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O LIVRO DOS LOBISOMENS

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O L I V R O D O S
L O B I S O M E N S
S A B I N E B A R I N G - G O U L D
Tradução
Ronald Kyrmse
Diag Lobisomen_OK.indd 3 18/4/2008 15:24:28
O s direitos desta edição pertencem à Editora Aleph.
 TÍTULO ORIGINAL: The book of were-wolves
 CAPA: Thiago Ventura e Luiza Franco
 PREPARAÇÃO DE TEXTO: Berenice Baeder
 REVISÃO: Hebe Ester Lucas
 PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO: GXavier.com
 CONSULTOR EDITORIAL: Silvio Alexandre
 COORDENAÇÃO EDITORIAL: Delfin e Débora Dutra
 EDITOR RESPONSÁVEL: Adriano Fromer Piazzi
EDITORA ALEPH
Rua Dr. Luiz Migliano, 1110 – Cj. 301
05711-900 – São Paulo – SP – Brasil
Tel.: [55 11] 3743-3202
Fax: [55 11] 3743-3263
www.editoraaleph.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Baring-Gould, Sabine, 1834-1924
O livro dos lobisomens / Sabine Baring-Gould; tradução
Ronald Kyrmse. -- São Paulo: Aleph, 2008.
Título original: The book of were-wolves.
ISBN 978-85-7657-045-5
1. Ficção inglesa I. Título.
 08-01004 CDD-823
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura inglesa 823
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PREFÁCIO ............................................... 9
CAPÍTULO I .................................... 15
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO II .................................. 21
A LICANTROPIA ENTRE OS ANTIGOS
Definição de licantropia • Marcelo Sidetes • Virgílio • Heródoto • Ovídio • Plínio • 
Agriopas • História de Petrônio • Lendas árcades • Explicação proposta
CAPÍTULO III ................................ 27
O LOBISOMEM NO NORTE
Tradições nórdicas • Modo como se efetuava a transformação • Völundar Kviða • 
Exemplos da Saga dos Völsungs • Saga de Hrolf Kraka • Poema faroês • Helga Kviða • 
Saga de Vatnsdæla • Saga de Eyrbyggja
CAPÍTULO IV ............................... 41
A ORIGEM DO LOBISOMEM ESCANDINAVO
Vantagem do estudo da literatura nórdica • Vestes de pele de urso e lobo • Os berserkir • 
Sua fúria • A história de Thorir • Trechos do Aigla • O lobo do entardecer • Skallagrim e 
seu filho • Derivação da palavra “hamr”: de “vargr” • Leis que afetam os proscritos • 
Tornar-se um javali • Recapitulação
CAPÍTULO V .................................. 55
O LOBISOMEM NA IDADE MÉDIA
Histórias de Olaus Magnus sobre lobisomens livônios • História do bispo Majolus • 
História de Albertus Pericofcius • Ocorrência semelhante em Praga • São Patrício • 
Estranho incidente relatado por João de Nürnberg • Bisclaveret • Lobisomens da 
Curlândia • Pierre Vidal • Licantropo paviano • Histórias de Bodin • Relato de Forestus 
sobre um licantropo • Lobisomem napolitano
CAPÍTULO VI ............................... 67
UMA CÂMARA DE HORRORES
Pierre Bourgot e Michel Verdung • O eremita de St. Bonnot • A família Gandillon • 
Thievenne Paget • O alfaiate de Châlons • Roulet
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CAPÍTULO VII ............................. 79
JEAN GRENIER
Nas dunas de areia • Um lobo ataca Marguerite Poirier • Jean Grenier levado a julgamento • 
Suas confissões • Acusações comprovadas de canibalismo • Sua sentença • Comportamento 
no mosteiro • Visita de Delancre
CAPÍTULO VIII .......................... 89
FOLCLORE RELATIVO AOS LOBISOMENS
Esterilidade do folclore inglês • Tradições de Devonshire • Derivação de were-wolf • 
Canibalismo na Escócia • O ladrão de Angus • O camponês de Perth • Superstições 
francesas • Tradições norueguesas • Histórias dinamarquesas de lobisomens • Histórias de 
Holstein • O lobisomem nos Países Baixos • Entre os gregos; os sérvios ; os bielo-russos; os 
poloneses; os russos • Uma receita russa para se tornar lobisomem • O Vlkodlak boêmio • 
História armênia • Contos indianos • Budas abissínios • Histórias americanas de 
transformação • Uma história doméstica eslovaca • Contos gregos, bearneses e islandeses 
semelhantes
CAPÍTULO IX ............................ 111
CAUSAS NATURAIS DA LICANTROPIA
Crueldade inata • Suas três formas • Dumollard • Andreas Bichel • Um sacerdote holandês 
• Outros exemplos de crueldade inerente • Crueldade unida ao refinamento • Uma húngara 
que se banhava em sangue • Rapidez com que a paixão se desenvolve • Canibalismo: em 
mulheres grávidas, em maníacos • Alucinação: como se produz • Ungüentos • A história de 
Lucius • Auto-engano
CAPÍTULO X ............................... 125
ORIGEM MITOLÓGICA DA LENDA DO LOBISOMEM
Metempsicose • Afinidade entre homens e animais • Finnbog e o urso • Osage e o castor • 
A conexão da alma e do corpo • Budismo • Caso do sr. Holloway • Idéias populares acerca 
do corpo • A derivação do alemão leichnam • Vestes de penas • Transmigração de almas • 
Uma história basca • História do Pantchatantra • Idéias selvagens acerca de fenômenos 
naturais • Trovão, raio e nuvem • A origem do dragão • O dragão de John de Brompton era 
uma tromba d’água • A lenda de Tifeu • Alegorização dos efeitos de um furacão • 
Antropomorfose • A nuvem cirro, um cisne celestial • Urvaçî • A nuvem de tempestade é 
um demônio • Vritra e râkshasas • História de um brâmane e um râkshasa
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CAPÍTULO XI ............................ 143
O MARECHAL DE RETZ I: A INVESTIGAÇÃO DAS ACUSAÇÕES
Introdução • História de Gilles de Laval • O castelo de Machecoul • Rendição do marechal 
• Exame das testemunhas • Carta de De Retz • O Duque da Bretanha relutando em mover-
se • O Bispo de Nantes
CAPÍTULO XII ......................... 161
O MARECHAL DE RETZ II: O JULGAMENTO
A aparição do marechal • Pierre de l’Hospital • A requisição • O julgamento adiado • 
Encontro entre o marechal e seus criados • A confissão de Henriet • Pontou persuadido a 
confessar tudo • O julgamento adiado não é apressado • A hesitação do Duque da Bretanha
CAPÍTULO XIII ...................... 173
O MARECHAL DE RETZ III: A SENTENÇA E A EXECUÇÃO
O julgamento adiado • O marechal confessa • O caso é transferido ao tribunal eclesiástico • 
Medidas imediatas do bispo • A sentença • Ratificada pelo tribunal secular • A execução
CAPÍTULO XIV ...................... 183
UM LOBISOMEM GALICIANO
Os habitantes da Galícia austríaca • O vilarejo de Polomyja • Tarde de verão na floresta • O 
mendigo Swiatek • Desaparece uma jovem • Um escolar desaparece • Criada perdida • 
Outro menino raptado • A descoberta feita pelo taverneiro de Polomyja • Swiatek 
aprisionado • Levado a Dabkow • Suicídio
CAPÍTULO XV ......................... 193
CASO ANÔMALO – A HIENA HUMANA
Ghouls • História de Fornari • Citação de Apuleio • Incidente mencionado por Marcasso • 
Cemitérios violados em Paris • Descoberta do violador • Confissão de M. Bertrand
CAPÍTULO XVI ...................... 201
UM SERMÃO SOBRE LOBISOMENS
Os discursos do dr. Johann • O sermão • Observações
BARING-GOULD: UMA BREVE BIOGRAFIA ..................... 205
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P R E F Á C I O
por Helena Gomes
“Tenha pena de mim, Coronel Ponciano de Azeredo 
Furtado. Sou um lobisomem amedrontado, corrido 
de cachorro, mordido de cobra. Na lua que vem, tiro 
do meu tempo de penitência e já estou de emprego 
apalavrado com o povo do governo.”1 
Triste a sina do lobisomem brasileiro: nada de bala de 
prata, roupas de couro, sobretudo negro ou qualquer outro 
toque de glamour oferecido pelos fi lmes produzidos sobre o 
personagem nas últimas décadas. O herdeiro do fadário (ou 
maldição) vira lobisomem em encruzilhada, em chiqueiro e 
até em galinheiro, sempre às sextas-feiras e nem sempre de 
lua cheia. E isso depois de tirar as próprias roupas e se esfre-
gar nelas — o que pode incluir aí estrume e urina de algum 
animal. Então, parte numa rotina bem estafante. Tem ape-
nas uma noite para percorrer sete cidades antes de voltar 
para o lugar de onde partiu. Todo o trajeto feito, natural-
mente, antes de o galo anunciar o novo dia.
1 Apesar de o lobisomem aparecer pouco na história, vale a pena citar este 
trecho de O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, livro com 
uma linguagem simplesmentedeliciosa.
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O L I V R O D O S L O B I S O M E N S10
Tudo culpa de uma maldição que (como conta a pesquisadora Maria 
do Rosário de Souza Tavares de Lima, em seu livro Lobisomem: assombra-
ção e realidade2) o coitado herda, muitas vezes, por ser o último de uma 
série de sete filhos, o caçula de sete irmãos, filho de um incesto, vítima de 
maldição, por ficar dez anos sem confissão ou comunhão, nascer com os 
dedos tortos, se casar apenas no civil ou, ainda, deixar de receber o batis-
mo. Notou a forte influência religiosa no mito universal adaptado ao gos-
to brasileiro? Sim, as histórias de lobisomem, trazidas pelos portugueses e 
presentes de norte a sul do Brasil, ganharam um bônus para manter o 
povo na linha entre o certo e o errado, segundo as regras da Igreja Católi-
ca. “Na Europa a transformação dava-se por feitiço, no Brasil predomina 
a crença n’uma maldição a acometer o homem nascido sob certas condi-
ções”, reforça Ricardo de Mattos, no artigo “Dos lobisomens”3.
O lobisomem brasileiro é, acima de tudo, alguém que, mesmo não 
querendo, tem um pacto com o tinhoso, o dito cujo, aquele-que-não-
deve-ser-mencionado. E que, por este motivo, também faz lá suas mal-
dades, deixando no ar aquele cheiro malévolo de enxofre e danação eter-
na. Em sua penitência, ele espalha o terror, deixa todo mundo apavorado 
por onde passa, desvirgina donzelas inocentes que passeiam sozinhas 
pelo bosque, morde para transmitir o fadário e, de quebra, se alimenta 
de fetos, crianças ainda pagãs, adultos, cadáveres, cachorros, bezerros e 
outros animais pequenos e, para ele, muito apetitosos. A saída para anu-
lar a maldição do infeliz? Quem arrisca algo como o irmão mais velho 
batizar o irmão número sete antes que este cresça e se transforme? Ou 
oferecer ao lobisomem uma saudação com a cruz, jogar água benta nele 
e realizar, por ele, sete rezas, durante sete noites, com sete velas acesas? 
Ou, quem sabe, um tiro bem dado, não se esquecendo de, antes, untar a 
bala na cera de uma vela queimada em três missas seguidas? 
“Me respeite, moço! Eu não sou uma lenda, não, sou um mito. Um 
mito universal — e dos bons. Eu tenho uma existência individualizada 
2 A autora realizou um trabalho muito bom e abrangente sobre o mito do lobi-
somem, em especial do brasileiro. E foi a responsável por transformar a cidade 
de Joanópolis, interior de São Paulo, na Capital do Lobisomem.
3 Este artigo, na integra, pode ser encontrado no site www.digestivocultural.com
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dentro do mundo sobrenatural e uma função social muito antiga, que 
dá origem e explicações a alguns fatos. As lendas são apenas relatos 
desses mitos.”4 
No fundo, bem lá no fundo mesmo (ou seria no passado?), a religio-
sidade estaria por trás do mito do lobisomem. Simples assim? Talvez não. 
Mas é um ponto de partida para se pensar. Vamos do começo. Como 
nasce o mito do lobisomem no mundo ocidental? Certo, você vai pensar, 
novamente temos gregos e romanos na história. “Na mitologia pré-helê-
nica, para alguns, já teria havido um Zeus Licaeus, a mais antiga crença 
local”, afirma Maria do Rosário. “O Zeus Licaeus era o deus da luz (luke) 
e pode, também, ter havido confusão entre esse vocábulo e luko, lobo”. 
Além disso, a pesquisadora cita a existência de um rito com oferendas ao 
deus-lobo para que este poupasse os rebanhos. Ela acredita ainda que, 
durante o ritual, os sacerdotes se vestiam com a pele do animal-deus. Já 
Luperca, a deusa loba dos romanos, era homenageada com festas chama-
das de lupercais, ou seja, festas do lobo. Aliás, segundo a lenda, foi a loba 
Luperca quem amamentou os gêmeos Rômulo e Remo, futuros funda-
dores de Roma e de seu império, que espalharia esta e outras histórias 
entre os povos conquistados durante séculos. Ricardo de Mattos acres-
centa que, na Letônia, era costume sacrificar uma cabra numa encruzi-
lhada (lobisomem sofre sua transformação na encruzilhada, lembra?) 
em honra aos lobos e para aplacar a ira de uma entidade silvestre.
É quando, nesse contexto pagão, surgiu o cristianismo. Após a con-
versão do imperador Constantino, no século IV, a nova doutrina foi 
imposta gradualmente a todo o império romano. Leia: imposta a vá-
rios povos subjugados, com culturas e religiões pagãs diversas. Utili-
zou-se, então, uma tática ancestral, aquela mesma que ainda se vê nos 
dias de hoje nas melhores famílias. Quando uma mãe deseja que o fi-
lho a obedeça, o que faz? Coloca medo na criança, não é mesmo? Que 
o digam as cantigas infantis e suas mensagens diretas: “Dorme, nenê, 
que a Cuca vem pegar!”. Ou seja: durma logo ou... enfrente seu medo!
4 Curiosa entrevista dada por um lobisomem ao jornal Folha de S.Paulo, edição 
de 28 de outubro de 2004.
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Não foi diferente naquela época. As crenças pagãs foram dis-
torcidas, taxadas de diabólicas, e seus seguidores se tornaram uma 
tenebrosa ameaça a ser combatida. Uma curiosidade? A própria 
imagem do diabo chifrudo foi inspirada no deus pagão Cornífero, 
o aspecto masculino da natureza, cultuado por antigos caçadores 
na Europa.
“Mas ouviu-se ainda outro som, longínquo e fraco, na distância. 
Era o uivar faminto da alcatéia, que prosseguia em busca de outra 
carne que não a do homem que acabara de se lhe escapar.”5 
O que dizer do pobre lobisomem, aquele mito gerado pelo medo 
ao paganismo e associado automaticamente ao diabo? Acrescente a 
isso o verdadeiro terror que os europeus sentiam em relação ao lobo, 
um animal perigoso para os camponeses e aldeões. Não é à toa que o 
lobo é sempre o vilão dos contos de fadas, estes derivados da tradição 
oral de muitos povos. Hoje, o lobo, vítima de séculos de perseguição 
e caçadas, também necessita da proteção dos ecologistas e simpati-
zantes para não engrossar a lista dos animais extintos.
O lobisomem, resultado de fontes variadas, encontra na literatura 
um terreno para se expandir, ganhar fãs e se multiplicar, seja na abor-
dagem mais hollywoodiana do mito, seja na cadência brasileira e seu 
tempero folclórico. E nada melhor do que o medo, este ingrediente 
fundamental de inúmeras histórias, para encontrar eco e espaço ga-
rantido nas mentes e corações dos leitores.
“Estranho mundo, o deles. Era para lá que eu ia nos períodos em que 
a mutação me permitia cruzar o limite entre a besta e o homem, o gran-
de predador. Perto dele, eu e os outros bichos éramos um nada. Come-
mos a carne e lambemos o sangue. Mas o homem toma a alma.”6 
6 Trecho do conto “Luna errante”, publicado no livro A dama-morcega, de 
Giulia Moon.
5 Trecho do livro Caninos brancos, de Jack London.
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A publicação de O livro dos lobisomens, de Sabine Baring-Gould, 
traz ao leitor a rara oportunidade de conhecer um estudo clássico 
sobre o mito lobisomem. Publicado originalmente em 1865, este tra-
balho de referência (e leitura obrigatória!) chega em um momento 
oportuno, quando os leitores brasileiros experimentam um interesse 
maior por literatura fantástica.
Como explica a escritora Martha Argel, em artigo ainda inédito, a 
literatura de terror nacional recebeu impulso, há alguns anos, com o 
lançamento de Os sete, o primeiro romance vampírico de André 
Vianco, atualmente um autor best-seller. “Isso foi em 2001”, prosse-
gue Martha. “De lá para cá, surgiu um mercado, modesto mas estável, 
para histórias de vampiros – em papel, a procura é principalmente 
por romances, mas os contos são extremamente populares na inter-
net e atingem um grande número de leitores.”
Para Martha, os vampiros são o carro-chefe na repercussão entre 
os leitores e na forma como os conquista. Esse sucesso alavancou a 
publicação de outros contos de terror, principalmente nos veículos 
alternativos, como fanzines, sites e listas de discussão na internet,o 
que beneficiou outros gêneros, como a fantasia e a ficção científica.
De uma forma geral, segundo a escritora, a literatura fantástica tem 
estado em ebulição nos últimos anos, com um incremento na produ-
ção e o aparecimento de maior número de obras com valor literário e 
editorial que se refletem no surgimento de um público de leitores e fãs. 
“Quase tudo está acontecendo dentro de círculos alternativos e vincu-
lado a comunidades específicas, como os RPGistas, os fãs de mangás, 
Harry Potter e O Senhor dos Anéis, mas ocasionalmente a produção 
‘vaza’ para o mainstream.” 
O livro dos lobisomens, portanto, chega na hora para reforçar o 
fôlego milenar de um mito que continua mais do que vivo na nossa 
imaginação. E que, nas noites de sexta-feira, ainda vai provocar terrí-
veis calafrios por onde passar.
Helena Gomes é escritora, jornalista, professora universitária e curiosa 
sobre lobisomens e outros mitos fantásticos.
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I N T R O D U Ç Ã O
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J
I
amais me esquecerei da caminha-
da que fiz certa noite em Vienne, 
depois de completar o exame de 
uma desconhecida relíquia druí-
dica, a Pierre Labie, em La Ron-
delle, perto de Champigni. Eu fi-
cara sabendo da existência desse 
cromlech1* naquela tarde, ao chegar em 
Champigni, e parti para visitá-la sem 
calcular o temp o que gastaria em che-
gar lá e retornar. Basta dizer que des-
cobri o venerável amontoado de pe-
dras quando o Sol estava se pondo, e 
que consumi as últimas luzes do en-
tardecer fazendo planos e esboços. 
Comecei então a retornar. A cami-
nhada de umas dez milhas cansara-
me, pois era o fim de uma longa jor-
nada, e eu machucara a perna subindo 
em algumas pedras a caminho da relí-
quia gaulesa.
Havia um pequeno vilarejo não 
longe dali, para onde dirigi meus 
passos, na esperança de alugar uma 
* Monumento pré-histórico, composto de menires em círculo ou elipse. [n. do t.]
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O L I V R O D O S L O B I S O M E N S16
“aranha”2** que me conduzisse à estação do correio; fiquei frustrado... 
Poucas pessoas do lugar sabiam falar francês, e o padre, quando ape-
lei para ele, assegurou-me de que não havia no lugarejo melhor veí-
culo que uma charrua comum, com sólidas rodas de madeira; nem 
havia possibilidade de conseguir um cavalo. O bom homem propôs 
hospedar-me naquela noite; mas fui forçado a declinar do convite, 
porque minha família pretendia partir cedo na manhã seguinte.
Então manifestou-se o prefeito: 
– De forma nenhuma monsieur pode voltar hoje à noite, atraves-
sando os baixios, por causa do... do... – e sua voz foi abaixando... – os 
loups-garoux.
– Ele diz que precisa voltar! – retrucou o padre em dialeto. – Mas 
quem irá com ele?
– Ah, há! M. le Curé. Está muito bem um de nós acompanhá-lo, 
mas pensa como será voltar sozinho!
– Então dois terão de ir com ele – disse o padre –, e vocês poderão 
cuidar um do outro ao retornarem.
– Picou me disse que viu o lobisomem há apenas uma semana – 
falou um camponês –; estava em seu campo de trigo-mouro. O Sol já 
tinha se posto e ele pensava em ir para casa, quando ouviu um farfa-
lhar do outro lado da sebe. Olhou por cima dela, e lá estava o lobo, do 
tamanho de um bezerro, diante do horizonte, a língua de fora e os 
olhos reluzentes como fogos do pântano. Mon Dieu! Me pega atraves-
sando o pântano hoje à noite. Ora, o que dois homens poderiam fazer 
se fossem atacados por esse lobo demoníaco?
– É tentar a providência – disse um dos anciãos da aldeia –; nin-
guém pode esperar a ajuda de Deus se se lançar voluntariamente ao 
perigo. Não é assim, M. le Curé? Ouvi-o dizer isso mesmo no púlpito, 
no primeiro domingo da quaresma, pregando o Evangelho.
– Isso é verdade – observaram várias testemunhas, balançando 
as cabeças.
* Carruagem de pequeno porte, de duas rodas, puxada por um cavalo. [n. do t.]
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– De língua de fora, e de olhos reluzentes como fogos do pântano! 
– disse o confidente de Picou.
– Mon Dieu! Se eu encontrasse o monstro, haveria de correr – dis-
se outro.
– Bem creio, Cortrez; posso assegurar que você correria – disse o 
prefeito.
– Do tamanho de um bezerro – acrescentou o amigo de Picou.
– Se o loup-garou fosse tão-somente um lobo natural, ora, então, sabe... 
– o prefeito pigarreou –, sabe que não lhe daríamos importância. Mas, M. 
le Curé, é um demônio, pior que um demônio, um demônio humano... 
pior que um demônio humano, um homem-lobo demoníaco.
– Mas o que fará o jovem monsieur? – perguntou o padre, olhando 
de um para outro.
– Não se preocupem – disse eu, que escutava tranqüilamente a 
conversa em dialeto que compreendia. – Não se preocupem; cami-
nharei de volta sozinho, e se encontrar o loup-garou cortarei suas ore-
lhas e seu rabo e os enviarei a M. le Maire com meus cumprimentos.
Um suspiro de alívio do grupo, que se via livre da dificuldade.
– Il est anglais – disse o prefeito, balançando a cabeça como se 
quisesse dizer que um inglês enfrentaria impune o diabo.
O pântano era um baixio melancólico, de aspecto bastante desola-
dor durante o dia, mas agora, ao crepúsculo, era dez vezes mais desola-
dor. O céu, de um suave tom cinza-azulado, estava absolutamente lim-
po. Nele jazia a lua nova, com uma curva de parca luz aproximando-se 
da sua base ocidental. O pântano estendia-se até o horizonte, enegreci-
do por poças de água estagnada, de onde os sapos trilavam incessante-
mente na noite de verão. Urzes e samambaias cobriam o solo, mas per-
to da água cresciam densas massas de íris e juncos, contra as quais o 
vento fraco sussurrava sua voz enfadonha. Cá e lá havia montículos 
arenosos, encimados por abetos, como salpicos negros diante do céu 
cinzento; não havia sinal de habitação em lugar nenhum; o único ves-
tígio humano era a estrada, branca e reta, estendendo-se por milhas 
através do brejo.
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Não era improvável que aquele distrito abrigasse lobos, e confesso 
que me armei com um pedaço de pau reforçado tirado ao primeiro 
arvoredo que a estrada atravessou.
Essa foi minha apresentação aos lobisomens, e, diante de supers-
tição ainda tão viva, me lancei à investigação da história e dos hábitos 
dessas míticas criaturas.
Preciso confessar que não tive o mínimo sucesso em obter um es-
pécime do animal, mas encontrei seus vestígios em todas as direções; e 
exatamente como os paleontólogos montaram o labirintodonte a par-
tir de suas pegadas na marga e de uma lasca de seu osso, talvez eu 
também possa descrevê-lo, apesar de não tê-lo vivo diante de mim.
Os vestígios deixados são de fato bastante numerosos e apesar de, 
como o dodó e o dinórnis, o lobisomem poder ter-se extinguido em 
nossa era, ainda assim, deixou seu selo na Antigüidade clássica, pisou 
profundamente as neves setentrionais, atropelou rudemente a gente 
da Idade Média e uivou entre sepulcros orientais. De uma raça malé-
vola estaríamos contentes de termos nos livrado dele e da sua laia, o 
vampiro e o ghoul3*. Mas... quem sabe? Talvez sejamos um pouco apres-
sados em afirmar sua extinção. Ele pode continuar rondando pelas 
florestas abissínias, vagueando por entre as estepes asiáticas e até seus 
uivos lúgubres podem, ainda, ser ouvidos a partir do fundo de algu-
ma cela acolchoada de um Hanwell ou um Bedlam4**.
Nas páginas seguintes, pretendo investigar os relatos sobre lobiso-
mens dos velhos escritos da Antigüidade clássica; em seguida, os con-
tidos nas sagas nórdicas, e, por fim, os numerosos e detalhistas elabo-
rados pelos autores medievais. Junto a isso, farei também um esboço 
do folclore moderno relacionado com a licantropia.
A partir daí, veremos que sob o véu da mitologia existe uma reali-
dade concreta; que uma superstição corrente contém dissolvida em si 
uma verdade positiva.
* Demônio lendário que atacatúmulos e se alimenta de cadáveres. [n. do t.]
** Nomes de hospícios ingleses. [n. do t.]
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Desejo mostrar que se trata, no caso da licantropia, de um desejo 
inato de sangue, implantado em certas índoles, controlado em cir-
cunstâncias ordinárias, mas que irrompe ocasionalmente, acompa-
nhado de alucinações, levando na maioria dos casos ao canibalismo. 
Depois, darei exemplos de pessoas assim afetadas, as quais, na crença 
de outros, e na sua própria, haviam sido transformadas em animais, e 
que, nos paroxismos de sua loucura, cometeram numerosos assassi-
natos e devoraram suas vítimas.
Em seguida, os exemplos serão os de pessoas que, sofrendo da 
mesma paixão pelo sangue, também assassinavam para saciar sua 
crueldade natural, contudo não estavam sujeitas a alucinações nem 
eram viciadas em canibalismo.
Também serão dados exemplos de pessoas com as mesmas pro-
pensões, que assassinaram e devoraram suas vítimas, mas que esta-
vam perfeitamente livres de alucinações.
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