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Módulo 4 - Exames em vidros Apresentação do módulo O exame em vidros rompidos por projéteis em locais de crime possui peculiaridades e características singulares. Pela análise da ruptura, muitas informações importantes para a compreensão da dinâmica da cena de um crime podem ser obtidas, como a direção e sentido dos disparos e, no caso de mais de um disparo, independente do sentido, o estabelecimento da ordem cronológica destes disparos. Os exames dos cones de fratura e das linhas de fraturas (radiais e concêntricas) podem representar os únicos vestígios materiais capazes de esclarecer a dinâmica de um fato delituoso, quando este aconteceu dentro de um veículo. Alguns aspectos nos exames de vidros rompidos por projéteis merecem especial atenção, como os vidros laminados, comumente utilizados em veículos. Neste caso, a utilização de produto sintético na laminação resulta em um comportamento com características próprias, que pode representar cuidados a serem adotados quando do exame pericial. Outro ponto de destaque são os vidros utilizados em veículos blindados. Os vidros utilizados nesses veículos são resistentes aos impactos de projéteis de armas de fogo, uma vez que não existem vidros totalmente blindados. Para a análise desses vidros é necessário seguir padrões normativos, como por exemplo os que são adotados pelo National Institute of Justice (NIJ) - EUA. Neste módulo você estudará sobre esses exames. Objetivo do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Identificar o sentido da força que produziu a ruptura no vidro, pela análise do cone de fratura; Identificar a inclinação dessa trajetória do projétil pela análise do cone de fratura e pela distribuição das linhas radiais e concêntricas; Estabelecer a ordem cronológica dos disparos, no caso de placas de vidro atingidas por mais de um projétil; Conhecer outros métodos para confirmar a trajetória, caso a análise menos acurada do cone de fratura conduza a enganos pela plasticidade do material sintético que o forma; Identificar as falsas zonas de tatuagem e esfumaçamento deixadas nas lesões pela interação entre projétil e vidros rompidos; Reconhecer os cuidados a serem tomados quando o local é fruto de incêndio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Exames de vidros em locais de crime Aula 2 – Exames em superfícies transversas Aula 3 - Fratura em lâminas de vidro por projéteis com baixa velocidade Aula 4 – Falsa tatuagem Aula 5 – Outros pontos importantes em relação a exames em vidros Aula 1 - Exames de vidros em locais de crime O exame de vidros fraturados em locais de crime permite conhecer detalhes importantes para a determinação da dinâmica de um evento, além de possibilitar, em muitos casos, a identificação presumida dos autores. Mesmo que os vidros, como geralmente ocorre nos locais de crime, apresentem-se reduzidos a fragmentos (produzidos a partir de vidraças de janelas, garrafas ou copos, dentre outros objetos), certamente, parte desses fragmentos poderá estar aderida ou mesmo incrustada, temporariamente, às roupas, nos sapatos ou no próprio corpo do suspeito. Da mesma forma que fragmentos de faróis, para-brisas ou retrovisores, em muitos casos, permitem identificar a marca e o modelo do veículo envolvido em ocorrência de trânsito, a justaposição destes fragmentos, previamente coletados no local do fato, com as partes restantes presas ao veículo envolvido também possibilitará várias informações, principalmente, quando justaposição, que aquele veículo em particular foi o veículo envolvido na ocorrência em apuração. Vale ressaltar, ainda, que as placas de vidro são suportes ideais para a coleta de impressões digitais ou a deposição de outros vestígios, como resíduos secundários de disparos, poeiras e outros. A interação de projéteis de armas de fogo e placas de vidro apresenta características singulares de grande interesse para os peritos em locais de crime, pela determinação de elementos essenciais para a compreensão da dinâmica do fato ocorrido, tais como o sentido do disparo, a ordem destes disparos, dentre outros dados importantes. Essas interações serão estudadas neste módulo. 1.1 Interação de projéteis contra placas de vidro Determinar o sentido de aplicação da força que resultou em partir uma placa de vidro, durante o levantamento de um local de crime, ou a ordem cronológica dos disparos quando diversos projéteis atingem uma mesma vidraça, constituem-se em questões muito importantes para estabelecer a dinâmica do ocorrido. Geralmente, um projétil, ao atravessar uma placa de vidro em alta velocidade, produzirá ali uma perfuração de bordas tendentes a regulares, com o formato que irá variar conforme o ângulo de disparo, apresentando, ainda, linhas de fraturas radiais e concêntricas, entre outras características. Nos casos de um projétil que esteja no final de sua trajetória quando atinge a placa de vidro, animado com baixa velocidade, em função do maior tempo de contato com o vidro, ele comporta-se como a maioria dos objetos de massa considerável e pequena quantidade de movimento, resultando, muitas vezes, no estilhaço da placa de vidro. Contudo, podem apresentar um comportamento ligeiramente diferenciado, como será estudado mais a frente. Nos casos de disparos efetuados com a boca do cano da arma relativamente próxima da placa de vidro pode, também, verificar-se a ruptura estilhaçada, em função da súbita liberação dos gases oriundos da queima de propelentes, exercendo uma pressão não mais concentrada sobre um ponto, porém distribuída devido à expansividade dos gases. 1.1.1 Sentido e trajetória do disparo Quando do impacto de projéteis de armas de fogo contra lâminas de vidro, geralmente, observa-se como resultado dessa transfixação uma figura espacial semelhante a um tronco de cone na superfície onde ocorreu o impacto, produzindo um orifício cujo diâmetro é significativamente menor do que o orifício verificado por ocasião da saída na mesma placa de vidro. Na fotografia 47 verifica-se, em primeiro plano, um orifício de maior diâmetro, característico do plano de saída da placa de vidro, (indicado com seta e a letra A e ainda, o tronco de cone e a regularidade do orifício no plano de entrada indicado com a letra B). Nos casos de impactos diretos, sem que o projétil tenha sofrido impactos anteriores, com uma trajetória praticamente em ângulo reto com a placa de vidro, tanto o orifício de entrada quanto o orifício de saída apresentam um formato tendente a circular. Fotografia 47. Foto operada em exame de local do ICDF, de propriedade daquele Instituto, que mostra lâmina de vidro atingida por disparo de arma de fogo cujo plano fotográfico mostra a saída do projétil de arma de fogo. Fotografia 48. Foto operada em exame de local do ICDF, de propriedade daquele Instituto, que mostra tanto o orifício de entrada quanto o orifício de saída, com lâmina de vidro atingida por disparo de arma de fogo, cujo plano formato tendente a circular. Quando a trajetória do disparo for oblíqua à placa de vidro, os orifícios verificados na entrada e saída dessa placa apresentarão formato tendente a elíptico. A inclinação da trajetória pode ser inferida em função dos eixos da elipse. Observa-se que a menor porção do eixo maior (dividindo-a em eixos ortogonais, o quadrante de menor propagação de fraturas e de menor raio) está orientada no mesmo sentido desta trajetória e, ainda, que a maior perda de material constituinte, na superfície contrária ao impacto (saída) se dará no vértice oposto à posição do atirador. Veja a figura 3. Independente do ângulo do disparo, a consideração a respeito do maior diâmetro observadona saída do que na entrada permanece válida, variando apenas o formato da figura quando vista no plano. Como regra geral, é fácil determinar a direção de onde partiu o disparo que transfixou uma placa de vidro, considerando que o orifício produzido pela passagem de projétil de arma de fogo será sempre maior no lado onde ocorreu a saída. Especificamente para o caso de projéteis de armas de fogo, as características básicas a serem analisadas, que deverão estar sempre presentes, em maior ou menor intensidade são: Sentido da Trajetória Figura 3 - Desenhada pelo autor. Nela, observa-se o formato elíptico do orifício e o sentido da trajetória, determinado pelos eixos da elipse. Cone de ruptura; Linhas de fraturas radiais (rupturas radiais); Linhas de fraturas concêntricas (rupturas concêntricas); Estude a seguir cada uma delas. A figura 2 Cone de ruptura Ao se aplicar uma força concentrada em um ponto, essa força gera na superfície circundante ao ponto de aplicação, um esforço de compressão que resulta em compelir, direcionar as estruturas moleculares para o ponto de aplicação da força. No lado oposto à superfície na qual se aplica a força, o esforço resultante é de tração, tendendo a afastar a estrutura molecular do ponto onde é aplicada a força. A dinâmica de esforços relatada é a que ocorre quando do impacto de um projétil de arma de fogo sobre uma placa de vidro. No ponto de impacto têm-se a aplicação da força na superfície que se verificou a entrada, nesse caso, o esforço é o de compressão; no lado oposto (o da saída), o esforço verificado é o de tração. Como resultado, observa-se uma ruptura de formato cônico, com maior perda de material no lado que se verifica o esforço de tração provocando o corte irregular (denteado) do vidro neste ponto. (cone de ruptura). Figura 4. Desenhada pelo autor. Nela observa-se o formato cônico do cone de ruptura. Logicamente, este resultado, embora ocorra com todos os vidros, só pode ser observado nas placas de vidro que permanecem nos seus suportes (esquadrias das janelas, borrachas dos automóveis, entre outros) ou apoiadas, sem se estilhaçar, apesar de perfuradas. A figura tendente a circular ou elíptica, decorre do movimento de rotação do projétil e, é observada em qualquer suporte. O cone de ruptura é observado também em outras superfícies ou suportes de disparo, como nos tecidos ósseos. Linhas de fraturas radiais (rupturas radiais) Na certa, você já observou em uma placa de vidro atingida por uma pedra, projétil ou outro objeto rígido lançado contra ela, rupturas que partem do seu centro em formas de raios e rupturas que mais lembrariam circunferências irregulares propagando-se a partir do centro, como uma pedra na água. Como consequência da aplicação de força concentrada, resultante da ação de um projétil de arma de fogo ou qualquer outro objeto, surgem no vidro linhas de fraturas, que podem se estender até pontos relativamente distantes do ponto de impacto. Na superfície oposta ao choque ocorre o esforço de tração, como já descrito, o que traz como resultado a formação de linhas de fraturas radiais. As linhas de fraturas radiais são fendas que Figura 5 Desenhada pelo autor. Nela observa-se o formato, ainda que cônico, irregular do cone de ruptura, ocasionado pela inclinação da trajetória. partem do ponto de aplicação da força em todas as direções. O formato dessas linhas se aproxima ao de um segmento de reta. O desenvolvimento das linhas de fraturas radiais ocorre em função do baixo módulo de flexão dos vidros, e pode ser explicado da seguinte maneira: Quando a placa de vidro recebe o impacto em uma das suas superfícies, a força aplicada ao tentar deslocar a placa de vidro no seu sentido de aplicação faz com que essa placa se flexione, deformando-a. Devido à sua baixa flexibilidade, ela se estilhaçará ao longo das linhas de fraturas radiais, começando pelo ponto onde fora aplicada a força (orifício de passagem do projétil de arma de fogo). Estas rupturas radiais se originam na superfície oposta do ponto de aplicação da força no vidro, porque é nesta superfície que surge o esforço de tração, causando um progressivo afastamento das moléculas até ultrapassar a coesão molecular, quando então ocorre a fratura. Linhas de fraturas concêntricas (rupturas concêntricas) Figura 6 - Desenhada pelo autor. Nela observa-se o deslocamento da placa de vidro e a formação das linhas de fratura. Enquanto estão sendo formadas as linhas de fraturas radiais, definem-se segmentos, compreendidos entre estas linhas, com formato semelhante a triângulos. Estes triângulos de vidro, formados entre as linhas radiais, também se curvam. Isso dá origem a um esforço de tração (antes somente compressão) na face frontal do vidro que, ao atingir o limite de flexibilidade, alcança a ruptura e causa a formação das linhas de fratura concêntricas. As linhas de fraturas concêntricas são rupturas de formato tendente a circular ou elíptico, conforme o ângulo de incidência, que circundam o orifício deixado pela passagem do projétil ou objeto que transfixou a placa de vidro. O conjunto das linhas de fraturas concêntricas apresenta o formato similar aos de propagação de ondas em meio líquido, causadas quando do impacto num ponto qualquer. As linhas de fraturas concêntricas originam-se na parte frontal do vidro, ou seja, no lado da superfície que sofreu o impacto. Pode-se afirmar que as rupturas radiais são formadas em consequência da ação e da força exercida pelo projétil. As linhas de fraturas concêntricas são ocasionadas, além da força, pela pequena elasticidade do vidro em face da pressão e das deformações definidas pelas fraturas radiais, sem as quais não ocorreriam. Fotografia 49. Foto operada em exame de local do ICDF, de propriedade daquele Instituto, que mostra as linhas de fraturas radiais e concêntricas. Como as fraturas concêntricas são formadas a partir das fraturas radiais, elas são limitadas por essas. Da mesma forma, na hipótese de uma placa de vidro ser atingida por mais de um disparo, as linhas de fraturas radiais do segundo disparo ficarão limitadas pelas linhas de fratura do primeiro disparo, no ponto de encontro dessas linhas. O mesmo se verifica com as linhas de um terceiro em relação ao segundo e ao primeiro. Este fato permite estabelecer uma cronologia dos disparos efetuados contra uma mesma lâmina de vidro, independente do sentido desses disparos, ou seja, mesmo que em sentidos opostos, é possível estabelecer a ordem cronológica dos disparos. Figura 7. Desenhada pelo autor. Mostra a interação das linhas de fraturas radiais sendo que as fraturas radiais do segundo disparo ficarão limitadas pelas linhas de fratura do primeiro disparo. Fotografia 50 Foto operada em exame de local do ICDF, de propriedade daquele Instituto, que mostra a interação das linhas de fraturas radiais, o sentido da força de produção de cada perfuração e a ordem dos disparos. A fotografia 50 foi operada do interior de um veículo, que se encontra em cima de um veículo reboque (guincho). Nela é possível definir o sentido da força de produção de cada perfuração e a ordem dos disparos. O mesmo pode ser observado na fotografia 51. Preste atenção na diferença dos cones de ruptura e na dificuldade em definir os encontros e origem das fraturas radiais. No entanto, é possível, apenas pela análise da fotografia estabelecer a ordem cronológica dos três disparos. Fotografia 51. Foto operada em exame de local do ICDF, depropriedade daquele Instituto, que mostra a interação das linhas de fraturas radiais, e a ordem dos disparos. O estudo dos fenômenos descritos nesta aula possibilita descobrir, dentre outras, as seguintes informações: Ponto do impacto; Sentido da força que produziu a perfuração dos disparos; Ângulo aproximado de incidência do disparo; A ordem cronológica das perfurações. Aula 2 - Exames nas superfícies transversas No exame da seção transversal de um fragmento de lâmina de vidro partido por força mecânica, verifica-se a presença de riscos, os quais começam perpendiculares em relação à superfície submetida a esforços de tração, e se curvam em relação à outra superfície; tais riscos são a propagação em escamas. Como você já estudou na aula anterior, o esforço de tração acontece na superfície oposta ao ponto de aplicação da força. O professor Eraldo Rabello comenta sobre a propagação em escamas: (...)verifica-se que a fratura se propaga, aparentemente, em forma de onda, e que o seu plano, pois não é liso, porém ondulado por uma sucessão de figuras em escama, de forma conchoidal, paralelas entre sí e de contorno parabólico, sendo uma das extremidades da parábola perpendicular e a outra paralela às superfícies respectivamente adjacentes da lamina fraturada. Estas linhas são sempre perpendiculares ao plano da placa de vidro pelo qual a fratura se iniciou, e paralelas ao plano oposto da referida placa; por isso, nas fraturas radiais elas são perpendiculares à face que fica em oposição à origem do tiro e nas fraturas concêntricas, perpendiculares a face voltada para aquela origem.(...) (RABELLO, 1995, p. 416) Outra marca superficial de significativo interesse são pequenos filetes retilíneos, com origem na superfície que sofreu o impacto, que se desenvolvem perpendicularmente a essa superfície, no mesmo sentido ao da aplicação da força. A presença desses filetes deve-se, na maioria das vezes, a esforços de cisalhamento1. Desta forma, fica evidente que esses 1 é um tipo de tensão gerado por forças aplicadas em sentidos iguais ou opostos, em direções semelhantes, mas com intensidades diferentes no material analisado. Exemplo: a aplicação de forças paralelas, mas em sentidos opostos. É a típica tensão que gera o corte em tesouras. são formados a partir da superfície onde foi aplicada a força. A análise dessas marcas permite determinar o sentido da trajetória mesmo a partir de fragmentos. (RABELLO, 1995). Muitas vezes, nos casos de vidros partidos por projéteis de armas de fogo, só restam os fragmentos e a grande maioria deles fora da moldura das janelas. Contudo, na maioria das vezes, é possível determinar qual a superfície voltada para o lado exterior pelos desgastes produzidos por intempéries, pela aderência de sujidades e pelo sol, que acabam tornando a superfície mais áspera. A análise das marcas e filetes presentes na seção transversal permite determinar o sentido dos disparos. Figura 8 - Figura ilustrativa desenhada pelo autor. Aula 3 - Fratura em lâminas de vidro produzida por projéteis com baixa velocidade Nos casos em que se verifica a transfixação da lâmina de vidro por projéteis com baixa velocidade, o cone de fratura é menos acentuado. O orifício de saída, embora maior que o orifício de entrada, não apresenta dimensões tão acentuadas como as deixadas por projéteis animados com velocidades bem maiores. As características dos orifícios de entrada e de saída no tocante ao formato circular ou elíptico permanecem as mesmas. A principal diferença deve-se ao menor número de fraturas radiais que apresentam e ao fato de serem menos sinuosas. Da mesma forma, o número de fraturas concêntricas também é menor. De acordo com que comenta Barberá (1998), quando do impacto de projéteis animados com baixa velocidade (inferior a 50 m/s), contra lâminas de vidro, este pode ou não produzir um orifício. Isso dependerá da espessura da lâmina de vidro, da massa e da velocidade residual do projétil. Figura 9. Ruptura por projétil com baixa velocidade (50 m/s) comparado a outra ruptura por projétil com velocidade intermediária (220 m/s). Desenho ilustrativo de Celso Nenevê É importante observar que quando o projétil não consegue transfixar a lâmina de vidro devido à baixa velocidade associada à pouca massa e /ou à resistência da lâmina de vidro, pode ocorrer o desprendimento de um pequeno fragmento, de formato circular ou semicircular, do lado oposto à região impactada. Isso pode induzir a erro na interpretação do sentido da trajetória do disparo, uma vez que o orifício de maior diâmetro encontra-se do lado de onde provém o disparo. Exemplos da situação acima ocorrem com os projéteis (“chumbinhos”) desferidos por carabinas de ar comprimido. A análise do conjunto dos elementos (cone de fratura, fraturas radiais, fraturas concêntricas, a quantidade de fragmentos existentes em cada lado da lâmina de vidro e, em alguns casos, a presença do próprio projétil) permite definir o sentido da trajetória. Nos casos de projéteis animados com alta velocidade (acima de 600 m/s), as características são praticamente as mesmas dos projéteis com velocidades intermediárias (75 a 600m/s). Observar-se-á uma maior quantidade e menor extensão das fraturas radiais e concêntricas e uma grande desagregação do material constituinte, havendo perda, em parte, na região atingida, da característica translúcida do vidro, sendo esta substituída por uma tonalidade esbranquiçada. Aula 4 - Falsa Tatuagem É importante observar que quando uma pessoa encontra-se próxima a uma vidraça e é atingida por um projétil de arma de fogo, que transfixou essa vidraça, no momento da ruptura da lâmina de vidro pequenos fragmentos são projetados. Dependendo da distância entre a vítima do disparo e o vidro, esses fragmentos podem atingir a pessoa causando diminutas lesões (falsa tatuagem), que circundam o ferimento de entrada, deixando um aspecto semelhante àqueles verificados nas zonas de tatuagem. Essa semelhança permite interpretações equivocadas quanto à distância do disparo, sentido da trajetória e, ainda, posição relativa da vítima no momento em que foi atingida. Nesses casos, normalmente, verifica-se a presença de pequenos fragmentos incrustados no projétil que transfixou uma superfície de vidro, que podem definir, pelo simples exame do projétil, entre uma falsa tatuagem ou zona de tatuagem, uma vez que, é de se esperar que os efeitos secundários do disparo fiquem retidos na lâmina de vidro. Fotografia 52 A fotografia 52 mostra os vestígios observados numa folha de papel, colocada atrás de uma lâmina de vidro de veículo dotada de película enegrecida, que foi atingida por projétil oriundo de disparo de calibre 5,56 x 45 mm, em distância superior a 20 metros. O cartucho era do tipo SS 106, o que resultou na fragmentação do projétil observada nas diversas entradas, o que pode não ocorrer para outros tipos de cartucho. Observe a posição de tonalidade escura, que facilmente poderia ser confundida com zona de esfumaçamento. Os pontos enegrecidos dispostos ao redor do orifício são minúsculos fragmentos de vidro que incrustaram no papel, com formato sugestivo de tatuagem, principalmente em se tratando de pele humana. Fotografia 52. Operada pelo autor em curso pela SENASP realizado na Academia Nacional de Polícia. Na fotografia 53, percebe-se os momentos ligeiramente posteriores que um projétil transfixou as lâminas de vidro do veículo. Perceba a projeção de fragmentos de vidro, tanto no para-brisa onde sedeu a entrada, quanto na saída, assinalados pelas setas. Fotografia 53. Operada pelo autor em curso pela SENASP realizado no Rio de Janeiro. Aula 5 – Outros pontos importantes em relação a exames em vidros 5.1 Reconstruções de placa de vidro (Total ou Parcial) Embora constitua tarefa extremamente trabalhosa e demorada, é possível reconstituir uma placa de vidro pela união dos seus fragmentos. O vidro, ao partir, deixa arestas bem definidas, o que facilita a justaposição de um fragmento a outro e, como um jogo de quebra-cabeça, faz com que seja possível reconstruir a placa, mesmo que de forma parcial, devido à ausência de parte dos fragmentos. Para reconstruir a placa de vidro, deve-se estar atento ao fato de que sempre, em um dos lados (geralmente nas faces externas), o acúmulo de sujeira será maior, e por isso apresentará um aspecto mais envelhecido. Uma vez determinada a diferença entre as duas faces de cada fragmento do vidro, os pedaços podem ser montados em um suporte e afixados com algum adesivo ou mesmo enumerados em sequência, o que irá facilitar a remontagem da placa em outro lugar e a qualquer tempo. Importante A melhor forma de preservar esta placa reconstruída é através de fotografias gerais e de detalhes, uma vez que, por mais cuidado que se tome com transporte e depósito, os fragmentos podem ser danificados. Preferencialmente, a placa será reconstruída no mesmo local do fato. 5.2 Vidros de veículos Normalmente os vidros de veículos são constituídos tomando-se duas lâminas de vidro e utilizando-se, entre elas, de uma lâmina de material plástico (manta butílica), de igual transparência, que faz com que o conjunto das três lâminas comporte-se como uma placa única. Essa associação tem por finalidade não permitir que fragmentos resultantes de uma ruptura por colisão venham a atingir os ocupantes do veículo, fazendo com que estes fragmentos permaneçam aderidos à lâmina interna. As características de ruptura desses vidros são as mesmas, no tocante ao cone de ruptura, às linhas de fraturas radiais e concêntricas, bem como ao plano de origem dessas linhas de ruptura. Contudo, a lâmina interna, por ser constituída de material plástico, apresentará, no caso de uma transfixação, o orifício menor do que qualquer uma das placas de vidro, dada a grande deformação admitida por esses materiais. Isso requer uma observação detalhada na determinação do sentido da força que produziu a transfixação. Note, na fotografia de número 54, que no centro da perfuração o perceptível é o material sintético de coloração esbranquiçada. Fotografia 54. Nela observa-se o material de coloração esbranquiçada, após o disparo, devido à lâmina plástica de adesão localizada entre as lâminas dos vidros. Foto operada quando de exame de veículo no ICDF. Importante! Como você já estudou, a determinação do sentido da força que produziu a transfixação pode ser de difícil conclusão. Assim ocorrendo, pode ser feito um teste adicional para esses vidros, simplesmente correndo-se a unha sobre a sua superfície. Se forem sentidas as fendas espirais e não as radiais, este é o lado do choque. Caso contrário, na ausência de rupturas em espiral, sendo somente as rupturas radiais sentidas, tem-se que o choque ocorreu do outro lado. O exame de vidros rompidos de veículos não deve ficar restrito ao vidro. Deve ser examinado também o interior do veículo na busca do objeto que produziu essa ruptura, bem como outros possíveis pontos de impacto desse objeto. É comum ver vidros de veículos serem perfurados por pedriscos no momento em que são ultrapassados ou ultrapassam outro veículo. Importante! Caso o veículo atingido venha a ser submetido a exames periciais e o vidro tenha sido atravessado, o objeto deve ser cuidadosamente procurado no seu interior. No caso de disparos contra veículo, é importante, sempre que possível, estabelecer todo o trajeto do projétil, desde o ponto de entrada até o seu repouso final ou a saída. Se existe uma perfuração em um dos vidros do veículo, em casos de suspeita de disparo por arma de fogo, pode-se fazer uma coleta cuidadosa nos contornos do orifício, buscando-se resíduos do material constituinte do projétil. Outra forma de energia capaz de quebrar vidraças são as energias de ordem física, como as variações de temperatura e o calor, conforme se estudará a seguir. 5.3 Vidro X Calor As placas de vidro estão sujeitas a se partir em decorrência do calor, cuja fonte pode ser difusa, como os raios solares, ou direta, como as chamas de um incêndio. As placas de vidro que racham ou quebram após serem expostas ao calor ou a uma brusca variação de temperatura, apresentam fraturas onduladas características. Observados os seus cortes transversais, geralmente se percebe pequenas figuras curvas, como ondas. Um cuidado especial na análise dos fragmentos de vidro refere-se à posição relativa desses. De modo geral, os fragmentos caem para o lado da fonte de calor, diferente das rupturas por energia mecânica onde os fragmentos são projetados no sentido da força que produziu a ruptura. Dessa forma, ao verificar fragmentos de vidro no chão, do lado interno, de um local onde ocorreu um incêndio, o primeiro cuidado está em determinar a fonte de energia que produziu a ruptura, que pode ser devido ao calor das chamas ou a uma força que o tenha quebrado no sentido de fora para dentro. 5.4 Vidros blindados Vidros à “prova de balas”, ou vidros blindados, são projetados para resistir a um ou mais impactos de projéteis oriundos de disparos de armas de fogo ou objetos lançados contra eles. Logicamente, essa resistência varia em função da espessura do vidro e do calibre da arma usada nos disparos. Vale a pena ressaltar que os vidros tidos como à “prova de bala”, na realidade são resistentes aos impactos de projéteis de armas de fogo, sendo que uma série de disparos pode ocasionar sua ruptura e, por conseguinte, a passagem do projétil. Os vidros a prova de balas são vidros laminados, ou seja, são formados por várias lâminas de vidro, geralmente temperadas, intercaladas por camadas plásticas reforçadas (policarbonatos ou Polivinil Butiral). Tais camadas plásticas amortecem o impacto, absorvendo energia, enquanto o vidro oferece resistência ao projétil. O polivinil butiral (PVB) é uma resina que permite excelente adesão, flexibilidade e nível óptico que torna esse produto próprio para a produção de vidros laminados. Da mesma forma, o policarbonato é um plástico resistente e transparente. A espessura dos vidros resistentes a balas é diretamente proporcional a sua resistência. Dessa forma, enquanto um vidro com 22 mm de espessura, na maioria dos casos, resiste a até três tiros de revolver calibre .38 SPL sem ser perfurado, um vidro com mais de 50 mm de espessura é capaz de suportar cinco impactos de projéteis oriundos de disparos de fuzis de calibre 5,56 x 45mm. É possível encontrar vidros resistentes a projéteis de armas de fogo com espessuras de até 70 milímetros, sendo que vidros para veículos (constituídos de policarbonato) à prova de bala de nível 4, maior nível de resistência, apresentam espessura de cerca de 38 milímetros. Ensaios realizados com vidros de laminação média de 30 mm de espessura, apresentaram resultados satisfatórios para impactos de projéteis oriundos Fotografia 55. Foto operada pelo autor. Espessura de um vidro blindado. de disparos de calibre .38 SPL dotados de projéteis de chumbo nu, 9 x 19mm jaquetados e projéteis 3T de cartuchos de calibre 12. Fotografia 56 Fotografia 57 FOTOGRAFIA 56 - foto operada pelo autor. Mostra oresultado do impacto de projétil oriundo de disparo de cartucho de calibre .357 Magnum em lâmina de vidro resistente a impacto de projéteis com 30 mm de espessura. FOTOGRAFIA 57 - foto operada pelo autor. Mostra o resultado do impacto de projéteis oriundos de disparo de cartucho de calibre12 com balins 3T, em lâmina de vidro resistente a impacto de projéteis com 30 mm de espessura. A norma de proteção vidros blindados mais aceita em todo o mundo é a NIJ 0108.01, do National Institute of Justice - EUA. No Brasil, temos a Norma do Exército Brasileiro, a NEB/T E-316 Proteção Balística de Carros de Passeio2. 2 http://www.abrablin.com.br/web/images/documentos/E-316%20- %20N.E.B.%20COMPLETA%20ALTERADA%20COM%20ESTUDO%20TECNICO.pdf. Essas duas normas definem os níveis de proteção e o calibre que devem suportar em faixas específicas de blindagem. Basicamente, as normas para testes desse tipo de vidro definem uma área no vidro e, contra essa área, são efetuados disparos que o vidro deve suportar sem deixar passar o projétil. Conforme estabelece a norma a resistência ao impacto acima citada são: Em ensaios efetuados com vidros de nível 2, que são construídos para resistir a impactos de projéteis oriundos de disparos até o calibre limite .357 Magnum (foto 58), verificou-se uma boa resistência para três tipos de impactos. Sendo que em ensaio semelhante, o terceiro impacto de projétil de calibre “.40 S&W”, gold CBC, perfurou o vidro. (foto 59). Fotografia 58 Fotografia 59 Foto operada pelo autor. Mostra o resultado do impacto de projétil oriundo de disparo de cartucho de calibre .357 Magnum em lâmina de vidro resistente a impacto de projéteis com nível 2 de resistência. Foto operada pelo autor. Placa de vidro resistente a impacto de projéteis com nível 2 de resistência. As fotografias 60 a 63 mostram uma série de disparos de ensaios realizados com fuzil de assalto AK 47. Observe na fotografia 60 que, apesar dos desprendimentos de fragmentos de vidro, não há formação do cone de fratura, uma vez que só aconteceu ruptura das primeiras camadas de vidro. Foto 7 Fotografia 60 Fotografia 61 FOTOGRAFIA 60. Foto operada pelo autor. Placa de vidro resistente a impacto de projéteis com nível III A. Observe que apesar do nível de resistência não ser próprio, como pode ser visto na tabela acima, ela resistiu ao impacto. FOTOGRAFIA 61. Foto operada pelo autor. Verso da placa de vidro resistente a impacto de projéteis com nível III A., após o primeiro impacto de projétil de calibre 7,62 x 39mm. Fotografia 62 Fotografia 63 FOTOGRAFIA 62. Foto operada pelo autor. Impactos de projéteis calibre 7,62 x 39mm em placa de vidro com nível III A. FOTOGRAFIA 63. Foto operada pelo autor. Verifica-se o desprendimento da lâmina de policarbonato no verso da face de impacto de projétil calibre 7,62 x 39mm, de vidro com nível III A. A sequência de fotografias de 61 a 63 mostra três impactos de projéteis de calibre 7,62 x 39mm de um fuzil AK 47, em vidro blindado de nível 3 A.É interessante observar que apesar de não perfurar, a deformação resultante do impacto é extremamente característica. A fotografia 61 mostra, ainda, o início do desprendimento da lâmina de policarbonato no verso da face de impacto. A fotografia 62 mostra os três pontos de impacto, de projéteis encamisados totais, calibre 7,62 x 39 mm. Finalizando... Neste módulo você estudou que: O exame de vidros fraturados em locais de crime permite conhecer detalhes importantes para a determinação da dinâmica de um evento, além de possibilitar, em muitos casos, a identificação presumida dos autores. O exame possibilita descobrir, dentre outras, as seguintes informações: o ponto do impacto; sentido da força que produziu a perfuração dos disparos; ângulo aproximado de incidência do disparo e a ordem cronológica das perfurações. No exame da seção transversal de um fragmento de lâmina de vidro partido por força mecânica, observa-se a presença de riscos, os quais começam perpendiculares, em relação à superfície submetida a esforços de tração, e se curvam em relação à outra superfície. Segundo a literatura, quando do impacto de projéteis animados com baixa velocidade (inferior a 50 m/s), contra lâminas de vidro, estes podem, ou não, produzir um orifício; dependendo, para tanto, da espessura da lâmina de vidro, da massa e da velocidade residual do projétil. O vidro, ao partir, deixa arestas bem definidas, o que facilita a justaposição de um fragmento a outro e, como um jogo de quebra- cabeça, é possível reconstruir a placa, mesmo que de forma parcial, devido à ausência de parte dos fragmentos. Os vidros de veículos são constituídos de duas lâminas de vidro e, entre elas, é utilizada uma lâmina de material plástico (manta butílica), de igual transparência, que faz com que o conjunto das três lâminas comporte-se como uma placa única. Essa associação tem por finalidade não permitir que fragmentos resultantes de uma ruptura por colisão venham a atingir os ocupantes do veículo, fazendo com que estes fragmentos permaneçam aderidos à lâmina interna. As placas de vidro que racham ou quebram após serem expostas ao calor ou a uma brusca variação de temperatura apresentam fraturas onduladas características. Observados os seus cortes transversais, geralmente se pode perceber pequenas figuras curvas, como ondas. Vidros à “prova de balas” ou vidros blindados, são projetados para resistir a um ou mais impactos de projéteis oriundos de disparos de armas de fogo ou objetos lançados contra eles e, logicamente, essa resistência varia com a espessura do vidro e com o calibre da arma usada nos disparos. Exercícios 1. A determinação da direção de onde se originou um projétil que atravessou (transfixou) uma lâmina de vidro pode ser determinada através de: a. Pela observação do cone de fratura; observando-se que este cone apresenta o maior diâmetro na superfície oposta à origem do disparo. b. Pela observação do cone de fratura; observando-se que este cone apresenta o menor diâmetro na superfície oposta à origem do disparo. c. Pela observação das linhas ou fraturas radiais. d. Pela observação das fraturas concêntricas, bem como da distância entre elas. 2. A cronologia dos disparos efetuados contra uma mesma lâmina de vidro pode ser determinada por meio da: a. Análise das linhas de fraturas concêntricas, b. Observação das linhas ou fraturas radiais, sabendo-se que estas são interrompidas quando se encontram com outras fraturas radiais formadas por disparo anterior. c. Análise do cone de fratura, quando todos os disparos apresentam trajetória no mesmo sentido. d. Análise das superfícies transversas e dos filetes formados pelos esforços de cisalhamento. 3. Nos casos em que se verifica a transfixação da lâmina de vidro ocasionada pela passagem de projétil animado com baixa velocidade, as características observadas são: a. O cone de fratura é menos acentuado, b. A ocorrência de um menor número de fraturas radiais que apresentam, ainda, a característica de serem menos sinuosas. c. A ocorrência de um menor número de fraturas concêntricas, d. Todas as anteriores. 4. Assinale a única afirmativa falsa dentre as afirmativas abaixo: a. ( ) Os vidros a “prova de bala”, na realidade, são resistentes aos impactos de projéteis de armas de fogo, sendo que uma série de disparos pode ocasionar sua ruptura e, por conseguinte, a passagem do projétil. b. ( ) Nos vidros a “prova de bala”, a resistência varia com a espessura do vidro e com o calibre da arma usada nos disparos. c. ( ) Os vidros a provade balas são vidros laminados formados por várias lâminas de vidro, geralmente temperadas, intercaladas por camadas plásticas reforçadas. As camadas plásticas amortecem o impacto, absorvendo energia, enquanto o vidro oferece resistência ao projétil. d. ( X ) As normas para testes desse tipo de vidro definem uma área no vidro e, contra essa área, são efetuados até três disparos, sendo que o vidro deve suportar dois deles sem deixar passar o projétil. Gabarito: 1 - A 2 - B 3 - D 4 - D
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