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Por-que-cortar-gastos-não-é-a-solução-para-o-Brasil-ter-crescimento-vigoroso- (1)

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FOLHA 
15set19 
 
Por que cortar gastos não é a solução 
para o Brasil ter crescimento vigoroso? 
Para grupo de pesquisadores, nova literatura 
econômica recomenda o inverso, mais investimento 
público 
São Paulo e Rio de Janeiro 
Vivemos a mais longa crise econômica da nossa história e o ritmo de recuperação segue 
muito lento, apesar da enorme capacidade ociosa da nossa indústria, mantendo um alto 
nível de desemprego, incertezas sobre o futuro do país e um processo de 
empobrecimento de amplos setores da população. 
Nesse ambiente de demanda reprimida, o governo deveria estar agindo como a 
experiência internacional nos ensinou após a grande crise de 2008/2009, oferecendo 
estímulos fiscais para que o país volte a crescer de forma consistente. 
Contudo, nossas autoridades e muitos economistas ortodoxos parecem continuar reféns 
de um diagnóstico que dominou a narrativa política nos últimos quatro anos: a ideia de 
que o desequilíbrio fiscal é a raiz dos problemas econômicos e o excesso de gastos 
públicos é a sua causa. 
Além de tal diagnóstico não ser confirmado pelos números, ele tem sido usado para 
defender uma política de ajuste fiscal, que reduziu o investimento público ao menor 
nível em 50 anos e não obteve sucesso em controlar o déficit público. 
Apesar do evidente insucesso dessa política e dos prejuízos sociais que dela decorrem, 
alguns economistas, dos quais deveríamos esperar menos dogmatismo, insistem em 
manter de pé o teto de gastos --a regra fiscal que congela por 20 anos o gasto público na 
esfera federal, uma regra que não encontra precedentes no mundo desenvolvido e que 
está ameaçando paralisar a máquina pública. 
O que nos remete à seguinte pergunta: a insistência em um diagnóstico e uma política 
equivocada reflete apenas uma fé cega ou estaria a serviço de determinados interesses 
econômicos e políticos? 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/economia-brasileira-mostra-ritmo-fraco-de-crescimento-neste-3o-trimestre.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/economia-brasileira-mostra-ritmo-fraco-de-crescimento-neste-3o-trimestre.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/para-50-dos-brasileiros-gasto-publico-e-insuficiente-diz-datafolha.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/para-50-dos-brasileiros-gasto-publico-e-insuficiente-diz-datafolha.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/investimento-publico-deve-cair-ate-40-em-2020-e-ir-ao-menor-patamar-ja-registrado.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/investimento-publico-deve-cair-ate-40-em-2020-e-ir-ao-menor-patamar-ja-registrado.shtml
https://painel.blogfolha.uol.com.br/?p=33589
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O diagnóstico está errado: a culpa não é do gasto público 
A ideia de que o governo precisa cortar gastos para voltar a crescer ganhou status de 
mantra. Argumentos falsos e mesmo um tanto infantis como "acabou o dinheiro" e "o 
Brasil quebrou", em conjunto com as frequentes comparações do Orçamento do 
governo com o orçamento de uma família têm promovido um ambiente que deixa pouco 
espaço para o debate qualificado. 
Não, o país não quebrou. Não, o dinheiro não vai acabar enquanto o Estado puder 
exercer suas funções fiscais na sua própria moeda e alocar recursos a partir das escolhas 
da sociedade. 
No entanto, é fato que o Brasil enfrenta um déficit público considerável e houve um 
aumento da dívida pública desde 2014. Mas qual é a causa do aumento dessa dívida? 
Entre 2007 e 2014, a dívida bruta se manteve relativamente estável em torno de 57% do 
PIB (Produto Interno Bruto). 
Nesse período, os juros nominais contribuíram em média com 5,7 p.p. (pontos 
percentuais) do PIB por ano para o aumento da dívida, enquanto o crescimento do PIB 
nominal contribuiu em montante semelhante (5,6 p.p.) para a redução da dívida. 
O resultado primário, que se manteve positivo ao longo de quase todo aquele período, 
teve um impacto próximo de zero para explicar a dinâmica da dívida. 
Já entre 2015 e 2018, o aumento da dívida bruta se deveu a dois condicionantes 
principais: a péssima performance do crescimento econômico (2,8 p.p.) e o aumento do 
efeito dos juros nominais (cuja contribuição passa de 5,7 p.p. para 7,1 p.p.). 
Os déficits primários, por sua vez, invertem o sinal da contribuição, mas respondem por 
apenas 0,5 p.p. do PIB/ano do aumento da dívida bruta ao longo do período. 
Portanto, o suposto excesso de gastos públicos não explica a evolução da dívida. 
Os aumentos recentes da dívida pública decorrem principalmente dos gastos com juros 
e da queda do crescimento econômico, que, conforme veremos, é em parte explicada 
pelo corte de gastos públicos. 
Não obstante, há outro mito que ronda o debate público: o mito do "crescimento 
acelerado dos gastos obrigatórios", pleiteado por Marcos Lisboa, Marcos Mendes e 
Marcelo Gazzano em artigo publicado na Folha no dia 8 deste mês (Por que o governo 
deve cortar gastos para o Brasil crescer?). (1) 
Um crescimento acelerado é uma referência ao aumento da taxa de crescimento. No 
entanto, ao contrário do que os autores argumentam, os dados mostram que a taxa de 
crescimento do gasto público caiu desde 2011, tanto os discricionários quanto os 
obrigatórios. 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/05/economia-esta-parada-a-espera-de-reformas-e-so-decola-a-partir-de-julho-diz-guedes.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/05/economia-esta-parada-a-espera-de-reformas-e-so-decola-a-partir-de-julho-diz-guedes.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/05/economia-esta-parada-a-espera-de-reformas-e-so-decola-a-partir-de-julho-diz-guedes.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/lara-resende-defende-revisao-de-limite-de-gastos-para-viabilizar-investimentos.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/por-que-o-governo-deve-cortar-gastos-para-o-brasil-crescer.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/por-que-o-governo-deve-cortar-gastos-para-o-brasil-crescer.shtml
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A taxa de crescimento real das despesas primárias do governo federal desacelerou de 
5,2% ao ano no período de 2003 a 2010 para 3,5% no período de 2011 a 2014 e, 
finalmente, para 0,5% no período de 2015 a 2018. No entanto, a desaceleração das 
receitas nesses períodos foi maior, o que resultou na deterioração do resultado primário. 
Ao analisar a evolução da composição das despesas entre 2002 e 2014, apontada por 
alguns como o período de "gastança", não se verifica um aumento substantivo dos 
gastos do governo federal em relação ao PIB, tampouco da proporção do gasto com 
pessoal, que se reduz em 0,7 p.p. do PIB. 
As despesas que aumentam são as transferências para as famílias (0,6 p.p. do PIB), 
Educação (0,5 p.p.), investimentos (0,3 p.p.) e despesas correntes (0,3 p.p.). 
Portanto, o maior aumento relativo foi dos investimentos públicos. Os investimentos 
cresceram em média 8,5% ao ano entre 2003 e 2010 e caíram 31% em média por ano, 
entre 2015 e 2018. 
Remédio errado: corte de gastos não gera crescimento 
Para além dos mitos criados em torno do excesso de gastos públicos, o debate brasileiro 
também está preso à ideia de que o ajuste fiscal e o corte de gastos contribuem para o 
crescimento econômico, a chamada tese da "contração fiscal expansionista", formulada 
por Alberto Alesina e outros economistas italianos na década de 1990. 
Essa tese passou a ser desconstruída, desde 2012, pelos fatos e por novos estudos, até 
mesmo do FMI (Fundo Monetário Internacional), demonstrando as falhas da 
metodologia usada para embasar a conclusão. 
Como argumentou Paul Krugman, a austeridade é um culto em decadência e a pesquisa 
que lhe dava suporte foi desacreditada. Há estudos que mostram que, além do efeito 
recessivo, a austeridade também provoca um aumento da dívida pública e uma piora da 
desigualdade social. 
Mesmo autores como Alesina, Carlo Favero e Francesco Giavazzi, em texto publicado 
em 2018, reconhecem que aausteridade fiscal é contracionista no curto prazo e tem 
efeitos diferentes de acordo com as especificidades de cada país. 
No Brasil, defensores da austeridade como Lisboa, Mendes e Gazzano têm argumentado 
que somos um caso especial em que a expansão do gasto "perdeu grande parte da sua 
eficácia" e o multiplicador fiscal é baixo. 
Entretanto, os autores tropeçam nos dados e usam uma variável de resultado para 
ilustrar um estímulo fiscal, misturando a dinâmica das receitas e das despesas. 
Os pesquisadores Sérgio Gobetti, Rodrigo Orair e Frederico Nascimento Dutra, em 
texto publicado em 2018 no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostram 
que no ano de 2015, por exemplo, os elevados déficits primário e nominal são 
consequências do movimento das receitas. 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/gasto-com-servidores-vai-a-r-928-bi-e-atinge-maior-patamar-da-historia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/gasto-com-servidores-vai-a-r-928-bi-e-atinge-maior-patamar-da-historia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/verba-livre-de-universidades-federais-retrocede-uma-decada.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/livro-busca-trazer-de-volta-prestigio-da-austeridade-fiscal.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/12/brasil-teve-crise-de-1o-mundo-mas-reagiu-como-subdesenvolvido-diz-krugman.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/12/brasil-teve-crise-de-1o-mundo-mas-reagiu-como-subdesenvolvido-diz-krugman.shtml
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Simultaneamente, ocorreu uma forte contração de despesas, implicando um impulso 
fiscal negativo de 1,5% do PIB. 
Diversos trabalhos empíricos têm adotado diferentes metodologias para estimar os 
multiplicadores fiscais, dos quais se destacam os trabalhos acadêmicos de Alan 
Auerbach e Yuriy Gorodnichenko. 
Essa literatura indica que esses multiplicadores são relativamente elevados, apontando 
para a possibilidade de que a expansão fiscal seja eficaz para estimular a demanda 
agregada e a produção, principalmente na situação de altíssima capacidade ociosa como 
existe atualmente no Brasil. 
Os resultados empíricos não deixam dúvida de que os multiplicadores variam ao longo 
do ciclo econômico. Na fase recessiva, com desemprego e capacidade ociosa, o 
multiplicador fiscal é maior. 
Além disso algumas categorias de despesas públicas tendem a ter um efeito sobre o 
gasto agregado muito maior do que outras. 
Para o caso brasileiro, Orair, Fernando Siqueira e Gobetti, em estudo premiado pelo 
Tesouro Nacional em 2016, estimaram que, nas recessões, o multiplicador das despesas 
com investimentos, benefícios sociais e com pessoal assumem valores da ordem de 
1,68, 1,51 e 1,33 respectivamente. 
Diante do exposto, a interpretação de que a crise brasileira é decorrente de excessos de 
gastos não faz nenhum sentido, assim como cortar gastos não contribuirá para a 
retomada do crescimento. 
Não se quer com isso dizer que o desempenho macroeconômico, a partir de 2015, esteja 
relacionado exclusivamente ao corte das despesas públicas, pois a crise brasileira deve 
ser estudada a partir de suas múltiplas determinações. 
Entretanto, todas as evidências mostram que a virada na política econômica para a 
austeridade em 2015 contribuiu para o aprofundamento da recessão. 
Consequências e aspectos políticos da austeridade 
Em quase todos os países do mundo, mas especialmente nos países avançados, o Estado 
exerce um papel distributivo importante, por meio da política fiscal. Nos países da 
OCDE e na União Europeia, a desigualdade medida depois do efeito na renda dos 
impostos, das transferências sociais e dos serviços públicos como saúde e educação é 
muito inferior à desigualdade da renda bruta de mercado. Isso é fruto da atuação 
redistributiva do Estado. 
O Brasil é o país da América Latina que mais reduz a desigualdade por meio de seu 
gasto social, de acordo com os estudos da Cepal (Comissão Econômica para a América 
Latina e o Caribe) e de Fernando Gaiger Silveira. Essa redução ocorre, principalmente, 
via transferências às famílias e gastos sociais em educação e saúde. 
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2017/09/1917228-gastar-mais-sem-medo-de-ser-feliz.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2017/09/1917228-gastar-mais-sem-medo-de-ser-feliz.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/por-que-economes-em-bom-portugues/2018/06/gastar-mais-pode-melhorar-a-economia-do-brasil.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/ex-ministro-defende-flexibilizar-teto-de-gasto-para-gerar-investimentos.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/ex-ministro-defende-flexibilizar-teto-de-gasto-para-gerar-investimentos.shtml
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Já o sistema tributário é concentrador de renda, pois há grande participação de impostos 
sobre bens e serviços, que penalizam os mais pobres. Portanto, o ajuste fiscal pelos 
gastos é uma estratégia que desmonta justamente o lado progressivo da política fiscal. 
Como mostrado no livro "Economia para Poucos", os efeitos sociais da austeridade já 
podem ser notados na restrição de acesso a saúde, educação, moradia e à deterioração 
do ambiente. Dada a sua seletividade, tais políticas impactam mais fortemente alguns 
grupos, especialmente negros e mulheres. 
Mas há alternativas. Uma nota para discussão publicada pelo corpo técnico do FMI 
aponta que, nos últimos dez anos, houve diversas reformas nos regimes fiscais, 
constituindo as chamadas regras fiscais de "segunda geração". 
As principais mudanças foram o aumento da flexibilidade (como novas cláusulas de 
escape para períodos de baixo crescimento) e aprimoramentos em sua aplicabilidade. 
Os que se opõem à mudança nas regras fiscais brasileiras argumentam que isso levaria à 
fuga de capitais, com consequente crise cambial e aumento da taxa de juros, em situação 
similar à da Argentina. 
Contudo, apesar de os dois países terem dívida pública em patamar semelhante, a dívida 
brasileira é predominantemente denominada em moeda nacional e as reservas 
internacionais (US$ 380 bilhões) superam em muito a dívida de curto prazo. 
Na Argentina, o percentual da dívida do governo denominado em moeda estrangeira é 
cerca de 80% e tem curto prazo de maturação. As reservas internacionais da Argentina 
(US$ 65 bilhões) não são suficientes para liquidar sua dívida em momentos de 
diminuição da liquidez internacional, ao contrário do Brasil. 
A manutenção do teto de gastos representa um entrave à retomada do crescimento 
econômico, amplia a crise social e aprofunda o desmonte dos serviços públicos. 
Situação que tende a se agravar com a ameaça do fim da garantia de recursos para áreas 
prioritárias como saúde e educação. 
É preciso urgentemente repensar a política fiscal, considerando seus impactos 
econômicos, distributivos e na garantia dos direitos humanos. 
As evidências da literatura nacional e internacional, além dos dados da realidade 
brasileira, clamam por uma mudança imediata na condução da política fiscal. 
Esther Dweck é professora do IE-UFRJ e ex-secretária de Orçamento 
Federal, Fernando Maccari Lara é professor da Unisinos, Guilherme Mello 
é professor do IE-Unicamp, Julia Braga é professora da Faculdade de Economia da 
UFF, e Pedro Rossi é professor do IE-Unicamp 
 
 
 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/menos-brasileiros-acham-que-situacao-vai-melhorar-diz-datafolha.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/menos-brasileiros-acham-que-situacao-vai-melhorar-diz-datafolha.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/macri-faz-mea-culpa-a-empresarios-enquanto-argentinos-vao-as-ruas-protestar.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/macri-faz-mea-culpa-a-empresarios-enquanto-argentinos-vao-as-ruas-protestar.shtml
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(1) 
Por que o governo deve cortar gastos 
para o Brasil crescer? 
Não há como elevar a dívida ou os impostos; avanço da 
despesa é insustentável 
Marcos Lisboa 
MarcosMendes 
Marcelo Gazzano 
A lentidão na retomada da economia provoca ansiedade na sociedade. Ao mesmo 
tempo, o presidente da República e ministros angustiados com a falta de recursos 
passam a questionar as restrições legais para o gasto público. 
 
Com a reforma da Previdência em fase final de tramitação, alguns parecem acreditar 
que o ajuste fiscal já foi feito e que é equivocado continuar limitando a expansão da 
despesa do governo. 
 
A promessa é sedutora: a expansão do gasto estimularia a atividade econômica, 
reduziria o desemprego e aumentaria a arrecadação. Os orçamentos dos ministérios 
poderiam ser recompostos, e a vida melhoraria para todos. 
 
Os dados da economia brasileira, no entanto, sugerem cautela com as promessas 
milagrosas. A expansão do gasto público perdeu grande parte da sua eficácia nos 
últimos anos e pode ter efeitos contrários ao pretendido, como o aumento do déficit e da 
dívida pública. 
 
Em 2013 e 2014, a economia brasileira desacelerou apesar da forte expansão dos gastos 
públicos. O déficit primário estrutural saiu de um resultado próximo de zero em 2013 
para um déficit de quase 2% do PIB, e isso não impediu que entrássemos em uma das 
maiores recessões de nossa história. 
A manutenção de elevados déficits fiscais leva ao endividamento crescente do setor 
público, que passou de 51,5% em 2013 para 79% atualmente, tendo como possíveis 
efeitos colaterais o aumento da carga tributária ou a volta da inflação elevada. 
 
A compressão dos investimentos públicos e dos demais gastos discricionários decorre 
do crescimento acelerado dos gastos obrigatórios, em razão de diversas regras de 
indexação. Colocar a responsabilidade no teto dos gastos é simplesmente atirar no 
mensageiro portador da má notícia. 
 
Ao contrário do que alguns parecem acreditar, a reforma da Previdência mitiga, mas não 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/equipe-economica-busca-r-102-bi-com-antecipacao-de-efeito-da-regra-do-teto.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/ccj-do-senado-aprova-texto-base-da-proposta-de-reforma-da-previdencia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/bolsonaro-defende-mudar-o-teto-de-gastos-mas-guedes-e-maia-sao-contra.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/teto-de-gastos-deve-impor-restricao-ainda-maior-ao-orcamento-de-2020.shtml
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resolve o problema fiscal. Mesmo com a sua aprovação, a despesa com aposentadorias e 
assistência social irá crescer 2,5% ao ano acima da inflação. 
Além disso, as contas públicas dos Estados e dos municípios estão desequilibradas, sem 
perspectiva de ajuste nos próximos anos. Resta o risco de que a conta acabe sendo paga 
pelo governo federal, como, aliás, já tem ocorrido como resultado de diversas liminares 
concedidas pelo Supremo. 
 
Dessa forma, as dificuldades do governo em cumprir suas obrigações deste ano, em 
razão da meta de déficit primário, e a necessidade de créditos suplementares, 
empréstimos para pagar despesas correntes, como o Bolsa Família, decorrem do 
crescimento acelerado das despesas obrigatórias. 
 
Esse quadro é agravado pelo baixo crescimento estrutural da economia brasileira. A 
queda acentuada da população em idade de trabalhar em meio à estagnação da 
produtividade resulta em um crescimento potencial do PIB (Produto Interno Bruto) de 
1% ao ano. 
 
As privatizações ajudam a reduzir a dívida, mas, sem a redução do déficit público, o 
problema permanece e o descontrole é apenas adiado por alguns anos. 
 
O momento é de discutir reformas para conter o avanço da despesa obrigatória: folha de 
pagamento do funcionalismo, benefícios previdenciários e assistenciais, emendas 
parlamentares, sentenças judiciais, entre outras. 
 
Flexibilizar os limites de despesa e continuar procrastinando o debate sobre o 
crescimento da despesa obrigatória nos levará, em pouco tempo, a ter que discutir a 
quebra de direitos adquiridos, como fizeram Portugal, Grécia e Espanha, que reduziram 
os valores nominais de aposentadorias e salários do setor público. 
Política de subsídios e incentivos agravou baixa produtividade 
O Brasil cresce pouco há quatro décadas. Até a década de 1970, a expansão da 
economia decorria, em boa medida, do aumento acelerado da população em idade de 
trabalhar. Esse ciclo se encerrou. 
 
Nos últimos trimestres, a população econômica ativa teve um crescimento médio pouco 
abaixo de 1,5% ao ano, que já é uma taxa muito inferior aos 3% observado nos anos 
2000, mas ainda deverá cair significativamente mais nos próximos anos . 
Não podendo contar com a expansão dos trabalhadores em atividade, crescer passou a 
ser uma questão de aumentar a produtividade: expandir a capacidade de gerar renda a 
partir de mesma quantidade de trabalhadores, máquinas e insumos. No Brasil, no 
entanto, raramente o crescimento da produtividade ultrapassou 1,5% ao ano. China e 
Índia, por exemplo, têm se mantido na faixa de 5% a 7%. Para piorar, desde 2011, a 
nossa produtividade tem diminuído. 
 
A consequência tem sido o nosso baixo crescimento do produto por trabalhador desde 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/governo-inclui-9-estatais-em-programa-de-privatizacao.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/alta-informalidade-no-mercado-de-trabalho-inibe-expansao-do-credito.shtml
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1991, cerca de 20% contra 141% na média dos países emergentes, 50% nos EUA e 41% 
na OCDE. 
Mesmo que a recessão recente não tivesse ocorrido no Brasil, o PIB por trabalhador 
seria apenas 26% maior do que em 1991, bem menos do que o crescimento observado 
nos demais emergentes. 
A política econômica do início da segunda década do século desprezou a busca por mais 
produtividade e procurou induzir o crescimento por meio de estímulos ao investimento 
local: R$ 600 bilhões do BNDES emprestados a juros subsidiados e duplicação dos 
subsídios a empresas como percentual do PIB, proteção das empresas nacionais contra 
concorrentes estrangeiros, criação de mercado cativo para a Petrobras, subsídios ao 
setor naval, distribuição de incentivos às indústrias pelos governos estaduais, 
desoneração da folha de pagamento, ampliação da tributação favorecida para pequenas e 
microempresas, entre outras. 
 
O governo não foi eficaz mesmo quando atuou em áreas que poderiam dinamizar a 
produtividade, como é o caso da educação. Na década passada, o Brasil aumentou seus 
gastos no setor em ritmo muito superior ao dos países da OCDE. Como proporção da 
renda nacional, já gastamos mais que a maioria dos emergentes, mas isso não resultou 
em melhora dos indicadores de aprendizagem no ensino médio. 
 
O dinheiro da educação foi gasto sem método, como a contratação de mais de 100 mil 
servidores pelo Ministério da Educação, que têm direitos adquiridos, o que impede a 
revisão dessa política pelo próximo meio século. 
 
A estratégia fracassou. A proteção comercial impediu acesso das empresas a 
equipamentos e insumos de melhor qualidade. Os subsídios e os regimes tributários 
especiais permitiram a sobrevivência de empresas pouco produtivas. Houve 
investimentos em refinarias e estaleiros economicamente inviáveis. 
 
Fundos de pensão de estatais foram usados para financiar esses empreendimentos e 
queimaram a poupança de seus participantes. O endividamento da Petrobras se 
multiplicou por cinco em apenas cinco anos. 
 
A incapacidade do setor público de fazer projetos executivos de obras de infraestrutura 
resulta em licitações inconsequentes. A usina de Belo Monte, por exemplo, orçada em 
R$ 16 bilhões, já custou R$ 30 bilhões. 
Elevar despesa agrava crise fiscal e não traz crescimento 
Qual o impulso que a expansão do gasto público poderia dar à atividade econômica? 
Existem diversos métodos de estimação, com resultados variados, mas, de maneira 
geral, o multiplicador fiscal encontrado para a economia brasileira é menor do que para 
os países desenvolvidos e relativamente baixo.Nossas estimativas indicam que para R$ 
1 a mais de gasto público a renda aumenta R$ 0,5. 
 
O baixo multiplicador não deveria ser surpresa. A pesquisa aplicada indica que nos 
países muito endividados o impacto do gasto público pode ser nulo ou até mesmo 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/para-27-dos-homens-e-17-das-mulheres-reforma-da-previdencia-pode-ser-benefica.shtml
10 
 
negativo. Ilzetzki, Mendoza e Végh (How big (small?) are fiscal multipliers?, JME 
2013) encontram que, em países emergentes com uma relação dívida/PIB superior a 
60%, a expansão fiscal pode levar a uma queda do produto. Nós estamos muito acima 
desse patamar de dívida. 
 
Nesse contexto, aumentar o gasto público agrava o déficit fiscal. Como a receita 
tributária tende a acompanhar o crescimento da renda e da geração formal de empregos, 
o resultado final seria um maior desequilíbrio das contas públicas, sendo necessário 
aumentar a carga tributária ou a dívida pública. 
 
Ambas as opções reduzem o crescimento potencial do país. A maior carga tributária 
reduz o retorno esperado dos investimentos privados. O aumento da dívida pública 
amplia a incerteza sobre a sua sustentabilidade no médio prazo, atualmente a mais alta 
entre os países emergentes. 
Alguns economistas atribuem a recessão ocorrida em 2015 à redução dos gastos 
públicos, que caiu cerca de R$ 50 bilhões (a preços de julho de 2019). Essa tese, porém, 
requer um multiplicador fiscal de 4 e com impacto imediato sobre a atividade, para dar 
conta do encolhimento de R$ 200 bilhões do PIB no mesmo ano, números bem distantes 
dos estimados para o Brasil e demais países. 
 
Pode-se argumentar que a contração fiscal foi maior em decorrência do aumento da 
carga tributária. De acordo com a estimativa da SPE (Secretaria de Política Econômica), 
ocorreu um ajuste das contas públicas da ordem da ordem de 1,8 ponto do PIB em 2015. 
Ainda assim seria necessário um multiplicador dos gastos públicos da ordem de 2, 
quatro vezes maior do que o 0,5 por nós estimado. 
 
Em mais uma demonstração de desconexão entre impulso fiscal e atividade econômica, 
a SPE aponta que, em 2016, houve ampliação do déficit primário estrutural em 0,8 
ponto percentual do PIB, mas a atividade econômica contraiu-se em 3,3%. 
Preservar o teto evita o descontrole da dívida pública 
O teto de gastos teve por objetivo reduzir a incerteza sobre a solvência da dívida pública 
e foi eficaz: logo após a sua adoção, as taxas de juros futuras da dívida pública caíram 
fortemente, refletindo a menor percepção de risco pelos poupadores, o que colaborou 
com a lenta recuperação esboçada desde 2016. 
 
Para quem acha que isso é pouca coisa, basta olhar a situação da Argentina, em que a 
perda do lastro fiscal levou a uma grave crise. 
 
Estabilizar o gasto público é essencial para evitar o aumento da dívida bruta, sem que a 
carga tributária seja aumentada. Trata-se de equilibrarmo-nos na corda bamba de uma 
dívida em quase 80% do PIB, muito alta quando comparada com a dos demais países 
emergentes. 
 
O gráfico mostra qual será a relação dívida-PIB em 2026, ano em que se concluem os 
primeiros dez anos do teto de gastos, para várias combinações de taxas de juros reais e 
crescimento do PIB, na hipótese de que a despesa primária respeite o teto de gastos. 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/nova-cpmf-enquadraria-ate-netflix-e-uber-diz-guedes.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/nova-cpmf-enquadraria-ate-netflix-e-uber-diz-guedes.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/08/cidades-respondem-por-52-de-toda-a-despesa-publica-com-a-cultura.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/acordo-com-argentina-acelera-investimentos-e-limita-guerra-fiscal-entre-estados-diz-guedes.shtml
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Nessas estimativas já levamos em conta as devoluções de empréstimos do BNDES, que 
abatem a dívida, e uma taxa de juros real baixa, de 1,5% ao ano, no biênio 2019-2020. 
 
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Mesmo cumprindo o teto de gastos, a dívida só cairá se conseguirmos crescer 2,5% ao 
ano e se os juros reais ficarem em 2%, hipóteses audaciosas tendo em vista a fragilidade 
fiscal do governo. 
 
O gráfico simula o impacto de um alívio no teto de gastos, entre 1% e 2% acima da 
inflação. Supomos taxa de juros real de 3% ao ano e crescimento de 2% ao ano. Com 
um multiplicador fiscal de 0,5, um aumento do teto em 1,5% ao ano levaria a dívida a 
87,1% do PIB. 
A mensagem é clara: afrouxar o teto de gastos terá custos, seja o aumento da dívida 
pública, seja da carga tributária. 
O problema central é a expansão dos gastos obrigatórios 
O desequilíbrio das contas públicas decorre dos seus gastos obrigatórios, que crescem 
mais que a inflação (como a variação do salário mínimo e os reajustes reais dados aos 
servidores, por exemplo). 
Existem fatores adicionais que levam ao crescimento da despesa, como a nova 
legislação que torna obrigatória a execução de emendas parlamentares de bancada e o 
pagamento de sentenças judiciais, que devem aumentar 50% no próximo ano. Note-se 
que, mesmo com a reforma, a despesa da Previdência ainda crescerá 8%. 
Equilibrar as contas públicas passa por reformas difíceis, como rever a prática de 
reajustar a remuneração dos servidores públicos; as cláusulas constitucionais de 
preservação do valor real dos benefícios previdenciários e assistenciais; as progressões 
nas carreiras do funcionalismo e as transferências de recursos para o Sistema S. 
 
Se hesitarmos em caminhar nessa direção, o agravamento da questão fiscal resultará na 
retomada da grave crise iniciada pela desastrosa gestão de Dilma Rousseff. 
 
A Argentina fica logo ali. 
 
Marcos Lisboa é presidente do Insper, Marcos Mendes é pesquisador do Insper e Marcelo 
Gazzano é economista da A. C. Pastore 
 
 
 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/aumento-da-pobreza-ajuda-a-explicar-o-declinio-economico-da-argentina.shtml

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