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Editora Poisson (organizadora) Série Educar - Volume 32 Ciências Biologia Meio Ambiente 1ª Edição Belo Horizonte Poisson 2020 Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade Conselho Editorial Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais Ms. Davilson Eduardo Andrade Dra. Elizângela de Jesus Oliveira – Universidade Federal do Amazonas Msc. Fabiane dos Santos Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy Ms. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S485 Série Educar- Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente/ Organização: Editora Poisson - Belo Horizonte–MG: Poisson, 2020 Formato: PDF ISBN: 978-65-86127-21-8 DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8 Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia 1. Ciências 2. Biologia 3. Meio Ambiente I. Título CDD-370 O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores www.poisson.com.br contato@poisson.com.br http://www.poisson.com.br/ mailto:contato@poisson.com.br SUMÁRIO Capítulo 1: Fragmentos do ensino das ciências na “Classe Hospitalar Semear” ........... 06 Emerson Marinho Pedrosa, Cristiane Rose de Lima Pedrosa, Paulo Adriano Schwingel DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.01 Capítulo 2: Um olhar CTS sobre a Unidade Temática Vida e Saúde no ensino de ciências ............................................................................................................................................................................ 13 Nelba Tania Gomes Pinheiro, Joacelma Maria Silva Rodrigues, Cícera Gisleide Araújo Oliveira Belém, Claudinéia Ramos dos Anjos, Elisângela Barreto Santana DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.02 Capítulo 3: Toxicidade do Ibuprofeno® aplicado em larvas de Chrysomya megacephala (Fabricius 1794) (Diptera: Calliphoridae) ...................................................................................... 20 Ana Elisa Moraes de Oliveira, Daniele da Silva Luz, Ronaldo Roberto Tait Callefe, Helio Conte DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.03 Capítulo 4: A importância da educação sexual no ensino de biologia ............................... 30 Alan de Angeles Guedes da Silva DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.04 Capítulo 5: Conhecimento especializado de professor de biologia para ensinar embriologia humana ................................................................................................................................. 37 Marcela Marques Silva, Katherine Iasmin Lima Rossito Carneiro, Susel Taís Coelho Soares, Stela Silva Lima, Joseany Sebastiana da Silva Moreira, Mónica Luís, Geison Jader Mello DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.05 Capítulo 6: Medida da distância anogenital em cães e gatos ................................................. 43 Amanda de Brito Meireles, Katlyn Barp Meyer DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.06 SUMÁRIO Capítulo 7: Morcegos: Verdades e Mitos ........................................................................................ 50 Iago Manuelson dos Santos Luz, Karina de Cassia Faria, Joaquim Manoel da Silva DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.07 Capítulo 8: Cartas pedagógicas: O ensino e a aprendizagem de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental .......................................................................................................................... 65 Luna Estéfany Silva Santos, Renato Pereira de Figueiredo DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.08 Capítulo 9: Educação ambiental: Uma abordagem etnobotânica para a sensibilização de crianças para a conservação das plantas ......................................................................................... 72 Ívina Vanessa Barbosa Dias, Gisele Lopes Dias, Géssica da Silva Costa, Franciane Silva Lima, Jeane Rodrigues Abreu Macêdo DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.09 Capítulo 10: Educação Básica e Sociedade: A importância da educação ambiental no ensino básico na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Mário Chermont no Município de Belém-PA ........................................................................................................................... 80 Graciete da Silva Figueiredo, Geziania Silva Soares, Maria do Socorro Oliveira Castelo, Roberto Carlos Figueiredo DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.10 Capítulo 11: Educação ambiental, reflexões sobre o Projeto Água: Bem precioso ..... 89 Antônia Luzirene Ferreira, Glícia Maria Araújo Lima Torres DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.11 Capítulo 12: Projeto Biomas em Rede: Saberes integrados e a escuta de diferentes vozes ............................................................................................................................................................................ 95 Lidia Maria Soares Bizo, Elisete Soave Vianna DOI: 10.36229/978-65-86127-21-8.CAP.12 Autores: ......................................................................................................................................................... 104 Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 6 Capítulo 1 Fragmentos do ensino das ciências na “Classe Hospitalar Semear” Emerson Marinho Pedrosa Cristiane Rose de Lima Pedrosa Paulo Adriano Schwingel Resumo: A educação é um requisito fundamental para a inserção do cidadão na sociedade, e consequentemente garantido a todos, incluindo o aluno hospitalizado que deve receber o cumprimento desta prerrogativa. As boas práticas pedagógicas ofertadas as crianças internadas, periodicamente ou em longos prazos, podem ser um importante fator que venha a favorecer a recuperação da saúde desses pacientes, ao tempo em que proporcionará sua manutenção no mundo escolar. Não é por acaso que a ciência é a base da maioria das descobertas sobre a prevenção e cura de doenças e da busca pelo bem- estar. Assim, por mais associemos à escola, a ciência se apresenta com várias aplicações para a “vida real”. A pesquisa foi desenvolvida na Classe Hospitalar Semear no Centro de OncoHematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, pautando-se num fragmento de aula de Ciências, a partir de uma análise bibliográfica e de campo onde indicando resultados positivos, tais como, a forma de relacionar educação e saúde, propiciando a melhora da qualidade de vida das crianças, ajudando-as a pensar de maneira lógica sobre os fatos do cotidiano e a resolver problemas práticos. Além de prepará- las para um mundo cada vez mais científico e tecnológico. Palavras-chave: Educação, Ensino das Ciências, Classe Hospitalar. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 7 1.INTRODUÇÃO A educação é um requisito fundamental para a inserção do cidadão na sociedade e consequentemente, garantido a todos, incluindo o aluno hospitalizado que deve receber o cumprimento desta prerrogativa. Porém, é notório que a hospitalização pode inviabilizar até mesmo a matrícula da criança em uma escola, o que poderá interferir na percepção que a criança tenha de si mesma, ou seja, de sua autoestima (FONSECA, 2008). As boas práticas pedagógicas ofertadas a crianças internadas periodicamente ou por longos prazos de tempo podem ser consideradas importante fator que favorece a recuperação da saúde desses pacientes, ao mesmo tempo em que proporcionam sua manutenção no mundo escolar. Neste sentido, a aplicação de um projeto pedagógico pode auxiliá-los a dar um novo significadoao período de adoecimento. Nesse contexto, apesar dos procedimentos típicos de um ambiente hospitalar e atípico ao ambiente escolar questionam-se, como lidar e compreender o ensino e a aprendizagem nesse aspecto? Como aproveitar o ensino das ciências nesse universo de esperança e educação? Hoje mais acessível diante do progresso tecnológico que aproxima esses alunos ao conhecimento de sua realidade. É necessário propiciar o alcance da ciência a todos, superando as abordagens fragmentadas das Ciências Naturais, contextualizando seus conteúdos, permitindo uma abordagem das disciplinas científicas de modo a buscar a interdisciplinaridade, possível, uma vez que toda criança carrega consigo conhecimentos prévios, cunhados em seu dia a dia, por meio de sua cultura e contexto familiar. Dizer que o aluno é sujeito de sua aprendizagem significa afirmar que é dele o movimento de ressignificar o mundo, isto é, de construir explicações norteadas pelo conhecimento científico, sendo este um processo construído com a intervenção do professor, conforme preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Naturais (1998). E nesse aspecto, o professor não deverá afastar-se desses conhecimentos, mas sim trabalhar partindo dessas experiências e vivências, onde projetos devem acontecer a partir da necessidade de cada educando de formas variadas, utilizando-se de estratégias de leituras, projetos culturais, inclusão digital, mural interativo, entre outras possibilidades que a realidade de cada contexto venha a apresentar. 2.METODOLOGIA O trabalho foi desenvolvido na Classe Hospitalar Semear, no Centro de OncoHematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (CEONHPE/HUOC), inaugurada pela Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), em 2015, através de parceria com o Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer (GAC) Pernambuco. A Classe hospitalar, que é uma modalidade de ensino, foi implantada a partir de projeto desenvolvido no ano de 2014, em parceria com o Instituto Ronald McDonald. A metodologia pautou-se na pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2002, p.45) permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia ser pesquisada diretamente. E na pesquisa de campo, apresentando uma abordagem qualitativa, onde esta abordagem na visão de Minayo (2013) traz uma análise das expressões humanas presentes nas relações, nos sujeitos e nas representações, apropriadas para discutir a pesquisa social em saúde. E nesse aspecto, respondendo a questões bastante particulares nas Ciências Sociais, ocupando-se com um nível de realidade que não pode ou não deve ser quantificado, devendo viabilizar sua análise numa perspectiva integrada, trabalhando, desta forma, com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. O trabalho foi desenvolvido a partir da observação das práticas docentes desenvolvidas pela professora e duas estagiárias da Classe hospitalar, durante as atividades em que o ensino das ciências foi abordado, no período letivo de 2018, a partir dos seguintes questionamentos: Você trabalha algum assunto de ciências na classe? Você se sente preparada para abordar a temática a ser tratada? Que assunto foi exposto na classe e como foi abordado? Qual o feedback? 3.DESENVOLVIMENTO Quando se pensa em ciência da vida, uma das coisas que podem vir à nossa mente é sobre o ambiente, as doenças e a saúde. Não é por acaso que a ciência é a base da maioria das descobertas sobre a prevenção e a cura de doenças, e da busca do bem-estar. Assim, por mais que a associemos à escola, a ciência se Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 8 apresenta com várias aplicações para a “vida real”. Com essa premissa, podemos então afirmar que ela é uma das áreas básicas para o desenvolvimento local, nacional e global. Graças à ciência da vida, os diversos profissionais podem trazer recomendações, desenvolver novos tratamentos e oportunizar uma melhor qualidade de vida a quem se encontre em estado de adoecimento. É importante frisar conforme nos orienta Matos e Mugiatti (2008, p.37) que a Pedagogia Hospitalar assegura o atendimento educacional que não foi possível no ambiente escolar: Neste momento, é oportuno seja realçado que a Pedagogia Hospitalar é um processo alternativo de educação continuada que ultrapassa o contexto formal da escola, pois levanta parâmetros para o atendimento de necessidades especiais transitórias do educando, em ambiente hospitalar e/ou domiciliar. Trata-se de nova realidade multi/inter/transdisciplinar com características educativas. Esse também é o parâmetro da ciência da vida, o que faz com que ela se apresente como uma esfera de influência que vai muito além da comunidade científica. Propondo-se a preparar o aluno para uma atitude positiva frente a mudanças, e de forma reflexiva, levando o aluno a pensar, sentir e agir em favor da vida, descobrindo e conhecendo seu mundo para saber valorizar o ambiente que o cerca, capacitando-o a tomar decisões acertadas para com os semelhantes e a natureza. Assis (2009, p.81) apresenta a importância da inter-relação da educação e da saúde no atendimento educacional hospitalar quando afirma: Tratar do atendimento pedagógico-educacional em instituições hospitalares é considerar a inter-relação de duas importantes áreas – educação e saúde – que devem atuar com a finalidade de promover o desenvolvimento integral da pessoa que está sob tratamento de saúde, visando aos seus direitos e à sua qualidade de vida O ensino das Ciências, quando trabalhado adequadamente no ambiente escolar, proporciona aos alunos a construção de respostas para os diversos questionamentos, levando- os ao permanente exercício de raciocínio, quando vem a pergunta: por quê? Curiosas por natureza elas têm curiosidade em saber a origem das coisas e suas causas, explorando aquilo que lhes parece ser diferente e intrigante. Os professores da classe hospitalar precisam desenvolver habilidades para sua interação com essas crianças, se predispondo as trocas afetivas, com a sensibilidade às condutas físicas e emocionais encontradas no ambiente. Esse olhar especial poderá garantir- lhe uma melhor condição para articular ativamente as relações de aprendizagem e superação na fase de adoecimento. É preciso investir na formação docente, buscando permanentemente uma formação progressista para o(a) educador(a), a qual Paulo Freire tanto se referiu: Não se permite a dúvida em torno do direito, de um lado, que os meninos e as meninas do povo têm de saber a mesma matemática, a mesma física, a mesma biologia que os meninos e as meninas das “zonas felizes” da cidade aprendem, mas de outro, jamais aceita que o ensino de não importa qual conteúdo possa dar-se alheado da análise crítica de como funciona a sociedade (FREIRE, 2000, p.44). É extremamente importante tratarmos da Pedagogia Hospitalar diante de sua relevância para o sucesso escolar. Salientamos que o ambiente hospitalar, por sua natureza, torna-se mais humanizado diante de uma eminente parceria entre família, escola e profissionais das diversas áreas envolvidas, e que visam um único objetivo: que é o de beneficiar o bem-estar do paciente (aluno) durante o período de internamento. Segundo política do Ministério da Educação (MEC) do Brasil, a presença de professores em hospital é imprescindível para a escolarização das crianças e jovens internados, segundo os moldes da escola regular, contribuindo para a diminuição do fracasso escolar e dos elevados índices de evasão e repetência que os acometem, [...] Classe Hospitalar é um ambiente hospitalar que possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens internados que necessitam de educação especial e que estejam em tratamento hospitalar (BRASIL, 1994, p.20). Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 9 Embora a Classe Hospitalarpor lei federal já se apresente como uma modalidade de atendimento educacional reconhecida como direito da criança e do adolescente hospitalizado, e de forma circunstancial, afastado da escola, o Brasil ainda conta com poucos hospitais que desenvolvem esse tipo de atendimento. Especificamente no caso do estado de Pernambuco, apenas um hospital possui classe hospitalar, fato que remete a necessidade de expansão do serviço e a formação de seus professores. O espaço formal é apenas um dos locais em que o ensino, linguagens e explicações são refletidas. O aluno, sujeito de sua aprendizagem, traz um referencial próprio, como também do grupo social ao qual está inserido, através de linguagens, conceitos e explicações. E nesta perspectiva, faz-se necessário que o professor construa uma relação de proximidade com o aluno/paciente antes do trabalho pedagógico, conquistando assim sua confiança e realizando uma viagem dialógica que busque estabelecer vínculos afetivos e gerar segurança no convívio. Desta forma, amparado na confiança e entendimento, o educador estabelece o processo de ensino e aprendizagem, fato que o torna não apenas um professor, mas também um amigo, companheiro e cúmplice desse processo educativo. Vale lembrar que a educação da criança enferma não é responsabilidade exclusiva do hospital, é, antes, uma tarefa que se faz em parcerias. O hospital instaura a construção de espaços dialógicos entre a família e a escola; exercendo, com postura mediadora, o reconhecimento do papel de destaque de cada elo desta articulação para efetivar a atenção às necessidades da criança (ORTIZ; FREITAS, 2005, p.59). Essas parcerias, uma vez implantadas, poderão proporcionar os recursos necessários para esta viagem dialógica e reflexiva de contextualização e dinamização, viabilizando o ensino a aprendizagem e promovendo a articulação entre os saberes de casa, da rua e do grupo social com os do ambiente escolar. O ensino de ciências pode ajudar consideravelmente este processo de articulação, explorando as informações científicas presentes no cotidiano do aluno e/ou divulgadas pelos meios de comunicação por meio de uma análise crítica e reflexiva, oferecendo aos alunos a oportunidade da construção de uma postura de ressignificação do conhecimento científico de modo a retirá-los da posição de meros e ingênuos receptores de informações e transformá-los em cidadãos capazes de apropriar-se do conhecimento científico. Neste compasso, Silva e Andrade (2013, p.64) aduzem que: É importante internalizarmos que a educação está em todos os espaços sociais, pois ela nos acompanha desde quando nascemos, estando presente em todos os locais: empresas, casas, igrejas, instituições públicas e privadas, escolas, ONGs, presídios, espaços comunitários/movimentos sociais, entre outros; e não seria diferente no hospital. O desenvolvimento desta pesquisa contém a revisão bibliográfica das principais discussões teóricas e a trajetória da mesma ao longo do recorte estudado. 4.RESULTADOS E DISCUSSÃO Compreendemos que a atuação Pedagógica da Classe Hospitalar Semear acontece a partir dos conteúdos oriundos da escola de origem de cada aluno, sendo posto em prática mediante atividades lúdicas, a exemplo da arte de contar histórias, jogos e dramatização, onde a sistemática do trabalho dependerá da condição do aluno, uma vez que o atendimento se dará em sala de aula ou no próprio leito do hospital. Inquirida sobre sua preparação para abordar o tema Ciências, a professora da classe ponderou que: “De uma forma geral, a classe hospitalar apresenta suas especificidades. Em parte me sinto preparada, pois enquanto professora com mais de 20 anos de docência, vinda da escola regular, muitos conteúdos já foram trabalhados anteriormente, sendo de nosso domínio.” Contudo, a professora relata que “[...] como a classe é multidisciplinar, atendendo Educação Infantil (4 e 5 anos) e Ensino Fundamental (1° ao 5° anos) são muitos conteúdos a serem trabalhados a partir das informações enviadas pelas escolas de origem. Conteúdos distintos, vindo de escolas diversas que precisam ser trabalhados com estudantes de anos de ensino diferentes e com competências distintas, cada um em seu nível de aprendizado, além do seu estado de adoecimento. Então, juntando todas essas informações se Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 10 elabora o planejamento e faz-se, sim, necessária uma constante capacitação para os conteúdos a serem trabalhados.” Segundo Matos e Mugiatti (2008), a inovação e abertura de novos caminhos, nunca foi tarefa das mais fáceis, e neste sentido, a atuação do pedagogo em reforçar e dar continuidade aos estudos dos alunos em um trabalho multidisciplinar no contexto hospitalar é uma atividade de grande importância a ser desenvolvida. Nesta perspectiva, o papel do educador hospitalar o impulsiona a vencer aos desafios do ambiente, onde seu êxito estará refletido nas contribuições postas, fazendo do ato de viver uma potencial oportunidade para o ensino e a aprendizagem. Para Mutti (2016, p.116): [...] ser professor é refletir e dialogar continuamente com seus pares no cenário da construção dos saberes profissionais da formação inicial e continuada. Neste sentido, é indispensável compreender que ser professor é saber o porquê, para quê, quando e como aprender; é reformar nossa competência profissional a fim de ampliar e qualificar o nosso entendimento e ação sobre a práxis pedagógica para que haja superação. Ao questionarmos se a professora poderia citar, a título de exemplo, algum assunto de Ciências abordado na Classe, foi trazido o seguinte: “Diversos assuntos, dentre eles, os sistemas do corpo humano, trabalhamos por diversos dias do internamento, cada sistema, algumas aulas individuais outras com dois ou três estudantes juntos: 1º. apresentamos o corpo humano num livro móvel, onde o estudante identificava cada parte do corpo, seus sistemas e parentes que formam os sistemas; 2°. elencamos os sistemas e fizemos uma explosão de ideias para que eles registrassem com seus conhecimentos qual a função de cada órgão e sistemas; 3°. para cada sistema fizemos pesquisa online em sites e em livro específico deste tema; 4°. a cada sistema trabalhado, fizemos os registros das informações mais importantes; 5°. preparamos uma apostila com atividades e algumas informações relacionadas aos sistemas, que eles respondiam à medida que os conteúdos eram trabalhados; 6°. durante as aulas utilizamos materiais pedagógicos concretos para maior apropriação dos conteúdos tais como: dorso do corpo humano, esqueleto humano, o livro móvel e realizamos algumas experiências bem simples”. Cabe informar que o ensino de ciências é consideravelmente abrangente, e levado ao ambiente hospitalar parece destacar-se. Neste sentido, escolhemos o exemplo supramencionado entre outros apresentados pela docente, uma vez que o aluno, em estado de adoecimento, é naturalmente curioso e busca respostas as suas condições de saúde. Segundo a professora, as atividades apresentadas foram divididas em blocos, respeitando as idas e vindas do estudante ao internamento e, também, suas condições físicas, psicológicas e emocionais relativas ao tratamento da doença crônica, considerando ainda o tempo no atendimento pedagógico hospitalar que é de 1 (uma) hora por dia. Esse formato metodológico de como os conteúdos são passados para os alunos parece ser um enorme diferencial, em particular na Classe Hospitalar, uma vez que de maneira mais dinâmica, e por meio do uso de ferramentas tecnológicas além das tradicionais, o assunto é tratado à realidade e aos interesses das crianças em estado de adoecimento. Nos termos dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o ensino de ciências deve estar direcionado para a ampliação das experiências e, consequentemente, para a construção de conhecimentos diversificados. O trabalho com os conhecimentos derivadosdas Ciências Humanas e Naturais deve ser voltado para a ampliação das experiências das crianças e para a construção de conhecimentos diversificados sobre o meio social e natural (BRASIL, 1998, p.166). Quando a professora foi perguntada se as crianças desejavam realizar as tarefas e frequentar a classe fora do leito, ela confidenciou que, segundo uma médica do hospital havia reportado, essa é a única escola que as crianças querem sempre frequentar, ficando clara a vontade das crianças em participar das aulas. Inferi-se com isso, que as atividades propostas pela classe trabalham de certa forma a ansiedade do aluno enfermo. Ainda segundo a professora, as ferramentas tecnológicas utilizadas nas aulas, como por exemplo, o tablet, aguçou o interesse pelos temas discutidos diante da possibilidade de acesso a distintas figuras relacionadas a ele, ampliando assim o entendimento e a participação nas atividades. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 11 Esta modalidade de ensino apresenta a necessidade da flexibilização das atividades, do quantitativo de conteúdos e também de adaptações curriculares, onde na percepção de Mutti (2016, p.132): A complexidade na construção do saber em todos os segmentos, no ensinar para esse cenário, supõe comunicação, parceria, desafio, autonomia e exercício da cidadania. Educar para o exercício da cidadania significa percorrer caminhos desconhecidos, promovendo entendimentos e perspectivas sociais e existenciais. E ao se observar os escolares hospitalizados, em tratamento de saúde, vislumbra-se a possibilidade de atitudes éticas, as quais buscam a aprendizagem com criatividade e sensibilidade, necessárias para alcançar o cuidado humanizado. Sendo assim, a qualidade da atenção voltada aos alunos em estado de adoecimento, de forma individual ou coletiva, acompanhada de um bom planejamento, dado tempo de permanência nesse ambiente, visa objetivos de curto prazo, imprimindo ao trabalho da classe hospitalar uma característica de atuação intensiva para a superação das dificuldades do ensino e aprendizagem. 4.CONSIDERAÇÕES FINAIS O ensino de ciências nas classes hospitalares indica resultados positivos as crianças internadas. Dentre eles destaca-se a forma de relacionar educação e saúde, que proporciona melhora na qualidade de vida dessas crianças, ajudando-as a pensar de maneira lógica sobre os fatos do cotidiano e a resolver problemas práticos. Além disso, lhes prepara para um mundo cada vez científico e tecnológico. Respondendo questões do por que ensinar Ciências na escola? Chegaremos por certo a promoção do desenvolvimento intelectual dessas crianças, auxiliando-as em outras áreas, além de garantir, a oportunidade de explorar seu ambiente de lógica e, sistematicamente, despertar seu interesse pelo conhecimento científico através do aspecto lúdico com que pode ser desenvolvido. A pedagogia hospitalar apresenta um trabalho integrado e de sentido complementar, estimulando o aluno a não desistir dos estudos e, futuramente, dar continuidade fora dali ao ensino formal, respaldando qual papel a escola pode exercer aos diversos espaços, neste caso em particular, classe hospitalar. O ensino das ciências para as crianças terá sempre a importância de fazê-las enxergar o mundo de modo completamente novo, cheio de possibilidades, mais completo e muito mais rico, entendendo cada detalhe e conseguindo enxergar conceitos práticos de/para vida. Esta resposta não é de todo simples, porém, certamente, envolve o incremento da educação escolar como momento de formação de um cidadão com capacidade de analisar criticamente a realidade em que está inserido, incluindo os aspectos referentes aos conhecimentos científicos e tecnológicos. REFERÊNCIAS [1] Assis, Walkíria de. Classe Hospitalar:um olhar pedagógico singular. São Paulo: Phorte, 2009. [2] Brasil.Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997. [3] ______. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, DF, 1994. [4] ______. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil, 3v. Brasília: MEC/SEF, 1998. [5] Fonseca, Eneida Simões da. Atendimento escolar no ambiente hospitalar. 2.ed. São Paulo: Memnon, 2008. [6] FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. [7] Gil, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. [8] Matos, Elizete Lúcia Pereira; Mugiatti, Margarida Maria Teixeira de Freitas. Pedagogia hospitalar: a humanização integrando educação e saúde. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2008. [9] Minayo, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13.ed. São Paulo: Hucitec, 2013. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 12 [10] Mutti, Maria do Carmo da Silva. Pedagogia hospitalar e formação docente: a arte de ensinar, amar e se encantar. Jundiaí: Paço Editorial, 2016. [11] Ortiz, Leodi Conceição Meireles; Freitas, Soraia Napoleão. Classe hospitalar:caminhos pedagógicos entre saúde e educação. Santa Maria: UFSM, 2005. [12] Silva, Neilton da; Andrade, Silva de Andrade. Pedagogia hospitalar: fundamentos e práticas de humanização e cuidado. Cruz das Almas: UFRB, 2013. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 13 Capítulo 2 Um olhar CTS sobre a Unidade Temática Vida e Saúde no ensino de ciências Nelba Tania Gomes Pinheiro Joacelma Maria Silva Rodrigues Cícera Gisleide Araújo Oliveira Belém Claudinéia Ramos dos Anjos Elisângela Barreto Santana Resumo : A adolescência apresenta-se como momento de transformações e descobertas, ao mesmo tempo, acarreta em maiores responsabilidades pessoais e sobre o corpo, em especial no tocante à sexualidade. Diante desta preocupação desenvolvemos um projeto escolar, com cinco professores de Ciências e 180 alunos do oitavo ano, de uma Escola Pública Federal, apoiado na abordagem de ensino CTS, intitulado “Adolescer e viver com qualidade, responsabilidade e Solidariedade!”, com objetivo de proporcionar aos alunos a tomada de consciência, de forma responsável, valorizando hábitos e atitudes que contribuam à saúde individual e coletiva, despertando uma consciência de solidariedade. Utilizamos a gravidez na adolescência e a importância do leite materno, como cenário para o estudo de conceitos científicos sobre reprodução humana. A estratégia metodológica esteve apoiada nos Três Momentos Pedagógicos, de Delizoicov e Angotti. Ao sistematizarmos os dados coletados na pesquisa identificamos seis categorias de análise: Entusiasmo e interesse em aprender; Sensibilidade ao problema; Expressão crítica de opinião; Pensamento lógico e racional para resolver problemas reais; Tomada de decisões com atitude crítica e Interesse em atuar em questões sociais. Os resultados demonstraram indícios de desenvolvimento de formação cidadã pelos estudantes e confirmaram a contribuição da abordagem CTS como ferramenta válida à formação cidadã crítica desses estudantes, contribuindo para o letramento científico dos mesmos. Palavras-chave: Ensino de Ciências; Educação para saúde; Letramento Científico; Abordagem CTS. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 14 1. INTRODUÇÃO A adolescência é um período de vida no qual, a pessoa não é mais uma criança nem ainda é um adulto, que ocorrem profundas transformações e evoluções físicas, como a maturação sexual, e psicológica, assim como o desenvolvimento de expectativas e percepções sociais, aceleram-se também, o desenvolvimento cognitivo e crítico e a restruturação do comportamento social (OMS, 1989). Dessa forma, a escola comoum espaço privilegiado para preparar crianças e adolescentes para a vida adulta, tem a atribuição de promover formação integral e cidadã, considerando-os como sujeitos da aprendizagem, para que os mesmos tenham atitudes responsáveis sobre si e a sociedade (Brasil, 1998; 2017). Como um caminho facilitador dessa meta de educação cidadã, o processo de ensino e aprendizagem pode ser subsidiado pela abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), proposta curricular que tem como intuito principal esse mesmo propósito, por meio do desenvolvimento de habilidades e conhecimentos, pelos estudantes, necessários ao exercício da cidadania (Santos; Mortimer, 2001). Ademais, partindo da orientação de que a formação básica cidadã deve ocorrer mediante o fortalecimento dos vínculos de solidariedade humana (LDB, 1996), o ensino deve promover essa educação, com desenvolvimento de todas as dimensões da pessoa humana, e não de forma reducionista ou apenas conteudista, mas, suas práticas pedagógicas devem também pretender uma aprendizagem significativa a respeito dos valores humanos que contribuam para a construção de uma melhor realidade social (Santos; Schnetzler, 1998). Respaldando-se nesses pressupostos, desenvolvemos um projeto escolar, apoiado na abordagem CTS, intitulado “Adolescer e viver com qualidade, responsabilidade e Solidariedade!” que teve como objetivo, proporcionar aos alunos a tomada de consciência de aplicar os conhecimentos científicos de forma responsável, valorizando hábitos e atitudes que contribuam à saúde individual e coletiva, e mais, despertar uma consciência de solidariedade nesses adolescentes, imprescindível para o bem comum. Para tal, utilizamos a gravidez na adolescência e a importância do leite materno, como cenário para o estudo de conceitos científicos sobre reprodução humana, e a estratégia metodológica esteve apoiada nos Três Momentos Pedagógicos, idealizados por Delizoicov e Angotti (1990), os resultados demonstraram indícios de desenvolvimento de formação cidadã pelos estudantes e confirmaram a contribuição da abordagem CTS como ferramenta válida à formação cidadã crítica desses estudantes, e essa experiência formativa, pretendemos compartilhar neste artigo. 2. METODOLOGIA O projeto foi desenvolvido em uma escola pública “Tenente Rêgo Barro”, na cidade de Belém-PA, ano letivo de 2017, envolveu diretamente, 5 professores de Ciências e 180 alunos do oitavo ano/Ensino Fundamental com idade entre 13 a 14 anos, e, nos possibilitou a realização de uma pesquisa qualitativa e narrativa de experiências planejadas, que teve o objetivo de colaborar para a formação cidadã dos discentes (Oliveira, 2013; Lima et al., 2015). Para a produção dos dados da pesquisa foram utilizadas as seguintes estratégias: observação contínua da participação dos alunos em pesquisas, tarefas individuais e em grupo; debates; rodas de conversa, seminários e diários de formação. Com nossas proposições ancoradas nas perspectivas da abordagem CTS, o trabalho sucedeu por meio dos Três Momentos Pedagógicos, sendo o primeiro, a problematização inicial, momento introdutório, de motivação e provocação de discussão reflexiva, no qual são apresentadas e discutidas situações-problema, relacionadas à temática em questão, vivenciadas ou assistidas pelos alunos, mas não compreendidas por escassez ou insuficiência de aportes teóricos científicos; com intuito de problematizar a temática e estimular os estudantes a expor suas opiniões e assim analisar o que pensam sobre o tema envolvido nas situações-problema. A problematização ocorreu mediante o uso de uma situação-problema apresentada por meio de dois textos jornalísticos, intitulados “Pará é o estado com maior número de grávidas com idade entre 10 e 19 anos” e “Banco de leite da Santa Casa do Pará está com estoque baixo” (G1 GLOBO, 2016). A questão norteadora que emergiu das discussões foram as seguintes: Por que apesar da existência de contraceptivos, muitas adolescentes ficam grávidas? Diante disso, as inferências dos alunos foram ponderadas para as etapas seguintes. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 15 O segundo momento, a organizaça o do conhecimento, configura-se pelo estudo, sob a mediaça o do professor, dos conhecimentos cientí ficos necessa rios ao entendimento do tema e das questo es abordadas na problematizaça o inicial, e, consistiu na realizaça o, pelos alunos, de pesquisas teo ricas relacionadas a tema tica e tambe m na visitaça o a Santa Casa do Para , hospital pu blico assistencial a sau de da criança e da mulher. Todas as informaço es obtidas foram socializadas e discutidas por toda a classe. Paralelamente, conteu dos disciplinares auxiliadores na compreensa o da tema tica, foram trabalhados em sala de aula pelos professores e uma atividade dida tica intitulada “Meu filho e um ovo” (atividade pra tica em que os alunos, organizados em casais, cuidam por um tempo determinado de um ovo cru como se fosse um rece m-nascido, com objetivo de vivenciarem uma maternidade e paternidade precoces) foi realizada pelos alunos. Dessa forma, diante das discusso es ate aqui ocorridas e dos avanços no embasamento teo rico, outros momentos de debate foram planejados, o que culminou em conscientes tomadas de deciso es pelos alunos, as quais caracterizaram a pro xima etapa do projeto. O terceiro momento, a aplicação do conhecimento, caracteriza-se como a abordagem sistemática dos conhecimentos apreendidos, para compreensão e análise das questões problematizadoras iniciais ou de outras relativas à temática que podem surgir e ser examinadas por tal conhecimento. Com vistas à tomada de decisão, os alunos, orientados pelos professores, realizaram várias ações em prol de apresentar soluções para a problemática inicial, foram elas: edição de uma carta de agradecimento aos pais, mobilização de uma campanha de arrecadação de frascos de vidro para coleta de leite materno com posterior doação à Santa Casa. A campanha se estendeu para arrecadação de fraldas descartáveis e cabelos para mulheres escalpeladas atendidas pela Santa Casa do Pará; visitação a outras instituições que prestam serviços gratuitos à sociedade, as quais: Centro de Valorização da Vida (CVV), entre outras. E a divulgação de toda a trajetória do projeto foi feita na Feira Científico-Cultural da escola, com intuito de sensibilizar os visitantes da Feira sobre a necessidade de conhecer e ajudar as instituições por eles visitadas. 3. ENSINO DE CIÊNCIAS PARA FORMAÇÃO CIDADÃ CRÍTICA Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença, e mais, é um bem da coletividade (OMS, 1946; Brasil, 1998). Apesar desse conceito utópico, a escola, espaço oficial de formação integral, deve garantir a aprendizagem desse tema, no sentido biológico e também como aspecto da vida cidadã (Brasil, 1998). Ao ensino de ciências, entre as competências esperadas, tem-se, conhecer, apreciar e cuidar de si, do corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, valendo-se dos saberes das Ciências da Natureza e às suas tecnologias, e no tocante à reprodução e à sexualidade humana, que seja tratada nas dimensões orgânica, cultural, afetiva e éticas, demandando cuidados, consciência e responsabilidade na sexualidade a partir da puberdade (Brasil, 2017). Nesse sentido mais amplo de educação para saúde no âmbito escolar, o processo ensino e aprendizagem não é efetivado se apenas englobar os aspectos cognitivos, mas também, os afetivos, sociais e sociomorais, tais como solidariedade, respeito e generosidade, consigo e com os outros, com vistas à capacitação dos estudantes para construção de uma sociedade mais justa, ética, democrática, responsável, inclusiva, sustentável e solidária (Brasil, 2017; Santos; Schnetzler, 1998). Tais demandas constituem um desafio inatingível, se sistematizadas por uma prática e abordagempedagógicas tradicionais de aprendizagem descontextualizada, memorística e volátil (Krasilchik; Marandino, 2007), visto que, estas têm compromisso com o letramento científico, princípio educativo com propósito de desenvolvimento da capacidade de atuação no/e sobre o mundo, importante ao exercício pleno da cidadania, ou seja, a capacidade de compreender e interpretar o mundo, transformando-o com base nos aportes teóricos e processuais da Ciência (Brasil, 2017). Nessa perspectiva de letramento científico e educação cidadã e crítica, o ensino de ciências, pode lançar mão da abordagem de ensino CTS, cujo propósito principal é justamente em preparar os estudantes para cidadania, mediante o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão e para uma ação social responsável (Santos; Mortimer, 2001). Neste caso, letramento com caráter social, vai para além da compreensão e domínio dos conceitos científicos, antes, pesa o desenvolvimento de habilidades, competências e valores, para o uso feito a partir do conhecimento científico, para o entendimento do mundo natural e social e no enfrentamento e resolução de problemas do cotidiano, através de conscientes tomadas de decisões, em consonância com os interesses coletivos. (Santos, 2012). Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 16 Assim, o ensino de ciências deve viabilizar a inserção do aluno no mundo, para intervir criticamente, baseando-se em princípios éticos e de cidadania. Isso implica articular os conceitos científicos às situações do cotidiano ou realidades dos alunos e o contexto social, podendo ser o ponto de partida e de chegada de uma abordagem de ensino CTS (Teixeira, 2003). Ao trazermos as circunstâncias existenciais dos alunos, suscitando a reflexão crítica sobre problemas reais, expande-se a chance de envolvimento deles e a percepção da realidade das desigualdades que selam o mundo científico e tecnológico atual, instigando-os, à uma ação social mais abrangente (Santos, 2007). Um ensino dentro de um contexto mais amplo, possibilitando aos alunos uma compreensão que ultrapassa os limites da escola, oportunizando a estes, aplicarem-se em práticas sociais e tomadas de decisão subsidiadas nos conhecimentos científicos, em valores e aspectos éticos (Santos; Schnetzler, 1998). Desta forma, presumimos que a abordagem CTS aplicada à prática pedagógica do ensino de Ciências, na possibilidade de letramento científico e formação cidadã, é válida, pois mobiliza competências e habilidades, fomenta reflexões e tomadas de decisões espontâneas e conscientes com propósitos de intervenção de realidades sociais (Teixeira, 2003). 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nessa pesquisa percebermos condutas e ações dos alunos, que sinalizam desenvolvimento de habilidades e conhecimentos, necessários ao letramento científico e formação cidadã. A análise das vozes e produções textuais, definidas pelas iniciais dos nomes e turma, possibilitou interpretá-los, e os excertos que expressavam questões mais recorrentes e maior significado, as seguintes seções de análise, sob a ótica da Abordagem CTS: 4.1. ENTUSIASMO E INTERESSE EM APRENDER Para a formação cidadã é mister os saberes científicos que precisam ser construídos e não alienados (Krasilchik; Marandino, 2007), para isso, a escola deve mediar esta tarefa de maneira que desperte o interesse dos alunos, como visto nas falas dos estudantes G1 e B2. Aprender assim faz algum sentido, só decorar pra prova a gente se esquece - (G1); Com esse projeto agora ficou interessante estudar o corpo humano - (B2). É fato, que o tema relacionado à reprodução e à sexualidade humana, por si só, é de grande interesse e relevância social na faixa etária em que os alunos participantes se encontravam, contribuindo assim, para o entusiasmo deles (Brasil, 2017). Não obstante, a abordagem CTS ao fazer uso da problematização do contexto social que os estudantes estão imersos, retratando situações reais, torna mais significativa a aprendizagem dos conceitos científicos e melhora o entendimento dos mesmos (Santos; Mortimer, 2001). 4.2. SENSIBILIDADE AO PROBLEMA O ensino de Ciências que visa a compreensão dos conceitos científicos e a preparação para a participação ativa na sociedade, necessita de uma prática pedagógica que além de motivar, sensibilize quanto às problemáticas sócio-cientíticas locais ou globais, representando um ponto de partida nesse processo (Santos, 2001), como percebido nos excertos a seguir. Engravidar depende também de nossas escolhas, mas não podemos ignorar a realidade de adolescentes que não tiveram escolha, por isso queremos ajudá-las - (A2); Os jovens precisam se engajar em trabalhos como esses, pois tem muita energia e ideias que podem fazer a sociedade melhorar, então precisam descruzar os braços - (F3). Santos (2007) nos diz que entre os benefícios da utilização da abordagem CTS no ensino é o comprometimento desta em auxiliar a formação de indivíduos pensantes e reflexivos, responsáveis por suas atitudes e preocupados com o coletivo. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 17 4.3. EXPRESSÃO CRÍTICA DE OPINIÃO Aqui, vale reforçar que a abordagem CTS auxilia a construção do conhecimento, propiciando o desenvolver habilidades e valores, ampliando a participação democrática por meio da expressão de opiniões (Santos; Mortimer, 2002), como as citadas a seguir. O poder público deveria ser responsável, mas devido a sua incapacidade, faz-se necessário que pessoas disponham-se para reduzir a necessidade dos desfavorecidos - (Y4);. Na nossa opinião, os alunos da ETRB podem colaborar, aproveitando suas redes sociais para divulgar o projeto e suas opiniões sobre o assunto - (C3); Para Krasilchik (1988), o processo de formação de um cidadão que seja capaz de decidir por si só, perpassa pelo desenvolvimento da capacidade de argumentação, que requer sinceridade e competência no desejo de convencer e de ser convencido em um debate de ideias. Santos (2007) discorre que a abordagem temática sob a perspectiva CTS contribuiu para desenvolvimento da capacidade de comunicação e argumentação, de participação nos debates e de negociações de visões de mundo diferenciadas na busca da compreensão da realidade. 4.4. DESENVOLVIMENTO DE APRENDIZAGENS ESSENCIAIS As atividades desenvolvidas na estratégia pedagógica, aqui compartilhada, propiciaram aprendizagens essenciais para o tema discutido, propostas pela Base Nacional Comum Curricurar, BNCC (Brasil, 2017), entre elas: [...] justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização do método contraceptivo mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). (p. 349), como observado nos depoimentos a seguir: Antes de transar pela primeira vez, o certo é conversar logo sobre a camisinha, porque na nossa idade não temos condições de colocar filho no mundo, nem quero pegar gonorreia de ninguém – A5. Tem adolescente que não se previne e vive tomando pílula do dia seguinte, isso não é nada inteligente. Se o garoto não quer usar camisinha, imagina que vai assumir um filho – H2. Segundo a BNCC (2017), é fundamental que os estudantes, ao terminarem o Ensino Fundamental, “[...] tenham condições de assumir o protagonismo na escolha de posicionamentos que representem autocuidado com o corpo do outro, na perspectiva de cuidado integral à saúde física, mental, sexual e reprodutiva.” (p. 327). 4.5. PENSAMENTO LÓGICO E RACIONAL PARA RESOLVER PROBLEMAS REAIS A compreensão dos conceitos científicos e aspectos dessa cultura são essenciais à construção do conhecimento, mas, não representa a totalidade da intenção do letramento, já que este está relacionado ao desenvolvimento da capacidade de atuação social, imprescindível ao exercício da cidadania (Santos; Mortimer, 2001), esta, precedida pela capacidade de compreender, interpretar e formularideias científicas em uma variedade de contextos, (Brasil, 2017), dentro de um pensamento lógico e racional, como a seguir. Se uma adolescente não sabe o que é ciclo menstrual, não saberá quando tem risco de gravidez, assim não sabe evitar – P4. Pela imaturidade de nossa idade, não devemos brincar com fogo só por curiosidade, porque a gente pode se queimar, fica a dica – H1. A abordagem CTS aponta para um ensino que vai além da meta de aprendizagem de conceitos e de teorias relacionadas com conteúdos canônicos, possibilita um ensino que tenha uma validade cultural, para além da validade científica (Santos, 2012). Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 18 4.6. TOMADA DE DECISÕES COM ATITUDE CRÍTICA Entre as habilidades desenvolvidas por um ensino apoiado teoricamente na abordagem CTS, está a tomada de decisão para uma ação social responsável (Santos; Mortimer, 2001), revelada aqui no empenho dos alunos em ações concretas e em intenções de intervenções sobre as problemáticas inicias, como visto pelas falas abaixo. Já que não podemos doar leite materno, vamos arrecadar frascos – L5. Podemos formar um blog de discussão permanente sobre os diversos fatores que contribuem para que aconteça uma gravidez precoce – M1. O ensino de ciências deve promover aprendizagens que possibilitem que os alunos compreendam, expliquem e intervenham no mundo em que vivem (Brasil, 2017). Logo, a educação para ação social responsável visa preparar para tomada de decisões espontâneas e conscientes, no sentido de mudanças sociais que contribuam de alguma forma para qualidade de vida de toda a população. Mas, nem sempre é uma ação prática, amiúde, é apenas uma tomada de consciência do problema, um juízo crítico dos valores envolvidos na decisão, análise de custos e benefícios da ação, isso considerando a idade dos alunos e a capacidade de argumentar e defender pontos de vista (Santos; Mortimer, 2001). 4.7. INTERESSE EM ATUAR EM QUESTÕES SOCIAIS Nesta experiência, os alunos demonstraram manifestações sociais solidárias, reforçando que o ensino deve contribuir para o crescimento de todas as potencialidades dos estudantes, estimulando-os a projetarem-se como indivíduos participativos, críticos e solidários, o que presumimos que foi alcançado, como demonstram as falas a seguir. A reunião de pessoas com sentimento humanitário é capaz de realizar proezas, buscando oferecer um bem estar a pessoas menos favorecidas, que merecem dignidade – L2. Os alunos devem realizar um movimento que fique conhecido como hemorrede da ETRB, para conscientizar os alunos que se tornariam agentes responsáveis por encaminhar seus familiares e amigos maiores de 18 anos para doação de sangue e medula óssea. – Y3. Os valores que prevalecem num ensino com a abordagem CTS se conectam aos interesses coletivos e carências humanas, como fraternidade, solidariedade, consciência do compromisso social, respeito ao próximo e generosidade, aliados com o compromisso de construção de uma sociedade mais justa e igualitária. (Teixeira, 2003). Assim, os achados e desdobramentos do projeto superaram nossas expectativas, posto que, abriu espaço para discussão do que é preciso para promover a saúde individual e coletiva (Brasil, 2017), a maioria dos alunos participou com toda a sua totalidade, sua criatividade e emoções, e mostraram a potencialidade da abordagem CTS ao ensino de ciências, como instrumento facilitador de um ensino com perspectiva de educar para uma cidadania ética e responsável. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabendo que a adolescência é período de mudanças, buscas, interação, maturação crítica e vulnerabilidade, é certo o investimento em educação para cidadania. Assim, a abordagem CTS é recurso útil, pois viabiliza o desenvolvimento de competências, habilidades e valores necessários para imisção no âmbito pessoal e em sociedade, capacidade alusiva ao letramento científico, gerando nos alunos a avidez de ir além, na busca do conhecimento, dando nexo aos conceitos, melhorando a autoestima e levando-os a um protagonismo que ultrapassa a escola, com benesses práticas para a vida deles e para sociedade. Todavia, é grande o desafio, pois o ensino tradicional e descontextualizado, apenas verbaliza saberes absolutos e incontestáveis, e aos alunos, em sua participação passiva, fica apenas memorizá-los, e essa ação pedagógica acrítica é sem dúvida muito menos trabalhosa, uma vez que não tem empenho com uma aprendizagem significativa. Assim, a experiência relatada é convite à reflexão sobre a importância da escola como espaço legítimo de formação para cidadania e da colaboração significativa do ensino de ciências para formação cidadã na formação de indivíduos, consciente e atuantes no quesito transformação social. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 19 REFERÊNCIAS [1] Brasil. Base nacional comum curricular: brasília, df, 2017. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#fundamental. Acesso em 16/07/2019. [2] Lei federal n 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação.- ldb. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 25/07/19. [3] Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / secretaria de educação fundamental. – brasília : mec/sef, 1998. 174 p. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em 25/07/19. [4] Delizoicov, d.; angotti, j. A. P. Metodologia do ensino de ciências. São paulo: cortez, 1990. [5] G1 globo, revista. Banco de leite da santa casa do pará está com estoque baixo. (publicado em 31/10/2016). Disponível http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/10/banco-de-leite-da-santa-casa-do-para-esta-com-estoque-baixo.html. Acesso em 31/10/2016. [6] Pará é o estado com maior número de grávidas com idade entre 10 e 19 anos. (publicado em 11/01/2016). Disponível http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/01/para-e-o-estado-com-maior-numero-de-gravidas-com-idade-entre- 10-e-19-anos.html. Acesso em 12/01/2016. [7] Krasilchik, m. Ensino de ciências e a formação do cidadão. Em aberto, brasília, ano 7, n. 40, out./dez, 1998. [8] Krasilchik, m.; marandino, m. Ensino de ciências e cidadania. 2. Ed. São paulo: moderna. 87p., 2007. [9] Lima, m. E. C. C.; geraldi, c. M. G.; geraldi, j. W. O trabalho com narrativas na investigação na educação. Educação em revista, v. 31, n.01, p. 17-41, 2015. [10] Oliveira, m. M. Como fazer pesquisa qualitativa. 5ed. Petrópolis, rj: vozes, 2013. [11] Oms (organização mundial da saúde). Constituição da organização mundial da saúde. 1946. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/oms-organizacao-mundial-da-saude/constituicao-da-organizacao- mundial-da-saude-omswho.html. Acesso 17/07/19. [12] Saúde reprodutiva de adolescentes: uma estratégia para ação. Genebra: organização mundial da saúde, 1989. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_uel_cien_artigo_ norma_rogeria_moreno_martins.pdf. Acesso em 25/07/19. [13] Santos, w. L. P. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas cts em uma perspectiva crítica. Ciência & ensino, v. 1, 2007. [14] Educação cts e cidadania confluências e diferenças. Amazônia - revista de educação em ciências e matemáticas v.9, n. 17, p. 49-62, 2012. [15] Santos, w. L. P.; mortimer, e. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de ciências. Ciência & educação, bauru, v.7, n.1, p.95-111, 2001. [16] Santos, w. L. P.; schnetzler, r. P. Ciência e educação para a cidadania. In: attico, i. C.; oliveira, r. J. (org.). Ciência, ética e cultura na educação. São leopoldo, p. 255-270, 1998. [17] Teixeira, p. M. M. Movimento cts e suas proposições para o ensino de ciências. In: (org.). Temas emergentesem educação científica. 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Diversos estudos tem mostrado que os insetos encontrados nas cenas de crime são capazes metabolizar substâncias presentes nos tecidos em decomposição, como drogas lícitas e ilícitas, podendo levar a alterações na taxa de desenvolvimento do inseto. Estes dados tem relevância na determinação da causa e do tempo de morte da vítima, podendo indicar morte por overdose de medicamentos. O objetivo desse estudo foi testar a toxicidade do Ibuprofeno® em larvas de Chrysomya megacephala (Fabricius, 1794) (Diptera; Calliphoridae). Foram testadas cinco concentrações diferentes de Ibuprofeno® (50 mg, 100 mg, 300 mg, 400 mg e 600 mg), além do controle. Para cada tratamento, utilizou-se 120 neolarvas. Os resultados mostraram menor viabilidade larval à medida que as concentrações aumentavam (38%, 52%, 16%, 8% e 5%), enquanto que o controle apresentou a maior viabilidade (75%). Foi observado escurecimento corpóreo e melanização nas larvas tratadas com o medicamento. Houve formação de pupa com formato irregular no tratamento de 50 mg. A emergência de adultos foi menor se comparado ao número de pupas formadas. Os adultos emergidos dos tratamentos de 300, 400 e 600 mg apresentaram asas e pernas atrofiadas, coloração escurecida e abdômen incompleto. Após análises, foi verificado diferença estatística entre os tratamentos e o controle, sugerindo que a ingestão de Ibuprofeno® por larvas de C. megacephala pode alterar a estimativa do intervalo pós- morte, quando este inseto for utilizado para perícia. Palavras-chave: entomologia forense, intervalo pós-morte, decomposição, anti- inflamatório, desenvolvimento larval, insetos necrófagos. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 21 1. INTRODUÇÃO A Entomologia Forense aplica o estudo do ciclo de vida dos insetos a procedimentos jurídicos específicos, como auxílio na resolução de crimes (1). A Entomologia Forense é dividida em três áreas: 1) Urbana, 2) Produtos estocados e 3) Médico-Legal (2). Na Entomologia Médico-Legal, a presença de insetos necrófagos nos cadáveres humanos pode fornecer informações importantes nas investigações criminais, e por isso, cada vez mais vem sendo utilizado para determinar o intervalo pós-morte (IPM). O intervalo pós-morte é o período de tempo entre a ocorrência da morte e o momento que o corpo é encontrado (3), sendo uma importante ferramenta para reconstrução dos eventos do crime (4). A entomologia forense é usada especialmente em casos onde o corpo é encontrado após um longo tempo desde a morte, sendo afetado pelo processo de putrefação (5). A Chrysomya megacephala (Fabricius, 1794), popularmente conhecida como mosca-varejeira, pertencente à família Calliphoridae, tem importância ecológica e médico-sanitária pois são decompositores da matéria orgânica (6). Seus adultos ocupam diversos habitats, suas larvas estão associadas à decomposição da matéria orgânica e à miíases em animais e humanos (7). A C. megacephala é originária do Oriente, Australásia, África do Sul e regiões do Sudeste Paleartico (8). Sua distribuição na região neotropical se deu nos países da América Latina, como na Argentina, Grandes Antilhas, Jamaica, Porto Rico e Brasil (9). Ela chegou ao Brasil por volta da década de 1970 através de navios com refugiados angolanos (10). Atualmente, encontra-se amplamente distribuída por todo o país, desde áreas urbanas, rurais e florestais (11, 12). Em coletas realizadas no município de Maringá-PR, de três espécies de Calliphoridae, a C. megacephala foi de maior frequência no período de um ano (13). O desenvolvimento da C. megacephala é do tipo holometábolo, com fases de ovo, larva, pupa e adulto (14). No entanto, há diversos fatores interferentes que podem levar à alteração do ciclo de vida, como fatores ambientais (15), e, no caso da entomologia médico-legal, a presença de substâncias tóxicas (16). Drogas legais e ilegais presentes nos tecidos em decomposição podem ser incorporados ao metabolismo do inseto, sendo uma alternativa para a identificação de substâncias exógenas, essa também conhecida como entomotoxicologia. Após serem metabolizadas, essas substâncias podem afetar o tempo de desenvolvimento do inseto necrófago, indicando por exemplo, uma morte por overdose. Assim, surge a necessidade de estudos sobre os efeitos causados por certas drogas no desenvolvimento dos insetos, uma vez que uma análise incorreta pode gerar dados imprecisos, consequentemente afetando a estimativa do IPM, caso essa seja baseada no ciclo de vida do inseto (17). Inúmeras substâncias podem alterar o desenvolvimento de larvas, como a cocaína, que acelera o desenvolvimento larval em moscas da família Sarcophagidae e Calliphoridae (18, 19). Antibióticos podem levar a redução na taxa de desenvolvimento e na sobrevivência larval (20). Tranquilizantes levam ao aumento do desenvolvimento larval e interferem atrasando a pupação e emergência da mosca adulta (21). O Paracetamol, em larvas da espécie Calliphora vicina, levou a um crescimento larval entre o segundo e quarto dia do experimento, ocasionando uma diferença de aproximadamente 12 horas na estimativa do IPM (22). O Ibuprofeno® é um anti-inflamatório não-esteróide, que inibe a produção de prostaglandinas, gerando ação anti-inflamatória, analgésica e antipirética. Ele é derivado do ácido iso-butil-propanoico-fenólico (nome químico alfa-metil-[4-(2-metilpropil) fenil] ácido propanoico) (23), e seu princípio ativo está presente em diversos remédios genéricos (24). É comercializado mundialmente (25), e tem sua venda livre no Brasil. Entretanto, o Ibuprofeno é um remédio que pode ocasionar inúmeros efeitos colaterais (26). Através de dados contidos no Danish Cardiac Arrest Registry, foi relatado que, das 28.947 pessoas que tiveram um ataque cardíaco no período de 2001 a 2010, 3.376 pessoas (11,7%) usaram um anti- inflamatório não-esteróide (AINEs) pelo menos 30 dias antes do ataque cardíaco (27). Diversos AINEs – inclusive o Ibuprofeno – estão associados ao aumento do risco de ataque cardíaco em até 30% (28). Dados recentes, indicam que o uso de ibuprofeno pode ser prejudicial à pacientes que estão infectados com o SARS-CoV-2, devido ao aumento do receptor ACE2, responsável pela infecção do novo corona vírus (29). Arecomendação deste medicamento é de 600 mg por dose e 3.200 mg diários. Os sintomas de superdose mais frequentes são náuseas, vômitos, letargia, sonolência, sedação e convulsões, além de coma, insuficiência renal aguda, parada respiratória e toxicidade cardiovascular (26). Não há registro de estudos sobre a influência do Ibuprofeno® em larvas de C. megacephala, evidenciando a necessidade de estudos sobre o desenvolvimento do ciclo de vida desse inseto na presença desse medicamento, visando obter dados que possam evitar erros na estimativa do intervalo pós-morte (IPM). Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 22 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. INSETO Larvas de Chrysomya megacephala em primeiro instar, foram coletadas de forma aleatória da criação mantida no Laboratório de Controle Biológico, Morfologia e Citogenética de Insetos na UEM. Seguiu-se a transferência de neolarvas para potes plásticos de 500 mL contendo dieta artificial constituída de leite em pó (12 g), levedo de cerveja (12 g), ágar (0,96 g), caseína (0,6 g) , nipagim (0,24 g) e água destilada (30), na proporção de 1 grama por larva (31). As larvas foram mantidas durante todo o experimento em estufa do tipo BOD Tecnal TE-401, com temperatura de 26 ± 2°C, fotoperíodo de 12:12 horas (D:N) e umidade relativa de 70± 10%, sendo oferecido dieta artificial contendo Ibuprofeno®. Após atingirem o estágio de pupa, foram repassadas para potes com serragem até a emergência dos adultos. 2.2. IBUPROFENO Ibuprofeno®, da marca Prati-Donaduzzi, com registro de Nº1057305790012, autorização Nº1005739 e processo Nº25351.691152/2018-96 na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, de lotes 19A527, 19F220 e 19G125, foi utilizada na forma de comprimido com concentração de 600 mg (excipientes: dióxido de silício, lactose, celulose microcristalina, croscarmelose sódica, povidona, estearato de magnésio, polímero do ácido metacrílico, macrogol e dióxido de titânio). Os bioensaios foram: 0 mg (controle), 50 mg, 100 mg, 300 mg, 400 mg e 600 mg. Para a dose de 600 mg foi utilizado um comprimido inteiro, enquanto para as menores concentrações os comprimidos foram triturados, seguindo-se a pesagem em milimigramas sendo acrescentados à dieta artificial ainda líquida para se processar a mistura do medicamento. Para cada concentração foi utilizado 120 neolarvas, divididas em 6 réplicas (pote 1, 2, 3, 4, 5 e 6), totalizando 720 larvas. O crescimento e alterações no desenvolvimento larval foram observados e analisados a cada 24 horas, até a fase pupal finalizada com a emergência dos adultos. Para a viabilidade larval foi considerado o número de pupas formadas, e para viabilidade pupal foi considerado o número de adultos emergidos. 2.3 .ANALISES ESTATÍSTICAS E MALFORMAÇÕES As análises estatísticas dos dados obtidos foram realizadas através da análise Anova para comparações múltiplas de Tukey, pelo software RStudio. As malformações foram observadas com auxílio do microscópio estereoscópico Zeiss, procedendo-se a identificação, documentação e análises estatísticas. 3. RESULTADOS Durante o desenvolvimento larval, as primeiras larvas de terceiro instar que saíram do substrato em busca de sítio de pupação foram as do controle, que empuparam com 96 horas após o início do experimento (FIG. 1). As concentrações de 50 mg e 100 mg apresentaram pupas com 120 horas após o tratamento. O tratamento de 300 mg apresentou formação de pupas após 168 horas e o tratamento de 400 mg após 192 horas. Já a maior concentração (600 mg) apresentou seu pupário somente após 216 horas. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 23 FIG. 1 – Larvas e pupas de Chrysomya megacephala com 96 horas de experimento. A) Controle; B) 50 mg; C) 100 mg; D) 300 mg; C) 400 mg; E) 600 mg. Foi observado, durante o desenvolvimento larval, melanização da hemolinfa ao longo do corpo e a presença de melanização em larvas de C. megacephala, exceto no controle (FIG. 2). FIG. 2 – Melanização e escurecimento em larvas de Chrysomya megacephala. A) 50 mg após 120 e 168 horas, B) 100 mg após 144 e 168 horas, C) 300 mg após 168 horas, D) 400 mg após 168 horas, e E) 600 mg após 192 horas. Apenas uma pupa, do tratamento de 50 mg de Ibuprofeno®, apresentou malformação (seta) (FIG. 3). As demais não tiveram malformações. FIG. 3 – Pupas de Chrysomya megacephala em diferentes horas. A) Controle; B) 50 mg; C) 100 mg; D) 300 mg; E) 400 mg; F) 600 mg. A emergência das moscas se deu primeiramente no grupo controle, com 168 horas de experimento. Em seguida, as concentrações de 50 mg e 100 mg apresentaram emergência com 192 horas de tratamento. Nas concentrações de 300 mg e 400 mg, as moscas emergiram com 240 horas de tratamento, e por último, a concentração de 600 mg apresentou sua única mosca emergida com 264 horas de tratamento. Foi relatado má formação dos adultos nos tratamentos de 300 mg, 400 mg e 600 mg, onde apresentaram tamanho reduzido, coloração escura, pernas e asas atrofiadas e abdome incompleto (FIG. 4. D, E e F). Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 24 FIG. 4 – Adultos emergidos de Chrysomya megacephala. A) Controle; B) 50 mg; C) 100 mg; D) 300 mg; E) 400 mg; F) 600 mg. A análise estatística mostrou que a sobrevivência das larvas e das pupas de C. megacephala foram menores na presença de Ibuprofeno® do que no controle. Além disso, essa sobrevivência foi independente da concentração de Ibuprofeno®, ou seja, em todas concentrações a sobrevivência foi menor do que no controle, tanto para as larvas (f=60.2, P < 0.001; FIG. 5.A), quanto para as pupas (f=60.3, P < 0.001; Figura 5.B). Também foi observado que, à medida que os miligramas de Ibuprofeno® aumentavam, a sobrevivência diminuía, exceto na concentração de 100 mg, que apresentou sobrevivência larval e pupal maior que da concentração menor, de 50 mg (FIG. 5. A e B). As comparações múltiplas de Tukey, mostraram que com relação a sobrevivência larval a concentração de 50 mg diferiu das concentrações de 300 mg, 400 mg e 600 mg, mas não da concentração de 100 mg, que diferiu das concentrações de 300 mg, 400 mg e 600 mg (Tabela 1). As comparações múltiplas de Tukey mostraram, em relação a sobrevivência pupal, resultados semelhantes a sobrevivência larval, exceto que 50 mg também diferiu de 100 mg. As concentrações de 300 mg, 400 mg e 600 mg não diferiram para larvas e pupas. FIG. 5 – A) Viabilidade larval de Chrysomya megacephala pós ingestão de Ibuprofeno®; B) Viabilidade pupal de Chrysomya megacephala pós ingestão de Ibuprofeno®. Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 25 Tabela 1. Viabilidade larval e pupal de Chrysomya megacephala (Fabricius, 1794) expostas a diferentes concentrações de Ibuprofeno®. Valomédio (±desvio padrão). Tratamento Viabilidade Larval Viabilidade Pupal Controle 15 (±1,789)a 14,67 (±1,633)a 50mg 7,5 (±2,589)b 6,33 (±2,658)b 100mg 10,33 (±2,160)b 9,67 (±2,422)c 300mg 3,167 (±1,722)c 2,67 (±1,633)d 400mg 1,5 (±1,378)c 1,0 (±1,095)d 600mg 0,167 (±0,408)c 0,167 (±0,408)d Comparações múltiplas de Tukey. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significantes. 4. DISCUSSÃO A diferença estatística entre os tratamentos e o controle foi significativa, tanto para viabilidade larval (f=60.2, p<0.001) quanto para viabilidade pupal (f=60.3, p=<0.001), apontando que o Ibuprofeno® causou algum tipo de efeito sobre o desenvolvimento das larvas e pupas da C. megacephala. Resultado semelhante também foi observado (F=3,988; p˂0,0005) por Santos (32) após larvas de C. megacephala ingerirem substrato contendo anticoncepcional humano Ciclo 21. As primeiras pupas foram formadas pelo grupo controle, com 96 horas de desenvolvimento, seguido dos tratamentos de 50 mg e 100 mg, que apresentaram pupário com 120 horas de tratamento. Nas concentraçõesmais altas de Ibuprofeno® (300 mg, 400 mg e 600 mg) as pupas levaram ainda mais tempo para aparecer (168 horas, 192 horas e 216 horas, respectivamente). Oliveira (33) relatou em tratamentos com Buscopan®, que tanto o controle quanto a menor concentração (0,25RLD) tiveram pupas de C. megacephala formadas com 96 horas e, a concentração seguinte (0,5RLD) formou pupas com 106 horas pós tratamentos, sugerindo que este medicamento pode alterar o ciclo de vida do inseto, influenciando no resultado do IPM. Quanto à mortalidade, as larvas de C. megacephala apresentaram mortalidade em todos os tratamentos com Ibuprofeno®, principalmente nas 3 concentrações mais altas (300 mg, 400 mg e 600 mg), com mortalidade larval de 84%, 92% e 95%, respectivamente, comprovando que esse medicamento afetou o desenvolvimento com uma alta mortalidade larval. Essa alta mortalidade também foi observado por Singh e Kumar (34), através da aplicação de piroproxifeno em ovos de C. megacephala em diferentes concentrações (50 μg/cm2 e 100 μg/cm2) e em diferentes tempos de exposição (1, 15, 30 e 60 minutos), onde observou alta mortalidade nos tratamentos de 50 μg/cm2 (24%, 24%, 31% e 37%) e de 100 mg (66%, 57%, 47% e 19%) em todos os tempos de exposição. A mortalidade também foi alta (100% no tratamento de 2RLD), no trabalho de Oliveira (33) indicando que altas doses dessa droga estão relacionadas com elevada mortalidade, especialmente durante o estágio larval. Foi observado, que o Ibuprofeno®, na menor concentração (50 mg) teve maior taxa de viabilidade larval (38%), quando comparado com a maior concentração (600 mg), que apresentou a menor viabilidade larval (5%), conforme aumentou a concentração, menor foi a viabilidade larval e pupal. Thyssen e Grella (3), estudando a exposição de larvas de Chrysomya putoria ao fármaco escopolamina, observaram um decréscimo da viabilidade larval à medida que as concentrações de escopolamina aumentavam. Isso fica claro quando observamos que para a menor concentração (0,25 X DL), a viabilidade é de 93.2%, enquanto para que a maior concentração (1 X DL) é de apenas 69.2%. Em relação às duas menores concentrações de Ibuprofeno®, de 50 mg e 100 mg, a de 100 mg apresentou taxa de sobrevivência larval maior (52%) e a de 50 mg (38%), porém todas elas apresentaram taxa de sobrevivência menor que a do controle (75%), sugerindo que a presença desse fármaco provavelmente reduz a viabilidade larval. O mesmo foi relatado por Almeida (35), onde utilizando o quimioterápico Genuxal®, a maior concentração (500 mg/kg) apresentou maior média de sobrevivência larval (5,5) do que a concentração anterior (50 mg/kg), que apresentou menor média de sobrevivência (4,8). Trivia e Pinto (36) também relataram essa diferença, utilizando methotrexato na dieta larval, onde a concentração de 2 IIpD teve sobrevivência larval menor (46.33%) do que a maior concentração (4 IIpD, com uma sobrevivência larval de 52.33%). No caso do estudo feito por Lima (37), testando MDSMA (ecstasy) em C. megacephala, obteve-se uma taxa de sobrevivência larval maior na concentração de 1xDT (88%), seguido do controle (80,7%), 5xDT (77,3%) e 2xDT (58,7%), ou seja, a menor concentração apresentou sobrevivência larval maior que o próprio controle, e a maior concentração (5xDT) apresentou taxa de Série Educar – Volume 32 – Ciências, Biologia, Meio Ambiente 26 sobrevivência maior que a concentração intermediária (2xDT), no entanto, apesar disso, esse estudo pode sugerir que a presença de ecstasy na dieta tenha aumentado a viabilidade larval. Não foi encontrado nenhuma explicação sobre esse fato. Larvas de C. megacephala, após se alimentarem de dieta acrescida com Ibuprofeno®, apresentaram escurecimento e possível melanização corporal, seguida de morte. Hatem (38) após testar o extrato de etanol de algas verdes em C. megacephala, também verificou escurecimento larval e um intermediário larval-pupal melanizado, resultado semelhante ao presente trabalho com Ibuprofeno®. Uma possível explicação para esse resultado é que esses compostos podem induzir uma desorganização das bandas claras e escuras dos músculos larvais, gerando essa melanização. Em relação à emergência dos adultos, no presente estudo, as moscas do controle emergiram após 168 horas, enquanto que nas concentrações de 300 mg, 400 mg e 600 mg emergiram após 240, 240 e 264 horas, respectivamente. Resultados semelhantes foram relatados por RASHID e colaboradores (39), utilizando carcaça de rato contaminado com Malathion, tendo observado que as larvas expostas ao inseticida completaram seu desenvolvimento após 240 horas, enquanto o controle completou após 168 horas. Isso pode significar que o malathion foi metabolizado pela larva, e que esse inseticida em seu corpo atrasou seu desenvolvimento em 72 horas. Possivelmente o mesmo tenha acontecido no presente trabalho com Ibuprofeno®, onde as larvas provavelmente metabolizaram a droga, retardando a empupação, o que pode ter ocasionado elevada mortalidade larval. Houve redução de adultos emergentes nos grupos tratados com Ibuprofeno®, pois na concentração de 50 mg, de 45 pupas somente 38 emergiram, o mesmo ocorrendo com a concentração de 100 mg, onde de 62 pupas, somente 58 emergiram. Trivia e Pinto (36) também observaram uma diminuição na sobrevivência pupal no tratamento com Methotrexato (MTX). Nos grupos tratados com as maiores concentrações desse quimioterápico (2 IIpD e 4IIpD), a viabilidade larval foi de 46.33% e 52.33%, respectivamente, entretanto a viabilidade pupal diminuiu, apresentando valores de 21% e 24.33%, respectivamente. Shamsuddin et al (40) observaram por cromatografia, que o Diclofenaco, pós alimentação larval em dieta artificial acrescida com a droga, estava presente em pupas de C. megacephala. Na concentração de 4.5 mg/g foi detectado 73.50 µg/g da droga nas pupas tratadas, e na maior concentração (7.0 mg/g) foi detectado 72 µg/g do remédio. É possível que o Ibuprofeno® também estivesse presente nas pupas de C. megacephala, o que pode ter afetado na metamorfose para adulto, impedindo a emergência. Houve presença de moscas malformadas após tratamento com Ibuprofeno®, nas concentrações de 300 mg, 400 mg e 600 mg, e moscas emergidas apresentaram redução de tamanho, asas atrofiadas e coloração escura, além da malformação em apenas uma pupa na concentração de 50 mg. Hatem (38) observou pupa curvada após testar o extrato de etanol de algas verdes em C. megacephala. BARROS et al (41) observaram malformações em adultos de Cochliomya hominivorax após contato com homeopáticos (Sulfur 12cH e Pyrogeno 12 cH) e Nosode (8cH e 12Ch). As moscas malformadas apresentaram redução do tamanho, abdome incompleto, cabeça aberrante ou pernas atrofiadas. Os autores explicaram que o mecanismo de ação desses homeopáticos podem estar relacionados com as malformações, sugerindo que esses mecanismos promoveram um desequilíbrio na sinalização celular responsável pelo controle das transformações de tecidos que ocorrem durante a metamorfose. Esta também seria uma possível explicação para os resultados do presente trabalho, onde as malformações seriam um resultado de uma ação de desiquilíbrio celular causada pelo Ibuprofeno® durante a metamorfose. A presença de Ibuprofeno®, em diferentes concentrações, na dieta de Chrysomya megacephala apresentou alterações no desenvolvimento do inseto em relação a viabilidade larval e pupal e também no tempo de desenvolvimento. Estes resultados reforçam a necessidade de se identificar a presença deste medicamento em casos onde se utiliza C. megacephala para o IPM, com objetivo de realizar a correta estimativa do intervalo pós-morte. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à Msc. Stefany Rodrigues de Oliveira, por ter iniciado a criação das moscas no laboratório, e ao Msc. Bruno Vinícius Daquila e Msc. Dieison André Moi por terem auxiliado na estatística deste experimento. Série Educar – Volume 32 – Ciências,
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