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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM CAMILA DALLA POZZA PEREIRA CONCEPÇÕES DE LETRAMENTO EM DOIS CURRÍCULOS OFICIAIS PRESCRITOS (DF E MT): UMA ANÁLISE CRÍTICA CAMPINAS, 2016 CAMILA DALLA POZZA PEREIRA CONCEPÇÕES DE LETRAMENTO EM DOIS CURRÍCULOS OFICIAIS PRESCRITOS (DF E MT): UMA ANÁLISE CRÍTICA Orientadora: Profª. Drª. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça Este exemplar corresponde à versão final da Dissert ação defendida pela aluna Camila Dalla Pozza Pereira e orientada pela P rofa. Dra. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça CAMPINAS, 2016 Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Linguística Aplicada na área de Linguagem e Educação. Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624 Pereira, Camila Dalla Pozza, 1987- P414c PerConcepções de letramento em dois currículos oficiais prescritos (DF e MT) : uma análise crítica / Camila Dalla Pozza Pereira. – Campinas, SP : [s.n.], 2016. PerOrientador: Márcia Rodrigues de Souza Mendonça. PerDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Per1. Letramento - Estudo e ensino (Ensino fundamental) - Brasil. 2. Língua portuguesa (Ensino fundamental) - Estudo e ensino - Distrito Federal (Brasil). 3. Língua portuguesa (Ensino fundamental) - Estudo e ensino - Mato Grosso. 4. Ensino fundamental - Currículos - Distrito Federal (Brasil). 5. Ensino fundamental - Currículos - Mato Grosso. I. Mendonça, Márcia Rodrigues de Souza,1968-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Literacy conceptions of two official prescribed curriculums (DF and MT) : a critical analysis Palavras-chave em inglês: Literacy - Study and teaching (Elementary education) - Brazil Portuguese language (Elementary education) - Study and teaching - Distrito Federal (Brazil) Portuguese language (Elementary education) - Study and teaching - Mato Grosso Elementary education - Curricula - Distrito Federal (Brazil) Elementary education - Curricula - Mato Grosso Área de concentração: Linguagem e Educação Titulação: Mestra em Linguística Aplicada Banca examinadora: Márcia Rodrigues de Souza Mendonça [Orientador] Jacqueline Peixoto Barbosa Clécio dos Santos Bunzen Júnior Data de defesa: 31-08-2016 Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) http://www.tcpdf.org BANCA EXAMINADORA: Márcia Rodrigues de Souza Mendonça Jacqueline Peixoto Barbosa Clecio dos Santos Bunzen Júnior Petrilson Alan Pinheiro da Silva Luzia Bueno IEL/UNICAMP 2016 Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno. À minha amada e saudosa avó, Rina (Dona Vitória) pelo exemplo de mulher e de vida. Agradecimentos À minha orientadora Profª. Drª. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça, meus mais sinceros e profundos agradecimentos por sua orientação dedicada e valorosa, pelo apoio teórico, científico e amigo ao longo da minha trajetória acadêmica no Mestrado. Ao Prof. Dr. Clécio dos Santos Bunzen Júnior, meus sinceros e profundos agradecimentos por seu acompanhamento e orientação, desde a minha graduação, especialmente pelas fundamentais e importantes orientações no momento da Qualificação e da Defesa desta dissertação de mestrado. À Profª. Drª. Jacqueline Peixoto Barbosa, meus sinceros e profundos agradecimentos pelo aceite em participar da banca de Defesa desta dissertação de Mestrado e pelo apoio demonstrado. Ao Prof. Dr. Petrilson Alan Pinheiro da Silva, meus agradecimentos pelo aceite da Suplência e pelo apoio demonstrado. À Profª. Drª. Luzia Bueno, meus agradecimentos pelo aceite da Suplência e pelo apoio demonstrado desde o Seminário de Teses em Andamento (SETA) de 2015, na qual sua arguição foi de extrema relevância. À Profª. Drª. Roxane Helena Rodrigues Rojo, meus agradecimentos por sua orientação, desde a minha graduação, aos meus trabalhos, especialmente pelas fundamentais e importantes orientações no momento da Qualificação desta dissertação de Mestrado. À Profª. Drª. Raquel Salek Fiad, meus agradecimentos por suas valorosas orientações em dois Seminários de Teses em Andamento (SETA) nos quais a análise e arguição ao meu trabalho foram de extrema relevância. Aos amigos e companheiros de pós-graduação e de orientação Patrícia Raquel Freitas, Débora Ferreira, Kátia Brakling, Rosivaldo Gomes e Wladimir Stempniak Mesko pelas tardes e manhãs de trocas inestimáveis. Aos amigos Katia Sayuri Fujisawa, Danilo Ricardo de Oliveira, Natalia Nascimento, Fabiana Panhosi Marsaro, Claudia Bergamini, Ivana Vívian Carvalho, Helena Schmid e Eliane Azzari meus agradecimentos pela amizade e apoio ao longo da minha trajetória acadêmica. A toda a minha família, especialmente aos meus pais e à minha irmã, pelo incentivo, apoio e amor incondicionais. Aos funcionários do Instituto de Estudos da Linguagem, pelo apoio e prontidão para a realização da defesa deste trabalho. A Fundação CAPES, pelo auxílio financeiro para a realização desta pesquisa. “O que acontece na sala de aula está intimamente ligado a forças sociais e políticas” Antonieta A. Celani, 2000 RESUMO Esta Dissertação de Mestrado, situada no campo de pesquisa da Linguística Aplicada, na área de concentração Linguagem e Educação, tem como objetivo analisar as concepções de letramentos presentes em dois currículos oficiais prescritos: do Distrito Federal (DF) e do estado de Mato Grosso (MT), mais especificamente em relação ao ensino de Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental. Na análise, procuramos compreender como estes currículos oficiais prescritos incorporam os conceitos de letramentos e, assim, entender quais concepções deste conceito emergem dos documentos e se os mesmos orientam para o desenvolvimento e/ou para a ampliação de práticas de letramentos e da consciência dos alunos acerca dos processos de leitura, produção e reflexão sobre a linguagem. Para sustentar as análises, traçamos duas retrospectivas: a primeira, da história dos currículos oficiais prescritos, isto é, dos currículos prescritos pelo Estado para os diretores, coordenadores e professores, no âmbito da prescrição do trabalho docente, no que concerne ao o que os professores devem ensinar (objetos de ensino), como eles devem ensinar (práticas de ensino) e como devem avaliar. Nesta primeira retrospectiva, discutimos questões que dizem respeito aos currículos e às disciplinas curriculares, focando a Língua Portuguesa e seu ensino desde a chegada dos jesuítas até os dias atuais. A segunda retrospectiva, histórica e acadêmica, trata dos conceitos de letramentos, revelando como se deu a concepção do primeiro conceito – o letramento tradicional – revelando seu progresso e evolução dentro da academia e de acordo com as mudanças sociais, educacionais e tecnológicas pelas quais a sociedade passou e tem passado e que a pesquisa acadêmica reflete e refrata. Em relação a parte metodológica da pesquisa, optamos por uma metodologia interpretativista qualitativa e documental que contou com uma Análise de Conteúdo acerca dos dois currículos oficiais prescritos selecionados como corpus de pesquisa (DF e MT) pela qual realizamosum levantamento quantitativo da ocorrência de termos e expressões relacionadas aos conceitos de letramentos, o qual aliamos à análise interpretativista qualitativa acerca das concepções de letramentos presentes em ambos os documentos. O currículo do DF apresenta menos ocorrências de tais termos do que o de MT e ambos buscam desenvolver a concepção do letramento tradicional, porém falta clareza, objetividade e exemplos do que são as concepções de letramentos presentes e quais eventos e práticas de letramento se almeja explorar e desenvolver em ambos os currículos oficiais prescritos. Nossos resultados, tanto na análise de Conteúdo quanto na interpretativa de cunho qualitativo nos fazem concluir que ambos os currículos oficiais prescritos analisados não estão acompanhando os estudos mais recentes, os nacionais e os internacionais, acerca do conceito de letramento deixando, portanto, de formar alunos que sejam conscientes da língua e da linguagem por meio de práticas de leitura, escrita, oralidade e análise linguística situadas e contextualizadas socialmente. PALAVRAS-CHAVE: currículos oficiais prescritos; letramentos; ensino de Língua Portuguesa. ABSTRACT This Dissertation – situated in Applied Linguistics research field, concentration area of Language and Education – aims to analyze the literacies conceptions found in two official prescribed curriculums: from Distrito Federal (DF) and Mato Grosso state (MT), specifically regarding to Portuguese Language teaching in the late years of Elementary School. In this analysis, we have tried to understand how these official prescribed curriculums incorporate the literacies conceptions, understanding which conceptions emerge from documents, and whether these documents lead to development and/or improvement of literacies practices and students’ awareness regarding to reading, production and observation procedures about the language. In order to support the analyses, we have delineated two retrospectives: the first one refers to the prescribed official curriculum history, that is, it refers to the curriculums prescribed by the Government that is available to headmasters, coordinators and teachers, in the framework of teaching work prescription regarding to what teachers should teach (teaching objects), how they should teach (teaching practices), and how they should evaluate. In this first retrospective, we have discussed topics regarding to curriculums and curricular subjects, focusing on the Portuguese Language and its teaching since the Jesuits arrival until the current days. The second retrospective, historical and academic, refers to literacies concepts, revealing how the conception of the first concept – the traditional literacy – was, exposing its advancement and evolution within the Academia, and according to social, educational, and technological changes by which the society has gone into and the academic research speculates and refracts. Concerning to the research methodology, we have chosen a qualitative and documental interpretative methodology, including a Content Analysis from the official prescribed curriculums previously selected as research corpus (DF and MT) by which we have performed a quantitative collection of terms and expressions occurrence related to literacies concepts, which we have combined to a qualitative interpretative analysis regarding to literacies conceptions found in both documents. DF curriculum presents less occurrences of such terms than MT’s and both look for the development of the traditional literacy conception. However, there is a lack of explicitness, objectivity, and examples of what the literacies conceptions presented are, and which literacy events and practices are being explored and developed in both official prescribed curriculums. Our results, either in the Content Analysis or in the interpretative analysis of qualitative nature, have made us conclude that both official prescribed curriculums analyzed are not following the most recent researches, National and International, related to literacy concept, and therefore, they are not training students to be aware of language through reading, writing, oral communication and language analysis practices socially located and contextualized. KEY WORDS: official prescribed curriculums; literacies; Portuguese Language teaching. Lista de Figuras: Figura 1 Lógicas na construção das políticas curriculares (adaptação de PACHECO, 2003, p. 35)........................................................................................................27 Figura 2 Tomadas de decisões e responsabilidades das políticas curriculares (PACHECO, 2003, p. 32)........................................................................................................28 Figura 3 Ações reguladoras do ensino no Brasil – do ensino jesuítico ao século XXI (elaboração própria)...........................................................................................61 Figura 4 Representação de prática e evento de letramento sob a perspectiva do Modelo Ideológico (BEVILAQUA, 2013, p. 105)..........................................................69 Figura 5 Design como eixo estruturador dos multiletramentos (elaboração própria).......80 Figura 6 Design e seu duplo sentido (elaboração própria)................................................80 Figura 7 Design de sentidos (adaptação de BEVILAQUA, 2013, p. 107) ...........................................................................................................................81 Figura 8 Linha do Tempo – Estudos dos Letramentos (elaboração própria)...............96-97 Lista de Tabelas: Tabela 1 Intensidade dos aspectos que definem os modelos de documento (CENPEC, 2015)..................................................................................................................30 Tabela 2 Quadro – Síntese das teorias de letramentos (elaboração própria) ...........................................................................................................................95 Tabela 3 Quadro de objetivos e conteúdos do 6º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 19).............................................................................. 116 Tabela 4 Quadro de objetivos e conteúdos do 7º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 22-23) Tabela 5 Quadros de objetivos e conteúdos do 6º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 19 a 21)................................................................ 126-127 Tabela 6 Quadros de objetivos e conteúdos do 8º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 24-25)......................................................................... 129 Tabela 7 Quadros da área de Linguagens do 2º ciclo das Orientações Curriculares do MT (SEDUC-MT, 2010, p. 32 a 34)............................................................... 143-144 Tabela 8 Quadro da área de Linguagens do 3º ciclo das Orientações Curriculares do MT (SEDUC-MT, 2010, p. 47 a 53)............................................................... 147-150 Tabela 9 Análises de Conteúdos do Currículo em Movimento e das Orientações Curriculares – Tabela Comparativa (elaboração própria)......................... 154-156 Lista de Abreviaturas e Siglas: ANPED Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BNCC Base Nacional Curricular Comum CBPE Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais Cenpec Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária CFE Conselho Federal de Educação CNE Conselho Nacional de Educação DF Distrito Federal EF Ensino Fundamental Enem Exame Nacional do Ensino Médio GNL Grupo de Nova Londres IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio de Teixeira LA LinguísticaAplicada LDB Lei de Diretrizes e Bases LP Língua Portuguesa MEC Ministério da Educação MT Mato Grosso NLS New Literacy Studies (Novos Estudos dos Letramentos) PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SEDUC Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Lazer de Mato Grosso SEEDF Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal TICS Tecnologias de Informação e Comunicação UNDIME União Nacional dos Dirigente Municipais de Educação USAID Agency for International Development SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14 Justificativas Iniciais ................................................................................................. 14 Seleção Do Corpus ................................................................................................... 18 Objetivos E Questões De Pesquisa ........................................................................... 22 Organização Dos Capítulos Da Dissertação ............................................................. 22 CAPÍTULO 1 - A HISTÓRIA DA PRESCRIÇÃO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS CURRÍCULOS OFICIAIS PRESCRITOS .......................................... 24 1.1 Currículo Oficial Prescrito Como Política Pública ............................................. 25 1.2 Do Ensino Jesuítico ao Colégio Pedro II ............................................................ 32 1.3 Início Do Século XX: A Criação Do MEC, Do Inep e as Reformas Educacionais .............................................................................................................................................. 36 1.4 Décadas De 1940 a 1960: O Currículo Prescrito a Partir Da Lei De Diretrizes e Bases De 1961 ...................................................................................................................... 41 1.5 Década De 1970: A Lei De Diretrizes e Bases De 1971 e o Currículo Prescrito Da Ditadura Militar .................................................................................................................... 44 1.6 Décadas De 1980 e 1990: A Lei De Diretrizes e Bases De 1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais ......................................................................................................... 47 1.7 Anos 2000: Diretrizes Curriculares Nacionais, Plano Nacional De Educação e a Base Nacional Comum Curricular ........................................................................................ 55 1.8 Ações Reguladoras Do Ensino No Brasil – Do Ensino Jesuítico ao Século XXI .............................................................................................................................................. 62 CAPÍTULO 2 - DO LETRAMENTO AOS MULTI E NOVOS LETRAMENTOS: UM PANORAMA HISTÓRICO E ACADÊMICO DOS ESTUDOS DOS LETRAMENTOS ..... 64 2.1 A Chegada Do Conceito ao Brasil e a Sobreposição Entre Letramento e Alfabetização ........................................................................................................................ 64 2.2 Do Letramento aos Letramentos ......................................................................... 67 2.3 Letramento Digital .............................................................................................. 71 2.4 A Pedagogia dos Multiletramentos ..................................................................... 75 2.4.1 Multiletramentos e o Currículo Transformativo .......................................... 83 2.5 Novos Letramentos ............................................................................................. 90 2.6 Linha Do Tempo e Quadro - Síntese Das Teorias De Letramentos ................... 95 CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA DA PESQUISA DOCUMENTAL QUALITATIVA: PROCESSO DE COLETA E ANÁLISE CRÍTICA DE DADOS ......................................... 100 3.1 Pesquisa Pedagógica Documental Qualitativa Na Linguística Aplicada ......... 100 3.2 Análise Documental Qualitativa Por Meio De Análise De Conteúdo: Uma Abordagem Metodológica .................................................................................................. 103 3.3 Desenho De Pesquisa ........................................................................................ 108 CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DOS DOCUMENTOS E DISCUSSÃO DE RESULTADOS ................................................................................................................................................ 111 4.1 Currículo em Movimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental do DF ..... 112 4.1.1 Os Anos Finais Do Ensino Fundamental Público No DF .......................... 113 4.1.2 Análise De Conteúdo Do Currículo Em Movimento Dos Anos Finais Do Ensino Fundamental Do DF ........................................................................................... 114 4.1.3 Análise Interpretativa Dos Pressupostos Teóricos Do Currículo em Movimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental do DF ......................................... 118 4.1.4 Análise Interpretativa Da Parte De Língua Portuguesa Do Currículo em Movimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental do DF ......................................... 126 4.2 Orientações Curriculares dos Anos Finais do Ensino Fundamental do MT ..... 131 4.2.1 Os Anos Finais Do Ensino Fundamental Público No MT ......................... 133 4.2.2 Análise De Conteúdo Das Orinetações Curriculares Da Educação Básica Do MT .................................................................................................................................. 134 4.2.3 Análise Interpretativa Das Concepções Para a Educação Básica Do MT . 136 4.2.4 Análise Interpretativa Da Área De Linguagens Das Orientações Curriculares Da Educação Básica Do MT .......................................................................................... 139 4.3 Análises de Conteúdos do Currículo em Movimento e das Orientações Curriculares – Tabela Comparativa .................................................................................... 154 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 162 14 INTRODUÇÃO Pelo espaço que ocupa na sociedade, com a predominância da formação como aprendizagem ao longo da vida, o currículo é uma destacada arena da política cultural que se converte, de forma explícita e/ou implícita, num capital simbólico institucionalizado e num campo com interesses e investimentos proporcionais aos espaços constituídos por posições sociais face ao conhecimento. (PACHECO, 2002, p. 119) Justificativas Iniciais Esta dissertação de mestrado realiza-se, de forma geral, em torno de dois eixos: os currículos – os conteúdos e as práticas de ensino em língua materna nos anos finais do Ensino Fundamental (EF) – e os letramentos, conceito bastante estudado e pesquisado, no Brasil e no mundo, desde o final da década de 1970 e que, recentemente, tem inspirado novas contribuições de pesquisadores devido ao impacto do avanço tecnológico nas trocas verbais e da multiplicidade de linguagens hoje em circulação. Estamos denominando “currículos oficiais prescritos” os currículos prescritos pelo Estado por meio das secretarias de educação e estes são objetos de estudo relevantes por fazerem parte de políticas públicas educacionais que impactam milhares de pessoas (gestores, professores, alunos, famílias e toda a comunidade), tanto socialmente quanto profissionalmente e em termos acadêmicos, já que são eles que prescrevem os objetos e as práticas de ensino, estabelecem objetivose orientam as avaliações nas escolas públicas de todo o país. Já o conceito de letramento é relevante para o ensino de Língua Portuguesa (LP) porque o transformou de técnica de leitura e escrita em práticas sociais de leitura e escrita situadas em determinados contextos. Veremos nos capítulos teóricos que tanto o ensino de LP no Brasil quanto as pesquisas em relação ao letramento caminharam, um mais, outro menos, de acordo com as mudanças sociais, históricas, políticas, culturais e tecnológicas pelas quais a sociedade passou, já que hoje são nítidas as múltiplas linguagens em circulação pelas mais diversas esferas de atividade humana. 15 Este conceito está sendo estudado e pesquisado, no Brasil e no mundo, desde o final da década de 1970 e início da de 1980. Situadas em diferentes discussões, em âmbito nacional, destacam-se as contribuições de Soares (2004), Kleiman (2007, 2009, 2010), Rojo (2008, 2009, 2012, 2013, 2015), Moita-Lopes (2010) e Buzato (2007); já no contexto internacional, ressaltamos os trabalhos de Street (1984, 1993, 1995, 2003, 2010 e 2012), Grupo de Nova Londres (1996 e 2000), Lemke (1998), Cope e Kalantzsis (2004) e Lankshear e Knobel (2007, 2011). Estes são apenas alguns exemplos de como o conceito de letramento é alvo de investigações de pesquisadores de diferentes partes do mundo que atuam, inclusive, de maneiras distintas entre si, mesmo tratando do mesmo conceito. Tal relevância do conceito de letramento também pode ser observada em alguns programas de disciplinas de graduação nos cursos de licenciatura em Letras (Português e/ou Inglês) e em programas de pós-graduação em Linguística Aplicada, como por exemplo, do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, o que comprova a importância de tal conceito na formação de professores. Porém, é importante ressaltar que o exemplo citado é, infelizmente, uma exceção. Além de estar presente na formação de professores, o conceito de letramento tornou-se relevante nos materiais didáticos, especialmente nos livros didáticos. Um exemplo são os livros didáticos de autoria de Magda Soares, cujo título é: Português: Uma Proposta para o Letramento1. No campo acadêmico, de acordo com Bevilaqua (2013, p. 100), parece haver uma “aparente polarização” já que, ao tomarmos contato com algumas dessas pesquisas, “somos interpelados por uma série de concepções téoricas e conceitos que, tomados indistintamente, podem levar-nos a pensar que (esses) estudos (...) ora se constituem como concepções teóricas bastante distintas entre si, ora parecem fazer parte de uma mesma e única teoria” (idem). A autora ainda explica que o termo ‘polarização’ foi empregado por ela para “designar posições teóricas distintas quanto ao entendimento e tratamento das diferentes teorias que tratam dos letramentos” (idem), já que há autores que sugerem que se trata de uma única teoria e outros que traçam linhas divisórias entre campos distintos, como ela exemplifica ao citar Jewitt (2008) que divide os Novos Estudos dos Letramentos 1 SOARES, M. Português: Uma Proposta para o Letramento. São Paulo: Editora Moderna, 2010. 16 (doravante NLS – New Literacy Studies), os multiletramentos e a multimodalidade. Já para Bevilaqua (idem), essa ‘polarização’ é aparente, já que, segundo a autora, há pontos em comum entre esses campos, principalmente entre os NLS e os Multiletramentos. Concordamos com a autora, pois, como dissertaremos mais amplamente no capítulo dedicado aos estudos dos letramentos, ambos os campos tomam o conceito como constituído em práticas sociais e ideológicas e, por isso, são múltiplos (em termos de semiótica e multiplicidade cultural) e diversificados em relação às suas práticas, determinados pelo poder e variáveis de acordo com o tempo, o espaço e o contexto e, deste modo, não podem ser tidos como um conjunto estático de habilidades e competências. Por acreditarmos nessa multiplicidade inerente aos letramentos e que, inclusive, a virada social (GEE, 2000a) trouxe, assumimos a posição teórica de tratá-los no plural e não no singular que, por sua vez, diz respeito ao letramento tradicional, o da letra, conceituado por Soares como “(...) o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico (...) é o conjunto de práticas sociais relacionadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social” (SOARES, 1998, p. 72). Apesar de assumirmos a posição teórica de usar o conceito no plural e não no singular, dissertaremos sobre o mesmo, no capítulo já citado, já que o seu surgimento foi o início de todas as outras pesquisas acerca dos letramentos (no Brasil, o termo chegou em 1986 por meio da obra No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolinguística2 de Mary Kato) e por sabermos que ele está presente no ensino de língua materna no Brasil, como veremos no capítulo que analisa o corpus. Voltando aos NLS e aos multiletramentos, ressaltamos a importância de pesquisar seus princípios nas propostas curriculares pelo foco que o segundo mantém sobre o ensino e pelo primeiro estar envolvendo-se e dedicando-se mais às questões escolares como obras recentes nos mostram, como por exemplo, Street e Lea (2006), Street (2010), Pahl e Rowsell (2012) e Knobel e Lankshear (2014). Ambas as questões são fundamentais para a reflexão acerca do ensino de LP no nosso país e sempre estiveram em pauta nas pesquisas nas áreas de Educação e Linguística Aplicada (doravante LA). Porém, desde o mês de junho de 2014, passando 2 KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986. 17 pelas eleições para Presidente da República no mesmo ano, obtiveram mais relevância devido a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) por meio da sanção da Lei 13.005 pela Presidente da República Dilma Rousseff. Resumidamente, o PNE3 possui uma vigência de dez anos e tem como objetivo justamente planejar a próxima década em termos educacionais por meio do estabelecimento de vinte metas, entre elas, universalizar, até o fim de 2016, a Educação Infantil e o Ensino Médio, além do Ensino Fundamental de nove anos, alfabetizar todas as crianças até o final do 3º ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental, oferecer educação em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas e fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): 6,0 nos anos iniciais do Ensino Fundamental; 5,5 nos anos finais do Ensino Fundamental ; 5,2 no Ensino Médio. (BRASIL. MEC/SASE, 2014, p. 10) Esta meta, a sétima da lista, dentre as vinte é a mais importante para nós porque diz respeito a questões curriculares, já que a estratégia estabelecida pelo texto da referida lei para esta meta é estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local. (BRASIL. Lei nº 13.005, de 24 de junho de 2014) Esta estratégia tem, por sua vez, o objetivo de assegurar, dentre outras coisas, que no quinto ano de vigência do PNE pelo menos 70% dos alunos dos ensino Fundamental e Médio “tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudo, e 50% pelo menos, o nível desejável” (idem); já para o último ano de vigência, a projeção é de que essa porcentagem atinja 100%, além de mencionar aspectossobre avaliação e acesso à 3 Por questões de espaço, focamos a meta e os aspectos do PNE mais relevantes para esta dissertação de mestrado, sobre os quais dissertaremos mais amplamente no capítulo sobre concepções curiculares no ensino de Língua Portuguesa.. Para maiores detalhes sobre a Lei 13.005, sugerimos a leitura do seu texto em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Já para mais informações acerca do PNE, sugerimos a página http://pne.mec.gov.br/. Ambos os acessos foram em 15/06/2015. 18 tecnologia, sobre os quais dissertaremos de modo mais abrangente no capítulo dedicado às concepções curriculares no ensino de Língua Portuguesa. Um questionamento que já colocamos, mesmo que de maneira introdutória, é o que as palavras “suficiente” e “desejável” significam, já que não há um dimensionamento em relaçao às expectativas de ensino-aprendizagem em cada um dos níveis de ensino e em cada uma das disciplinas abordadas. A exemplo da sétima meta do PNE, portanto, podemos comprovar a importância de pesquisar questões curriculares e de analisar dois currículos oficiais prescritos de um estado da federação brasileira e de seu distrito federal aliadas ao conceito de letramento. É fundamental analisarmos e, assim, tomarmos ciência se nos currículos oficiais prescritos estão presentes as concepções de letramentos e, se sim, quais ali emergem e se estes documentos orientam os professores de LP a desenvolverem em suas aulas tais concepções por meio de práticas de letramento, situadas em eventos de letramento, a fim de ampliar a consciência dos alunos acerca dos processos de leitura, escrita e reflexão sobre a linguagem. Assim sendo, por nos dispormos a estudar, pesquisar e analisar conceitos de letramentos em currículos oficiais prescritos, situamos nosso trabalho no campo da LA, híbrido e transdisciplinar, e ressaltamos que não temos a intenção de sermos normativos, julgando como bom ou ruim qualquer tipo de resultado analítico. Nosso real objetivo é propor uma análise documental qualitativa sócio-histórica e interpretativista dos conceitos de letramentos juntamente com as questões curriculares ao analisarmos dois currículos oficiais prescritos brasileiros. Seleção Do Corpus Neste momento, pretendemos explicar e justificar a nossa escolha em analisar currículos oficiais prescritos de LP para os anos finais do EF e o corpus propriamente dito. Alicerçados em Leal et. al (2014), justificamos a escolha em pesquisarmos e estudarmos documentos curriculares, mais especificamente currículos oficiais prescritos, por estes serem documentos idealizados e gerados em instâncias públicas relacionadas à educação resultantes de negociações entre profissionais de diferentes agências e esferas (secretarias estaduais e/ou municipais de educação, universidades, Governo Federal 19 dentre outras). Além disso, trata-se de documentos que formam, de certa forma, professores e que objetivam regular o ensino e, por este motivo, são normativos. Ao abordarmos questões curriculares, estamos pensando em três dimensões imbricadas que compõem o currículo oficial prescrito: (1) objetos de ensino (o que se sugere ensinar em uma aula de LP?); (2) prática docente (como se espera ensinar LP) e (3) nas práticas avaliativas (o que e como se deve avaliar em uma aula de LP?). Posto isso, devemos dizer que concordamos com Moreira e Candau (2007, p. 18) que currículos são mais do que documentos oficiais, já que são experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. Desta maneira, a pesquisa acerca das questões curriculares é relevante, pois estes documentos oficiais expressam, mesmo que com tensões, o que em determinado momento histórico e em determinado lugar está sendo tido como “papel da escola’. Para Leal et. al (2014, p. 52) essas tensões refletem as diferentes concepções dos pesquisadores e educadores acerca das finalidades da escola e do que seria relevante ser estudado nela. Nos documentos oficiais, via de regra, há uma tentativa de fazer circular os consensos mínimos ou de apagar as divergências, fazendo prevalecer as concepções hegemônicas entre os que dirigem o Ministério da Educação, a rede de ensino ou a escola. Inerentes a estas tensões estão negociações de várias ordens. Segundo os autores (idem), há “negociações econômicas gerais”, negociações entre adeptos de diferentes abordagens teóricas e pedagógicas, negociações entre especialistas da área curricular e especialistas das diversas áreas do conhecimento e negociações entre os pontos de vista dos técnicos e servidores das secretarias de educação, dos diretores e coordenadores e dos professores. Além disso, esses documentos possuem um caráter duplo, de acordo com Pietri (2007, p. 264): de documentos de normatização, uma vez que, elaborados por órgãos do governo, têm como objetivo regula as ações no âmbito do ensino; e de documentos de formação, pois se fundamentam em conhecimentos produzidos na academia. Por questões de limite de tempo e de espaço, fomos obrigados a fazermos um recorte em relação a quais currículos oficiais prescritos analisaríamos, se das instâncias 20 municipais ou estaduais. Baseados em Cenpec (2015), escolhemos analisar currículos oficiais prescritos de redes estaduais de ensino por estas terem um maior número de matrículas de alunos do que as redes municipais. De acordo com o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no último censo escolar realizado em 2014, 44,66% dos estudantes dos anos finais do EF estavam matriculados nas redes estaduais de ensino enquanto 41,09% estavam matriculados nas redes municipais. Além disso, concordamos com o Cenpec (2015, p. 17) que a capacidade indutora das políticas dos estados em relação aos municípios é ainda grande em muitas unidades da federação, seja do ponto de vista simbólico, seja via ações articuladas por meio de instrumentos legais, de sorte que as orientações curriculares de muitas secretarias de estados da Educação continuam a ser adotadas por vários municípios em seu território. Já em relação à escolha pelos anos finais do EF, também devido a questões de limite de tempo e de espaço, tivemos de fazer um recorte entre as etapas de ensino que iríamos pesquisar. À luz de Davis et al. (2012) e de Cenpec (2015), optamos por nos debruçar sobre os anos finais do EF, pois, ao olharmos as políticas públicas educacionais, esta etapa do ensino, de uns anos para cá, não tem sido alvo de propostas; os alvos têm sido os anos iniciais do EF (1º ao 5º ano) e o Ensino Médio, etapa final da educação básica brasileira. Em relação à escolha do corpus, após pesquisas, leituras e pré-análises de diversos currículos oficiais prescritos, decidimos analisar o Currículo em Movimento da Educação Básica dos Anos Finais do Ensino Fundamental do Distrito Federal, publicado no ano de 2013 e as Orientações Curriculares do estado do Mato Grosso, publicadas em 2010. Em relação ao Currículo em Movimento da Educação Básica dos Anos Finais do Ensino Fundamental do Distrito Federal (doravante DF), ressaltamos o histórico de reformas curriculares da secretaria de educação (2000, 2002, 2008, 2010 e 2013), o que nos faz inferir que ele sofreu transformações a fim de ficar melhor como documento curricular, seguindo as novas tendências acadêmicas e educacionais. Segundo informações do documento, este foi amplamente debatido por meio da promoção de avaliações, plenárias, grupos de trabalho, fóruns de discussão, validações e reelaborações entre os anos 2011 e 2013 contando com a participação dosprofissionais da educação da própria Secretaria Educacional e das escolas propriamente ditas (BRASÍLIA, 2013). 21 Já as Orientações Curriculares do estado do Mato Grosso (doravante MT) foram construídas em um processo coletivo. Primeiramente, um texto preliminar foi apresentado às escolas como ponto de partida para uma “ampla e aprofundada discussão coletiva e interativa entre os que estão no “chão da escola” e os dirigentes estaduais da educação” (SEDUC-MT, 2010, p. 10). Além disso, tais Orientações trazem a afirmação de que a Secretaria da Educação de MT considera os documentos produzidos em âmbito federal limitados e, por isso, estes não auxiliam no enfrentamento de questões particulares e singulares do estado federativo, como por exemplo, a educação rural e indígena. Além disso, há uma grande diferença entre ambos os documentos que nos chamou a atenção e nos fez pensar que os resultados seriam relevantes e interessantes. O documento de MT coloca-se como transdisciplinar e, deste modo, insere o ensino de LP na chamada área de Linguagens, juntamente com o ensino de Língua Estrangeira, Educação Física e Artes e não prescreve conteúdos a serem ensinados e aprendidos, apenas capacidades a serem desenvolvidas por meio de descritores, como veremos no capítulo de análise. O documento do DF, por sua vez, apresenta-se como conteudista, apresentando, de maneira formal, objetivos e conteúdos para cada disciplina, de forma separada, e para cada ano da etapa final do EF. Ou seja, as concepções de cada documento são diferentes entre si. Por fim, as questões relativas ao currículo escolar oficial prescrito e dos letramentos são preocupações para todos os que estão envolvidos com educação e, nesse grupo, estão incluídos os pesquisadores em LA, principalmente aqueles envolvidos em pesquisas acerca da Educação Linguística, área na qual estão inseridos estudos sobre currículos e letramentos. Assim, faz-se necessário “voltar os nossos pensamentos para o mundo que estamos vendo, vivendo” (RAJAGOPALAN, 2011 apud MILLER, 2013, p. 99) no qual pesquisar quais concepções de letramentos estão presentes em currículos oficias prescritos de ensino de LP nos anos finais do EF é essencial para compreendermos as possíveis motivações e consequências dessas escolhas e, deste modo, contribuir, mesmo que de maneira inicial, com as pesquisas sobre letramentos e currículos relativos ao ensino de língua materna no Brasil. 22 Objetivos E Questões De Pesquisa Diante do que foi exposto até aqui, elencamos os nossos objetivos nesta dissertação de mestrado: • Objetivo Geral: realizar, no âmbito da LA, uma análise crítica sobre as concepções de letramento no ensino de Português em dois currículos oficiais prescritos. • Objetivos Específicos: o Verificar quais são as concepções de letramento presentes nos currículos oficiais prescritos e o Verificar e analisar quais eventos e práticas de letramentos são mencionados nos currículos oficias prescritos selecionados. • Perguntas de Pesquisa: 1. Quais eventos e práticas de letramentos são mencionados nos currículos oficiais prescritos analisados? 2. Como as concepções de letramento presentes nos currículos oficiais prescritos analisados se relacionam com os eixos de ensino (leitura, escrita e análise linguística) de LP? • Decorrência do Trabalho: esperamos contribuir para com as pesquisas sobre currículos oficias prescritos e concepções de letramentos nas aulas de língua materna nos anos finais do EF. Organização Dos Capítulos Da Dissertação O Capítulo 1 traz uma retrospectiva histórica dos currículos oficiais prescritos no Brasil a fim de refletirmos sobre os conteúdos e as práticas e, consequentemente, sobre as questões curriculares envolvidas ao longo dos anos. A ideia é oferecer um panorama que evidencie as várias mudanças nos documentos curriculares, até chegar ao ponto no qual o conceito de letramentos entrou, realmente, no debate educacional e na escola brasileiros, de modo a melhor compreender como tem sido apropriado nessas instâncias nos últimos tempos. Para tanto, recorreremos a Chervel (1990), Romanelli (1998), Marinho (2000), Razzini (2000), Rojo (2009), Bunzen (2009), Ilari (2009), Geraldi (2011), Possenti (2011), Soares (2004), Hilsdorf (2015) dentre outros. 23 Em seguida, o Capítulo 2 abordará os vários conceitos de letramentos, traçando um quadro histórico e teórico acerca dos estudos e das pesquisas a seu respeito, tanto em âmbito nacional quanto em âmbito internacional a fim de termos ciência das várias perspectivas e pesquisas existentes neste campo e, assim, no capítulo analítico, poder reconhecer os princípios de letramentos existentes no corpus selecionado. Tendo em mente o contexto acadêmico da LA, em termos de pesquisas e estudos no campo dos letramentos, podemos dizer que percorreremos o seguinte percurso científico: iniciando pela relação entre os conceitos de alfabetização e letramento, passando ao conceito plural de letramentos (modelos Autônomo, Ideológico e Funcional) e aos de letramentos digitais, multiletramentos e novos letramentos. Para tanto, recorremos a Street (1984, 1993, 2012), Kleiman (1995), Grupo de Nova Londres (1996, 2006), Soares (2000, 2008), Rojo (2012, 2013, 2015), Kalantzis & Cope (2004), Lankshear e Knobel (2007, 2008, 2011), Buzato (2009), Bevilaqua (2013) dentre outros. Já o Capítulo 3 trará a parte metodológica desta dissertação de mestrado, explicitando, explicando e justificando a utilização da pesquisa documental qualitativa e o processo de coleta e análise de dados. Além disso, situamos o nosso trabalho no campo da LA e narraremos a sua trajetória, abordando os percalços e as mudanças ao longo do aprofundamento teórico e da coleta de dados, bem como a construção de categorias de análise pertinentes ao objeto e aos objetivos neste estudo delineados. Recorreremos aos autores Bohn (2013), Cavalcanti (2013), Evensen (1998), Miller (2013), Moita Lopes (2013), Pennycook (1998), Rajagopalan (2013) e Rojo (2007) na contextualização deste trabalho na LA e aos autores Chizzotti (2008, 2008), Lankshear e Knobel (2008) e Ludke e André (1986) na metodologia propriamente dita. O Capítulo 4, por sua vez, trará a descrição das propostas curriculares e a análise de dados e a discussão dos resultados à luz de todo o aprofundamento teórico apresentado nos capítulos anteriores. Por fim, as Considerações Finais apresentam uma síntese avaliativa do que foi observado, além de ponderarem sobre se os objetivos geral e específicos foram alcançados e se as perguntas de pesquisa foram respondidas. Além disso, apontam possíveis questões para exploração em estudos futuros. 24 CAPÍTULO 1 - A HISTÓRIA DA PRESCRIÇÃO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS CURRÍCULOS OFICIAIS PRESCRITOS O desenvolvimento de uma disciplina escolar está condicionado a fatores internos e externos. Os primeiros dizem respeito às próprias condições de trabalho na área, e os últimos estão diretamente relacionados à política educacional e ao contexto econômico, social e político que a determinam. A importância, ou o peso atribuído a estes fatores dependerá do nível de desenvolvimento em que se encontra a própria área de estudos, bem como do próprio contexto educacional e do regime político e tradição cultural que o circunscrevem. (SANTOS, 1990, s.p). Conhecer a história dos currículos oficiais prescritos no Brasil é de fundamental importância para tomarmos consciência de como o ensino, como um todo, foi organizado e implementado no país, assim como, especificamente em relação a Língua Portuguesa, como esta tornou se uma disciplina escolar a fim de identificarmos quais concepções curriculares nortearam tal trajetória. É adequado ressaltar, neste contexto, que a Língua Portuguesa já esteve ausente não só dos currículos oficiais prescritoscomo também do intercurso social. Assim sendo, por meio de uma perspectiva cronológica, este capítulo tem como objetivo traçar a história dos currículos oficiais prescritos no Brasil a fim de analisarmos como se deu a emergência do conceito de letramento nesses currículos, nosso objeto de pesquisa. Para tanto, primeiramente, situamos os currículos oficiais prescritos como políticas públicas educacionais; em seguida, realizamos um aprofundamento teórico sobre a questão curricular e, por fim, traçamos uma trajetória histórica dos currículos oficiais prescritos brasileiros juntamente com uma trajetória também histórica da Língua Portuguesa como disciplina escolar, consequentemente. 25 1.1 Currículo Oficial Prescrito Como Política Pública Para Litron (2014, p. 41), o currículo como política pública preocupa desde as autoridades responsáveis pelas decisões educacionais, passando pelos pesquisadores que são convidados a participarem da fase de elaboração de mudanças após análise e chega aos gestores, coordenadores, professores, alunos e pais e responsáveis, atores que recepcionam o currículo e participam da sua implementação. Como política pública, currículos são tidos como reformas políticas e, assim, “constituem elementos importantes para a análise de projetos políticos, econômicos e culturais de um dado momento histórico” (LITRON, 2014, p. 41). Esta análise, de acordo com a autora, é uma oportunidade de se evidenciar as relações de poder intrínsecas nestas reformas curriculares e a presença de teorias, propostas e práticas. No entanto, esta análise deve ser teórica e não subjetiva (PACHECO, 2003) a fim de construir parâmetros conceituais para enquadrar teorias públicas de decisão sobre currículo, já que, para o autor, o currículo é um projeto educativo-didático que possui, essencialmente, três características: (1) propósito educativo planificado no tempo e no espaço em função de finalidades específicas; (2) processo de ensino/aprendizagem com referência a conteúdos e atividades e (3) contexto específico da escola ou organização formativa. Assim, as reformas curriculares são políticas curriculares que, por sua vez, são um conjunto de leis e de regulamentações que dizem respeito ao que deve ser ensinado nas escolas e que envolve (1) um contexto de decisão política e administrativa ligado ao propósito educativo planejado para um determinado tempo e espaço e com objetivos específicos; (2) parâmetros de atuação com certa flexibilidade para os diferentes agentes e (3) um aspecto político como primeiro condicionante direto do currículo e, indiretamente, é através de sua ação que os demais agentes são moldados. Ou seja, o aspecto político de uma reforma curricular configura toda a sua criação e aplicação, determinando, inclusive, a atuação dos diversos atores presentes nesse cenário. Essas configurações e determinações políticas são instauradas pelo Estado por meio de instrumentos normativos explícitos, como leis, portarias e despachos; por instrumentos normativos interpretativos, como circulares e ofícios e, finalmente, por documentos de orientação, como textos de apoio e documentos internos (PACHECO, 26 2002). Todos esses gêneros circulam nas esferas política e governamental públicas e ressaltam o papel do Estado na implementação das reformas curriculares. Porém, Litron (2014) chama a atenção para os contextos da implementação de uma política curricular, algo de que o Estado às vezes se esquece. A autora, evocando Pacheco (2002), estabelece quatro contextos: (1) contexto da influência – momento da construção dos discursos políticos pelos principais grupos de pressão; (2) contexto da produção de textos políticos – momento da escrita de textos normativos, documentos, pareceres, discursos oficiais, intervenção da mídia (por vezes contraditória e incoerente, pois representa diversas alianças); (3) contexto da prática – momento da intervenção dos práticos (razão pela qual muitos currículos são ignorados, rejeitados ou distorcidos, pois não correspondem aos valores, propósitos e interesses dos professores, alunos e de outros envolvidos); (4) contexto dos resultados – momento dos efeitos das políticas tanto nas estruturas e práticas quanto no impacto desta mudança nos padrões de igualdade, liberdade e justiça social e (5) contexto da estratégia política – momento das atividades sociais e políticas que visam contribuir para a resolução/atenuação das desigualdades, no fundo, a base da investigação social crítica. Estes contextos retratam os diferentes níveis de ação de uma política curricular, desde a formulação estatal até a chegada nas escolas e já que há diferentes níveis de ação deve haver diferentes níveis de análise. De acordo com Pacheco (2002), as análises de currículo dividem-se em macro e micro análises. No nível macro analisam-se os sistemas nacionais a partir de teorias neomarxistas ou pós-estruturalistas; já no nível micro analisam-se fenômenos de pequena escala (estudos de caso e relações professor-aluno) a partir das teorias interacionais. Ao implantar uma política curricular, o Estado comporta-se como um pedagogo. Assim, Lessard (2008, p. 45) cunhou o conceito “Estado-pedagogo” e explica que este comportamento existe porque o Estado sente-se autorizado a ser uma espécie de pedagogo em nome do bem-estar comum educativo, já que a eficiência das suas políticas perpassam as práticas docentes, pois deve haver, segundo esta lógica, um currículo oficial prescrito que baliza e regula o trabalho dos professores e da escola como um todo. Não é por acaso que todo governo municipal e estadual possui uma secretaria da educação e o Governo Federal possui o Ministério da Educação (MEC), pastas dedicadas aos ensinos municipais, estaduais e ao ensino federal pelas quais passam todas as decisões 27 governamentais acerca da educação, inclusive sobre questões de currículo, e as quais os profissionais desta área respondem e são subordinados. Neste contexto, as reformas curriculares propostas pelo Estado têm se mostrado uma história de “esperanças quebradas” (LESSARD, 2008, p. 55), pois uma reforma atrás da outra é feita, “dependendo do humor dos políticos desejosos de deixar suas marcas durante suas passagens” (idem). Além disso, estas reformas são feitas muito rapidamente, “sem preocupação verdadeira para com os atores da base do sistema, que se encontram, assim, envolvidos em um barco que não escolheram e cujo sentido nem sempre entendem” (idem). Os resultados dessa falta de preocupação são políticas governamentais, por vezes, contraproducentes que não têm como consequência uma educação melhor. Entretanto, independentemente da rapidez com que políticas curriculares são propostas e substituídas, de acordo com Lessard (2008, p. 47) o currículo possui três dimensões: (1) uma visão educativa que define o tipo de cidadão, de cultura e de “saber- fazer” que uma sociedade pretende desenvolver (o que mais parece faltar nos currículos implementados no Brasil, nos arriscamos a afirmar); (2) uma tradução dos programas de estudos implementados nas escolas (apesar de nem sempre parecer uma tradução, já que faltam objetividade e clareza e sobram nuances em muitos documentos, como será possível constatar no capítulo de análise dessa dissertação) e (3) uma pedagogia coerente com orientações pedagógicas dos enunciados políticos (algo também difícil de ser encontrado, pois muitas propostas curriculares são como “colchas de retalhos” em termos teóricos). Assim, neste cenário, uma reflexão a respeito da necessidade do Estado prescrever uma pedagogia e sobre até onde ele deve ir e com que grau de tecnicidade faz-se importante. Para Litron (2014) deve-se buscar um equilíbrio entre a quantidade, o grau e o detalhamento das prescrições, já que há relações de forças entre os que prescrevem e os que recebem estas prescrições,já que, segundo Lessard (2008, p. 56) o desequilíbrio é notado, muitas vezes, quando se chega à prática, pois há um choque entre as exigências estabelecidas por quem criou o currículo e a sua aplicabilidade. Além da questão do “Estado-pedagogo”, pode-se estudar as políticas curriculares por meio do que Pacheco (2002, p. 35) nomeou de “modelo das racionalidades técnicas” e “modelo das racionalidades contextuais”. 28 Do lado das racionalidades técnicas, as decisões são tomadas no nível macro, já que são centralizadas pelo Estado e pela lógica de mercado por meio das vozes de consultores externos. Neste caso, assim como no “Estado-pedagogo”, os professores e a comunidade escolar como um todo são vistos como “técnicos” e a sua única função é implementar as reformas, mas não debatê-las. Geralmente, os governos implementadores das reformas curriculares realizam encontros de diversos tipos (conferências, fóruns de discussão, grupos de trabalho, dentre outros) a fim de dialogar com os profissionais da educação; alguns estados promovem determinados encontros apenas para os profissionais que trabalham nas secretarias estaduais de educação e depois estes, em outras ocasiões de formação, passam as discussões e o que deverá ser feito para os professores da rede, como Litron descreve detalhadamente na parte introdutória de sua Tese de Doutorado (2014, p. 25-39). Portanto, podemos concluir que há dois momentos de interlocução entre Estado e escola, cada um com objetivos diferentes: (1) discussões, debates e prescrições com professores atuantes nas secretarias estaduais da educação e (2) explicações de implementação aos docentes presentes nas salas de aula. • Racionalidade Cultural • Engenharia mercantil • Racionalidade crítica • Engenharia Tyleriana Lógica de Estado Lógica do Ator Lógica Cultural Lógica de Mercado Figura 1: Lógicas na construção das políticas curriculares. (Adaptado de PACHECO, 2002, p. 35) 29 Já do lado das racionalidades contextuais há propostas mais flexíveis que apresentam, por sua vez, perspectivas sociais e culturais que discutem questões relativas ao poder, à diversidade e à identidade próprias de cada política curricular. De acordo com Litron (2014, p. 48), esta organização “remete às principais tendências curriculares que se desenvolveram ao longo da história da Educação”, tendências estas sintetizadas por Silva (1999) da seguinte maneira: (1) teorias de currículo tradicionais, nas quais o docente transmite um conhecimento estático, objetivo e valorizado pelo cânone para um aluno passivo; (2) teorias de currículo tecnicistas, nas quais o professor transmite um conhecimento de cunho técnico, instrumental e econômico voltado ao mercado de trabalho; (3) teorias de currículo críticas, nas quais questões ideológicas e de poder são disseminadas pelas escolas e (4) teorias de currículo pós- críticas, nas quais o poder é descentrado e multiforme e há uma valorização da diversidade, das identidades e do multiculturalismo. Por fim, após os tipos de análises, o “Estado-pedagogo”, às teorias, tendências e modelos curriculares há ainda os parâmetros que dizem respeito à autonomia, forma e conteúdo das políticas curriculares. À luz de Pacheco (2002, p. 32), as tomadas de decisão e as responsabilidades das políticas curriculares podem ser ilustradas da seguinte maneira: A partir destes quatro eixos, o autor estabelece quatro tipos de políticas de instauração de currículo: (1) política centralista (A-B); (2) política descentralista (D-C); (3) política centralista e descentralista (A-D) e (4) política descentralista e centralista (C- B). A política centralista (A-B) tem este nome, pois a administração central atua de maneira determinante na concepção e na operacionalização da política curricular; trata- Figura 2: Tomadas de decisões e responsabilidades das políticas curriculares (PACHECO, 2002, p. 32) 30 se do caso do “Estado-pedagogo”. Já a política descentralista (D-C) é o contrário, pois nela os contextos locais têm a função de implementar o currículo e de recontextualizá-lo. Já na política centralista e descentralista (A-D) a perspectiva normativa é a mais forte, “uma vez que há certa política curricular descentralizada no nível dos discursos, mas esta é recentralizada no nível das práticas” (LITRON, 2014, p. 50). Ou seja, a elaboração dos documentos é realizada de maneira autônoma, mas é regulada pela administração central. Por fim, a política descentralista e centralista (C-B) é o oposto, pois nela a administração central define os referenciais da política curricular que, por sua vez, são entregues à comunidade escolar que os recontextualizam e os reinterpretam de acordo com as suas práticas. A escola é uma instituição essencialmente burocrática que faz parte de uma estrutura de poder com nítidas intenções que influenciam na criação, na formulação e nas mudanças das disciplinas escolares por meio das políticas curriculares. Estas, por sua vez, refletem a relação existente entre sociedade, escola e política, o que culmina em currículos oficiais prescritos que, justamente, prescrevem objetivos almejados por determinados setores da sociedade civil e por determinados governos; ou seja, tais documentos oficiais expressam, mesmo que com tensões, o que em determinado momento histórico e em determinado lugar está sendo tido como “papel da escola”. Inerentes a estas tensões estão negociações de várias ordens. Segundo Leal et. al (2014, p. 52), há “negociações econômicas gerais”, negociações entre adeptos de diferentes abordagens teóricas e pedagógicas, negociações entre especialistas da área curricular e especialistas das diversas áreas do conhecimento e negociações entre os pontos de vista dos técnicos e servidores das secretarias de educação, dos diretores e coordenadores e dos professores. Além disso, esses documentos possuem um caráter duplo, de acordo com Pietri (2007, p. 264), de documentos de normatização, uma vez que, elaborados por órgãos do governo, têm como objetivo regular as ações no âmbito do ensino; e de documentos de formação, pois se fundamentam em conhecimentos produzidos na academia. Sacristán (1998), por sua vez, ainda fala no currículo em ação, isto é, nas experiências efetivas que acontecem em sala de aula, aquelas que envolvem o real 31 conteúdo da prática educativa que, para alguns estudiosos, é o verdadeiro currículo, ao contrário dos currículos oficiais prescritos. Apesar das tendências curriculares de Silva (1999), muitas nomenclaturas relacionadas aos documentos curriculares convivem, como por exemplo, “proposta”, “referenciais”, “parâmetros”, “diretrizes”, “orientações” e “matrizes”. Tratam-se de modelos de documentos que, segundo o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec (2015), diferem em relação ou grau de especificação dos objetivos; grau de explicitação dos fundamentos teóricos; maior ou menor ênfase em produtos ou em processos; maior ou menor possibilidade de articulação com avaliações externas; grau de abertura à iniciativa de órgãos e grau de detalhamento da progressão do ritmo das aprendizagens. De acordo com a pesquisa do Cenpec (idem), além dessa diversidade de nomenclaturas há traços conflitantes dentro de um mesmo documento curricular, o que o torna uma espécie de híbrido, já que há aspectos de mais de um modelo em um mesmo documento. Vejamos a classificação realizada pelo Cenpec (idem): Tabela 1- Intensidade dos aspectos que definem os modelos de documento. (CENPEC, 2015) Esta primeira seção do Capítulo 1 teve como objetivo situar teoricamente o que pensamos sobre a questão curricular, especialmente como política pública educacional, consolidando as nossas justificativas de escolha dos currículos oficiais prescritos como objetos de estudoe a análise do corpus. 32 A seguir, iniciamos a retrospectiva histórica sobre os mesmos no Brasil. Porém, gostaríamos de ressaltar que, em alguns momentos, houve currículos prescritos, mas em outros não, nos quais houve apenas leis e decretos, por exemplo, com força de documentos curriculares. Isso justifica o fato de que ora se mencionam documentos curriculares, ora não. 1.2 Do Ensino Jesuítico ao Colégio Pedro II Nos primeiros anos após o início da colonização portuguesa, três línguas coexistiam no Brasil Colônia em pé de igualdade4, digamos assim: o Português de Portugal, ainda o único Português, trazido pelos colonizadores portugueses; a língua geral, uma espécie de codificação das línguas indígenas faladas no país que, por sua vez, se deu por uma grande parte delas possuir o mesmo tronco, a língua Tupi e, finalmente, o Latim, trazido pelos jesuítas portugueses e pelo qual todos os níveis de educação (secundário e superior) se davam neste período. Deste modo, a língua geral era falada durante a catequese dos indígenas, promovida pelos jesuítas, e no dia a dia, na comunicação entre os portugueses (bandeirantes, inclusive) e os próprios indígenas e entre esta população, já que havia inúmeras línguas indígenas no Brasil Colônia. A influência jesuíta chegou forte à colônia, pois na Europa a Companhia de Jesus atuava em colégios secundários e em universidades e aqui a educação realizada pelos jesuítas, por meio das ideias pedagógicas do Padre Manuel da Nóbrega, foi intensa entre os anos de 1549 e 1570 com o objetivo de converter os índios ao catolicismo. Para conseguir este feito, “o ensino oral do Português tornou-se necessário” (BUNZEN, 2009, p. 37) e segundo o autor, “para alguns historiadores somente depois de falar o português e conhecer os fundamentos da doutrina cristã é que eles podiam iniciar a “escola de ler e escrever” (idem). Em 1599, foi publicada a primeira edição do Ratio Studioram, o conjunto de regras que regulamentava o ensino nos colégios jesuíticos e tinha o status de lei para toda a Companhia de Jesus. A finalidade desse documento era a de regular todas as atividades, papéis e avaliações nas instituições de ensino jesuíticas e é considerado uma “ponte” entre 4 Colocamos desta maneira, pois, além destas línguas, outras eram faladas no Brasil Colônia: as línguas indígenas e as africanas, além das europeias, como o Espanhol e o Holandês. Para compreender melhor o contexto plurilíngue desta época, indicamos a leitura de ILARI, R. e BASSO, R. O Português da Gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. 33 o ensino medieval e o moderno e tinha como objetivo exercer poder educacional e também político, já que recebeu grande influência política, inclusive de fora da Igreja Católica. Neste cenário, os poucos meninos privilegiados que iam à escola aprendiam a ler e a escrever em Português, mas este ainda não era um componente curricular, como ressalta Soares (2004), e sim apenas um instrumento para alfabetização. Quando os alunos eram alfabetizados, o Português era esquecido e o Latim entrava em cena com o ensino da gramática latina, tanto no nível secundário quanto no nível superior, juntamente com o ensino da Retórica5 e da Poética6 de autores latinos e de filosofia porque assim constava no programa de estudos do Ratio Studioram. Além disso, como a Língua Portuguesa não era a língua dominante no dia a dia do Brasil Colônia, não houve uma razão para inseri-la no currículo da época. Desde este período, podemos notar, portanto, a forte influência de duas instituições oficiais burocráticas e de poder: o Estado e a Igreja Católica. Como afirma Bunzen (2009, p. 37), “durante um bom período, o letramento escolar estava à serviço de Deus e à serviço d´El- Rei, mostrando-se favorável a preservação da cultura portuguesa”. Em meados do século XVII, Marquês de Pombal, por meio das chamadas reformas pombalinas, expulsou os jesuítas de Portugal e do Brasil Colônia. Uma das mudanças advindas das reformas foi a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa no ensino da colônia e a consequente proibição do uso da língua geral, do Latim e de quaisquer outras línguas a fim de introduzir nos povos conquistados o seu próprio idioma para “desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes”7 e mostrar veneração e obediência ao Príncipe português. Deste modo, mais uma vez, o Estado como instituição burocrática e poderosa exige obediência da escola e determina o que a elite brasileira daquela época, à luz do Iluminismo europeu e do racionalismo moderno iria aprender (BUNZEN, 2009) e, assim, submetendo a Igreja Católica ao seu poder. Na prática, Pombal, por meio de uma política 5 A arte da eloquência, do falar bem, do bem argumentar. 6 Estudos literários que têm como objetivo de ensino-aprendizagem as normas versificatórias dos textos poéticos, ou seja, da poesia, como por exemplo, a métrica e a versificação, bem como os compêndios da Poética, desde Aristóteles até os dias atuais. 7 A citação foi extraída de Soares (2004) e a autora, por sua vez, usou uma citação de Cunha (1985, p. 79- 80) de um texto do Diretório de 3 de maio de 1757 no qual são determinadas medidas ao estado do Pará e do Maranhão que posteriormente foram estendidas a todo o Brasil em 17 de agosto de 1758. 34 absolutista, fechou colégios e escolas elementares antes dirigidas pelos jesuítas e instaurou as aulas régias avulsas dadas por professores que eram aprovados em concursos públicos para este fim. Os alunos escolhiam algumas disciplinas e as famílias aristocratas de alguns garotos organizavam-se e contratavam os docentes primários e secundários. As reformas pombalinas foram alvo de críticas. Para Fernando de Azevedo (apud SOARES, 2004, p. 160) Pombal extinguiu uma organização escolar, no caso, a jesuíta, “sem que essa destruição fosse acompanhada de medidas imediatas, bastante eficazes para lhe atenuar os efeitos ou reduzir a sua extensão”. Ou seja, para Azevedo, como um Estado Absolutista, Portugal, por meio de Pombal, agiu como um “Estado-pedagogo” (LESSARD, 2008, p. 45) através de uma reforma escolar e curricular que não se preocupou com as mudanças que estava fazendo e com as suas consequências. Apesar das controvérsias, Soares ressalta que não se pode negar que as medidas implantadas e impostas por Pombal “contribuíram significativamente para a consolidação da língua portuguesa no Brasil e para a sua inclusão e valorização na escola” (SOARES, 2004, p. 160). De acordo com a autora, a reforma pombalina adotou a proposta de Luiz Antônio Verney posta no livro O Verdadeiro Método de Estudar, no qual defendeu a alfabetização em Português, o estudo da gramática da Língua Portuguesa antes do estudo da gramática latina e, posteriormente, a comparação entre as duas. Portanto, a gramática portuguesa passou a compor o currículo, ao lado da gramática latina. Com o passar do tempo, ainda durante o século XVIII, o Latim passou a perder um pouco do seu espaço para a Língua Portuguesa, já que esta passa a ser parte integrante das disciplinas de Gramática, Retórica e Poética no ensino secundário. Podemos concluir, assim, que tanto a Gramática quanto a Retórica são disciplinas curriculares predominantes na área de ensino e aprendizagem de língua e linguagens do século XVI ao século XIX. No início do século XIX, o currículo do colégio Pedro II (instituição instalada na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital federal, em 1837, foi exemplo, modelo e pioneiro no ensino brasileiro até meados do século XX) incluiu nas aulas de Retórica e Poética autores nacionais e posteriormente, no ano de 1862, instituiu a disciplina Literatura Nacional e acrescentou ao Português a recitação e a índole da língua, em 1870(RAZZINI, 2000). A perda de força e de influência social do Latim ao longo dos séculos XVII e XVIII, tanto na Europa quanto na América, auxiliou na consolidação das línguas 35 nacionais e o mesmo se deu no Brasil, apesar de a língua latina ter sido excluída do currículo escolar apenas no século XX, já que até meados da década de 1960 os alunos brasileiros aprendiam Latim nas escolas. Tanto Bunzen (2009) quanto Soares (2004) assinalam como fatores favoráveis a publicação das gramáticas brasileiras e a instalação, em 1808, da Imprensa Régia e da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, além da criação de mais cursos superiores. A consolidação da Língua Portuguesa como a língua nacional do Brasil também consolidou-a como sistema, como uma área de conhecimento que pode ser entendida e estudada como tal. Além disso, o ensino da gramática da Língua Portuguesa sempre focou e privilegiou o ensino de uma única modalidade, ou seja, a norma culta. A política linguística implementada, tanto em Portugal quanto no Brasil, sempre priorizou a norma culta da língua e sempre deixou de lado as variedades linguísticas8. A política linguística, após a Independência, começou a usar o termo “língua nacional” e determinou que o ensino do Português deveria ser realizado por meio de uma gramática da “língua nacional” (BUNZEN, 2009). Em 1838, a Gramática Nacional (cf. PROFIM NETO et al., 1974) coloca como objeto de ensino a “língua nacional”. No ano de 1862, as três disciplinas escolares referentes ao ensino de Língua Portuguesa foram agrupadas e fundidas em uma única disciplina: Português. Para Soares (2004), isso não significou o surgimento de uma nova disciplina com outros conteúdos e objetivos, pois manteve, até a década de 1940 do século XX, o ensino tradicional pautado na gramática, na retórica e na poética. De acordo com a autora, isso ocorreu porque a “clientela” da escola brasileira manteve-se a mesma, ou seja, os filhos das famílias privilegiadas socialmente, a quem continuavam a ser úteis as aprendizagens previstas. Embora o nome da disciplina fosse apenas “Português”, segundo Soares (2004) os conteúdos que a compunham mantiveram suas características e uma certa autonomia, inclusive porque, nos primeiros cinquenta anos do século XX, dois materiais didáticos distintos conviviam nas escolas e nas casas dos alunos: as gramáticas e as antologias9 ou as coletâneas de textos. 8 Isso refletia nos livros ou compêndios escolares lançados na segunda metade do século XIX; segundo Razzini (2000) e Soares (2004), os docentes do colégio Pedro II eram autores de várias obras didáticas e de gramáticas e os programas da instituição serviam de base para os exames de ingresso ao ensino superior que, por sua vez, cobravam dos candidatos uma única modalidade da Língua Portuguesa. 9 Razzini (2000), por exemplo, em sua tese de Doutorado, estuda e analisa a Antologia Nacional (cujos autores são Fausto Barreto e Carlos de Laet) e relaciona a sua escrita, publicação e seu uso com o ensino 36 1.3 Início Do Século XX: A Criação Do MEC, Do Inep e as Reformas Educacionais Iniciamos esta seção na década de 1930, pois é nesta época que se inicia, segundo Souza (2008), um período de consolidação e, ao mesmo tempo, de redefinição da educação brasileira. As reformas Francisco Campos, em 1931, e a Reforma Capanema, em 1942, interferem na estrutura organizacional e no projeto cultural de formação das crianças e dos jovens brasileiros, mais especificamente os da elite. A Revolução de 1930 pôs fim à República Velha e Getúlio Dornelles Vargas assumiu o poder em 1930, pois impediu a posse do candidato eleito a presidente, Júlio Prestes. Vargas foi presidente do Brasil por quinze anos ininterruptos, ou seja, até 1945 e desde a sua candidatura proclamou a educação como um “problema nacional”, como afirma Horta (1994), qualificando-a como imprescindível para o aumento da qualidade de vida do cidadão e colocando-a como a favor da nacionalização. Um ano após a sua posse, Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública e nomeou como ministro Francisco Luís da Silva Campos, que tinha como experiência pregressa a promoção da reforma escolanovista em Minas Gerais, em 1927. De acordo com Souza (2008, p. 147), o novo ministério possibilitou uma “maior intervenção do governo federal no ensino e maior centralização”, permitindo que a educação servisse, inclusive, aos objetivos do Estado autoritário, já que, para Hilsdorf (2005), Campos era um conservador e sua reforma, consequentemente, também era. A autora ainda acrescenta que a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública foi resultado de uma das aspirações de uma cultura nacional oriunda da Escola Nova10. O então ministro, por meio de decretos-lei, em atitudes que iam “de cima para baixo”, apontava para um caminho racional e uniforme em termos educacionais. Como de Português e de Literatura no período de 1838 a 1971, já que esta seleta de textos foi sucesso editorial (sua última reedição foi em 1969, na 43ª edição) e pedagógico, já que foi adotada pelo colégio Pedro II e usada em todo o Brasil por 70 anos. As coletâneas ou seletas apresentavam autores tidos como consagrados pelo cânone literário sem nenhum tipo de “trabalho” didático sobre eles, isto é, sem comentários, exercícios ou explicações, já que isso cabia ao docente de Português que era idealizado como aquele que não necessita de maiores “apoios” para ministrar uma aula. 10 A Escola Nova foi, segundo Souza (2008, p. 148) um “ideário pedagógico” que de 1926 a 1930 norteou a atuação de Francisco Campos na Secretaria dos Negócios do Interior de Minas Gerais quando houve a implementação da reforma da instrução pública. 37 exemplo, podemos citar o retorno do ensino religioso facultativo nas escolas públicas a pedido da Igreja Católica. Para Francisco Luís da Silva Campos, a reforma no ensino secundário visava a formação do homem em todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões mais convenientes e mais seguras (BICUDO, 1942, p. 639 apud SOUZA, 2008, p. 148). Para tanto, a duração do curso foi aumentada e dividida em dois ciclos, ao mesmo tempo, e os planos de estudos refeitos, dando maior ênfase às ciências físicas e naturais. Além disso, foram organizados aspectos burocráticos, como por exemplo, seriação, frequência obrigatória e aprovação em todas as disciplinas como condição para promoção para a série seguinte. A reforma Francisco Campos também empreendeu uma padronização nas instituições escolares secundárias do país, principalmente nas particulares que, naquela época, concentravam mais de 75% das matrículas, de acordo com Souza (2008, p. 151) e esta uniformização chegava ao currículo e ao regime didático por meio de fiscalizações e um sistema de avaliação minucioso que, para a autora, possuiu dupla finalidade: “moralizar o ensino e legitimar a seletividade do sistema educacional” (idem). Houve também mudanças curriculares relevantes neste período, já que em 1931 foram publicados, pelo ministério, programas para os cursos do ensino secundário, os quais estabeleciam o conjunto de disciplinas que deveriam ser ministradas, além dos seus respectivos conteúdos e finalidades. Primeiramente, houve a realização de uma seleção no e para o ensino secundário pela qual os estudos literários e científicos foram distribuídos de uma maneira mais equilibrada; no entanto, em segundo lugar, o currículo perdeu, em parte, sua característica humana, antigamente mais acentuada, já que o número de aulas de disciplinas humanísticas caiu, segundo Souza (2008, p. 153). Mais especificamente em relação
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