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AULA 1 - Mudança de sexo

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Mudança de SexoMudança de Sexo
9.1 Generalidades9.1 Generalidades
Existem pessoas que não se contentam em se relacionar emocionalmente e
sexualmente com alguém do mesmo sexo. Elas desejam mais, ou seja, “mudar
de sexo”. Isso se deve a uma necessidade psicológica: quem nasceu homem ou
mulher não se vê como tal, almeja, efetivamente, mudar, no sentido morfológico
da palavra, ficar como se sente em seu íntimo.
Para esses indivíduos, aceitar ficar como do sexo que nasceu é um transtorno
que o incomoda dia a dia. Nos dizeres de A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa
Júnior: “O transexual não se conforma com a sua condição, razão pela qual exige
 veementemente a troca de sexo. Costuma-se dizer que ele possui os elementos
físicos de um sexo e o comportamento psicológico de outro sexo.”1
Dessa maneira, ingerem hormônios para ficarem com a aparência mais mas-
culina ou mais feminina e, em casos extremos, procurando auxílio médico para,
exemplificativamente, retirada do pênis e feitura de algo que aparenta uma vagi-
na, satisfazerem sua necessidade psíquica.
Na IV Jornada de Direito Civil, formulou-se o seguinte Enunciado, de nº 276,
qual seja: “Art. 13: O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio
corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em con-
formidade com os procedimentos estabelecidos no Conselho Federal de Medici-
na, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”.2
1 Lições de medicina legal, p. 56.
2 ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Rui (Org.). Jornada de direito civil. Brasília: CJF, 2007, p. 63.
 
Mudança de Sexo 181181
Independentemente de se aceitar, ou não, essa opção, o fato é de que muitas
situações já foram analisadas na jurisprudência, mostrando a interferência dos
avanços científicos também na escolha de quem se deseja ser, o “eu” verdadeiro,
numa concepção individualista.
9.2 Conceito9.2 Conceito
TransexualidadeTransexualidade é a condição sexual da pessoa que rejeita sua identidade
genética e a própria anatomia de seu gênero, identificando-se psicologicamente
com o gênero oposto.3
O distúrbio de identidade que o transexual tem é considerado doença pela
Organização Mundial de Saúde (CID 10 F 64.0), embora a França tenha sido o
primeiro país do mundo a retirar a transexualidade da lista de patologias psiquiá-
tricas, em fevereiro de 2010.4 
 A visão da transexualidade vem evoluindo, além de envolver os direitos fun-
damentais de liberdade, igualdade e o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana, é também pertinente à saúde pública, já que a identidade de
gênero é fator determinante e condicionante da situação de saúde dos indivíduose pode demandar procedimentos médicos e cirúrgicos amplamente aceitos e ado-
tados pela comunidade científica.5
Não se confunde com a homossexualidadehomossexualidade (homossexuais são os que, com
parceiros do mesmo sexo, obteriam “resposta e gratificação”, nas relações entre
si),6 tampouco com o transvestismotransvestismo (a satisfação independeria da existência
de parceiros, o transvestido contenta-se com o simples uso de roupas do sexo
oposto, podendo, até mesmo, manter relações com pessoas do sexo oposto,
normalmente).7
9.3 9.3 TTransexualidade feminina e ransexualidade feminina e masculinamasculina
Os transexuais femininos são mais raros, embora também sejam conhecidos.
Existe mais frequência de transexuais masculinos.
3 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito, p. 229-230.
4 MAPPELI JÚNIOR, Reynaldo, Mário Coimbra; MATOS, Yolanda Alves Pinto Serrano de. Direito
 sanitário. São Paulo: Ministério Público, Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça
Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 284.
5 MAPPELI JÚNIOR, Reynaldo; COIMBRA, Mário; MATOS, Yolanda Alves Pinto Serrano de. Di-
reito sanitário..., p. 284.
6 SALGADO, Murilo Rezende. O transexual e a cirurgia para a pretendida mudança de sexo. RT ,
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 491, p. 242, set. 1976.
7 SALGADO, Murilo Rezende. O transexual e a cirurgia para a pretendida mudança de sexo, p. 242.
 
182182 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
 A explicação moderna é de natureza hormonal: durante a formação fetal e
no nascimento, a hipófise, não estimulada por andróginos, desenvolve somente
células feminilizantes (HARRIS; LEVINE; HOOKER etc.). Essa situação não seria
corrigível na fase adulta e a hormonioterapia somente exacerbaria um erotismo
 já direcionado, sem modificá-lo (PERLOFF; MONEY etc.). Nos casos estrutura-
dos, tem sido indicada a cirurgia para “reversão sexual” (JONES; THOMPSON;
WOLLMAN etc.). A criação de uma “neovagina” constitui “correção precária”: é
inelástica, não tem lubrificação própria e não é zona erótica natural.8
9.4 9.4 Comportamento Comportamento dos dos transexuaistransexuais
Os transexuais, com frequência, apresentam perturbações psíquicas: 19% a
33% são psicóticos; 40% têm histórico de perturbações mentais entre familiares;
50% são neuróticos estruturados e outros são personalidades psicopáticas.9
 As depressões, tentativas de suicídio e desajustes sociais melhoram com a
intervenção cirúrgica, porém, recorrem em prazo médio. Muitos dos que são ope-
rados prostituem-se, enquanto outros desejavam apenas “legalizar” a sua homos-
sexualidade e outros delinquem.10
 A cirurgia é uma reivindicação da quase totalidade dos transexuais. No Bra-
sil, há hospitais públicos, em número de quatro, que realizam essa operação.
Resolução do Conselho Federal de Medicina, de 2002, autoriza clínicas particula-
res a realizarem o procedimento em transexuais MTF (genitália masculina para
feminina) e, em 12.8.2010, a Resolução do CFM nº 1.955 autorizou clínicas e
hospitais privados também a realizarem as cirurgias de transexuais FTM (femi-
nino para masculino). O Ministério da Saúde regulamentou procedimentos para
realização da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS).11
Existem aqueles que são operados e, não satisfeitos com os resultados, recor-
rem à Justiça contra os próprios médicos que procuraram corrigir ou melhorar a
situação inicial.12
Houve caso em que mesmo o paciente estando satisfeito, o médico foi processa-do criminalmente, por lesão corporal, lembre-se, nesse crime a ação penal é pública
incondicionada, ou seja, independe da vontade da “vítima”, sendo condenado.13
8 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1989, p. 135.
9 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 135-136.
10 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 136.
11 VIEIRA, Tereza Rodrigues. A vulnerabilidade do transexual. Bioética e vulnerabilidades. Marco
 Antonio Sanches e Ida Cristina (Orgs.). Curitiba: Ed. UFPR: Champagnat, 2012, p. 93.
12 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 136.
13 Elaboraram-se pelos menos dois pareceres, de um médico e de um jurista, para opinarem pela con-
duta correta do médico, sob os pontos de vista científico, ético, jurídico e técnico (CARVALHO, Hilário
 
Mudança de Sexo 183183
9.5 Casos práticos9.5 Casos práticos
Mais recentemente, com anúncio em 15.10.2009, o Superior Tribunal de Jus-
tiça, pela douta Relatora, Ministra Nancy Andrighi, determinou a alteração e a
designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mu-
dança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça
paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é
inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela constenova certidão civil seja feita sem que nela conste
anotação sobre a decisão judicialanotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi
alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários. A Eminente
Ministra asseverou que a observação sobre alteração na certidão significaria a
continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discrimina-
tórias (REsp 1008398/SPREsp 1008398/SP – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – RelatoraMininstra Nancy Andrighi – J. 15.10.2009 – DJe 18.11.2009).
Em data passada, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, permitiu-
-se a averbação da mudança de nome e de sexo do interessado, todavia, afirmou-
-se que se deveria consignar, também, que decorreram de decisão judicial, a fim
de que se refletisse a verdade. Na Ementa lê-se:
“O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procu-
rou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acom-
panhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da
natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar
com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma srcem. O reco-
nhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como
se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado
ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntá-
rio revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem
a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio,
desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito
fugaz da vida e na permanente luz do espírito” (REsp 678933/RSREsp 678933/RS – Rela-
tor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – T 3 – Terceira Turma – Julg.
22.3.2007 – DJ 21.5.2007, p. 571).
Em V. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para evitar si-
tuações vexatórias, permitiu-se, igualmente, a mudança do prenome e do sexo
do transexual, com anotação de que a medida se deu por ordem judicial, porém,
sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas:
 Veiga de. Transexualismo – diagnóstico – conduta médica a ser adotada. RT , v. 545, São Paulo: Revista
dos Tribunais, p. 289-298, Março de 1981 e FRAGOSO, Heleno Cláudio. Transexualismo. Conceito –
distinção do homossexualismo. RT , São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 545, p. 299-304, mar. 1981).
 
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“REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PRENOME E SEXO. ALTERAÇÃO.
POSSIBILIDADE. AVERBAÇÃO À MARGEM. 1. O fato da pessoa ser tran-
sexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente
como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome femi-
nino, justifica a pretensão, já que o nome registral é compatível com o
sexo masculino. 2. Diante das condições peculiares da pessoa, o seu nome
de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capazde levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo, o que justifica
plenamente a alteração. 3. Deve ser averbado que houve determinação
 judicial modificando o registro, sem menção à razão ou ao conteúdo das
alterações procedidas, resguardando-se, assim, a publicidade dos registros
e a intimidade do requerente. 4. Assim, nenhuma informação ou certidão
poderá ser dada a terceiros, relativamente à alterações nas certidões de
registro civil, salvo o próprio interessado ou no atendimento de requisição
 judicial. Recurso provido” ( Apelação Apelação Cível Cível 7001891159470018911594 – Relator De-
sembargador Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves – 7ª Câmara Cível
– Julg. 25.4.2007).
Em Julgado datado de 2.4.2014, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo
acolheu apelo do Ministério Público para que as alterações do nome e de sexoas alterações do nome e de sexo
constassem na margem do livro de registro emconstassem na margem do livro de registro em decorrência de decisão judi-decorrência de decisão judi-
cialcial, com vedação, entretanto, da averbação em outros documentos do apelado,
como cédula de identidade, carteira profissional, título de eleitor etc. ( Apelação Apelação
nnº 0003025-02.2008.8.26.0047 0003025-02.2008.8.26.0047 – 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo – Relator Desembargador J. L. Mônaco da Silva).
Outra foi a opinião, em 2006, por maioria de votos, de Câmara do Preclaro
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, admitindo a averbação da mudança
de nome e sexo, sem observar que isso decorreu sem observar que isso decorreu de decisão judicialde decisão judicial:
“ EMENTA: RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Transexual primário já
submetido a cirurgia de reversão de sexo, reconhecida sua necessidade.
 Autorização para alterar-se o registro civil. Medida que não prejudica a
segurança jurídica nem terceiros e satisfaz a finalidade do Direito, procla-
mada na Constituição de promover a realização da felicidade do indivíduo.
 RECURSO PROVIDO” ( Apelação cível Apelação cível com revisão com revisão nnº 352.509-4/0-00 352.509-4/0-00 –
Relator Desembargador Gilberto de Souza Moreira – 7ª Câmara de Direito
Privado – Julg. em 24.5.2006).
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, além de se indeferir pedido
de conversão de julgamento em diligência, para se saber da existência do envol-
 vimento criminal do requerente, por ser inacreditável que alguém se submetesse
à operação castradora e apresentasse requerimento semelhante para evitar pu-
nição criminal, colocou-se que a mudança do prenome, no caso com respaldo
 jurisprudencial, não é proibição absoluta:
 
Mudança de Sexo 185185
“Ementa: Registro civil – Mudança de nome e sexo – Transexual que se
submeteu à ablação do órgão externo masculino – Deferimento – Apelação
do Ministério Público – Desnecessidade de conversão do julgamento em
diligência – Pretensão admitida pela jurisprudência – Proibição de mudan-
ça do prenome que não é absoluta – Apelação provida” ( Apelação cível Apelação cível nnº 
427.435-4/3427.435-4/3 – Relator Desembargador Maurício Vidigal – 10ª Câmara de
Direito Privado – Julg. 11.11.2008).
Em outro momento, mesmo respondendo a acusação criminal, permitiram-
-se a mudança de prenome e do sexo de quem realizava os pleitos, em virtude
de que:
“O fato de existir ação penal contra o autor não pode servir de obstácu-
lo a que tenha assegurado o seu direito à dignidade da pessoa humana,
mediante reconhecimento de sua identidade sexual, como forma de inte-
gração social, essencial à sua felicidade. Para garantir o princípio da se-
gurança jurídica, de modo a afastar eventual perigo ao interesse público,
basta que seja oficiado ao juízo criminal comunicando a alteração do nome
do apelante, assim como também, e com o mesmo objetivo, o instituto deidentificação Ricardo Gumbleton Daunt, da Secretaria de Segurança Públi-
ca do Estado de São Paulo, a Secretaria da Receita Federal do Ministério da
Fazenda, a Diretoria de Serviço Militar do Ministério do Exército e ao Tri-
bunal Regional Eleitoral” ( Apelação Apelação cível cível sem sem revisão revisão nnº 492.524-4/0- 492.524-4/0-
0000 – Relator Desembargador Ary José Bauer Júnior – 2ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Julg. 3.7.2007).
 A vedação nas retificações já foi reconhecida, dando-se provimento ao recur-
so interposto:
“Retificação de registro civil – Modificação de nome e sexo – Regra da imu-
tabilidade dos dados do assento de nascimento, que só podem ser modi-
ficados em razão de justificativa irrebatível, sem risco para a verdade que
todo o registro deve espelhar e sem que se retire dos terceiros o direito de
conhecer a verdade – Sentença modificada – Ação julgada improcedente
– Recurso provido” ( Apelação n Apelação nº 452.036-4/0-00 452.036-4/0-00 – Relator Desembarga-
dor Grava Brazil – 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo – Julg. 7.11.2006).
Recentemente, permitiu-se a alteração do nome no assento civil depermitiu-se a alteração do nome no assento civil de
pessoa transexualpessoa transexual, para evitar maiores constrangimentos e humilhações,
sendo que a exigência de prévia cirurgia para interromper situaçõessendo que a exigência de prévia cirurgia para interromper situações
 vexatórias vexatórias constitui constitui violênciaviolência, certo que a demonstração entre o sexo
biológico e o psicológico poderia ser feito por perícia multidisciplinar
(Apelação nº 0040698-94.2012.8.26.0562 – 3ª Câmara de Direito Privado186186 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Carlos Alber-
to de Salles – J. 24.6.2014).
Em outro momento, novamente, sem a necessidade de cirurgiasem a necessidade de cirurgia, foi per-
mitida a alteração do nome, pois havia informações prestadas pela psi-
cóloga que identificava a incongruência entre a anatomia de nascimen-
to e a identidade que a parte relatou sentir, ademais, transexualidade é
considerada doença (CID-10 – F64.0), consistente no “desejo de viver
e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto” ( Apelação Apelação nnº 0016069- 0016069-
50.2013.8.26.000350.2013.8.26.0003 – 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo – Relator Desembargador James Siano – J. 5.2.2014).
Existe projeto em tramitação com o objetivo de autorizar o transexual a ade-
quar seu nome mesmo antes de realizar a cirurgiaantes de realizar a cirurgia.14
Em três V. Acórdãos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
não se permitiu a mudança do nome, de quem, embora aparentasse outro sexo,
não teria se submetido à cirurgia para modificação da condição da qual nasceu.
“Registro civil – Pleito de alteração do prenome e designativo do sexo – Mo-
dificação condicionada à realização de cirurgia de redesignação sexual, o
que, na hipótese, não ocorreu – Registros públicos que têm caráter de defi-
nitividade, espelhando a realidade – Falta de interesse de agir caracterizada
– Processo extinto sem resolução de Mérito – Sentença mantida – Ausência
de violação a dispositivos de lei, bem como a qualquer cânone constitucio-
nal – Recurso desprovido” ( Apelação Apelação nnº 0025917-51.2013.8.26.0071 0025917-51.2013.8.26.0071 –
1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator
Desembargador Luiz Antonio de Godoy – J. 18.3.2014).
“Registro Civil – Pedido de retificação de nome masculino (Luciano) para
feminino (Luciana) sem o concomitante pedido de alteração do sexo ano-
tado no assento – Inadmissibilidade – Autor com aparência externa de mu-
lher mas que não realizou cirurgia para a alteração de sexo, permanecen-do com a genitália masculina – Necessidade de compatibilidade entre os
elementos do assento para impedir confusão na identificação das pessoas
– Pedido indeferido – Recurso desprovido” ( Apelação Apelação cível cível com com revisãorevisão
nnº 392.670-4/7-00 392.670-4/7-00 – Relator Desembargador Morato de Andrade – 2ª Câ-
mara de Direito Privado – Julg. em 9.5.2006).
“REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. Pretensão manifestada por transexual
que ainda não se submeteu à cirurgia de mudança de sexo. Ausência de
erro registrário que, antes, espelhou a real situação biológica do indivíduo
– Inadmissibilidade” ( Apelação Apelação cível cível nnº 328.005-4/0-00 328.005-4/0-00 – Relator Desem-
bargador Magno Araújo – 6ª Câmara de Direito Privado – Julg. 6.5.2004).
14 VIEIRA, Tereza Rodrigues. “A vulnerabilidade do transexual” ..., p. 99.
 
Mudança de Sexo 187187
 A divergência de opiniões sobre a anotação sobre alteração de sexo em virtu-
de da cirurgia ficou registrada na Apelação Cível com revisão n Apelação Cível com revisão nº 439.257-4/3- 439.257-4/3-
0000, da 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator e com
 voto vencedor o Desembargador Salles Rossi, em cuja ementa lê-se:
“EMENTA – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL (ASSENTO DE NASCI-
MENTO) – Transexualismo (ou disforia de gênero) – Sentença que auto-
rizou a modificação do prenome masculino para feminino – Controvérsia
adstrita à alteração do sexo jurídico no assento de nascimento – Admis-
sibilidade – Cirurgia autorizada diante da necessidade de adequação do
sexo morfológico e psicológico – Concordância do Estado com a cirurgia
que não se compatibiliza com a negativa de alteração do sexo srcinal-
mente inscrito na certidão – Evidente, ainda, o constrangimento daquele
que possui o prenome ‘VANESSA’, mas que consta do mesmo registro como
sendo do sexo masculino – Ausência de prejuízo a terceiros – Sentença que
determinou averbar nota a respeito do registro anterior – Decisão mantida
– Recurso improvido.”
No voto vencido, do Eminente Desembargador Ribeiro da Silva, asseverou-
-se que o apelo deveria ser provido, a fim de se evitar uma inconstitucionalidade
futura, ou seja, a perícia comprovou que quem requeria a modificação apresen-
tou características marcantes do sexo masculino, logo, a alteração de sexo pos-
sibilitaria o casamento e a união estável de pessoas de “mesmo sexo”. Leia-se,
textualmente:
“O casamento é o vínculo jurídico entre homem e mulher, que se unem
segundo as formalidades legais. Uma delas é a diferença de sexo, sob pena
de o casamento ser considerado inexistente.
 Assim, a fim de evitar futuras inconstitucionalidades, não há como admitir
a retificação no registro no que se refere ao sexo.
 Ademais, na vida em sociedade não haverá problemas de constrangimentoao apelado em manter seu sexo como masculino no assento de registro
civil, pois nas atividades habituais de cidadão o uso e a apresentação do
registro geral supre o do assento, sendo que naquele não há menção ao
sexo do portador.”
No Tribunal de Justiça do Amapá, em razão da maleabilidade da legalidade,
em procedimento de jurisdição voluntária, e do não impedimento do ordenamen-
to jurídico, permitiu-se a mudança do prenome e do sexo de quem requeria as
medidas:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. MODIFICA-
ÇÃO DE PRENOME E SEXO. TRANSEXUAL. CIRURGIA DE EMASCULA-
ÇÃO. ADAPTAÇÃO DE GENITÁLIA EXTERNA FEMININA. SEXO PSÍQUICO
 
188188 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
RECONHECIDAMENTE FEMININO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDI-
DO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PREDOMÍNIO DA
EQUIDADE SOBRE A LEGALIDADE. 1) É juridicamente possível a retifica-
ção de assento civil de nascimento para modificar o prenome e o sexo de
transexual submetido a cirurgia de emasculação com adaptação da genitá-
lia masculina externa para a feminina diante da flexibilidade do princípio
da imutabilidade do nome, insculpido nos artigos 55 e 58 e respectivos
parágrafos únicos da Lei nº 6.015/73 e da inexistência de vedação legal no
ordenamento jurídico pátrio. 2) Elencado entre os procedimentos de Juris-
dição Voluntária, o pedido de retificação de registro civil para a mudança
de prenome e sexo de transexuais assim comprovados, pode ter decisão
afastada do critério de estrita legalidade. 3) Apelo improvido para manter
integralmente a sentença de primeiro grau” ( Apelação Apelação Cível Cível nnº 693/00 693/00 
– Relator Juiz Convocado Doutor Edinardo Souza – Câmara Única – Julg.
5.6.2001).
Em V. Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, destacou-se a
função da jurisdição para se encontrarem soluções satisfatórias ao usuário. Leia-
-se a ementa:
“Registro civil. Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por
transexual primário operado. Desatendimento pela sentença de primeiro
grau ante a ausência de erro no assento de nascimento. Nome masculino
que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando
a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei 6.015/73, art. 55,
parágrafo único, c. c. art. 109). Alteração do sexo que encontra apoio no
art. 5º, X, da Constituição da República. Recurso provido para se acolher
a pretensão.”
“É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário,
desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição
dos direitos básicos do cidadão” ( Apelação Apelação Cível Cível nnº 165.157.4/5 165.157.4/5 – Re-
lator Desembargador Boris Kauffmann – 5ª Câmara de Direito Privado –
Julg. 22.3.2001).
 A mudança do nome e do sexo do transexual no registro civil não é matéria
pacífica. Antônio Chaves, formulando algumas perguntas, questiona-se se não é
momento de se mudar a postura em se impedir tais retificações.15
Posições tradicionais e maleáveis existem quanto à matéria, entretanto, a
preocupação maior para se permitir a mudança do nome e do sexode alguém,
em última análise, é de se dar guarida a um ato de má-fé, por exemplo, para que
15 Operações cirúrgicas de mudança de sexo: a recusa de autorização de retificação do registro
civil. RT , São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 679, maio 1992, p. 14.
 
Mudança de Sexo 189189
uma pessoa procurada pela justiça acoberte sua identidade. Imagine a perplexi-
dade em procurar um homem e, pela cirurgia feita, com as retificações deferidas,
seja, agora, uma mulher. Um devedor inadimplente também pode usar do mesmo
expediente para não pagar os credores.
9.6 9.6 O casamO casamento do ento do transexualtransexual
 A pessoa que se submeteu à operação pode almejar não apenas namorar ou-
trem ou ter um relacionamento estável, porém, contrair o matrimônio, maneira
tradicional para se formar uma família.
O tema, a respeito do casamento do transexual, foi percebido pela doutrina
civilista.
 Antônio Chaves comentava que era o segundo problema fundamental para
o qual nem a doutrina nem a jurisprudência se apresentavam ainda preparados
a enfrentar.16
 Algumas ponderações devem ser feitas.
O transexual, como dito, não se sente um homem ou uma mulher, psicolo-
gicamente, dessa forma, a operação para mudança “morfológica” de sexo é re-
comendada e tem cunho terapêutico, a fim de que se amenize sua angústia. Por
parcela da jurisprudência, tem-se como possível a retificação do nome e do sexo
de quem se submete à cirurgia. Para alguns, deve-se averbar que a mudança foi
em decorrência de decisão judicial, para outros, não.
Quando se celebra um casamento, a ideia é de duração por toda uma vida ou
por tempo razoável, ou seja, o enlace não deve se desfazer facilmente. Para tanto,
desde o início, a confiança e a cumplicidade do casal permeiam sua relação.
 Acaso um homem se case com uma “mulher”, transexual, sem saber dessa
condição, isto é, se desconhecia ter ela ingerido hormônios, feito operação de
ablação e retificação do registro, parece que, se descobre isso, não suportando
mais a convivência em comum, possível é separar-se, divorciar-se ou anular o
matrimônio, neste caso, por erro essencial do outro cônjuge (art. 1557, inciso I,
do novo Código Civil).17
O problema se torna mais complexo quando o casal quer o matrimônio, sa-
bendo da condição do transexual.
16 Castração. Esterilização. Mudança artificial de sexo. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense,
 v. 276, out./nov./dez. 1981, p. 18.
17 Solução que já foi cogitada por Antônio Chaves, em Responsabilidade médica. Operações de
“mudança” de sexo. Transmissão de vírus da AIDS. RT , São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 707,
set. 1994, p. 11.
 
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 Acaso se acredite que homem e mulher são tais de acordo com seu nascimen-
to, não importando o que realizem para mudar essa condição, pela medicina e
pelos assentos registrários, serão de um sexo e de outro sempre, a resposta deve
ser negativa.
Se, de outro lado, existe amparo para que alguém ingira hormônios, psicolo-
gicamente não se sente do sexo que aparenta, realiza cirurgia e, até mesmo, quer
mudar seu nome e registro do sexo a que pertence, a resposta é afirmativa.
 A questão não é fácil, deve ser regulamentada, a fim de se evitarem transtor-
nos e discussões.18
Não se deve confundir a matéria com aquela, igualmente tortuosa, do casa-
mento de pessoas de mesmo sexo.
O transexual não se considera do mesmo sexo de quem desposa e, sim, de
sexo diferente. O homem sente-se totalmente uma mulher e vice-versa.
Na Argentina, recentemente, mudou-se a redação do art. 172 do Código
Civil, permitindo-se a realização do matrimônio de pessoas do mesmo sexo. A
matéria foi amplamente discutida pelos parlamentares e causou polêmica na so-
ciedade argentina.
 A redação da norma era a seguinte, em tradução livre:
“É essencial para a existência do matrimônio o pleno e livre consentimen-
to, expresso pessoalmente, pelo homem e pela mulher, perante a autorida-
de competente para celebrá-lo. O ato que não tiver algum desses requisitos
não produzirá efeitos civis, ainda que as partes tenham agido de boa-fé,
salvo disposição do artigo seguinte.”
 Agora, em razão da alteração, promovida pela Lei nº 26.618, art. 2º, BO
22.7.2010, a dicção da norma é:
“É essencial para a existência do matrimônio o pleno e livre consentimen-
to, expresso pessoalmente, por ambos os contraentes, perante a autorida-de competente para celebrá-lo.
“O matrimônio terá os mesmos requisitos e efeitos, independentemente de
serem os contraentes do mesmo ou de diferente sexo.
“O ato que não tiver algum desses requisitos não produzirá efeitos civis,
ainda que as partes tenha agido de boa-fé, salvo o disposto no artigo se-
guinte”.
18 O alerta, de maneira mais genérica, já foi realizado por Luiz Roberto Lucarelli: “Apesar de não
contemplada em nosso ordenamento jurídico, a mudança de sexo é um fato que produz consequên-
cias jurídicas de índole Constitucional, Civil e Penal, ensejando uma regulamentação legislativa
eficaz” (Aspectos jurídicos da mudança de sexo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São
 Paulo, São Paulo: Centro de Estudos, nº 35, jun. 1991, p. 227).
 
Mudança de Sexo 191191
É um precedente importante na América Latina.
Não se afasta a possibilidade de um transexual gostar de pessoa do mesmo
sexo psíquico, contudo, neste caso, não se trata da falta de sintonia entre o mor-
fológico e o efetivamente entendido como o sexo real, mas de preferência sexual.
No Brasil, embora não haja legislação a respeito, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) regulamentou a matéria, por 14 votos a favor e 1 contra, aprovou
resolução que obriga os Cartórios a celebrar casamento entre pessoas do mesmo
sexo e converter a união estável em matrimônio.
Nenhum cartório, portanto, poderá recusar habilitar homossexuais ao casa-
mento.
 A Resolução, de nº 175, de 14.5.2013, é assinada pelo então Presidente do
Supremo Tribunal, Ministro Joaquim Barbosa.
Embora de salutar iniciativa, pois busca dar mais uma opção aos casais ho-
moafetivos, a Resolução pode ser questionada, porque, de regra, primariamente,
quem regulamenta a matéria é o Congresso Nacional.
 Ademais, o Supremo Tribunal Federal teria julgado constitucional a “união
estável” de pessoas do mesmo sexo (na Ação Direta de Inconstitucionalidade
– ADI – 4277/DF – Distrito Federal – Tribunal Pleno – Relator Ministro Ayres
Britto – J. 5.5.2011 – e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
– ADPF – 132/RJ – Rio de Janeiro – Tribunal Pleno – Relator Ministro Ayres
Britto – J. 5.5.2011), ou seja, a união livre, menos formal, que implicaria em
efeitos nos registro públicos, de regra, de maneira indireta.
Em síntese, alguns Ministros do Supremo, na época de entrar em vigor a
Resolução, diziam que não caberia ao Conselho Nacional, de caráter adminis-
trativo, editar regulamentação sobre a questão, isso diz respeito à interpreta-
ção da Justiça Estadual. Ocorreria, para um deles, desrespeito ao princípio da
legalidade. 19 
 A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, também, em decisão não vincu-
lativa, reconheceu a possibilidade de um casal de mulheres casarem, por maioria,
em 25.10.2011. As duas pediam para serem habilitadas ao casamento civil.20 
O casamento é uma união formal, disciplinada amplamente, solene, ou seja,
cercada de rituais, estender tudo isso aos casais de mesmo sexo não parece ade-
quado. Eles poderiam desejar outra maneira de se casarem ou, então, submete-
rem-se aos cânones existentes. Não lhes dá opção. Afinal, ainda são homem e
homem, mulher e mulher, não o casal tradicional.
19 Jornal Folha de S.Paulo. Caderno Cotidiano de 6.5.2013, C7.
20 Disponível em: < www.conjur.com.br/2011-out-25/stj-reconhece-casamento-civil-entrepes-
soas->. Acesso em: 26 out. 2011.
 
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 Além disso, causa insegurança nos Cartórios Extrajudiciais, marcados pela
legalidade e segurança jurídica. Eles seguem a lei para evitar fraudes, inconsis-
tências e má-fé. Outra maneira para registrarematos parece não ser apropriada.
De toda forma, até mesmo no âmbito jurídico, tem-se mais tolerância com os
diferentes relacionamentos afetivos, com as diferenças, com as opções diversas
das que se pratica.
Isso deve ter resposta na prática, no cotidiano das pessoas. Não se deve apon-
tar para alguém já julgando pela opção sexual ou maneira de se portar, enfim,
deve-se ter em mente a solidariedade e a paz social em todas as ações.

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