada, e são citadas como inquestionavelmente paulinas por Irineu, Tertuliano, o Cânon Muratoriano, e Clemente de Alexandria. É verdade que o herege Márciom (c. de 140), não as incluiu no seu cânon mutilado do Novo Testamento, mas a razão mais provável é que ele não tenha gostado do estilo anti-herético delas e da estima que dedicam ao Antigo Testamento, e não que elas ainda não pertenciam à coletânea paulina. O Evangelho da Verdade, plausivelmente atribuído a Valentino (c. de 150), não faz referência alguma a elas tampouco, embora cite de todos os demais livros do Novo Testamento. Mais uma vez, isto não é surpreendente; os gnósticos geralmente, segundo Clementee Jerônimo, as repudiavam, e seu teor anti-gnóstico fornece uma explicação suficiente.
O único fato realmente enigmático é que as Pastorais não constam do Papiro Chester Beatty (P 46), o códice Paulino mais antigo (do começo do século III). Este fato tem sido explicado de vários modos. Como Filemom também falta no Papiro, é possível que a coletânea nele contida abrangesse apenas as cartas endereçadas às igrejas. Além disto, não pode ser excluída a possibilidade de que o códice completo tenha contido as cartas. Conforme ele agora existe, faltam as sete últimas folhas, e embora o espaço que teriam dado pareça curto demais para as Pastorais, há sinais que o copista estava forçando cada vez mais palavras em cada página enquanto chegava perto do fim. Alternativamente, é concebível que pudesse ter acrescentado mais três ou quatro páginas ao livro. De qualquer maneira, a inferência de que não pertenciam à coletânea paulina conhecida no Egito no começo do século III é injustificada, porque já notamos que eram familiares a Clemente.
Infelizmente, não se pode ter certeza, de modo algum, hoje em dia, que as cartas realmente advém do Apóstolo. Desde as primeiras décadas do século XIX uma nuvem de críticas tem sido dirigida contra a aceitação da reivindicação que elas mesmas fazem. A afirmação da autoria paulina é berrantemente inconsistente, os críticos argumentaram, não somente com nossas informações acerca da vida e dos movimentos de Paulo, como também com a psicologia, o espírito teológico, e o próprio estilo das Pastorais, sem mencionar as heresias e a organização eclesiástica desenvolvida que retraíam. Muitos têm achado estes argumentos irresistíveis, e embora o conceito tradicional ainda tenha quem o apóie, a opinião que prevalece é que as cartas conforme constam derivam da era sub-apostólica, talvez até mesmo em meados do século II, tendo sido compostas por algum entusiasta Paulino que desejava combater os ensinadores dos erros e fortalecer a igreja dos seus pró-
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prios dias com o peso da autoridade do Apóstolo. O máximo que alguns estão dispostos a conceder é que uns poucos fragmentos paulinos, principalmente de um caráter pessoal, podem ter sido incorporados no texto, que doutra forma é pseudonímico.
Esta é claramente uma questão de importância suprema; nosso julgamento do valor das cartas bem como nosso entendimento da sua mensagem devem depender de se a voz que fala através delas é a de um discípulo inspirado. Nem pode ser solucionada ao simplesmente apontar a declaração clara nos seus parágrafos iniciais, apoiada por referências diretas e indiretas noutros lugares, que é a voz de Paulo. A pseudonimidade, ou a prática de publicar suas próprias obras com o nome dalguma personagem reverenciada do passado, estava na moda tanto nos círculos judaicos como nos cristãos cerca do começo da nossa era. Uma grande proporção dos escritos judaicos, tanto dentro quanto fora da Bíblia, produzidos entre 250 a.C. e 200 d.C., têm os nomes de Enoque, de Daniel, dos patriarcas, e de outros. Livros cristãos primitivos tais como o Didaquê e os Evangelhos e Atos apócrifos alegam ter sua origem nos apóstolos e nas personagens tais como Nicodemos, e há alguma razão para acreditar que certos livros do próprio Novo Testamento, tais como 2 Pedro, Judas, e Tiago, também são pseudonímicos. O leitor moderno que sente um choque inicial acerca daquilo que entende ser fraude deve refletir que a atitude, abordagem e padrões literários daquela era eram totalmente diferentes daqueles que se aceitam hoje. O autor que atribuía sua própria obra a um apóstolo provavelmente tinha a convicção sincera que ela reproduzia fielmente o ensino e o ponto de vista do grande homem. É também provável que, no século I e no começo do século II de qualquer maneira, os cristãos tivessem pouco ou nenhum interesse pela personalidade do agente humano que escrevia seus livros sagrados. O Espírito que falara através dos apóstolos ainda estava ativo em homens proféticos, e quando começavam a escrever, era Ele o autor real das suas produções. Era, portanto, legítimo atribuir todos os escritos deste tipo (excetuando-se, naturalmente, composições que eram pessoais pela sua própria índole) a um ou outro dos Apóstolos, que tinham sido porta-vozes do Espírito, e cujos discípulos eram os autores, humanamente falando.
Nas seções que se seguem, ocupar-nos-emos principalmente, pelo menos em primeira instância, com o problema crítico. À primeira vista, isto pode parecer uma abordagem um pouco unilateral, e tendente a dar, na melhor das hipóteses, uma impressão parcial das cartas. À medida em que o problema é abordado, no entanto, a discussão inevi-
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tavelmente passará por todos os seus aspectos-chaves, e o leitor assim será capacitado a vê-los na sua perspectiva e formar um ponto de vista compreensivo do seu conteúdo e caráter.
3. A SITUAÇÃO HISTÓRICA BIOGRÁFICA
As referências a Paulo e às suas atividades nas cartas são claramente de importância primária. Delas, podemos razoavelmente esperar que formaremos um quadro da situação em que as Pastorais foram escritas, e assim, talvez, obter um indicio quanto à sua origem. Há concordância geral que nãopossam ser encaixadas na carreira do Apóstolo conforme ela pode ser reconstruída na base de Atos e das Epistolas reconhecidas como sendo paulinas, i.é, até a sua prisão em Roma registrada em Atos 28.
Em l Timóteo a passagem-chávê é 1:3, que revela que quando estava viajando para a Macedônia, Paulo pediu a Timóteo que ficasse em Éfeso por causa dos problemas ali. Se supusermos, com a maioria dos comentaristas, que ele mesmo tivesse partido de Efeso, é difícil interpretar sua viagem como sendo uma mudança temporária para a parte continental da Grécia durante seus três anos de residência na cidade (At 19). Em nenhum lugar ficamos sabendo de semelhante mudança e se Paulo tivesse feito assim, deve ter sido muito breve e não teria necessitado armar Timóteo com autoridade plenipotenciária. Muito menos pode ser identificada com sua partida final de Éfeso, mencionada em Atos 20:1. Sabemos que naquela ocasião enviou Timóteo para a frente, ao passo que sua própria destinaçao era Corinto, e, finalmente, Jerusalém; não há o mínimo indício do plano de revisitar Éfeso referido em l Tm 3:14 e 4:13. Se, do outro lado, supusermos que seu ponto de partida fosse outro lugar que não Éfeso, sobra para nós sua visita muito anterior à Macedônia durante sua segunda viagem missionária (At 16:9ss.). Naquela data, no entanto, a igreja em Éfeso era, na melhor das hipóteses, embriônica e certamente não era o grande sucesso retratado em l Timóteo. Tito apresenta dificuldades semelhantes, pois pressupõe um esforço evangelístico extensivo comparativamente recente da parte de Paulo e do seu jovem colega em Creta. A única visita à ilha que é conhecida é aquela descrita em Atos 27, quando o navio que o transportava a Roma foi velejando pelo seu litoral. Sua única parada, no entan-
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to, foi temporária, em Bons Portos, o que dificilmente lhe teria dado oportunidade para a atividade missionária. Além disto, passou o inverno que se seguiu em Malta, não em Nicópolis (Tt 3:12). Tem sido sugerido que ele pudesse ter atravessado para a ilha ou partindo de Corinto ou de Éfeso durante suas permanências naqueles lugares. A primeira possibilidade, no entanto, é excluída pelo fato de que Tt 3:13 representa Apoio como um obreiro cristão ativo, ao passo que este não se convertera a não ser depois de Paulo ter deixado Corinto, e a última possibilidade é difícil de reconciliar (entre outras coisas) com o envolvimento de Tito durante o respectivo período com os negócios da igreja de Corinto. Além disto, é dificilmente concebível que, apesar de todas as suas lacunas, Atos pudesse ter omitido qualquer menção de uma obra missionária em tão grande escala e tão importante.
Conforme 2 Timóteo, Paulo está rigorosamente preso, quase certamente em Roma (1:17), e a despeito do resultado bem-sucedido da investigação preliminar, sabe que sua sorte está selada (4:6, 18). Quer que Timóteo, que provavelmente ainda está em Éfeso, venha a ele, apanhando Marcos pelo caminho. Poderíamos ser tentados a inferir que este fosse o cativeiro em Roma registrado em Atos 28, se não fosse fato que Timóteo e Marcos estavam então em Roma com o Apóstolo (Cl 1:1; 4:10; Fm 24). Além disto, as referências à capa deixada em Trôade, a Erasto que ficou em Corinto, e a Trófimo que ficou em Mileto, doente (4:13, 20) sugerem que Paulo tinha estado recentemente na Ásia Menor, ao passo que sabemos que viera de Cesaréia para Roma, passando por Creta e Malta, e não estivera na Ásia Menor durante os três anos anteriores. Sua prisão durante dois anos em Cesaréia (At 23-26) tem, portanto, sido proposta como uma alternativa. A favor disto está o fato de que o itinerário de Paulo antes de chegar em Cesaréia o levou por Corinto, Trôade, e Mileto. Do outro lado, visto que segundo At 21:29; 20:4 tanto Trófimo quanto Timóteo estavam com seu mestre em Jerusalém, é difícil ver como aquele pudesse ter sido deixado doente em Mileto, e explicar a presença do outro em Éfeso. A menção de Demas, também, cria dificuldades; em 2 Tm 4:10 é relatado que abandonou Paulo, mas pouco depois (segundo esta cronologia) o achamos em Roma como um dos seus ajudadores (Cl 4:14; Fm 24). Mais importante de tudo, porém, é a declaração, sem ambigüidade, de 1:17, que aponta Roma como sendo o lugar onde a carta foi escrita.
Fatos como estes tornam impossível achar um lugar para as Pastorais na vida conhecida de Paulo. Isto é geralmente reconhecido, mas conclusões muito diferentes têm sido tiradas. Uma delas, que surge 
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facilmente à mente, especialmente se for suposto que a morte de Paulo aconteceu pouco depois dos eventos descritos em Atos 28, é que as situações retratadas, com seus vários incidentes e alusões pessoais, foram artificialmente excogitadas, sendo ou puras invenções, ou adaptações de cenas reais na carreira de Paulo. Para confinnaçïo, seus apoiadores indicam certas contradições, segundo as consideram, nas próprias cartas. Acham estranho, por exemplo, que em l Timóteo Paulo se desse o trabalho de escrever por extenso instruções e conselhos detalha dos para um discípulo que acabou de deixar e que se propõe a visitar de novo dentro em breve. Além disto, embora 2 Timóteo alegue ser escrita de Roma, os nomes pessoais e locais mencionados em 4:10-20 relembram de modo suspeito (conforme já foi aludido) a última viagem de Paulo à Cesaréia e seu julgamento ali. Por esta razão, alguns argumentariam que o autor pretendia que esta carta evocasse a prisão de Paulo em Cesaréia. A menção de Roma em 1:17 é variadamente explicada como sendo uma interpolação ou como um erro excepcionalmente grave.
Esta é a linha tomada por críticos que estão dispostos a duvidarda autoria paulina. Também é adotada, com as modificações necessárias, pêlos apoiadores da "hipótese dos fragmentos." Estes concordam que o quadro geral dos movimentos do Apóstolo é artificial, mas alegam que as cartas incorporam certos elementos autenticamente paulinos cuja data e lugar de composição podem, na maioria dos casos, ser plausivelmente identificados. As alegadas contradições internas serão discutidas no Comentário, e a validez desta "hipótese dos fragmentos" será examinada numa seção posterior desta Introdução. Nesta etapa, será apenas observado que, se as cartas forem realmente não-paulinas,; surpreendente que o autor não fez um trabalho mais convincente com ieu arcabouço pseudo-histórico. Como, segundo esta suposição, tinha conhecimento de Atos e das dez Paulinas, teríamos esperado que ele representasse suas cartas originando-se em situações facilmente reconhecíveis da vida do Apóstolo. O caso é, porém, que o pano de fundo que forneceu ou é inteiramente imaginário, como no caso de Tito, ou um que somente pode ser reconciliado com Atos segundo a teoria de nos inexplicáveis da sua parte, como no caso de 2 Timóteo.
A explicação oferecida pêlos críticos conservadores fica em contraste marcante com estas teorias. Segundo eles, as Pastorais, bem como as situações que pressupõem, pertencem ao período de vida de Pau-3 subseqüente a Atos 28:31, e não há, portanto, necessidade alguma e ficar perturbado pela dificuldade de encaixá-las na carreira dele an-
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tes disto. Destarte, rejeitam o conceito moderno generalizado de que seu cativeiro romano terminou com sua execução, argumentando que a brandura da sua prisão, e a natureza das acusações levantadas contra ele, tomam muito improvável tal coisa. Não há sugestão alguma em Atos de que houve tal desfecho; lido corretamente, o discurso de Paulo em Mileto (Atos 20:22-25), que é freqüentemente entendido como subentendendo este fim, meramente deu expressão à sua expectativa na ocasião. Sabemos que o procônsul Festo estava satisfeito quanto à sua inocência (Atos 26:31-32), e o relatório que enviou a Roma deve ter sido favorável. O próprio Apóstolo claramente antecipava que veria seus amigos dentro em breve (Fp 1:25-26; 2:24; Fm 22). Seu martírio não pode, de qualquer maneira, ser colocado antes de 64 d.C., ó ano do surto do pogrom de Nero (Eusébio o coloca em 67), e é difícil ver como sua prisão domiciliar pudesse terdurado tanto tempo. É, portanto, extremamente provável que foi solto; e, neste caso, temos o direito de inferir que continuou sua obra evangelística até que fosse interrompida por um segundo aprisionamento, desta vez definitivo, na capital. Tal curso de eventos, no entanto, claramente daria amplo espaço para a composição das Pastorais, bem como para as atividades subentendidas nelas.
No que diz respeito ao seu relato da fase final da vida de Paulo, os conservadores formaram um argumento muito sólido. A questão da autoria das cartas, naturalmente, é logicamente separada, e pode ser deixada de lado por enquanto. Vale a pena indicar, no entanto, que, sejam autênticas, sejam pseudonímicas, elas mesmas devem provavelmente ser tomadas como a melhor evidência possível de que o Apóstolo sobreviveu seu cativeiro de dois anos. Na igreja primitiva era geralmente aceito (e.g. Eusébio, Hist. ecci. ii.22) que fora inocentado e que empreendeu um ministério adicional de pregação antes de ser finalmente preso e executado. Não há razão para supor que esta tradição meramente reflete a exegese contemporânea de 2 Timóteo. Já em 95 achamos Clemente de Roma declarando (l Ciem. v.7) que Paulo tinha viajado "ao limite do oeste," que para um escritor romano somente poderia significar a Espanha; e menos de cem anos mais tarde, outro documento romano, o Cânon Muratoriano, explicitamente declara que foi de Roma para lá. É não-crítico rejeitar isto como sendo uma glosa lendária baseada em Rm 15:24 e 28, onde o Apóstolo expressa sua firme intenção de visitar a Espanha. Clemente, de qualquer maneira, estava escrevendo, no máximo, trinta anos depois da morte de Paulo, numa igreja que tinha pleno acesso aos fatos, e em que pessoas que 
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o conheceram bem, provavelmente ainda viviam para averiguar declarações acerca dele. Por estas razões, a teoria de um segundo aprisionamento parece firmemente fundamentada. Mas se de fato ocorreu, desaparece imediatamente a alegada dificuldade de achar um lugar para as Pastorais na carreira de Paulo.
4. OS FALSOS MESTRES
Em todas as três cartas o escritor está grandemente preocupado com os hereges, conforme os considera, que vão mercadejando uma mensagem distinta de, e oposta a, o evangelho verdadeiro, que semeiam contendas e dissensão, e levam vidas moralmente questionáveis. Volta repetidas vezes ao tema, impressionando sobre Timóteo e Tito (sejam pessoas reais, sejam personagens na sua ficção) a urgência de tomar contra-medidas com todos os meios à sua disposição. Qual é esta "outra doutrina" (l Tm l :3) que tanto teme, e que já causou a queda espiritual de homens tais como Himeneu e Alexandre (l Tm 1:19-20)? Seja qual for a teoria da autoria que se adota, é razoável supor que um tipo concreto de ensino, ou, de qualquer modo, de atitude diante do cristianismo, esteja em mira, e ainda se (conforme é altamente provável, especialmente se as situações subentendidas são, em qualquer sentido, históricas), assumiu formas algo diferentes em Éfeso e Creta, seu padrão geral parece ter sido o mesmo nos dois centros. A despeito de muita obscuridade de detalhes, o seguinte quadro, reconhecidamente incompleto e tantalizante na sua vagueza, pode ser composto; uma discussão mais completa será achada nas notas.
A característica mais óbvia da heresia é sua combinação de ingredientes judaicos e gnósticos. De um lado, seus expoentes professam ser "mestres da lei" (l Tm 1:7), embora, conforme o escritor, não saibam como fazer uso apropriado dela; em Creta um grupo deles até é chamado de "os da circuncisão" (Tt 1:10). Dedicam-se a disputas acerca da lei (Tt 3:9), e estão muito ocupados com "fábulas e genealogias" (l Tm l :4), para o que é provável um fundo judaico visto que ouvimos falar em "fábulas judaicas" em Tt l :14. Do outro lado, não eram judaizantes do tipo que Paulo tinha de combater no seu ministério anterior. A doutrina deles era ascética, envolvendo, por exemplo, a renúncia do casamento e a abstinência de certos tipos de alimento, possivelmente tambémd o vinho (l Tm 4:3; 5:23). Como corretivo, o escritor faz questão de-
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definir rigorosamente os limites dentro dos quais a auto-disciplina física pode ser praticada de modo apropriado (l Tm 4:8). Visto que ele também faz um esforço especial para enfatizar a bondade da totalidade da criação de Deus (l Tm 4:3-5), pode haver pouca dúvida de que as pessoas que estava criticando faziam pouco caso da ordem material. Sua espiritualização da ressurreição, que era o equivalente de negar que o corpo participava da salvação (2 Tm 2:18), fazia parte integrante deste dualismo. Assim também era sua jactância no sentido de serem possuidores de uma gnòsis superior, esotérica (l Tm 6:20), que o escritor rejeita como não sendo conhecimento real de modo algum, mas, sim, apenas um espírito de ardorosa disputa (l Tm 6:4). É possível, mas improvável, que também praticassem a magia (2 Tm 3:8,13).
Por causa do seu colorido gnóstico, muitos identificam o falso ensino com o gnosticismo plenamente desenvolvido com o qual a igreja veio à luta em meados do século II. Acham apoio nas "fábulas e genealogias" de l Tm l: 4 (cf. Tt 1:14; 3:9), entendendo que o último termo seja uma referência às famílias de eões que pensadores tais como Valentino interpunham entre Deus e o mundo. A improbabilidade desta interpretação será demonstrada no Comentário (ver págs. 51-2). De modo geral, nada há nos indícios esparsos e vagos que recebemos para indicar que a doutrina atacada fosse tão elaborada ou coerente como os grandes sistemas gnósticos. Conforme vimos, tinha uma tendência marcantemente judaica, e seus expoentes ainda estavam dentro da igreja. Ainda menos plausível é a teoria de que era o marcionismo. Aqueles que sustentam esta idéia detectam nas "contradições do saber, como falsamente lhe chamam" (l Tm 6:20) uma alusão às Antíteses de Márcion (m. c. de 160), e interpretam a solicitude do autor para com o Antigo Testamento (l Tm 4:13; 2 Tm 3:15-16) como sendo a reação contra o pouco caso que Márcion fazia dele. Mas, bem à parte da ausência de qualquer tratamento organizado das doutrinas específicas do marcionismo nas cartas, (a) Márcion não era um gnóstico a rigor, ao passo que os hereges tinham tendências gnósticas palpáveis; (b) é difícil ver como ele, com sua abordagem literalista, poderia ter tolerado "fábulas"; e (c) os partidários do erro estavam claramente ligados à Lei, para a qual Márcion não achava uso algum.
É, de fato, uma falta de realismo olhar para os bem conhecidos sistemas gnósticos, ou quase gnósticos, do século II, para luz sobre o ensino que provocou as Pastorais. Tudo sugere que era algo muito mais elementar; e é signifícante que boa parte da polêmica do escritor é dirigida, não tanto contra qualquer doutrina específica, quanto contra a
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contenção e a vida dissoluta que encorajava. Talvez seja melhor definida como sendo uma forma gnosticizante do cristianismo judaico. Isto por si só é iluminador, porque é reconhecido hoje em dia que o judaísmo, e especialmente o judaísmo sectário, fornecia um solo fértil em que o gnosticismo vicejava livremente. Mas também tem uma aplicação relevante à data das cartas. Fica aparente que já nos tempos de Gaiatas Paulo se via confrontando com os assim-chamados cristãos que combinavam idéias gnósticas acerca dos dominadores do mundo com a aderência rigorosa à lei mosaica. É o cristianismo sincretista dos hereges de Colossos, no entanto, com sua gnósis, seus regulamentos ascéticos, e o legalismo judaico, que, a despeito das diferenças marcantes, nos fornece o paralelo mais instrutor. Se tiver de ser feita uma distinção, a heresia de Colossos parece ter sido mais avançada e mais destruidora da verdade cristã' básica do que a heresia das Pastorais. Mas isto só serve para enfatizar que não há necessidade, a não ser que sejamos forçados por evidências obrigatórias em contrário, a olhar fora do século I, ou mesmo fora do decurso da vida de Paulo, para semelhante amálgama de traços judaicos e gnósticos no Oriente Próximo.
5. O MINISTÉRIOAs referências nas Pastorais à organização da igreja e ao ministério têm interesse especial, embora inevitavelmente tantalizante. As Epístolas Paulinas reconhecidas como tais não tratam do assunto de modo direto, embora contenham certo número de alusões aos clérigos e outros oficiais em contraste com os pneumáticos. A razão por isto não precisa ser, conforme às vezes é suposto, que a Paulo faltava interesse no governo eficiente das suas comunidades; é explicação suficiente que as situações que deram vazão a estas cartas não exigiam um tratamento do assunto. Se a posição é diferente nas Pastorais, este é o resultado da convicção do autor delas de que, na crise especial que ameaçava as igrejas pelas quais era responsável, o ministério deve ser uma das suas armas principais para combater o erro e defender a fé verdadeira.
Destarte, Timóteo e Tito são representados como sendo as cabeças das suas respectivas comunidades; são delegados apostólicos, e Timóteo, pelo menos, foi ordenado pelo próprio Paulo (2 Tm 1:6). Têm plena autoridade para organizar a igreja, para disciplinar os transgressores, e, de modo geral, promover a causa cristã. Logo abaixo deles, 
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nomeados por eles, segundo parece, ouvimos falar de superintendentes (ou bispos) e anciãos (ou presbíteros). Em Éfeso, mas não em Creta, aparentemente, também há diáconos, e, com toda a probabilidade, diaconisas, e disposições são feitas em Éfeso para uma ordem de viúvas com regras rigorosas para a membrezia. Os diáconos de Éfeso claramente são oficiais subordinados; cooperam com seus superiores na obra administrativa e pastoral, sem, segundo parece, terem responsabilidades pelo ensino ou a hospitalidade. Os superintendentes e anciãos são representados presidindo sobre a comunidade, e recebem estipêndios regulares. Visto que as qualidades exigidas dos dois são semelhantes e os dois títulos parecem intercambiáveis (Tt 1:5-7), é altamente provável que os cargos são idênticos, ou pelo menos que coincidam parcialmente. O único argumento contra isto é o fato de que "o superintendente" é sempre usado no singular, ao passo que os anciãos usualmente são referidos no plural; mas é razoavelmente certo que o singular deve ser entendido genericamente (ver nota sobre l Tm 3:2). Os superintendentes ou anciãos foram ordenados pela imposição das mãos (l Tm 5:22) e possivelmente (mas ver nota sobre l Tm 4:14) formam um colégio com poder para ordenar, e parece que contém um grupo interno que, além da supervisão geral, prega e ensina (l Tm 5:17). Tem sido sugerido que estas disposições têm seu paralelo mais apto na descrição que Inácio de Antioquia fez das igrejas na Ásia Menor cerca de 110. Segundo esta descrição, cada igreja tinha seu bispo "monárquico," seu senado de presbíteros, e um grupo de diáconos estreitamente ligados à pessoa do bispo. Quem, segundo esta interpretação representa o bispo nas Pastorais? Se for entendido que é o superintendente conforme l Tm 3:2 e Tt 1:7, as objeções devem ser enfrentadas/a^ de que o singular nestes textos é provavelmente genérico, e (b) de que não há indício noutro lugar nas cartas de que qualquer oficial local individual possuía a autoridade dominadora e o prestígio do bispo inaciano.
É, na realidade, difícil ver como semelhante episcopado de um só homem pudesse ter funcionado onde delegados apostólicos armados com os poderes de um Timóteo ou de um Tito estavam instalados. Tendo em vista este fato, tem sido proposto que as passagens que mencionam "o superintendente" tenham sido interpolações que refletiam uma etapa posterior na evolução do cargo; mas este é um expediente de desespero sem justificativa textual. Outros estudiosos, reconhecendo estas dificuldades, intrepidamente identificaram Timóteo e Tito como sendo bispos monárquicos, argumentando que é isto que são em tudo menos o nome. A impressão que é dada, porém, é que são os emissários pessoais 
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do Apóstolo, com um mandato temporário, ad hoc. Além disto, se o autor tivesse a intenção de representá-los como sendo bispos, teria decerto evitado o emprego do título ao tratar dos demais oficiais. O que as cartas inacianas revelam, de qualquer maneira, é uma hierarquia estreitamente articulada, com as funções de cada ordem e seu mútuo relacionamento claramente definidos. Disto não há sequer um sussurro nas Pastorais, cuja atmosfera é muito mais simples e menos sofisticada, indicando uma etapa consideravelmente anterior no crescimento do ministério.
É uma etapa que é congruente com o grau e tipo de organização galgado enquanto Paulo ainda estava com vida? Hoje em dia, não pode ser negado que, por mais respeito tenha sido dado aos profetas e a outros indivíduos movidos pelo Espírito, sempre havia oficiais de um tipo mais prático e funcional nas suas igrejas. Paulo menciona-os freqüentemente, e fala, por exemplo, de "os que trabalham entre vós, e os que vos presidem no Senhor e vos admoestam" (l Ts 5:12), e de "pessoas que prestam assistência e exercem governo" (l Co 12:28 — ARA: "socorros, governos"). Em Fp 1:1 até mesmo os designa com os nomes usados nas Pastorais: "bispos e diáconos." Freqüentemente é objetado que, embora isto seja verdade, o fato de que as cartas falam de anciãos também é uma indicação segura de uma data pós-paulina. O próprio Apóstolo, é argumentado, em nenhum lugar menciona estes pelo nome nas suas cartas reconhecidas, e o primeiro testemunho fidedigno deles, à parte de Atos, vem da era sub-apostólica (e.g. Tg 5:14; l Pé 5:1-2; 2 Jo l). Em contrapeso a isto, no entanto, temos referências inconfundíveis em Atos à nomeação de anciãos por Paulo na Ásia Menor (14:23) e à conclamação dos anciãos em Éfeso, feita por ele (20:17). Uma explicação destas passagens é que Lucas deve ter adaptado sua terminologia para aquilo que era a prática comum quando escreveu, mas isto envolve (a) afastar bruscamente aquilo que parece ser testemunho de uma testemunha ocular, e (b) pressupor uma data muito posterior para a composição de Atos do que, na opinião de muitos eruditos atuais, parece plausível. Nenhuma importância, decerto, deve ser atribuída ao silêncio de Paulo nas suas cartas anteriores, visto que nelas se refere aos oficiais eclesiásticos apenas de passagem; nunca, por exemplo, teríamos sabido que conhecia superintendentes ("bispos") e diáconos por aqueles nomes se não fosse a alusão fortuita em Fp 1:1. Na realidade, toda comunidade judaica, na Palestina e na Dispersão igualmente, tinha uma mesa de anciãos na sua liderança, e, portanto, é extremamente provável que Paulo tivesse com naturalidade encorajado a nomeação de tais
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mesas nas igrejas pelas quais era responsável. Nosso quadro da organização das Igrejas de Paulo é confessadamente incompleto. Nada há nele, no entanto, que exige que coloquemos as Pastorais fora do período de vida dele pela razão de que as disposições administrativas que pressupõem são mais adiantadas do que qualquer coisa que ele pudesse ter conhecido. Devemos, de qualquer maneira, lembrar-nos de que as instituições da igreja estavam se desenvolvendo rapidamente neste período. Há, de fato, outros indicadores de uma data recuada, tal como a ambigüidade no significado de "anciãos", a falta de exatidão quanto aos deveres dos superintendentes e diáconos respectivamente, a falta de um nome técnico para as diaconisas, e os indícios ocasionais de que os profetas estavam ativos dentro do alcance da memória recente. No que diz respeito ao primeiro destes indicadores, é notável que a igreja de Éfeso parece estar apenas na etapa de apalpar seu caminho em direção a uma clara distinção entre a mesa de anciãos encarregados com a supervisão geral e os oficiais executivos da comunidade (ver nota sobre l Tm 5:17). A existência de uma ordem de viúvas, é verdade, tem sido saudada como algo que exige uma data pós-paulina, e a passagem em epígrafe certamente contém a menção explícita mais antiga de tal ordem. Atos, no entanto fornece evidência no sentido de que, desde o início, as viúvas eram tratadas como sendo um elemento importante nas congregações cristãs,e que eram formalmente organizadas como um grupo. De qualquer maneira, o caráter detalhado das instruções do escritor (l Tm 5:3-16) talvez seja uma indicação de que a instituição era uma novidade em Éfeso.
6. A ATMOSFERA TEOLÓGICA
Do ponto de vista teológico as Pastorais apresentam um aspecto curiosamente ambíguo. De um lado, contém numerosas passagens que, à primeira vista pelo menos, parecem refletir fielmente as idéias, atitude e espírito característicos do Apóstolo. Do outro lado, todo leitor tem consciência de certas diferenças marcantes no tom teológico, talvez também na teologia, quando chega às Pastorais depois de ler as cartas reconhecidas. Não há disputa quanto a esta impressão; a controvérsia surge quando se pergunta qual é o alcance das diferenças teológicas, e até que ponto são fundamentais, e quais conclusões devem ser tiradas delas. Nesta
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Seção olharemos de relance uma seleção dos dados, e referiremos o leitor ao Comentário para uma discussão de detalhes específicos. Comecemos com os ecos, se é que são isto, do ensino autêntico de Paulo. Decerto podem ser ouvidos no reconhecimento do autor, do fundo do coração, da revelação da misericórdia de Deus em Jesus Cristo e da sua própria experiência dela como pecador e blasfemador (l Tm l:12-17; Tt 3:3-7), na sua clara afirmação de que a justificação nada tem a ver com o merecimento humano mas, sim, depende inteiramente da graça de Deus (2 Tm 1:9; Tt 3:5), e na sua confissão de Cristo como sendo o novo homem, o Redentor que Se entregou a Si mesmo como resgate pêlos pecadores (l Tm 2:5-6; cf. 1:15). 'Pode ser acrescentada sua descrição da vida eterna como sendo tanto o alvo para o qual os cristãos são chamados quanto alguma coisa que podem desfrutar aqui e agora (l Tm 6: 12; cf. 2 Tm 1:1; Tt 1:2; 3:7), e da fé em Cristo como sendo o meio de atingi-la (l Tm 1:16). Sua convicção, também, de que Deus nos chamou pela Sua graça antes de ter sido criado o mundo (2 Tm 1:9-10; Tt 2:11) está em harmonia com o ensino de Paulo, e sua atitude para com questões tais como o segundo casamento (l Tm 3:2, 12; 5:9), os escravos (l Tm 6:1), e o estado (l Tm 2:l ss.; Tt 3:1) é solidária com a do Apóstolo. O mesmo se aplica à sua crença de que seus sofrimentos pessoais serão benéficos para os eleitos (2 Tm 2:10), bem como às suas observações acerca da consideração mansa e suave devida aos irmãos que estão no erro (2 Tm 2:25). Pode ser notado que a fórmula caracteristicamente paulina "em Cristo" ocorre sete vezes em 2 Timóteo e duas vezes em l Timóteo.
Em resumo breve, é isto que se pode dizer acerca da tendência paulina nas cartas; seu destaque é tanto mais notável visto que, de modo geral, estão ocupadas com questões não-doutrinárias. Agora trataremos das divergências delas daquilo que normalmente se entende ser o ensino de Paulo. Em primeiro lugar, devemos notar um aspecto que impressiona todo leitor das Pastorais: sua forte tendência a favor da ortodoxia, e sua preocupação exagerada com a transmissão da doutrina correia e da lealdade à fé herdada. Por exemplo, o escritor bate na tecla da "sã doutrina" e tem uma predileção pela expressão "o pleno conhecimento da verdade" (l Tm 2:4; etc.), onde "a verdade" representa a crença ortodoxa em Cristo. Parece claro que concebe da fé da igreja como sendo um corpo formulado de verdades que devem ser conservadas intactas a todo custo, e que fica em nítida antítese com todo sistema herético.
Em harmonia com esta idéia há sua confiança em fórmulas do tipo de credos (e.g. l Tm 6:12-13; 2 Tm 2:8; 4:1). Assim, também, é sua ênfa-
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se na igreja e sua descrição dela como sendo "coluna e baluarte da verdade" (l Tm 3:15), e sua suposição que seus oficiais formam uma sucessão de guardiões encarregados com a salvaguarda e transmissão da doutrina autorizada (e.g. 2 Tm 2:2).
Em segundo lugar, as Pastorais como um todo, é argumentado, evidenciam aquilo que tem sido chamado uma atitude burguesa para com o cristianismo, pesadamente propensa à moralidade prática e à ética convencional. As virtudes ressaltadas são as de uma comunidade fixa e estabelecida, e ouvimos falar muito acerca da moderação, do controle-próprio, e da conduta sóbria. O ideal religioso é epitomizado para o escritor no termo helenístico eusebeia, i.é, "piedade" ou "devoção," que é estranho ao vocabulário e pensamento de Paulo, e ele está repetidamente conclamando às "boas obras" de uma maneira que não tem paralelo nas Paulinas reconhecidas.
Em terceiro lugar, quando nos voltamos aos pontos teológicos específicos, pode ser notado que várias das doutrinas prediletas de Paulo, ou suas ênfases doutrinárias, estão ausentes das Pastorais. A cruz, por exemplo, já não mantém a posição central que normalmente atribui a ela, e nada é dito acerca do conflito entre a carne e o espírito. Ao passo que "a religião de Paulo estava cheia do Espírito até ao último grau" (B. S. Easton), o Espírito Santo aqui recebe menção apenas perfunctória, ao passo que a idéia da união mística entre o crente e Cristo (segundo se alega) quase nem sequer está presente. O que é ainda mais relevante, o autor, conforme a alegação, entendeu erroneamente, e, como resultado, descreveu erroneamente, várias doutrinas-chaves na teologia do Apóstolo. Destarte, em l Tm l: 7ss. parece confundir a Lei de Moisés com a lei de modo geral, pensando nela somente como freio para os malfeitores. Além disto, seu conceito de Deus não é, como era o que Paulo sustentava, o do Pai amoroso, mas, sim, é colorido por idéias judaicas e helenistas de distância remota e majestade inabordável (e.g. l Tm 1:17; 6:15-16). Cristo é para ele o "Mediador", termo este que Paulo usou somente para Moisés (Gl 3:19), ao passo que sua descrição dEle como "Salvador" (2 Tm 1:10; Tt 2:13; 3:6) e suas referências à Sua "manifestação" relembram o culto helenista ao invés da linguagem idiomática e pensamento do Apóstolo. Por "fé" também) conforme se assevera, quer dizer, não uma confiança permanente em Cristo, ou a entrega de si mesmo a Ele no sentido Paulino, mas, sim, ou uma virtude cristã entre as outras (2 Tm 2: 22; 3:10; Tt 2:2), ou a crença aceita da igreja, entendida de modo objetivo (l Tm 4:1, 6;6:21;Tt 1:4). A graça, de modo semelhante, não é o poder transformador que é para Paulo, mas, sim,
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uma mão de ajuda que dá vazão à cooperação da parte do homem (e .g. Tt 2:11-12).
A reação dos estudiosos diante destes fenômenos aparentemente contraditórios tem variado grandemente. Muitos, atribuindo o máximo peso aos aspectos que acabam de ser enumerados (e outros semelhantes a eles), que parecem estranhos a Paulo ou francamente não-paulinos, vêem neles um obstáculo insuperável à autenticidade. Tomados em conjunção com o tom geral das cartas, indicam conclusivamente, conforme o ponto de vista destes estudiosos, um período depois da vida do Apóstolo, quando a fase criadora da teologia crista tinha passado, e quando o institucionalismo estava se estabelecendo. As Pastorais, compostas em círculos onde Paulo era tido em alta estima, representam uma tentativa sincera no sentido de dar nova popularidade àquilo que, segundo se acreditava, era o ensino dele, e de fazer com que fosse aceito como pedra de toque da ortodoxia. Uma dificuldade que estes críticos devem enfrentar é a presença, lado a lado com estes traços, de tanta matéria convincentemente paulina. A "hipótese dos fragmentos", deve ser observado, não oferece meio de evasão, pois nenhuma das passagens em consideração consta entre os versículos que a hipótese aceita como genuínos. A explicação que é usualmente proferida é que, visto que o autor é um paulinista devoto que se embebeu nas cartas do seu mestre e esforçou-se para produzir as idéias e a própria linguagem delas, é dificilmente surpreendente se ele ocasionalmente chegou muito perto do sucesso. Mesmo assim, faz parte do argumento deles que um ouvido aguçado pode detectar uma nota não-paulina aqui e ali nas próprias passagens que são saudadas como sendo autenticamente paulinas.
Este raciocínio, no entanto, não tem convencido todasas pessoas.
Na opinião doutros estudiosos os traços paulinos são inescapáveis, e permanecem sendo a chave à origem das cartas. Reconhecem livremente, é lógico, o tom mais prosaico e a atmosfera mais institucional delas, bem como sua idiossincrasia teológica. Mas, em primeiro lugar, estas diferenças não lhes parecem inesperadas, tendo em vista seu propósito especial, a data relativamente avançada em que foram escritas, e as circunstâncias alteradas de Paulo. Por exemplo, visto que a correspondência é dirigida contra erros perigosos de doutrina, não é mais do que natural que ressaltasse especialmente a ortodoxia e o depósito da doutrina, cuidadosamente conservado. Embora esta ênfase seja reconhecidamente excepcional, uma solicitude para com a tradição apostólica é visível nas cartas reconhecidas, e também é reconhecido hoje que estas abundam em citações ou pelo menos ecos de fórmulas confessionais semi-estereotipadas.
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A ausência de referências a doutrinas que se destacam noutras cartas não precisa causar-nos surpresa, visto que as Pastorais tocam apenas incidentalmente em questões doutrinárias. De qualquer forma, Paulo não era forçado a desenvolver cada aspecto do seu ensino em cada carta, e (escolhendo um só exemplo) menciona o Espírito Santo uma só vez em Colossenses, uma só vez em 2 Tessalonicenses, e nenhuma vez em Filemom. Além disto, certas novidades doutrinárias nas Pastorais talvez tenham sido sugeridas a ele pelo ambiente alterado dos seus anos posteriores. Destarte, é bem provável que tenha derivado do culto imperial os termos religiosos helenistas com que se refere a Deus e Cristo; deste culto ele deve ter tido consciência cada vez maior, e já estava começando a explorar a linguagem dele para suas próprias finalidades em Fp 3:20.
Em segundo lugar, estes estudiosos argumentam que, de qualquer maneira, as discrepâncias têm sido grandemente exageradas. Por exemplo, a atitude para com a lei subentendida em l Tm l: 7ss. é percebida, mediante exegese cuidadosa, como estando de perfeito acordo com a posição paulina conforme é revelada noutras passagens. Além disto, ao conclamar às boas obras em l Tm 2:10; 5:10, 25, etc. (exigência esta que se encaixa naturalmente com seu alvo prático), o autor não está pensando nas obras impostas pela lei mosaica, mas, sim, nos frutos visíveis da vida de fé do cristão, e há paralelos com isto em Paulo (e .g. Rm 2:7; 2 Co 9:8; Gl 5:6; 2 Ts 2:17). Se somente chama Deus de "Pai" nas suas saudações de abertura, devemos lembrar-nos de que o título ocorre muito raramente no corpo de Romanos (6:4; 8:15; 15:6) e de l Coríntios (8:6; 15:24), a despeito do maior tamanho e do conteúdo mais solidamente teológico destas cartas; ao passo que a sugestão de que ele é oprimido por um senso da distância remota de Deus não pode ser sustentada tendo em visto o retraio que faz dEle como sendo o Salvador que deseja a salvação de todos os homens (l Tm 2:4) e cujo motivo predominante é a bondade e a misericórdia (Tt 3:4). A idéia da união mística com Cristo talvez esteja, tendo em vista a natureza das cartas, um pouco em segundo plano, mas está claramente pressuposta em pelo menos alguns dos usos da fórmula "em Cristo" (e.g. l Tm 1:14; 2 Tm 1:9, 13). Da mesma forma, o tratamento reconhecidamente peculiar da fé nas Pastorais pode ser explicado, em grande medida, como sendo originário da preocupação delas com aquilo que é geralmente obrigatório para os cristãos ao invés de com a religião pessoal. Mesmo assim, devemos notar que Paulo, nas suas cartas reconhecidas, ocasionalmente dá à palavra o sentido objetivo de "a fé" (e.g. Fp 1:27; Cl 2:7), ao passo
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que freqüentemente trata dela como sendo uma virtude lado a lado com outras virtudes cristãs (e.g. l Co 13:13; 2 Co 8:7; Gl 5:22; l Ts l :3). Nem mesmo é verdade que o significado caracteristicamente Paulino está inteiramente ausente das Pastorais, pois certamente pode ser detectado em passagens tais como l Tm 1:16; 3:13; 2 Tm 3:15.
Um fator a ser levado em conta na tentativa de avaliar o caráter teológico das Pastorais, é o pano de fundo fortemente judaico, para não dizer rabínico, de várias passagens importantes (e.g. l Tm 1:9-10; 2: 13-15; 4:14). Isto deve nos ajudar a colocar os traços helenistas, nos quais a atenção freqüentemente é focalizada, na sua perspectiva apropriada. A discussão destas e doutras questões será continuada, com maiores detalhes e com alcance maior, no Comentário. Mas as ilustrações já dadas indicam que o abismo teológico entre as Pastorais e as demais cartas pode muito bem ser mais estreito e menos relevante do que freqüentemente se alega. Deve ser reconhecido que, afinal das contas, permanece certo número de peculiaridades, tanto no tom teológico geral quanto em pontos específicos e expressão doutrinária. Mas pode-se perguntar com pertinência se elas não são mais provavelmente devidas ao próprio Apóstolo, cuja teologia nunca se tomou estereotipada e que estava disposto a adaptar seu pensamento ao ambiente que mudava, ou talvez ao seu secretário, do que a um imitador embebido nos seus pensamentos, de quem deveríamos esperar que tomasse cuidado em evitar qualquer coisa para a qual não havia um precedente claro no ensino do seu mestre.
7. LINGUAGEM E ESTILO
Devemos voltar agora a nossa atenção à linguagem e estilo das Pastorais, acerca dos quais tem havido discussão intensa desde o começo do século XIX. Há concordância geral, de um lado, que as cartas abundam em cláusulas, frases, até mesmo parágrafos curtos, com um som inconfundivelmente Paulino, e que sua estrutura formal também é totalmente paulina. Seu comprimento, por exemplo, como a maioria das cartas do Apóstolo, excede grandemente o comprimento médio das cartas contemporâneas, que se calcula em menos que noventa palavras; e sua abertura e seu encerramento seguem fórmulas não somente em estreita harmonia com as de Paulo, que eram notavelmente diferentes da prática corrente, mas que também se encaixam com perfeição no desenvolvimento
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progressivo pelo qual estavam passando (ver págs. 47—49). 
	Do outro lado, estas concordâncias são contrabalançadas por diferenças pelo menos igualmente notáveis. Não somente o vocabulário das cartas está cheio de surpresas, como também ao autor delas falta o vigor e a variedade do Apóstolo; escreve frases regulares, freqüentemente monótonas, ao invés de empilhar parênteses e anacolutos na luta de dar à luz os seus pensamentos. Alguns vão ao ponto de asseverar que podem detectar um sabor especificamente do século II no escrito dele.
	É óbvio que, se forem corretamente interpretados, estes fenômenos têm uma aplicação importante à questão da autoria, e, de fato, têm sido usados como trunfo por aqueles que se acham incapazes de atribuir as cartas a Paulo.
	Primeiramente, é inegável que, quanto ao vocabulário, as Pastorais ficam numa classe separada na coletânea paulina. Todo leitor com vista apurada tem alguma consciência vaga disto, e quaisquer dúvidas que possa sentir devem ser esclarecidas quando os dados são cientificamente analisados. O pioneiro neste campo foi P. N. Harrison, que procurou demonstrar, entre outras coisas, (a) que a proporção de "hapax legomena" (i.é, palavras que não se acham noutra parte, ou no N.T. ou nas demais Paulinas) é incomumente alta nas Pastorais em comparação com as Paulinas reconhecidas, (b) que um grande número de expressões caracteristicamente paulinas falta nas Pastorais, ao passo que certo número de palavras comuns é usado com um significado diferente do que nas demais cartas, e (c) que as Pastorais têm uma predileção para certas expressões e formas de palavras que Paulo não emprega alhures. Exemplos destas últimas são os adjetivos "auto-controlado" (Gr. sòphròri) e "piedoso" (Gr. eusebés), juntamente com seus substantivos e verbos correlates, o emprego de epiphaneia ("manifestação") e charin echò ("agradeço") no lugar das palavras normais de Paulo, parousia e eucharistò, e a fórmula "Fiel é a palavra." Harrison fez a consideração adicional de que um número considerável dos "hapax"das Pastorais ocorrem nos Pais Apostólicos e nos Apologistas, que lhe sugeriu que sua voga estava no começo do século II ao invés de no século I.
As estatísticas de Harrison têm sido fortemente desafiadas, do modo mais bem-sucedido pela razão de que seu critério a cada passo era defeituoso: a média de palavras por página. Mesmo assim, os críticos dos seus métodos não conseguiram abalar suas teses de que o vocabulário das Pastorais é (a) homogéneo e (b) marcantemente diferente daquele das Paulinas reconhecidas. Trabalhos mais recentes, levados a efeito com técnicas modernas de estatística, somente têm servido para colocar
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estas conclusões numa luz mais clara e convincente. No que diz respeito a (a), tem sido demonstrado que se as palavras peculiares a cada uma das Pastorais e as palavras que as três têm em comum forem estudadas com relação ao vocabulário total, o resultado será um padrão notavelmente uniforme de distribuição, e um que é peculiar às Pastorais. No que diz respeito a (b), tem sido demonstrado, ao considerar a proporção entre o vocabulário e o comprimento da passagem (em termos de número de palavras) e também por estatísticas diretas: (a) que as Pastorais põem em uso um vocabulário muito mais rico e mais variado do que as demais Paulinas, e (b) que o caráter deste vocabulário, conforme é demonstrado pela escolha feita pelo autor de palavras individuais e tipos de palavras, diverge notavelmente do uso normal feito por Paulo.
Estatísticas exatas também confirmam que as Pastorais fazem menos
uso das palavras da Septuaginta, e mais uso das palavras helenísticas, do
que as demais cartas.
Quando nos voltamos para o estilo propriamente dito, estamos confrontados por fenômenos geralmente semelhantes. A maioria dos estudiosos, por exemplo, tem notado a dicção correia e formal das Pastorais. Demonstram pouca ou nenhuma da tensão dialética, e poucos ou nenhum dos sinais do pensamento represado rompendo o próprio arcabouço da linguagem, que normalmente distinguem o Apóstolo; o escritor parece contentar-se, na maior parte, com asseverações e exortações. De modo geral, o estilo das Pastorais, como seu vocabulário, revela uma afinidade muito mais estreita com a do mundo helenístico educado e da diatribe popular do que as cartas reconhecidas. Se estas parecerem considerações relativamente subjetivas, é possível indicar fatores objetivos e calculáveis, tais quais a ausência marcante de um enorme número de partículas, preposições, e pronomes que são uma característica das Paulinas reconhecidas. Além disto, em coisas tais como seu uso do artigo definido o escritor difere notavelmente do Apóstolo, visto que evita construções favorecidas por este último tais quais o artigo definido com o infinitivo, com o nominativo ao invés do vocativo, com o número, com um advérbio, e com uma frase inteira. Além disto, não tem nenhum exemplo do uso Paulino do advérbio ou conjunção hòs (= "conforme," "como," "de modo que," etc.) com um particípio, um advérbio, ou an. Um sub-produto interessante destas diferenças de estilo, como também do vocabulário alterado, é o fato de que o comprimento médio de uma palavra nas Pastorais é 5,50 letras (5,58 em l Tm; 5,26 em 2 Tm; e 5,66 em Tt), ao passo que é de 4,82 letras nas Paulinas em geral.
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Quando são ilustrados com uma riqueza de detalhes, estes fenômenos têm uma aparência impressionante, e os críticos da autoria paulina não têm sido lentos em tirar vantagem deles. A mais fraca e especulativa das suas conclusões é que as Pastorais devem ser atribuídas ao século II, e não pode haver dúvida que quanto a esta questão, de qualquer forma, foram além das evidências. De modo geral, deve ser quase impossível, tendo em vista a pequena quantidade de literatura, e especialmente de literatura crista, disponível, ter absoluta certeza de que esta ou aquela palavra ou emprego dela tem sabor de digamos, 125 ao invés de 65.
Mais especialmente, a alegação de que uma alta proporção dos "hapax legomena" pode ser achada nos Pais Apostólicos e nos Apologistas tem-se revelado um tiro pela culatra. Primeiramente, tem sido demonstrado que quase exatamente a mesma proporção dos "hapaxes" a serem achados, por exemplo, numa Epístola tão indubitável quanto l Coríntios ocorrem nestes mesmíssimos escritores. Em segundo lugar, a proporção em epígrafe, 93 entre 175 (a julgar pelas cifras de Harrison), dificilmente sugere, mesmo sendo aceita sem críticas, que o vocabulário do autor era distintivamente do século II. Em terceiro lugar, e de modo mais devastador, tem sido indicado que quase todos os "hapaxes" nas Pastorais (nesta estimativa, 153 entre 175) estavam sendo usados por escritores gregos antes de 50 d.C. Claramente nada há no vocabulário por si só que exige uma data do século II para as cartas.
O que se diz, portanto, da conclusão principal dos críticos, viz, que as discrepâncias entre as Pastorais e as outras cartas são inconsistentes com a idéia daquelas serem a obra de Paulo? Os estudiosos conservadores freqüentemente têm procurado contestá-la por meio de argumentar que, se a abordagem estatística deve ser bem-sucedida, o corpo de matéria a ser examinado deve ser muito mais extenso do que todas as três Pastorais tomadas em conjunto. Hoje em dia, este argumento foi despojado da sua força pelo desenvolvimento de técnicas cujos resultados são absolutamente fidedignos. A homogeneidade das Pastorais umas com as outras, e sua falta de homogeneidade com as demais Paulinas deve ser considerada um fato estabelecido. Embora isto deva ser livremente reconhecido, no entanto, não se pode insistir de modo forte demais que a inferência de que o Apóstolo não pode, portanto, ser o autor delas, não se segue necessariamente. Duas linhas de argumento podem ser propostas para apoiar esta última declaração.
Primeiramente, embora a diferença da autoria claramente seja uma explicação possível das divergências estilísticas entre dois grupos de escritos, não é, de modo algum, a única possível, e o crítico é justificado
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em concentrar-se exclusivamente nela somente se boa parte das demais evidências convergem na mesma direção. Se considerações importantes favorecem a identidade da autoria, o crítico está obrigado a inquirir quanto à existência doutras explicações que talvez esclareçam as discrepâncias. No presente caso, em que há indicadores específicos da autoria paulina, várias explicações podem ser sugeridas. Por exemplo, as Pastorais são de um gênero de epistola totalmente diferente do restante da coletânea paulina; tratam de uma situação inteiramente nova, e abordam assuntos, tais como a organização eclesiástica e as qualidades desejáveis nos ministros, que Paulo não tinha tratado diretamente antes. Por causa disto, devemos esperar de antemão uma atmosfera diferente nas Pastorais. Além disto,, o fato de que Paulo tinha vivido no ocidente durante muitos anos, enfrentando novas formas da adoração e propaganda pagas, e provavelmente conversando muito em Latim, também pode ter tido um impacto no seu vocabulário e estilo. Como confirmação, pode ser ressaltado que, se a linguagem das Pastorais está mais próxima do Grego helenístico cultivado do que o koinè que usualmente empregava, seu estilo já estava pendendo nesta direção quando escreveu Filipenses. Finalmente, supondo-se que as Pastorais são a obra dele, o Apóstolo era um homem muito mais velho quando foram escritas. Isto pode muito bem explicar o prosaísmo do seu estilo e a falta de fogo. Também poderia explicar, pelo menos até certo ponto, seu vocabulário relativamente maior, visto que as considerações a priori e a observação sugerem que o vocabulário de um escritor aumenta com a idade e com maior experiência.
A segunda linha de argumento é de maior alcance, e corta mais profundamente. Deve ser perguntado se a totalidade da abordagem linguística não sofre de um defeito radical por tomar por certo que o Apóstolo era pessoalmente responsável por todas as frases e palavras nas suas cartas. É absolutamente certo que empregou os serviços de um secretário para algumasdelas, e é altamente provável que fizesse assim para todas elas, inclusive Filemom (cf. 19). Claros indícios disto são a referência a Tércio em Rm 16:22, e sua declaração explícita nos parágrafos finais de várias cartas (l Co 16:22; Gl 6:11; Cl 4:18; 2 Ts 3: 17) que está acrescentando uma ou duas linhas de despedida de seu próprio punho. De qualquer maneira sabemos que, devido ao difícil manejo das matérias de escrita antigas, e a lentidão resultante do trabalho de escrever, era extremamente raro, na antiguidade, cartas do tamanho das de Paulo serem escritas pela mão do próprio remetente. Isto é geralmente admitido, mas a suposição comum é quase sempre que o Apóstolo ditava
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suas cartas palavra por palavra segundo o modo que é convencional hoje. As pesquisas modernas, no entanto, tornaram extremamente duvidosa esta suposição. Há motivo para se supor que, outra vez por causa das matérias disponíveis, o ditado era um processo muito mais lento e laborioso do que é hoje, e que, portanto, era o costume, ao invés de ditar palavra por palavra, permitir um amanuense de confiança muito mais liberdade na composição de uma carta. No caso de 2 Timóteo, tem sido indicado, se Paulo é o autor e a situação histórica aquela que é representada ali, a probabilidade de assistência secretarial extensiva é duplamente forte. Ele certamente não a poderia ter escrito por extenso, nem sequer ter feito um esboço detalhado, pessoalmente, pois segundo o texto era um prisioneiro em cadeias; e as outras duas, que são iguais a ela quanto ao estilo, devem ter tido sua origem da mesma maneira.
Estas são considerações de grande relevância, e é surpreendente que tenham pouca ou nenhuma influência neste país. Os estudiosos na Europa continental têm estado muito mais dispostos a levá-las em conta e a reconhecer que colocam as diferenças de linguagem e de estilo entre as Pastorais e as demais Paulinas numa luz inteiramente nova.
É importante ficar claro quanto à exata questão em pauta, especialmente porque os apoiadores da "hipótese do secretário" freqüentemente têm exagerado- o argumento deles. É altamente improvável, tendo em vista o estilo muito individual das Paulinas reconhecidas, com suas explosões de sentimento pessoal e argumentação característica, que o secretário encarregado de copiá-las recebesse em qualquer tempo livre autonomia.
O amanuense que esboçou as Pastorais pode, por razões especiais, ter recebido maior medida de responsabilidade, mas também não pode ter tido liberdade completa, pois estão cheias de expressões, fraseologia, idéias, e sequências de pensamento que relembram de maneira notável as demais cartas. Se pressupusermos, conforme seguramente devemos (nestas, como em todas as demais cartas paulinas), a cooperação de um secretário, devemos também inferir que estivesse em contato quase contínuo com o Apóstolo, sendo possivelmente supervisionado de tempo em tempo por ele, recebendo indícios e sugestões da parte dele. O que interessa é que, uma vez que é reconhecido que o processo não era de ditado palavra por palavra, e que o secretário desfrutava até mesmo de um mínimo de iniciativa e responsabilidade em esboçar as cartas, torna-se infrutífero dedicar-se a comparações meticulosamente minuciosas de delicadas distinções estilísticas ou até mesmo teológicas. Se Paulo estava empregando um secretário novo quando preparou as Pastorais (uma suposição plausível se Timóteo foi o secretário que o ajudou com as cartas imediatamente an-
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tenores), há amplo escopo para todas as divergências do vocabulário, tom linguístico, estilo, e até mesmo da ênfase doutrinária, sobre as quais a atenção critica tem-se lançado com tanto afã. Até mesmo temos o direito de fazer a conjetura, à luz dos indícios que as próprias cartas fornecem, que este novo secretário pode ter sido um cristão judaico helenista, um homem perito na sabedoria rabínica e, ao mesmo tempo, alguém que dominava o koiné superior.
8. DUAS CONCLUSÕES PRELIMINARES
As seções anteriores dão um esboço resumido daquilo que tem sido, e continua a ser, um debate imensamente intrincado. Agora está na hora de juntar os fios e procurar pronunciar um veredito. Como primeira "prestação", duas conclusões preliminares podem ser registradas, cuja aceitação deve ajudar a reduzir as questões em aberto.
Primeiramente, portanto, independentemente de qualquer decisão acerca da autoria, deve ficar claro que, seja qual for o ângulo do qual forem consideradas, as Pastorais têm muito mais probabilidade de terem sido escritas no século I, ou de qualquer maneira, antes de, digamos, 110, do que nalguma data bem dentro do século II. Vários estudiosos recentemente procuraram localizá-las entre 130 e 160 (ou até mesmo 180); alguns as colocariam no contra-ataque da igreja contra o marcionismo.
A improbabilidade desta última sugestão já foi aludida, e será tratada mais no Comentário. Qualquer data muito avançada, no entanto, é difícil de reconciliar com a citação freqüente por Ireneu das cartas como sendo a obra de Paulo na década dos 80 do século II, sem mencionar a virtual certeza do uso feito delas por Policarpo em c. de 135 no mais tardar. Somente poderia ser aceita se houvessem considerações absolutamente esmagadoras a seu favor, e nada disto se apresenta. Não vale argumentar que Márcion não poderia ter conhecido as cartas porque não as incluiu no seu cânon, pois nossa autoridade no assunto, Tertuliano, explicitamente declara que as rejeitou. Do outro lado, nada há de distintivamente do século II no seu tom ou na sua linguagem, e já vimos que as heresias denunciadas ainda estão dentro da igreja e não parecem ter nada em comum com os sistemas gnósticos elaborados que estavam erguendo suas cabeças em meados do século II. Outros traços, tais como o retraio pouco lisonjeador de Timóteo, a aparente ignorância de Atos e da literatura joanina, e os indícios de que o Espírito ainda está
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visivelmente ativo, militam contra uma data relativamente, posterior.
O argumento que resolve a questão, no entanto, é fornecido pela ordem eclesiástica que contemplam, pois a maioria das pessoas está satisfeita de que é pré-inaciana. É relevante que os defensores de uma data muito avançada têm consciência intranqüila quanto a esta última dificuldade específica. Às vezes são forçados a argumentar ou que as cartas de Inácio são espúrias, ou que a ordem eclesiástica que parecem descrever, longe de já ser estabelecida na Ásia Menor c. de 110, era meramente uma política ideal que um grupo minoritário estava fazendo agitação para impor a sua aceitação.
Em segundo lugar, seja quem for o autor delas, as cartas parecem sei a obra de um só escritor; não há razão suficiente para duvidar da sua integridade. De vez em quando, referência tem sido feita à "hipótese dos fragmentos", que tem desfrutado de considerável voga desde meados do século passado. De acordo com isto, as Pastorais como um todo foram compostas por um paulinista devoto, mas por um golpe de sorte este homem teve acesso a fragmentos de cartas genuínas do Apóstolo a Timóteo e Tito; trabalhou estas para fazer parte das epístolas pseudonímicas que estava preparando, a fim de lhes dar um ar de autenticidade ressaltada. É bastante surpreendente que os apoiadores desta teoria não reconhecem como paulinas quaisquer das passagens doutrinárias alistadas no § 6, mas, sim, confinam sua atenção quase exclusivamente às referências pessoais e locais em 2 Timóteo e Tito. Diferem largamente entre si, também, quanto aos fragmentos que identificam como paulinos, e às situações na carreira do Apóstolo às quais os atribuem. Como um exemplo podemos citar a análise mais recente de P. N. Harrison,1 que é provavelmente a mais autorizada neste país (Inglaterra). Reconhece as três seguintes seções como paulinas: (l) Tt 3:12-15, que entende ter sido escrita a Tito da Macedônia vários meses após 2 Co 10-13 (a carta severa) e antes de 2 Co 1-9; (2) 2 Tm 4:9-15, 20, 21a, 22b, que, segundo sugere, foram escritos em Nicópolis depois de Tito ter mudado de lá; e (3) 2 Tm 1:16-18; 3:10-11;4:1, 2a, 5b-8, 11-19, que descreve como sendo a "última carta" de Paulo, escrita de Roma depois da audiência preliminar do seu processo, em 62 aproximadamente.
Os atrativos da "hipótese dos fragmentos" são óbvios. Os oponentes da autoria paulina sempre têm ficado embaraçados pelas notas pessoais,
1. Ver Expository Times, Ixvii, 1955, 80. No seu livro The Problem of the Pastoral Episties (1921) identificou cinco fragmentos, mas esclareceu-os de modo algo diferente.
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que são tão vividas e tão características de Paulo, mas que a maioria das pessoas concorda ser muito improvavelmente invenções de um imitador, por mais inspirado que tenha sido. A teoria inteira, no entanto, é um emaranhado de improbabilidades, e é impossível achar um paralelo exato na literatura antiga. Por mais engenhosamente que sejam ajuntados, os fragmentos não formam uma leitura como cartas reais; e se forem porções de trechos integrais maiores, o que aconteceu com o restante destes? É, naturalmente, fácil, com nosso conhecimento parco dos movimentos de Paulo, propor momentos na sua carreira em que possam ser mais ou menos plausivelmente encaixados — especialmente se a pessoa se sentir livre para inventar situações acerca das quais não há evidência histórica, mas tudo é obra de mera conjectura, e a variedade de conjecturas propostas lança dúvidas sobre a idéia inteira. De qualquer maneira, que razão temos nós para destacá-los do seu presente contexto?
Não se pode sustentar com seriedade que estão em desarmonia estilística com seu contexto, e quanto aos assuntos, estão naturalmente coerentes com eles. Outras perguntas, não totalmente capciosas, podem ser feitas, tais como: como é que tais fragmentos banais de correspondência, se alguma vez existiram avulsamente, vieram a ser conservados, e o que induziu o escritor a combinar seus fragmentos de modo tão laborioso e a esmo (e.g. o terceiro fragmento de Harrison está distribuído em três capítulos), porque não encaixou nada em l Timóteo, e se o procedimento em epígrafe é psicologicamente atribuível a um cristão do século I ou do início do século II. Finalmente, sua ação levanta um dilema embaraçoso. Se já sabia que estes fragmentos eram paulinos, seu reaparecimento nestas cartas deve ter ocasionado surpresa; se não eram assim conhecidos (suposição esta que dá vazão à pergunta intrigante de como, então, somente ele conseguiu obtê-los), deve ter sido muito otimista para pressupor que as pessoas imediatamente os saudassem comogarantias da autenticidade.
9. A QUESTÃO DA AUTORIA
Se estas duas conclusões podem ser consideradas como sendo razoavelmente asseguradas, talvez seja otimismo demais esperar que a concordância seja atingida com igual facilidade no que diz respeito à questão crítica principal. Certamente o problema das Pastorais permanece sendo um dos mais obstinados no Novo Testamento; às vezes fica-se tentado a
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inferir que a chave de ouro à situação ainda há de ser descoberta. Mesmo assim, há sinais de que em mais de um campo dos estudos do Novo Testamento os estudiosos dos nossos dias não estão inteiramente contentes com todos os veredictos que a ortodoxia crítica recentemente considerava estabelecidos. Em grande medida, isto se deve à sua apreciação aumentada da complexidade da era apostólica, bem como do caráter tantálico, por ser fragmentário, do nosso conhecimento dela. Está evidente que então aconteciam muito mais coisas, no desenvolvimento das idéias e das instituições, bem como na interação entre forças das quais freqüentemente não temos a mínima idéia, do que aparece na superfície; em especial, nossa ignorância das condições sob as quais os primeiros escritos cristãos foram produzidos, é profunda. Paradoxalmente, um sub-produto deste ceticismo é uma disposição maior no sentido de examinar de novo, não necessariamente de modo favorável, mas mais simpaticamente, as posições tradicionais que chegaram a ser consideradas fora da moda.
No que diz respeito às Pastorais, a hora para semelhante reavaliação parece já ter chegado há muito tempo. Três linhas de pensamento, no ponto de vista do presente escritor, merecem destaque por tomarem claro este fato. Primeiramente, a julgar por nosso exame dos aspectos que comumente são alegados como sendo incompatíveis com a autoria paulina, a força do argumento anti-paulino decerto tem sido grandemente exagerada. Os argumentos dos críticos variam consideravelmente na sua força, e os mais fracos indubitavelmente são aqueles que se baseiam numa análise das heresias denunciadas e da organização eclesiástica pressuposta. Por mais rigorosamente que a evidência for interpretada, estes assuntos não são realmente inconsistentes com uma data na vida do Apóstolo; e se sustentamos que esta vida se estendeu até aos meados da década dos 60, a dificuldade, se dificuldade houver, de encaixá-los desaparece inteiramente. O argumento da atmosfera teológica e das idiossincracias doutrinárias das cartas parece mais formidável à primeira vista, mas aqui, mais uma vez, se a resposta dos conservadores exposta no § 6 tem qualquer força, os críticos parecem ter forçado sua evidência. Não somente as discrepâncias são menores do que eles alegam, como também várias das mais importantes revelam-se, mediante inspeção, representações de desenvolvimentos de idéias já presentes na correspondência anterior; e de qualquer maneira é arriscado confinar o pensamento do Apóstolo dentro de um molde predeterminado, sem levar em conta o impacto dos tempos e circunstâncias que se alteram. O argumento baseado no estilo e do vocabulário, que muitos achavam esmagador, também pode ser acusado de negligenciar o fator biográfico,
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de extrema importância; mas entra em colapso completo, conforme vimos, se levarmos em conta, conforme obviamente devemos, a assistência que Paulo derivava dos seus secretários em esboçar suas cartas. É pouco surpreendente que a importância dada a isto nos círculos críticos tenha diminuído visivelmente em anos recentes. Em segundo lugar, até mesmo um grau moderado de insatisfação com o argumento anti-paulino nos encoraja a levar o ataque para o território dos críticos. Nesta conexão, vale a pena observar que a teoria da pseudonimidade é exposta, em si mesma, a objeções de longo alcance. Entre outras coisas, nenhuma explicação adequada já foi produzida quanto à razão da existência de três cartas ao invés de uma, ou duas no máximo, visto que abrangem terreno quase idêntico nos três casos. Tem sido proposto que as três devam ser consideradas uma única comunicação cuja forma tríplice é um artifício literário, ou, alternativamente, que o escritor resoluto tenha decidido que sua bordada seria tanto mais eficaz se fosse dada em três salvas sucessivas; mas nenhum destes procedimentos parece natural ou provável. Além disto, somente aqueles que fizeram a experiência podem reconhecer quão difícil é aplicar a teoria consistentemente na prática. Em todas as suas formas, a suposição é que o autor, usando o disfarce do Apóstolo, está dando conselhos a oficiais eclesiásticos contemporâneos a ele mesmo, mas sua seleção de delegados apostólicos tais como Timóteo e Tito, que não tinham equivalentes exatos na igreja dos fins do século I ou do começo do século II, reduz a aplicabilidade da mensagem. Esta aplicabilidade é ainda mais obscurecida pela riqueza de detalhes pessoais com que os personagens principais são representados. Como ilustração podemos citar 2 Tm l :5, que faz sentido excelente se for entendido que Paulo o dirigiu a Timóteo, mas que, conforme um expoente típico da teoria (F. D. Gealy), "é melhor interpretado como demonstração da grande confiança e alegria do escritor nos ministros cristãos da terceira geração, e a segurança que sente no caso daqueles que, no lar, foram arraigados e fundamentados na forma recebida (paulina) do cristianismo. Não se deve dar demasiada confiança aos novos convertidos; trazem consigo um número demasiado de ideias e atitudes estranhas." O único comentário necessário é que os que originalmente receberam a carta precisariam de

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