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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio Robledo Duarte Design, cidades e patrimônio para Patrimônio SUMÁRIO 1. Apresentação ............................................................................. 19 2. Design como ferramenta de transformação do patrimônio .... 21 3. Cidades, patrimônio e design .................................................... 24 4. Economia criativa e cidades ...................................................... 26 5. As cidades criativas .................................................................... 28 Referências bibliográfi cas ............................................................. 31 1. APRESENTAÇÃO E a luz viu desconfi ada a noiva do sol com mais um supermercado. Era uma vez meu castelo entre mangueiras e jasmins fl orados. (Ednardo em “Longarinas”) Para começar, reflita sobre o que o cantor Ednardo quer nos dizer com seus versos acima em “Longarinas”, música do ál- bum Berro (1976)? Pense bem antes de começar essa leitura. Pois bem, a “noiva do sol” cantada por Ednardo é a cida- de de Fortaleza, capital do Ce- ará, a cidade natal do músico e compositor. Mas o castelo não é necessa- riamente um bem arquitetônico. Pode ser um metáfora para tratar dos afetos, aque- les que todos nós carregamos na memória, com a passagem do tempo. Na realidade, todos nós estabelecemos relações com as coisas que nos cercam. Elas podem nos trazer boas lembranças, como o primeiro brinquedo, a casa dos avós, a cape- linha com seu belo altar. Memórias de coisas intangíveis, como o cheiro do baião de dois na panela ou a animação das festas de São João. Lembranças que hoje podem soar en- graçadas, como o medo do teatro de bone- cos ou de palhaços na mais tenra infância. E você? Lembra-se de objetos, sons, gos- tos e/ou de cheiros que possuem alguma importância simbólica/afetiva na sua vida? Intangível Aquilo que é incorpóreo, que não se pode tocar, pegar ou que não pode ser percebido pelo tato. APRESENTAÇÃO E a luz viu desconfi ada a noiva do sol com mais um supermercado. Era uma vez meu castelo entre mangueiras e jasmins fl orados. (Ednardo em “Longarinas”) Para começar, reflita sobre o que o cantor Ednardo quer nos dizer com seus versos acima em “Longarinas”, música do ál- (1976)? Pense bem antes de começar essa leitura. Pois bem, a “noiva do sol” cantada por Ednardo é a cida- de de Fortaleza, capital do Ce- ará, a cidade natal do músico e compositor. Mas o castelo não é necessa- riamente um bem arquitetônico. Pode ser um metáfora para tratar dos afetos, aque- les que todos nós carregamos na memória, Na realidade, todos nós estabelecemos relações com as coisas que nos cercam. Elas podem nos trazer boas lembranças, como o primeiro brinquedo, a casa dos avós, a cape- Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 19 Transversalidades Possibilidades de compreensão de diferentes áreas do conhecimento humano ao evidenciarmos as relações existentes entre elas. Todas as lembranças, boas ou más, ma- teriais ou imateriais, nos trazem para a discussão iniciada no primeiro módulo de nosso curso: afinal, o que é o patrimônio? O francês Hugues de Varine Bohan fez uma análise bem abrangente acerca do pa- trimônio. Segundo ele, três categorias o de- finem: os elementos pertencentes ao meio ambiente, que tornam o local viável para habitar; os saberes e fazeres das comuni- dades que habitam esse meio ambiente; e os objetos construídos pela mão do homem, desde uma colher até as edificações mais so- fisticadas. Esses três fatores dialogam entre si e criam toda uma ambiência para a forma- ção do patrimônio cultural, que vai muito além da “pedra e cal” ou de alguns saberes isolados, gerando transversalidades. Vamos saber um pouco mais sobre isso? Ótimos estudos. SE LIGA! Hugues de Varine Bohan é historiador, arqueólogo e museólogo francês, criador do conceito de ecomuseus, colocado em prática desde a década de 1971 na França e em outros lugares do mundo, como o Brasil. Um ecomuseu é formado quando membros de uma comunidade se reúnem e se tornam atores protagonistas do processo de preservação do seu patrimônio cultural (material, imaterial, natural), podendo ser assessorados por especialistas como museólogos, historiadores etc. 20 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Transversalidades Possibilidades de compreensão de diferentes áreas do conhecimento humano ao evidenciarmos as relações existentes entre elas. Todas as lembranças, boas ou más, ma- imateriais, nos trazem para a discussão iniciada no primeiro módulo de afinal, o que é o patrimônio? O francês Hugues de Varine Bohan fez uma análise bem abrangente acerca do pa- . Segundo ele, três categorias o de- finem: os elementos pertencentes ao meio , que tornam o local viável para os saberes e fazeres das comuni- dades que habitam esse meio ambiente; e os construídos pela mão do homem, desde uma colher até as edificações mais so- fisticadas. Esses três fatores dialogam entre si e criam toda uma ambiência para a forma- patrimônio cultural, que vai muito além da “pedra e cal” ou de alguns saberes isolados, gerando transversalidades. Vamos saber um pouco mais sobre isso? Ótimos estudos. SE LIGA!LIGA! Hugues de Varine Bohan é historiador, arqueólogo e museólogo francês, criador do conceito de ecomuseus, colocado em prática desde a década de 1971 na França e em outros lugares do mundo, como o Brasil. Um ecomuseu é formado quando membros de uma comunidade se reúnem e se tornam atores protagonistas do processo de preservação do seu patrimônio cultural (material, imaterial, natural), podendo ser assessorados por especialistas como museólogos, historiadores etc. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTECRITO ROCHA | UNIVERS 2. DESIGN COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO A produção em massa, que hoje deve ser tida em consideração como a base para a arquitetura moderna, existe na própria natureza e, intuitivamente, no trabalho popular. (Lina Bo Bardi, arquiteta, designer e cenógrafa). o filme 2001, uma odis- séia no espaço, do cine- asta inglês Stanley Ku- brick, existe uma cena antológica. Um grupo de homens primitivos se degladiam. Um de- les golpeia um inimigo e, para simbolizar a sua vitória, joga sua “arma” (um osso) no ar. No mesmo instante, corta-se a cena e surge uma espaçonave. Esta cena revela, em poucos minutos, a velocidade da transformação dos artefa- tos, indo de uma forma “primitiva” de arma até chegar a uma espaçonave ultratecno- lógica. Esse é um exemplo de como o de- sign das coisas surge de uma necessidade 2. e esta pode se transformar, com o tempo, em algo mais complexo.Mas o que é design? Até hoje não se con- seguiu uma tradução literal para esta palavra inglesa, pois apesar de ser entendida como “desenho”, tem muitas facetas, dependendo que quem utiliza as suas funções. Nesse sen- tido, as considerações da dupla de suecos Lowgren e Stolterman é bem instigante: Em nosso cotidiano, com frequência lida- mos com diversos artefatos, que são pro- dutos artificiais, fruto da inteligência e do trabalho humano, construídos com deter- minado propósito em mente. São artefa- tos, por exemplo, um copo, um pente, uma casa, um carro. Um artefato não surge es- pontaneamente da natureza. Alguém deci- de sua função, forma, estrutura, qualidade e o constrói com seu trabalho (LOWGREN; STOLTERMAN apud Barbosa, 2011, p.115) O design tem vários segmentos. Pode ser gráfico, digital, cênico e de interiores. Ainda vão ser inventados outros tipos, dependen- do das nossas necessidades. Em nosso dia a dia, compartilhamos vá- rios tipos de objetos criados a partir de pa- péis e pranchetas, e parece dependendermos bastante deles, como copos, pratos, talheres, celulares, automóveis e computadores. Você imagina a sua vida sem isso tudo? No Brasil, temos vários designers famo- sos. Mas aqui vamos focarem dois profissio- nais, em virtude da ligação do seu trabalho com a construção do chamado patrimônio cultural brasileiro. São eles: Lina Bo Bardi, arquiteta e designer italiana, radicada no Bra- sil; e o pernambucano Aloísio Magalhães. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 21 O que os une aqui é a busca de um de- sign nacional, levando em conta toda a história dos objetos populares, produzidos a partir dos saberes e fazeres tradicionais de várias regiões do Brasil. No início da chamada arquitetura moderna brasileira, capitaneada por Lú- cio Costa e Oscar Niemeyer, o design bra- sileiro seguia uma vertente alemã da mais famosa Escola de Design já conhecida: a Bauhaus. Lina e Aloísio quebraram este elo ao unir o tradicional e o moderno em um novo desenho para os artefatos que viriam a produzir no país. Ela com seu mo- biliário baseado nas peças de artesanato brasileiro e ele como presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artísti- co Nacional), valorizando a tradição do tra- balho artesanal como herança importante da cultura brasileira. Os dois arquitetos valorizavam o trabalho popular e vernacular, porém evoluindo para as tecnologias que o movimento moderno já trazia, principalmente com a tecnologia de ponta da produção industrial em série. Vernacular O termo deriva do latim vernaculus, que significa doméstico, nativo. Arquitetura vernacular é aquela caracterizada pelo uso de materiais e conhecimentos locais. SE LIGA! A Staatliches Bauhaus é considerada a primeira escola de design no mundo. Surgiu na cidade de Weimar, Alemanha, preocupada com as chamadas artes aplicadas, sobretudo as artes plásticas, a arquitetura e o design. Foi fundada em 1919, pelo arquiteto alemão Walter Gropius (1883-1969), oferecendo também cursos de teatro, dança e fotografia. O termo Sttatliches Bauhaus, cunhado por Gropius, significa “casa de construção”. 22 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTEFUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE PARA OS CURIOSOS Fernando e Humberto Campana são dois irmãos com a mesma profissão: designers. Eles conheceram o mestre de cultura Espedito Seleiro (80 anos), artesão de sandálias e bolsas de couro, morador de Nova Olinda/CE, cujo trabalho é reconhecido oficialmente pela Secretaria da Cultura do Ceará como Tesouro Vivo e pelo Ministério da Cultura, que lhe outorgou a Ordem do Mérito Cultural, em 2011. Busque “Espedito Seleiro” na internet e veja quanta informação bacana aparece! SE LIGA! Achillina Bo Bardi nasceu em Roma, Itália, em 1914. Casou com o crítico e historiador de arte Pietro Maria Bardi. Projetou duas edificações que se tornaram ícones arquitetônicos no Brasil, como o Sesc Pompeia (São Paulo) e a sede do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Em 1962, idealizou a Escola de Desenho Industrial e Artesanato, que infelizmente ficou somente no papel. Aloísio Magalhães nasceu em Recife, Pernambuco, em 1927. No ano de 1960, após viagens pela Europa, abriu o escritório mais importante de design da sua época. Entre seus clientes mais importantes estavam a Caixa Econômica, o Banco Itaú, o Metrô de São Paulo, a Petrobras, entre outros. Foi um dos fundadores da Escola Superior de Desenho Industrial, onde lecionou por muito tempo. Em 1979, presidiu o Iphan, com uma gestão voltada para a valorização da produção cultural imaterial brasileira. Lina Bo Bardi ficou conhecida pelo uso de madeiras nacionais e tecidos populares como a chita em suas peças de design, des- coberta em suas viagens pelo Brasil, princi- palmente em suas andanças por Salvador, na Ladeira da Misericórdia e no Solar do Unhão. Dois exemplos de móveis projeta- dos por ela, dentro de sua tese de criar um design com feições nacionais, são a “ca- deira de compensado e chita” e a sua “poltrona preguiçosa” com estrutura em cedro e encosto de sisal. O trabalho de Aloísio Magalhães como designer gráfico é reconhecido mundial- mente. Algumas de suas marcas são ines- quecíveis, como a da Petrobras (1970) e a do Correios e Telégrafos (1971). No entanto, foi no seu trabalho como coordenador do Centro Nacional de Re- ferência Cultural (1975) e posteriormente como presidente do Iphan (1979) que con- sagrou Magalhães ao consolidar uma polí- tica de valorização e fomento do Design Nacional, baseado em tecnologias patri- moniais brasileiras, que ele carinhosamen- te chamava de “prototecnologias”. Os estudos e ensinamentos desses dois grandes designers criaram vertentes para outros profissionais buscarem ideias, tendo como referência o nosso rico patrimônio cultural, como os irmãos Campana, que absorvendo os artefatos feitos pelo mestre Espedito Seleiro criaram a série “Cangaço” de poltronas e cadeiras. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 23 3. CIDADES, PATRIMÔNIO E DESIGN A felicidade corre sem parar. Bela é uma cidade velha. (Petrúcio Maia, Fausto Nilo e Ferreirinha, em “Frenesi”) a Itália, em meados dos anos 1960, o arquiteto italiano Aldo Rossi escre- veu um livro que mudou o pensamento sobre o que é uma cidade no sentido simbólico e dos afetos coletivos. A cidade moderna começou a ser criticada, principalmente por adotar um “estilo internacional”, que produzia e re- petia prédios anódinos em todas as cidades pelo mundo, sem referências vernaculares com as localidades onde eram implantados. Com Arquitetura da Cidade, Rossi afir- mava categoricamente que os espaços ur- banos não podem ficar destituídos de sua história e de seus símbolos principais, que ele chama de monumentos. Ele traça tam- bém as relações sociais entre as pessoas, a geometria das edificações e outros elemen- tos: “A cidade é a memória coletiva dos po- vos; e como a memória está ligada a fatos e a lugares. A cidade é o ‘locus’ da memória coletiva.” (ROSSI, 1995, p. 198) Desta forma, a cidade moderna come- çava a ser criticada pela falta de elemen- tos simbólicos, principalmente ligados aos bens materiais preservados, que não sus- tentavam simplesmente a cultura de “pedra e cal”, mas também afetos e memórias. Ainda na década de 1960, foi elaborada uma carta patrimonial muito importante: a “Carta de Veneza”. Seu conteúdo é inovador pela forma como os bens tombados são tra- tados. Eles não eram mais vistos de for- ma isolada, mas dentro de seu contexto, considerando o seu entorno. A proposta era a de que as intervenções com técnicas modernas deveriam preservar a história da edificação, mesmo que seus seus usos não fossem os mesmos da época de sua origem, modificando-se com o pas- sar o tempo. O importante seria requalifi- car o bem para a fruição coletiva. Anódino Sem importância ou interesse; banal, insignificante, pouco eficaz. PARA OS CURIOSOS As Cartas Patrimoniais são documentos com diretrizes para o desenvolvimento de ações de documentação, promoção e preservação de bens patrimoniais (de caráter material, imaterial, natural). Consulte algumas no endereço: portal.iphan.gov.br/pagina/ detalhes/226 24 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SE LIGA O verso “Bela é uma cidade velha”, que inicia esse tópico, retrata bem esse senti- mento nutrido pelo patrimônio, no qual as pessoas se identificam com os bens tangí- veis e os intangíveis de forma a perpetuar a história das cidades. Esse é o segredo: criar uma relação sus- tentável entre as cidades e seu patrimô- nio, seja ele material ou imaterial. E como o design entra nessa relação? Nos artefatos que dão vida aos novos ob- jetos e na manutenção dos usos pioneiros dos bens preservados. Sempre é bem-vinda a relação do imate- rial sendo abrigado pelo material. O design trazendo a contemporaneidade aos objetos que podemos ver no mobiliário urbano da cidade, como abrigos de ônibus, bancos, lixeiras, placas de sinalização, lanchonetes ou mesmo ateliês de tatuagem. Imagine você saindo de casa para visitar um museu incorporadoa uma edificação tombada. Imagine a quantidade de objetos que conduzem as pessoas a este destino, do Você já visitou museus, memoriais ou exposições? Como são os objetos contemporâneos que se encontram no interior destas edificações? Como é a acessibilidade? É importante perceber que técnicas modernas precisam entrar em equilibrio com edificações tombadas para que não fiquem descaracterizadas. Daí a expertise de arquitetos para projetar situações nas quais os objetos agreguem valor ao contexto histórico do bem tombado. ônibus aos seus assentos, até uma platafor- ma elevatória que faz com que pessoas com mobilidade reduzida acessem exposições, palestras ou conferências em prédios que não foram projetados com este olhar acessível. Daí surge o termo design universal, ou seja, sem restrições, que todos possam utilizar: as crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, pessoas com pouca mobi- lidade, baixa visão e com necessidades es- peciais. É a democratização dos acessos às edificações e também ao simples cami- nhar pelas cidades, permitindo o ir e vir sem maiores problemas. Não podemos imaginar a utilização e fruição de nossos prédios tombados nas cidades, sem pensar nos objetos produzi- dos por inúmeros segmentos do design, tra- zendo conforto e segurança para quem os visita, desde as luzes da rua ou da ilumina- ção cênica dos objetos expostos, dos copos com logotipos de museus, elevadores, pai- néis computadorizados contando a história dos bairros, das pessoas, das nossas urbes. um museu incorporado a uma edificação tombada. Imagine a quantidade de objetos que conduzem as pessoas a este destino, do dos bairros, das pessoas, das nossas urbes. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 25 4. ECONOMIA CRIATIVA E AS CIDADES Para se entender o que são cidades criativas é preciso saber o que é eco- nomia criativa.Você já deve ter ouvido falar que a economia convencional trabalha com vários tipos de recursos. No caso da economia criativa, os re- cursos utilizados são o capital intelectual e os recursos culturais. O pioneiro neste setor é o inglês John Howkins, formado em pla- nejamento urbano e relações internacio- nais, autor e precursor do conceito de eco- nomia criativa, que assim a definiu: PARA CURIOSOS Você conhece algum empreendimento criativo no seu bairro ou cidade? De que modo você poderia se inserir nesse empreendimento? E por que não criar o seu próprio empreendimento? São atividades as quais resultam em indivíduos exercitando a sua imaginação e explorando seu valor econômico. Pode ser definida como processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos (HOWKINS, 2012, p. 106). Para termos uma ideia, segundo levanta- mentos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em pesquisa de 2017, a economia criativa gerou no país 171,5 bi- lhões de reais e no mesmo período contou com 837 mil empregos formais. Um dos pontos mais significativos deste segmento é que ele caminha passo a passo com a sustentabilidade ambiental, pois a indústria cultural, utilizando o capital intelec- tual e os recursos culturais, não é geradora de resíduos. Ela caminha também junto com o patrimônio cultural, principalmente na requalificação e recuperação dos patri- mônio edificados, abrigando a produção de vários segmentos ligados ao setor. Estes são os segmentos ligados à eco- nomia criativa, chamadas também de in- dústrias criativas: • Patrimônio: com suas expressões culturais tradicionais, como os sabe- res e fazeres, os sítios históricos, ar- queológicos, museus, bibliotecas etc. • Artes: divididas em visuais (pintura, escultura e fotografia) e dramáticas (música, teatro, dança). 26 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE e os . O pioneiro neste setor é o inglês John Howkins, formado em pla- nejamento urbano e relações internacio- eco- tual e os recursos culturais, não é geradora de resíduos. Ela caminha também junto com o patrimônio cultural, principalmente na requalificação e recuperação dos patri- mônio edificados, abrigando a produção de vários segmentos ligados ao setor. Estes são os segmentos ligados à eco- nomia criativa, chamadas também de in- dústrias criativas: • Patrimônio: com suas expressões culturais tradicionais, como os sabe- res e fazeres, os sítios históricos, ar- queológicos, museus, bibliotecas etc. • Artes: divididas em visuais (pintura, escultura e fotografia) e dramáticas (música, teatro, dança). FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTERTA DO NORDESTE Cosewing O mesmo conceito para coworking (que veremos adiante), somado ao segmento da moda. • Mídia: audiovisual (cinema, TV, rádio etc), publicidade e mídia impressa. • Criações funcionais: Design de inte- riores, moda, novas mídias (soft ware, jogos, conteúdo digital) e serviços criativos (arquitetura, propaganda, cultura e recreação). A economia criativa é a base para o surgi- mento de cidades criativas. Utilizando cria- tividade, imaginação e curiosidade, cidades podem vencer suas crises, estimulando várias soluções, entre elas a geração de trabalho e renda, como também sua sustentabilidade sem desperdício de recursos naturais. O urbanista inglês Charles Landry, pri- meiro teórico e precursor do termo cidade criativa, resume o conceito de forma sim- ples: “o lugar de inspiração”. A seguir o conceito de forma mais am- pla, pelo próprio Landry: “Cidades criativas são aquelas onde há senso de conforto e familiaridade, uma boa mistura do velho com o novo, variedade e escolha e um equilíbrio entre o calmo e o vivificante ou entre o risco e a cautela”. Imagine todos os segmentos que des- tacamos acima produzindo e utilizando o inesgotável capital criativo de forma sustentável, gerando emprego, trabalho e renda, requalificando espaços e revitalizan- do setores “esquecidos” nas cidades, princi- palmente os centros históricos, onde sabe- mos que existe uma grande infraestrutura de mobilidade e serviços diversos. No Brasil, não é raro assistirmoa a algumas iniciativas ligadas ao conceito de economia criativa gerando cidades criativas. Bom lembrar que uma grande ferramenta para ala- vancar o segmento é a internet, conectando o “local” com o “global”, aumentando ainda a forma de gerar negócios com mais rapidez. Em nosso país podemos citar algumas iniciativas geradoras de cidades criati- vas, como: (1) o complexo de confecções (cosewing) Malha no Rio de Janeiro; (2) o Mercado Iaô em Salvador; (3) a Travessa da Imagem, em Fortaleza. Tem algo bem inte- ressante que une tudo isso, sabia? O design sendo abrigado por edificações que esta- vam arruinadas e que conseguiram uma sobrevida. Lembram quando falamos do material abrigando o imaterial? Cidades criativas sendo estimuladas pela economia criativa são uma boa saída para redução das desigualdades formadas no tecido urbano, como também para a in- clusão social, capacitando e treinando to- dos os atores envolvidos usando criativida- de e imaginação. Nesses casos, vale a pena sonhar, pois a partir dos sonhos começam grandes responsabilidades. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 27 mento de tividade, imaginação e curiosidade, cidades podem vencer suas crises, estimulando várias soluções, entre elas a renda sem desperdício de recursos naturais meiro teórico e precursor do termo criativa, ples: “o lugar de inspiração”. pla, pelo próprio Landry: “Cidades criativas são aquelas onde há senso de conforto e familiaridade, uma boa mistura do velho com o novo, variedade e escolha e um equilíbrio entre o calmo e o vivificante ou entre o risco e a cautela” tacamos acima produzindo e utilizando o 5. AS CIDADE CRIATIVAS Tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível (Fernando Pessoa) o dia 30 de outubro de 2019, a cidade deFor- taleza, no Ceará, ama- nheceu com um título inédito. Recebeu da Or- ganização das Nações Unidas para a Educa- ção, a Ciência e a Cultu- ra (Unesco) o prêmio de Cidade Criativa, na ca- tegoria “Design”, ao lado de Belo Horizon- te/MG, na categoria “Gastronomia”, dois segmentos da economia criativa. Hoje, no Brasil, além de Fortaleza e Belo Horizonte, temos também as seguintes ci- dades e suas respectivas categorias pre- miadas: Belém, Florianopólis e Paraty (Gas- tronomia); Brasília e Curitiba (Design); João Pessoa (Artesanato e Artes Folclóricas); Sal- vador (Música); e Santos (Cinema). A rede formada pela Unesco, com essas e outras cidades criativas pelo mundo, tem como objetivo “promover a cooperação in- ternacional entre localidades com potencial de usar a criatividade como vetor estratégico para impulsionar o desenvolvimento urba- no sustentável” (Unesco-UCCN, 2004, p.5). Compartilhar ideias, projetos, promover in- tercâmbio profissional e artístico, elaborar propostas e estudos para o desenvolvimen- to urbano e sustentável são objetivos pro- postos para a Rede de Cidades Criativas Unesco. Durante 4 em 4 anos, todas elas te- rão que elaborar relatórios de monitoramen- to para que os compromissos assumidos se- jam executados de forma local e global. PARA OS CURIOSOS O Plano Fortaleza 2040 é um planejamento para a cidade de Fortaleza, com estratégias a serem implementadas em curto, médio e longo prazo (tendo como horizonte o ano 2040), contemplando os planos urbanístico, de mobilidade; de desenvolvimento econômico e social, entre outros. Curioso? Acesse: fortaleza2040.fortaleza.ce.gov. br/site/assets/files/publications/ fortaleza2040_planejamento_ participativo_17-08-2015.pdf. 28 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Mas o que levou Fortaleza, por exemplo, a ser escolhida como uma cidade criativa? E porque na categoria Design? Segundo Cláudia Leitão, diretora do Ob- servatório de Governança Municipal do Ins- tituto de Planejamento de Fortaleza (Iplan- for), foram as diretrizes do Plano Fortaleza 2040, especialmente o eixo “Cultura e Patri- mônio”, que sensibilizaram os consultores da Unesco para a premiação. Em entrevista ao O POVO (26 de feve- reiro de 2018), ela afirma que o Plano For- taleza 2040 “propõe a transformação da capital em uma Cidade Criativa, inovadora, inteligente e empreendedora, conectada com as demais cidades criativas do mundo, reconhecida pela sustentabilidade, inova- ção e diversidade cultural dos seus bens e serviços e pela inclusão social/produtiva da sua população.” No Plano estão contidas várias ações para implementar segmentos ligados ao Design, como também a preservação das edificações em toda a cidade. Esse foi um planejamento amplo, construído com parti- cipação popular e construído nos conceitos da economia criativa e do desenvolvi- mento sustentável. Em Fortaleza, a ideia é promover vários coletivos de artes, em todos os 120 bairros de Fortaleza, “com” e “para” sua população. No entanto, o centro da cidade foi idealizado como o vetor para onde serão direcionado todas as manifestações culturais, com um grande fórum de apresentações, gerando emprego e renda, principalmente pela cons- trução do Distrito Criativo de Iracema, requalificando e restaurando uma série de edificações históricas que servirão de abrigo para as mais variadas manifestações ligadas às artes aplicadas e à economia criativa. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 29 Desse modo, não haverá apenas uma gera- ção de empregos convencionais. O capital intelectual e criativo deverá gerar postos e locais de trabalho ligados aos empreendi- mentos modernos como coworkings, hubs e startups, todos ligados formando clusters em vários pontos, revitalizando e requalifi- cando espaços urbanos degragadados. As Aceleradoras são empresas cujo ob- jetivo principal é investir financeiramente no desenvolvimento de startups, ajudando-as a obter investimentos ou a atingir seu ponto de equilíbrio, quando conseguem pagar suas próprias contas com as receitas que geram. E as Incubadoras oferecem apoio gerencial e técnico, como serviços de recepção, internet, telefone, secretaria, salas de reunião, ou seja, a estrutura física necessária para que se pos- sa desenvolver um negócio, além de asses- soria em questões jurídicas e financeiras. O trio tão comentado neste fascículo, de- sign, cidades e patrimônio, contribui de for- ma substantiva para a sustentabilidade dos espaços urbanos. Aliás, o uso misto de vários centros urbanos é uma tendência mundial, para dar sobrevida não apenas ao comércio, mas aos clusters residenciais e outros. A ideia dos Distritos Culturais é exata- mente esta: uma grande rede de clusters in- teligados uns aos outros, gerando vida, con- solidando novamente os centros urbanos diuturnamente. Imagina você indo trabalhar no Centro e na hora do almoço caminhar e encontrar várias opções gastronômicas e de lojas onde você pode encontrar aquela camisa pintada por um amigo seu, ou uma tela, uma escultura... Voltar a trabalhar e, depois, fazer um happy hour nas proximi- dades, ir dançar com sua(seu) namorada(o) e amigos(as), para depois voltar para casa. Tudo próximo de seu trabalho ou então to- mando um transporte com facilidade. Após a leitura deste fascículo, você con- seguiu perceber que criar, imaginar e so- nhar são recursos inesgotáveis que podem gerar patrimônio e design, de objetos sim- ples aos complexos, como um clip para pa- pel ou uma cidade? SAIBA MAIS “O Distrito Criativo Iracema, o primeiro de Fortaleza, compreende 2,9 quilômetros quadrados de área (Centro e Praia de Iracema), com uma população de 15.286 habitantes. Ele é composto de: 7% de sua área em Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), que inclui as comunidades do Poço da Draga, Morro do Ouro e Graviola; 17% da Área de Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico- Cultural (ZEPH); e 55% de Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS). Esse misto de zonas de interesse contribui para os objetivos centrais do Distrito, que busca aliar o empreendedorismo criativo, com inclusão social, inovação e sustentabilidade” (Cláudia Leitão, em artigo para O POVO: opovo.com.br/ jornal/opiniao/2018/02/fortaleza-e-o- seu-primeiro-distrito-criativo.html) Cluster É uma concentração geográfica de empresas e instituições interconectadas em torno de um determinado setor. Hubs (de startups) Também conhecidos como hubs de conectividade, são ambientes propícios a dar acesso e oportunidades de conexão, um dos fatores mais importantes para os empreendedores. Esses ambientes são compostos por diversas startups, envolvendo grandes empresas, novos empreendimentos, investidores de aceleradoras e incubadoras, gerando valor e oportunidade em ambientes que vão além de locais compartilhados de trabalho. Coworking Um novo modelo de trabalho, que tem o objetivo de incentivar a troca de ideias, compartilhamento e colaboração entre diferentes profissionais que podem ser de diferentes áreas. Tudo isso não apenas virtualmente, mas em um escritório físico. Startup Companhias e empresas que estão no início de suas atividades e que buscam explorar atividades inovadoras no mercado. 30 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Simone D. J. Interação humano-computador. Recurso eletrônico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011 BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1980. CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2004 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ:MinC; IPHAN, 2005 HOWKINS, John. Economia criativa. Como ganhar dinheiro com ideias criativas. São Paulo, Mbooks,2012. IPLANFOR (Instituto de Planejamento de Fortaleza). Fortaleza 2040. Eixo 3 - Cultura e Patrimônio. Disponível em: https://fortaleza2040.fortaleza.ce.gov. br/site/. Data de acesso: 3/1/2020 LANDRY, Charles. Origens e futuros da cidade criativa. São Paulo, SESI-SP Editora, 2013. MAGALHÃES, Aloísio. Da invenção e do fazer. Reflexão sobre o artesanato e o homem. In: Separata da Revista Pernambucana de Desenvolvimento, v. 4, n. 1, jan./jun., 1977, p. 125-135. PMRJ (Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro). 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Atuou no Programa Monumenta em Icó, como coordenador de patrimônio material da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE). É arquiteto do Departamento de Arquitetura e Engenharia do Ceará, tend o como p rojetos e obras principais, os restauros do Cine-Theatro São Luiz e o Palácio da Abolição. É professor de Arquitetura da Faculdade Estácio de Sá, arquiteto do Iphan-CE e, atualmente, trabalha na Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). ILUSTRADOR Daniel Dias é ilustrador e artista gráfico, com extensa produção em projetos editoriais, sendo a maior parte destinada ao público infantil e infantojuvenil. Seu trabalho tem como base a pesquisa de materiais e estilos, envolvendo estudo de técnicas tradicionais de pintura, desenho, fotografia e colorização digital. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 31 Este fascículo é parte integrante do projeto Formação de Mediadores de Educação Patrimonial, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza, sob o nº 02/2019. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Educacional Thifane Braga Secretária Escolar CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO Raymundo Netto Coordenador Geral, Editorial e Revisor Cristina Holanda Coordenadora de Conteúdo Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Diagramador Daniel Dias Ilustrador Thaís de Paula Produtora ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-953-1 (Fascículo 2) Realização Apoio
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