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ADMINISTRATIVO 2020

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DIREITO ADMINISTRATIVO
ORIGEM, CONCEITO E OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Visão detalhada sobre origem, conceito e objeto do direito administrativo
1. Origem e objeto
Embora saibamos que o direito é um só, um “bloco uno e maciço”, como disse o professor Cretella Júnior (1977), para fins didáticos, tradicionalmente, o direito é dividido em dois grandes ramos, que são o direito público e o direito privado.
Já o direito público traz a disciplina de matérias que transcendem a esfera individual e abrigam assuntos de interesse da sociedade como um todo. É o ramo que tem por objetivo disciplinar os interesses da sociedade, ou seja, o direito público tem por objetivo disciplinar as relações entre as entidades estatais e as relações entre a sociedade e o Estado. Neste ramo existem prerrogativas que colocam as relações entre Estado e particulares em uma posição de desigualdade, que pende para o interesse público. O direito administrativo ocupa este grupo. É um ramo do direito público.
O direito privado está relacionado àqueles assuntos que dizem respeito aos interesses de particulares. Estes, em posição de igualdade (não material, mas jurídica), podem dispor de modo distinto daquele previsto nas normas, desde que haja consenso.
Essa divisão, de origem romana, atualmente tem sido bastante questionada, já que muitos interesses transcendem a esfera privada, mas não chegam a ser considerados de direito público, e a tradicional classificação já se mostra insuficiente para diferenciá-los. No entanto, deve ser conhecida.
Sobre esse assunto, ainda, deve-se saber que o fato de o direito administrativo pertencer ao ramo do direito público não significa a exclusão completa do direito privado. Em muitas ocasiões, o direito privado é aplicado subsidiariamente.
É também possível que o Estado se relacione com um particular e que tal relação seja regida pelo direito privado, mas, em certas ocasiões, as normas de direito público derrogarão as normas de direito privado.
Superada essa fase introdutória da dicotomia do direito, trataremos sobre a origem do direito administrativo.
Em um Estado Absolutista, no qual “a vontade do rei tem força de lei”, não há razão ou sentido para o estudo do direito administrativo, já que essa matéria regula justamente as relações do Estado.
Sendo assim, o surgimento do direito administrativo está umbilicalmente ligado ao surgimento do Estado de Direito, entendendo-se este como um Estado no qual não há súditos, mas cidadãos, em que há o primado da lei, e não da vontade do soberano. Enfim, um Estado limitado pelo Direito.
Nesse sentido, as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII (inglesa e francesa – época do nascimento do Estado de Direito) influenciaram decisivamente para o surgimento do direito administrativo, como ramo autônomo da ciência jurídica.
Podemos lembrar, ainda, outra data de grande relevância para o reconhecimento da autonomia do direito administrativo. É o ano de 1873, quando ocorreu o julgamento do famoso “caso Blanco” (DI PIETRO, 2010). Trata-se de uma lide em que se buscava reparação pelo fato de uma menina francesa chamada Agnès Blanco ter sido atropelada por um vagão de uma Companhia Estatal. No julgamento do caso para fins de responsabilização civil do Estado Francês, houve a tentativa de utilização de princípios e regras próprios para tratar da matéria, já que, diante da presença do Estado na relação jurídica, as regras de direito privado já não se revelavam adequadas.
Esse caso foi importante para a autonomia do direito administrativo porque uma ciência é considerada autônoma quando ela passa a ter princípios, regime, institutos, método e objeto próprios.
Porém, fique atento: o direito, conforme dito anteriormente, é uno. Essa autonomia é para fins didáticos.
Enfim, o direito tem por objeto as normas (regras e princípios) que regulam as relações jurídicas dentro da própria Administração Pública, como acontece entre a pessoa jurídica e os órgãos e agentes a que pertencem; e as relações estabelecidas entre os administrados e a Administração Pública.
2. Conceito
Nos primeiros tempos, para a definição do objeto do direito administrativo, a escola legalista, empírica, exegética ou caótica o concebeu como sinônimo do direito positivo. Para essa escola, o direito administrativo era um arcabouço legislativo, ou seja, entendia que direito administrativo deveria emanar das leis. Ao se falar sobre “direito administrativo”, para essa escola, necessariamente, está se falando em lei.
Superando essa visão extremamente limitada do conteúdo do direito administrativo, seu estudo foi, posteriormente, ampliado, atrelando-o à ciência da administração. Nessa ocasião houve um grande alargamento do objeto do direito administrativo, englobando, inclusive, matérias não jurídicas, tais como aquelas afetas à política da administração.
Enfim, o critério técnico ou científico, para o qual o direito administrativo cuida apenas de matérias estritamente jurídicas, excluindo-se, portanto, aquelas afetas à ciência da administração. Essa construção doutrinária, adotando o critério científico do direito administrativo, fortaleceu o estudo dos princípios jurídicos da disciplina.
2.1. Os diferentes critérios adotados para a conceituação do direito administrativo
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017) dispõe acerca das diversas escolas e dos diversos critérios utilizados para a conceituação do direito administrativo.
Vejamos:
a) Escola puissance publique ou escola da potestade pública: esta escola, desenvolvida no século XIX, diferenciava os atos de autoridade daqueles atos de gestão. Nesse sentido, nos atos de gestão, o Estado estava em posição de igualdade com os cidadãos, sendo a relação regida pelo direito privado. Essa escola, embora tenha sido utilizada e, atualmente, ainda haja alguns resquícios de sua aplicação, tal qual a distinção entre atos de império e atos de gestão, não encontra acolhimento e está sujeita a críticas simples, porque sabemos que, mesmo quando o Estado está praticando atos privados, esse regime nunca será aplicado integralmente. O direito público, em certas ocasiões, derrogará o direito privado. São exemplos as autorizações dadas para o particular exercer uma atividade privada, que, embora se tratem de atos negociais, são regidas pelo direito público.
b) Escola do serviço público: após o julgamento do caso Agnès Blanco, ocorrido em 1873, reconhecida a autonomia do direito administrativo (regime jurídico próprio), foi fixada a competência dos tribunais administrativos quando o caso envolvesse o serviço público. Ao termo serviço público foi dado um conceito lato, abrangendo todas as atividades do Estado. Esse conceito, demasiadamente amplo, não foi suficiente para a definição do objeto do direito administrativo. Posteriormente, foi atribuído um sentido estrito ao serviço público, abrangendo apenas a atividade material, excluindo as atividades legislativas, por exemplo. Do mesmo modo, esse sentido estrito atribuído ao serviço público até pode ser útil para o estudo desse instituto em específico, mas não para a definição do direito administrativo como um todo.
c) Critério do Poder Executivo: para este critério, o direito administrativo é um conjunto de normas (regras e princípios) que disciplinam a organização e as atividades do Poder Executivo. Trata-se de conceito falho. Se parar e refletir, vai observar que o direito constitucional organiza os Poderes (incluindo o Poder Executivo) e estrutura o próprio Estado. Ao direito administrativo cabe disciplinar a atividade administrativa. Embora você possa estar se perguntando “A atividade administrativa não é uma atividade do Poder Executivo, exercida pelo presidente da República e seus auxiliares?”, trata-se de meia verdade. Isto porque cabe ao Poder Executivo, de forma típica, exercer a atividade administrativa, mas em nosso sistema constitucional não foi prevista a exclusividade e, sim, a preponderância, com a adoção da teoria dos freios e contrapesos. Nesse ponto, cumpre mencionar que os Estados Modernos adaptaram a teoria da tripartiçãode Poderes clássica, como concebida por Montesquieu, ao seu contexto social e histórico ao permitir uma maior interpenetração entre os Poderes, de modo que cada um deles exerça, além de funções típicas (predominantes), funções atípicas, de natureza típica dos outros poderes. Assim, a atividade preponderante exercida pelo Poder Executivo é a atividade administrativa, mas os demais Poderes também a exercem. O Poder Judiciário, por exemplo, quando promove um concurso para selecionar analistas, está exercendo a atividade administrativa que, inclusive, é regida pelo direito administrativo. O mesmo ocorre com o Poder Legislativo. Ambos exercem de maneira atípica a atividade administrativa. Portanto, esse critério não deve ser adotado.
d) Critério das relações jurídicas: este critério aduz que o direito administrativo é um conjunto de normas regentes das relações entre a administração e os administrados. Entretanto, é um critério que, também, não pode ser aceito porque ignora o direito tributário, o direito penal, entre outros que, também, disciplinam institutos envolvendo os administrados e o Poder Público.
e) Critério teleológico: segundo este critério, o direito administrativo é um conjunto de princípios que disciplinam a atividade do Estado para a consecução dos fins estatais. Trata-se de critério bastante amplo porque a expressão “fins estatais” é de difícil delimitação e, não necessariamente, isso ocorreria, apenas, no âmbito da atividade administrativa
f) Critério negativo ou residual: trata-se de critério oponível ao anterior, pois, conforme vimos, o critério teleológico sustenta que o direito administrativo é um conjunto de princípios que disciplinam a atividade do Estado voltada para seus fins. O critério negativo ou residual, por sua vez, vem justamente para reduzir a amplitude do critério teleológico, e fala quase a mesma coisa, mas que devem ser excluídas as funções legislativa e judicial, ou somente esta. Assim sendo, em sentido positivo, o direito administrativo traz em seu bojo princípios e regras que disciplinam a atividade do Estado em busca de seus fins e, em sentido negativo, temos o direito administrativo quando não houver as atividades legislativa e jurisdicional.
g) Critério da distinção entre as atividades jurídica e social: segundo este critério, tem-se o direito administrativo regulando a atividade exercida de maneira não contenciosa pelo Estado e a constituição dos órgãos e de seus meios de ação.
h) Critério da administração pública: para os adeptos deste critério, o direito administrativo é um conjunto de regras e princípios que regem a Administração Pública. Há quem adote o conceito partindo das noções de Administração Pública em sentido subjetivo – conjunto de órgãos e pessoas jurídicas – e objetivo – que compreende as atividades do Estado. É o conceito aceito, de forma predominante, no Brasil e foi adotado, por exemplo, por Hely Lopes Meirelles (2010, p. 40), que sustentava que o direito administrativo é o “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Importante ressaltar, como já mencionado acima, que as atividades de natureza executiva (ou administrativa), não são exclusivas do Poder Executivo na concepção moderna da separação de poderes, de modo que também os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário praticam atos administrativos.
Atividade concreta, dizia, porque ao legislador cabe a atividade abstrata; imediatamente, pois que a atividade mediata é uma função social do Estado; e enfim, direta porque a atividade que age de maneira indireta é a judicial.
A definição de Hely Lopes é a mais encontrada nas provas de concurso, porém é importante conhecer outras.
Nesse sentido, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2010) define direito administrativo como um ramo de direito público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem.
Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, p. 78) diz que o direito administrativo é “o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”.
3. Fontes do direito administrativo
O direito administrativo não é um ramo do direito codificado, diferentemente do que podemos perceber ao estudar o direito penal, o civil, dentre outros.
As leis administrativas estão esparsas por todo o ordenamento jurídico. Encontramos normas de direito administrativo, inclusive, nos códigos disciplinadores de outras matérias.
Para o professor Hely Lopes Meirelles (2010), as principais fontes do direito administrativo são: a lei, a doutrina, os costumes e a jurisprudência. Não há uniformidade na doutrina. Para Diógenes Gasparini (2008), por exemplo, deve ser feita a inclusão dos princípios gerais do direito.
a) Lei: dentre as fontes do direito administrativo, a fonte primária e principal é a lei. Entretanto, na concepção contemporânea do tema, lei deve ser compreendida em sentido amplo, inclusive em consonância com o sentido mais amplo que se tem dado ao princípio da legalidade. Dessa maneira, nesse ponto considera-se como lei todos os atos legislativos (Constituição Federal, Emendas à Constituição, Constituições Estaduais, Lei Orgânica do Distrito Federal e Leis Orgânicas dos Municípios, leis ordinárias, complementares e delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções legislativas) e, ainda, devem ser incluídos os princípios constitucionais da Administração Pública, pois são normas.
b) Doutrina: consiste na lição dos juristas. A doutrina é extremamente importante para o desenvolvimento do próprio direito. É na doutrina que os estudiosos esboçam os fundamentos teóricos sobre as disciplinas jurídicas e é sobre ela que se debruçam todos aqueles (por exemplo: juízes, legisladores, administradores) que precisam de conhecimentos jurídicos para o desenvolvimento de suas atividades.
c) Jurisprudência: é a reiterada interpretação da lei dada pelos tribunais (nas decisões). Tal qual a doutrina, a jurisprudência contribui, significativamente, para o desenvolvimento do direito. Deve-se saber que, no Brasil, como regra, a jurisprudência não é vinculante, podendo cada juiz decidir livremente (livre-convencimento motivado). Entretanto, com a previsão das súmulas vinculantes em nosso ordenamento jurídico, súmulas estas que obrigam os juízes a seguirem o entendimento do STF (sob pena de Reclamação), ainda é possível continuar a afirmar que a jurisprudência não vincula os juízes, mas algumas ressalvas devem ser feitas. Assim, podemos dizer que a jurisprudência não vincula os juízes, exceto em casos de súmula vinculante, decisões do STF no controle concentrado de constitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC; e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF), além da nova sistemática trazida pelo Código de Processo Civil (CPC), que passou a dispor sobre os precedentes judiciais (incidente de assunção de competência – art. 947, CPC, e incidente de resolução de demandas repetitivas – art. 976, CPC).
d) Costume: é o comportamento reiterado com a noção de conformidade com o direito. Daí podemos extrair os dois elementos constitutivos do costume: o elemento objetivo (prática reiterada de uma conduta) e o subjetivo (noção de que aquela prática reiterada está conforme o direito). Não se admite, no Brasil, o costume contra legem, que significa o costume contra a lei. Somente uma lei revoga outra lei. Costume, por mais que seja uma prática reiterada no tempo, não irá revogar um comando legal.
Veja um resumo das fontes do direito administrativo:
	LEI 
	É a principal fonte do direito administrativo e deve ser compreendida em sentido amplo.
	DOUTRINA
	Lição dos juristas.
	JURISPRUDÊNCIA
	Reiterada a interpretação dada pelos tribunais.Em regra, são dotadas de caráter orientador, mas há casos em que a decisão deve ser obrigatoriamente seguida. Por exemplo: súmulas vinculantes.
	COSTUME
	Comportamento reiterado, não sendo admitido, no Brasil, o costume contra legem.
DIREITO ADMINISTRATIVO
ORIGEM, CONCEITO E OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Constitucionalização do direito administrativo e a valorização dos princípios constitucionais
1. A evolução do Direito Administrativo e sua constitucionalização
A despeito da origem garantística do direito administrativo, surgido com as Revoluções Liberais e com a necessidade de limitação do Poder do Estado e sua atuação, a disciplina se desenvolveu em um contexto de exorbitância. Os institutos clássicos de Direito Administrativo surgiram a partir da atuação do Conselho de Estado francês, órgão de jurisdição administrativa que integrava o Poder Executivo. Assim, o Direito Administrativo se desenvolveu como um direito da exorbitância, que pode se manifestar de duas formas:
(i) Regras especiais derrogatórias do direito comum. A gênese do Direito Administrativo tem forte ligação com a separação do direito público e privado. A atuação do Conselho de Estado muitas vezes teve como objetivo blindar a incidência do direito comum, privado, sobre a Administração Pública. Criou-se, assim, um direito que exorbitaria daquelas normas aplicadas nas relações entre iguais, privados, criando inclusive espaços imunes ao controle e a qualquer espécie de intervenção.
(ii) Concessão de prerrogativas e privilégios, com fundamento na ideia de supremacia dos interesses tutelados pela Administração Pública. Exorbitância que está ligada à lógica de autoridade desse momento inicial do Direito Administrativo de inspiração francesa.
Observa-se, portanto, que o Direito Administrativo, que nasce sobretudo para proteção dos indivíduos diante do Poder Público, desenvolve-se com uma lógica de autoridade, de exorbitância e de concessão de privilégios.
No entanto, o Direito Administrativo vem sofrendo significativas transformações, sobretudo em razão do reconhecimento da força normativa da Constituição e de sua superioridade hierárquica dentro do ordenamento jurídico, o que levou a uma constitucionalização do Direito como um todo. Tal fenômeno, inserido no chamado novo constitucionalismo, ou neoconstitucionalismo, caracterizou-se por uma reaproximação entre o Direito e a moral, atribuição de normatividade dos princípios constitucionais e da valorização dos direitos fundamentais.
Assim, a partir do reconhecimento de que a dignidade da pessoa humana é a finalidade última do Estado e do Direito, também o Direito Administrativo deveria ser lido e reestruturado de modo a visar, em última análise, à proteção e à garantia de direitos individuais.
A constitucionalização do direito gerou, então, em um primeiro momento, um giro democrático-constitucional no Direito Administrativo, a partir do qual a Administração Pública foi colocada em uma posição de alinhamento com a Constituição e com os Direitos Fundamentais. A Administração Pública, assim, se torna uma Administração Pública cidadã.
Além disso, observa-se também que o Direito Administrativo vem passando por um giro pragmático, no sentido de que a Administração Pública deve sempre buscar, em sua atuação, resultados para os problemas reais que lhe são colocados, em substituição a uma conduta puramente legalista e baseada em burocracias excessivas que geram ineficiência e morosidade. Com isso, a forma passou a ser considerada menos importante que o resultado, dando-se ênfase não ao ato administrativo, mas ao seu processo de constituição.
1.1. Formas de manifestação da constitucionalização do Direito Administrativo
Assim, o Direito Administrativo contemporâneo busca seus objetivos e meios de realização na Constituição, podendo a sua constitucionalização se manifestar de duas formas:
a) Constitucionalização-inclusão: refere-se à previsão, em sede constitucional, de normas alusivas à Administração Pública. Algumas Constituições trazem um verdadeiro estatuto jurídico da Administração Pública. Exemplo disso, na Constituição Federal (CF)/1988, é o a 37, que elenca os princípios que regem a atuação administrativa em seu caput; disciplina sua organização; lista os entes que integram-na, entre outras normas relativas aos seus atos, contratos e agentes.
b) Constitucionalização releitura (Luís Roberto Barroso): toda ordem jurídica, inclusive o Direito Administrativo, deve ser lida e aprendida sobre as lentes da Constituição Federal. Deve-se realizar uma “Filtragem constitucional”, ou seja, uma releitura do Direito Administrativo a partir da pauta substantiva da Constituição, de sua carga axiológica, com especial destaque para as normas consagradoras de direitos fundamentais. As normas constitucionais têm eficácia irradiante por todo o ordenamento.
1.2. Consequências da constitucionalização no Direito Administrativo
O fenômeno da Constitucionalização do Direito provocou uma série de mutações no Direito Administrativo, dentre as quais destacamos as seguintes:
a) Concretização de transformações no modelo de Estado brasileiro, sobretudo nos campos administrativo e econômico: A CF/1988 promoveu mudanças no posicionamento do Estado em relação ao ordenamento econômico e social, alterando seu papel na ordem econômica ao: limitar as formas de atuação direta do Estado na economia; instituir um modelo de regulação por agências independentes; reduzir as restrições ao capital estrangeiro; quebrar monopólios do Poder Público. Além disso, a Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998 introduziu, na Constituição, um modelo de Administração Pública gerencial, focada em resultados e eficiência.
b) Releitura do princípio da legalidade. Evolução da ideia de legalidade para uma ideia de juridicidade administrativa (legalidade em sentido amplo). Com o reconhecimento da força normativa da Constituição e dos princípios constitucionais, a Administração passa a se vincular não só à lei, mas ao ordenamento jurídico como um todo, o qual tem como norma de superioridade formal e axiológica a Constituição. Essa ampliação da noção de legalidade, por outro lado, permite à Administração, em determinadas hipóteses, buscar fundamento de validade da sua atuação diretamente na Constituição Federal.
c) Releitura do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: tendo em vista o reconhecimento da centralidade dos direitos fundamentais e da pessoa humana no ordenamento, muitos autores passaram a falar da necessidade de uma releitura do princípio da supremacia do interesse público, ou mesmo sua superação, dada sua tradicional utilização de forma autoritária. Deve o interesse público ao pautar a atuação do Estado ser verificado caso a caso, ponderando-se os interesses da Administração e da coletividade com os interesses do particular para que prevaleça aquele que melhor preserva os direitos fundamentais em jogo.
d) Ampliação do controle da Administração, sobretudo por uma valorização dos princípios que regem a sua atuação. A matriz principiológica da Constituição Federal passa a possibilitar o controle judicial do mérito administrativo, sobretudo a partir de uma análise de sua proporcionalidade e razoabilidade, gerando uma redução do espaço discricionário da Administração.
e) Processualização e contratualização da função administrativa. O processo administrativo e não mais o ato passa a ser visto como elemento nuclear do Direito Administrativo. Privilegia-se o processo decisório de formação do ato administrativo, a fim de que se possa verificar: se foram observadas as garantias constitucionais, se os atos foram motivados, publicizados, se foi dada a devida importância às considerações dos afetados etc. Todo ato administrativo é fruto de um processo decisório, o qual passa a ser controlado com mais intensidade à luz dos princípios de garantias e dos princípios democráticos. Além disso, priorizam-se os negócios jurídicos em detrimento da imposição unilateral da vontade administrativa, permitindo-se a participação do destinatáriona formação da vontade estatal, garantindo maior legitimidade e eficiência à atuação administrativa.
f) Democratização da Administração Pública. Superação das ideias de unilateralidade e imperatividade para uma lógica de consensualidade. A partir da pauta substantiva da Constituição, se exige a ampliação dos canais de participação dos particulares na tomada de decisões administrativas. O particular, administrado, não é mais visto como um adversário, mas como o destinatário da ação administrativa e também como um parceiro na consecução do interesse público.
g) Vinculação positiva da Administração aos direitos fundamentais. Não mais basta a não violação de direitos (vinculação negativa), cabendo à Administração atuar positivamente na promoção desses direitos. Isso decorre da chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Isso porque os direitos fundamentais consagram valores centrais do ordenamento jurídico, de forma que cabe à Administração atuar positivamente na promoção desses direitos.
h) Valorização da segurança jurídica na atuação do Estado. Princípio extraído da cláusula do Estado Democrático de Direito. Refere-se à tutela das legítimas expectativas criadas a partir da atuação da Administração e proibição de comportamentos contraditórios.
i) Releitura de institutos clássicos do Direito Administrativo. há um natural descompasso entre institutos, como a desapropriação e o próprio exercício do poder de polícia, além das expectativas da sociedade no contexto atual em que vivemos, devendo estes serem relidos e funcionalizados à luz da Constituição Federal e de seus princípios.
DIREITO ADMINISTRATIVO
ORIGEM, CONCEITO E OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Princípios. Legalidade, juridicidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, supremacia do interesse público, continuidade, autotutela, consensualidade e participação, segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé
1. O regime jurídico administrativo
Ao estudar direito administrativo aprendemos que ele sofre uma influência de alguns institutos que são relevantes para o direito público, mas não são tão relevantes assim para o direito privado. 
Mesmo considerando a crítica modernamente feita à separação de ramos do direito público e privado, voltada a uma maior integração destas grandes áreas do direito, o fato é que alguns princípios influenciam o direito administrativo com maior intensidade do que incidem, por exemplo, sobre o direito civil.
Os princípios estudados no direito administrativo acabam dando as características nucleares deste ramo do Direito, constituindo o que se reconhece como regime jurídico administrativo – conjunto de princípios expressos e implícitos que conduzem a atuação da Administração Pública em busca do interesse público, conferindo, para o exercício deste poder-dever, de um lado, prerrogativas e, de outro, sujeições.
Antes de adentrar o estudo de cada um desses princípios, cumpre salientar a distinção entre os conceitos de norma, regras e princípios.
2. Conceitos: norma, regras e princípios
Norma é gênero que traz em seu cerne os princípios e as regras, cuja distinção merece ser conhecida.
Durante o positivismo jurídico, com a ideia de direito escrito, positivado, os princípios eram vistos como normas dotadas de ampla generalidade e abstração, tendo, por isso, um baixo grau hierárquico no ordenamento jurídico, prevalecendo na doutrina a noção de direito como um sistema de regras. Aqui, os princípios não eram aplicados diretamente. Não tinham uma atuação concreta. Eram normas voltadas para a interpretação e para a integração do Direito, suprindo as lacunas quando as regras não eram capazes de fazê-lo (FERNANDES, 2015).
Com o surgimento do pós-positivismo (e a superação da ideia de que direito é um conjunto de regras positivadas), os princípios passaram a ocupar outro espaço no plano normativo, ficando ao lado das regras, podendo delas extrair soluções diretas para os problemas jurídicos.
Assim, podemos dizer que as normas são um conjunto de regras e princípios integrantes do sistema normativo de determinado Estado (MENDES; BRANCO, 2014).
Mas o que diferencia um princípio e uma regra, já que ambos são normas jurídicas?
Dois critérios têm sido utilizados para diferenciar uma regra de um princípio. Para o critério quantitativo (chamado de tese fraca), os princípios têm alto grau de abstração, o que os difere das regras, pois estas têm baixíssimo grau de abstração e alta determinabilidade. Veja que é denominado de critério quantitativo porque estamos falando em quantidade de abstração. Se tiver muita abstração, é um princípio; se houver pouca abstração, tem alto grau de determinabilidade e é uma regra. Por outro lado, modernamente, está ganhando espaço o critério qualitativo (chamado de tese forte), para o qual não é a abstração que diferencia um princípio de uma regra, mas sim a solução a ser dada quando houver colisão entre dois princípios ou entre duas regras. Segundo esse critério, as regras se aplicam com base no “tudo ou nada”, e, havendo colisão entre duas regras, a solução estará no plano de validade, aplicando-se apenas uma delas ao caso concreto. Já os princípios, por sua vez, não trazem soluções definitivas na norma que os consagra e apresentam diferentes “graus” de aplicação, consistindo em verdadeiros mandamentos de otimização (sendo aplicados da melhor maneira possível). Havendo colisão entre princípios, deve ser feita uma ponderação, sem que isso signifique a invalidação de um ou de outro, podendo, inclusive, aplicar os dois princípios que aparentemente eram colidentes na mesma situação.
Nesse sentido, com a distinção apresentada no parágrafo anterior, fica mais fácil entender o conceito de regime jurídico administrativo como: conjunto de princípios expressos e implícitos que conduzem a atuação da Administração Pública em busca do interesse público, conferindo, para o exercício desse poder-dever, de um lado, prerrogativas e, de outro, sujeições.
Assim, a Administração Pública tem prerrogativas que a colocam em uma posição vertical diante de um particular, porque a sua finalidade é o interesse público. Por outro lado, sua atuação está limitada por uma série de restrições, e um bom exemplo disso é o princípio da legalidade.
A razão da  existência da Administração Pública é a incessante busca pela materialização do interesse público. Por isso, é importante salientar que o interesse público pode ser subdividido em interesses públicos primário e secundário. O interesse público primário é o interesse público propriamente dito, aquele que diz respeito à coletividade como um todo. Aqui, por exemplo, você pode pensar na Administração Pública editando um decreto demonstrando o interesse público em desapropriar determinado imóvel para nele realizar uma escola de ensino infantil. Observe que, nesse caso, estará atendendo aos interesses primários da sociedade. Por outro lado, o interesse público secundário é aquele do próprio ente (estado, município, autarquia...), somente refletindo na sociedade de maneira remota. Isso ocorre porque o Estado tem personalidade jurídica, e, na qualidade de sujeito de direitos, tem interesses próprios a defender. Um exemplo dado pela doutrina é a instituição de tributos (CARVALHO, 2016).
Quando falamos que a Administração Pública busca o interesse público, estamos nos referindo ao interesse público primário. É esse interesse que justifica as prerrogativas atribuídas à Administração para cumprir sua tarefa.
É esse interesse público primário, enfim, que fundamenta o regime jurídico administrativo, que, basicamente, é norteado por dois supraprincípios, ou superprincípios, do direito administrativo (MAZZA, 2011), dos quais todos os outros decorrem. Esses dois supraprincípios são o da supremacia do interesse público e o da indisponibilidade do interesse público, considerados pela doutrina como “pedras angulares” ou “pedras de toque” do direito administrativo (MELLO, 2010, p. 55 e 57).
3. Princípios em espécie
3.1. Princípio da supremacia dointeresse público
Este princípio é tradicionalmente considerado o fundamento para o exercício das  prerrogativas  conferidas  à  Administração  Pública  em  busca do interesse público. Por ele, quando houver conflito entre o interesse público e o privado, aquele deve prevalecer.
A Administração Pública, em seu sentido material, designa a atividade administrativa propriamente dita. Essa atividade compreende a prestação do serviço público, a polícia administrativa, o fomento e a intervenção.
Imagine como seria se a Administração Pública fosse interditar um restaurante que não atende aos mínimos requisitos sanitários e que, mesmo preenchidos os requisitos para a interdição do estabelecimento, os proprietários pudessem se opor dizendo que não gostariam que o estabelecimento fosse fechado?
O interesse privado estaria se sobrepondo ao interesse público e, no exemplo, colocando em risco a saúde pública.
O mesmo ocorre quando o setor responsável de um município não concede a licença para construir um imóvel porque o projeto não atende às normas municipais de planejamento e utilização do solo urbano.
O objetivo é buscar o interesse público. Se não foi concedida a licença para construir, é porque, em tese, a fiscalização entendeu que esse projeto não cumpre as condições necessárias estabelecidas pela administração com a finalidade de atender ao interesse público e que o atendimento ao interesse do particular (neste caso) violaria esse princípio, já que a ordenação do solo urbano ocorre justamente em benefício da coletividade.
Assim, conflitando o interesse público com o interesse privado, aquele há de prevalecer. Por isso, quando do desempenho de suas atividades é regido pelo direito público, a Administração Pública está em uma posição superior em relação ao particular. Trata-se de uma relação vertical, de modo que falamos em prerrogativas da Administração Pública.
A seguir, vamos arrolar algumas dessas prerrogativas conferidas à Administração Pública (CARVALHO, 2016):
· Autotutela administrativa: pela autotutela, pode a Administração Pública revogar seus próprios atos, quando não mais for conveniente e oportuno ao interesse público; deve também anular seus atos, quando ilegais.
· Autoexecutoriedade, coercibilidade e presunção de legitimidade dos atos administrativos: ou seja, a Administração Pública, em regra, pode executar seus próprios atos, sem que, para isso, precise se socorrer ao Judiciário; tais atos, inclusive, têm cunho coercitivo, motivo pelo qual devem ser cumpridos pelos administrados independentemente de sua aceitação; e têm presunção de que são legítimos e verdadeiros, de modo que produzem efeitos até que sejam extintos. Ainda, se houver discussão judicial a seu respeito, caberá ao administrado desconstituir essa presunção que favorece o ato.
· Alteração e rescisão unilateral de contratos administrativos: a Administração pode, sem a concordância do contratado, modificar ou rescindir o contrato, nos limites legais.
· Privilégios tributários: as entidades públicas de direito público gozam de imunidade tributária.
· Prazo em dobro: para as manifestações da Fazenda Pública (União, estados, Distrito Federal, municípios, fundações públicas de direito público e autarquias).
· Reexame necessário: para as condenações em valor certo e líquido superior a mil salários-mínimos (quando a condenada for a União), 500 salários-mínimos (quando os condenados forem os estados e o distrito federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e municípios que constituam capitais) e 100 salários-mínimos, para os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público, nos termos do art. 496 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
· Regime jurídico dos bens públicos: garante a impenhorabilidade, imprescritibilidade, não onerabilidade e alienabilidade condicionada dos bens públicos.
· Pagamento de débitos através de precatórios (decorre da impenhorabilidade).
Novamente, destaca-se que o interesse público justificador das prerrogativas conferidas à Administração é o interesse público primário (aquele interesse público propriamente dito), e não o interesse público secundário. Este somente justifica prerrogativas à Administração caso nele esteja compreendido também o interesse público primário. Caso contrário, ou mesmo havendo conflito entre o interesse público primário e o secundário, o interesse público primário é que deve prevalecer.
Por fim, deve haver a ressalva de que a supremacia do interesse público sobre o privado não confere “carta branca” à Administração, que está sujeita a uma série de restrições, as quais devem ser respeitadas, sob pena de ilegalidade ou ilegitimidade em sua atuação.
Muito importante!
Cumpre salientar que, hoje em dia, há uma doutrina no sentido da não existência de supremacia do interesse público sobre o privado. No Rio de Janeiro, autores como Gustavo Binenbojm, Alexandre Aragão e Daniel Sarmento têm defendido que não faz sentido sustentar a supremacia de um princípio. Com efeito, o princípio comporta uma ponderação de modo que é inerente à sua estrutura em alguns casos.
Por esta razão, não se pode dizer que toda vez que o interesse público estiver em jogo ele prevalecerá sobre o interesse privado. Atente-se que o interesse privado faz parte do interesse da coletividade.
Peter Häberle, em sua obra Öffentliches Interesse als juristisches Problem (1970), reflete o interesse público como um problema jurídico, defendendo que, na realidade, não existe um conflito entre interesses público e privado. O que existe é um conflito interno; não há dois lutadores, cada um de um lado do ringue. O interesse privado é uma parte de um todo. Por exemplo, se um sequestrador escondeu uma criança em algum lugar e só ele sabe onde ela está, a polícia não pode, sob tortura, obrigar o criminoso a revelar o esconderijo. Se houvesse uma supremacia do interesse público, não teríamos dúvidas que seria legítimo torturar o sequestrador para revelar o local onde deixou a vítima.
Entretanto, ao observamos a conjuntura atual de nosso ordenamento brasileiro, em que os direitos fundamentais desempenham um papel que antes não tinham, fica difícil falar de supremacia do interesse público. Primeiramente, porque não se sabe ao certo o que é de interesse público ou privado. Por exemplo, quando se limita a desapropriação por reforma agrária em propriedade produtiva, não sabemos dizer com precisão se o que está em jogo é interesse público ou privado. Ou ainda, quando se prevê justa e prévia indenização na desapropriação, pode-se perguntar se a desapropriação não é interesse do particular.
Na ponderação desses fatores, já se indica um ponto de vista da reconstrução do que se entende pelo princípio do interesse público, alinhado com a doutrina de Humberto Ávila, Daniel Sarmento, Alexandre Aragão e outros. Contudo, tal doutrina não é pacífica, tendo, de outro lado, vozes como a de Maria Sylvia Di Pietro, que defendem a prevalência do interesse público sobre o particular.
Este ainda é um tema que levanta muita polêmica. Também é de extrema importância ao direito administrativo, pois serve de fundamento para diversos institutos como desapropriação, poder de polícia etc. Portanto, não é raro ainda encontrarmos a aplicação de um instituto da seara administrativista com base na supremacia do interesse público sobre o interesse do particular.
3.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público
Compondo o outro  lado do regime jurídico administrativo, lado este das sujeições, está o princípio da indisponibilidade do interesse público.
Quando o interesse público surgir, a atuação do administrador será imperativa. É claro que, em determinados casos, haverá análise de conveniência e oportunidade da administração, mas disso jamais pode decorrer eventual disponibilidade do interesse público, pois este é indisponível.
O administrador não é titular da máquina administrativa e muito menos do interesse público.
Quando estudamos a indisponibilidade do interesse público, devemos entendê-la de maneira bastanteampla. Não somente no sentido monetário. Aquele exemplo de licença para construir é também exemplo da indisponibilidade do interesse público.
Essa faceta do regime jurídico administrativo traz as sujeições da Administração Pública. Ser impessoal, moral, eficiente, transparente e agir conforme autorizado em lei são algumas de várias limitações impostas à Administração.
O gestor público administra bens de todos, da coletividade e, assim, não pode, por exemplo, alienar um imóvel público sem que haja autorização em lei (a exigência de autorização está, inclusive, expressa no art. 17 da Lei nº 8.666/1993 – Lei de Licitações).
O princípio da indisponibilidade do interesse público já foi interpretado de maneira mais rígida, proibindo-se, por exemplo, a celebração de acordo pelo Poder Público em juízo. Porém, atualmente, podem ser apontadas algumas ponderações a esse princípio, permitindo um alcance mais flexível de seu conteúdo.
Veja, por exemplo, o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais – JEF), que assim dispõe:
Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.
Muitos podem interpretar tal dispositivo como uma mitigação do princípio da indisponibilidade do interesse público. Ora, o dispositivo não autoriza renúncia. Permite conciliar, transigir ou desistir. Veja que a conciliação e a transação facilmente podem atender ao interesse público. Estando em juízo o advogado público e verificando que a Administração agiu de maneira imperita, por exemplo, não seria mais interessante uma conciliação, cujo resultado poderia ser muito melhor do que aquele esperado na condenação? Ou mesmo a desistência, que está no plano processual e não impede nova propositura da demanda. Dela difere a renúncia da ação, que afeta o plano material e impede nova propositura da ação. A lei não permite renúncia.
Há alguns anos tem despontado, também, acaloradas discussões sobre a possibilidade de arbitragem no âmbito da Administração Pública, havendo vigorosa doutrina no sentido de que tal instituto violaria a indisponibilidade do interesse público, já que entre seus pressupostos está a disponibilidade do direito.
Gradativamente, o legislador foi inserindo a técnica da arbitragem para a Administração Pública, a exemplo da Lei nº 11.079/2004 (arbitragem para os contratos das parcerias público-privadas) e  da  Lei  nº  11.196/2005,  que  acrescentou  o  art.  23-A à  Lei nº 8.987/1995 e passou a prever arbitragem para os contratos de concessões comuns.
Veja que as previsões eram específicas para os contratos de parceria público-privada e concessões comuns.
Todavia, em 2015, a Lei nº 13.129 alterou a Lei nº 9.307/1996 (que dispõe sobre arbitragem) e foi adicionada ao art. 1º, de maneira genérica, a possibilidade de a Administração Pública Direta e Indireta utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desde que seja de direito, não permitindo a arbitragem de equidade para a Administração Pública.
Enfim, a Lei nº 13.140/2015 dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública.
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) segue a linha e trata sobre a solução consensual de conflitos no âmbito administrativo (art. 174, do CPC).
3.3. Princípio da legalidade e juridicidade
Com o surgimento do Estado de Direito, esse princípio passou a ser largamente estudado e considerado de extrema importância. 
A  Constituição Federal de 1988 (CF/1988), por exemplo, dispõe, no art. 5º, II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.  
Esse artigo está no título “Dos direitos e garantias fundamentais” e no capítulo “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”. Trata-se, portanto, de típico direito fundamental de primeira dimensão em que se exige uma postura de respeito por parte do Estado à liberdade individual. Senão quando expressamente aprovado pelo poder legislativo (nossos representantes), o povo não será obrigado a fazer o que não queira, como também não se exigirá sua abstenção quando queira fazer algo. Apenas por meio de lei (repita-se, aprovada pelo próprio povo por meio de seus representantes), poderá criar obrigações para o povo.
Daqui se extrai o que, em direito civil, se denomina autonomia da vontade. Você, eu, seus amigos, todos nós somos livres. Esse princípio serve como um direito, uma garantia de que o Estado não irá nos obrigar a algo ao seu bel-prazer. Nós teremos que consentir previamente (com a aprovação de lei).
O art. 37 da CF/1988 arrola os princípios a serem observados pela Administração Pública, e, dentre eles, encontramos o princípio da legalidade. Aqui a legalidade é vista de outro modo. Se para o particular significa uma ampla liberdade, ressalvado quando a lei disciplina de outro modo, para a Administração Pública quer dizer que ela somente pode fazer aquilo que a lei permite. Inexiste autonomia da vontade para a administração. Inexiste “vontade subjetiva”, somente podendo fazer o que a lei permite (MORAES, 2013, p. 335). Marrara (2010) sintetiza isso muito bem quando utiliza as expressões “nada sem lei” e “nada contra lei”.
Desse modo, a atividade administrativa pressupõe o exercício da atividade legislativa (CARVALHO FILHO, 2017). Caso contrário, teremos uma patente de ilegalidade.
Esse princípio decorre do princípio da indisponibilidade do interesse público, sujeitando o administrador.
Todavia, deve ser feita a ressalva de que a referência à lei, no princípio da legalidade, é feita em sentido amplo e não, apenas, lei em sentido estrito. A atividade administrativa deve estar em conformidade com o direito.
Muito importante!
Não há dúvidas de que esta concepção tradicional do princípio da legalidade precisa ser revisitada. O princípio da legalidade tem sido substituído pelo princípio da juridicidade administrativa, concepção muito mais apropriada.
De acordo com o princípio da juridicidade administrativa, o administrador deve atuar em conformidade com o ordenamento jurídico. Por certo, em regra, isso significa que ele seguirá o texto legal, mas se uma lei afrontar claramente uma norma constitucional, por exemplo, uma lei absurda que autorize a contratação de parentes no âmbito da administração pública, demonstrará que esta concepção de legalidade está ultrapassada.
Há casos em que o legislador nada previu sobre uma matéria e, mesmo assim, o administrador fica obrigado a atuar praeter legem. Um exemplo disso pode ser extraído de quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotou a sua resolução nº 7, proibindo a contratação de parentes no âmbito do judiciário brasileiro, momento no qual esta conduta já era vedada no âmbito federal por expressa previsão legal. Alguns Estados questionaram a norma do CNJ, alegando que no âmbito daqueles estados não havia lei proibindo a contratação de parentes, de modo que a resolução estaria violando a autonomia dos entes da federação.
Este caso foi levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 12, declarando a constitucionalidade da Resolução nº 7 do CNJ, dizendo basicamente que o que o Conselho fez foi unicamente dar densidade normativa ao texto constitucional, de modo que temos aqui uma brecha na jurisprudência do Supremo para o administrador (considera-se o CNJ como administrador público, por ser órgão de controle de administração, sendo, portanto, órgão administrativo, não jurisdicional) atuar no sentido de ir além do texto legal. Isso porque, se pensássemos desta forma tradicional, a Resolução nº 7 teria invadido a competência dos estados criando obrigação não prevista em lei, o que não faz o menor sentido.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07,de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE “DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do artigo 2º do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça (ADC nº 12, rel.  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20.08.2008, DJe-237 DIVULG 17.12.2009 PUBLIC 18.12.2009 EMENT VOL-02387-01 PP-00001 RTJ VOL-00215-01 PP-00011 RT v. 99, nº 893, 2010, p. 133-149).
Portanto, cada vez mais, torna-se necessário que o administrador analise as regras de acordo com o texto constitucional, e não o inverso. A partir da Constituição extraímos valores muito importantes para a fundamentação do que vem abaixo. Se uma lei esbarra em uma inconstitucionalidade flagrante não tem como cumpri-la.
Algumas considerações sobre situações especiais:
i) Medidas provisórias: o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, 105-106) entende que a edição de medida provisória mitiga o princípio da legalidade, já que se trata de ato normativo emanado do chefe do Executivo (presidente da República) em caso de relevância e urgência, respeitadas as vedações constitucionais. Ora, não podemos esquecer que, quando o chefe do Executivo edita uma medida provisória, não o faz no exercício da atividade administrativa, mas sim no desempenho atípico da atividade legislativa, de modo que não está excepcionando o princípio da legalidade (BORTOLETO, 2018).
ii) Estado de defesa e estado de sítio: para o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), o princípio da legalidade também é excepcionado nos casos de estados de defesa e de sítio. Aqui, do mesmo modo, entende-se que não se trata de exceção ao princípio da legalidade administrativa, e isto porque tais atividades estão mais relacionadas às funções de governo (funções políticas) do que propriamente às funções administrativas (BORTOLETO, 2018).
Por fim, deve-se destacar que o art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) trata do primado da realidade, que não pode servir de obstáculo à realização do Direito, mas sim para considerar a circunstância de exigência de cumprimento da determinação contida no texto legal (NOHARA, 2018).
3.4. Princípio da impessoalidade
Do dicionário Aurélio extraímos que impessoal é quem não se dirige ou aquele que não se refere a uma pessoa em especial, mas a todas as pessoas em geral (FERREIRA, 2004).
A definição exposta trata de apenas um viés da impessoalidade na Administração Pública.
Isso porque a impessoalidade tem sido estudada sob dois vieses: um primeiro, que trata da relação da Administração Pública com o administrado; e um segundo, que se detém na impessoalidade em relação à própria administração.
No primeiro enfoque, a impessoalidade em relação ao administrado é aquela extraída do dicionário, pois o que se busca realmente é uma administração não dirigida à determinada pessoa, mas às pessoas em geral, de modo a privilegiar o interesse público. Sob essa perspectiva, existem autores, inclusive, que o denominam de princípio da finalidade pública (MEIRELLES, 1995), da isonomia ou da imparcialidade.
Sua aplicação é encontrada expressamente em diversas disposições do texto constitucional, na legislação infraconstitucional e na jurisprudência dos tribunais superiores. No texto constitucional, por exemplo, temos a regra que consagra a obrigatoriedade de realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público; a exigência de licitação que assegure “igualdade de condições” a todos os concorrentes, para a realização de obras, serviços compras ou alienações; o pagamento dos precatórios em ordem cronológica de apresentação, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias abertas para esse  fim. Por sua vez, na legislação infraconstitucional, encontramos, por exemplo, a proibição de dar nome de pessoa viva a bem público (art. 1º, Lei nº 6.454/1977) e, na jurisprudência, dentre vários, pode ser apontado exemplo que se reconheceu a violação ao princípio da impessoalidade na hipótese de relacionamento afetivo entre sócia de empresa contratada e prefeito do município licitante (BORTOLETO, 2018).
O que pretende o texto constitucional é proibir tratamento desigual entre pessoas que se encontrem na mesma condição, distinguindo a igualdade material da igualdade meramente formal. Privilegiando aquele cerne da igualdade (material), encontramos decisão importantíssima do STF ratificando o sistema de cotas raciais como política de inclusão social (STF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 186/DF, julgada em 26.04.2012). No mesmo sentido, a Lei nº 12.990/2014, que reserva 20% dos cargos públicos federais aos candidatos que se autodeclararem negros ou pardos no ato de inscrição do concurso (art. 2º).
Enfim, a condução jurisprudencial e a atuação legislativa nesse sentido materializam a vetusta parêmia aristotélica que deixou a ideia de que igualdade é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
Por sua vez, sob o outro enfoque da impessoalidade, quer se dizer que a Administração Pública deve ser impessoal em relação a ela mesma, não sendo suficiente ser impessoal em relação aos administrados, de modo que quando um prefeito determina a realização de uma obra pública, quem o faz juridicamente é a pessoa jurídica de direito público do município, e não o prefeito.
Nessa perspectiva, devemos destacar, também, a teoria do órgão, de modo que o ato praticado não é imputado à pessoa que o praticou, mas à pessoa jurídica à qual pertence o órgão em que o servidor está lotado.
Ademais, se afirmamos que a prática do ato é imputada à pessoa jurídica a que pertence o agente, não poderíamos responsabilizar diretamente o agente público que o pratica. Isso também é a impessoalidade em relação à própria administração. Nesse sentido, o STF tem adotado a orientação de que a CF/1988 consagra a tese da dupla garantia:
(...) uma em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular (STF, RE nº 327.904/SP, julgado em 15.08.2006).
Ainda nesse sentido do princípio da impessoalidade, estabelece o art. 37, § 1º, da CF/1988:
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicosdeverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Em obediência a esse dispositivo constitucional, não pode o administrador, por exemplo, ordenar a pintura dos prédios públicos nas cores do seu partido e nas cores da bandeira do ente, ou, ainda, colocar sua imagem em panfletos e outros locais para a divulgação de obras públicas.
3.5. Princípio da moralidade
A atuação do administrador deve observar o princípio da legalidade, mas isso não é suficiente porque há outros princípios a serem observados. Dentre eles, está o princípio da moralidade, que também é pressuposto de validade dos atos administrativos, podendo haver invalidação (e não revogação, que está ligada à conveniência e oportunidade) de ato administrativo por ser contrário à moralidade.
Muito importante!
A compatibilidade do ato administrativo com a lei não é suficiente para que o ato seja considerado legítimo, ou seja, o administrador não pode, simplesmente, se apegar à literalidade do texto legal. 
Nesta linha, o Judiciário e os tribunais de contas exercem um controle dos atos administrativos que também compreende o aspecto da moralidade, falando-se em controle de legitimidade por esta razão. O juiz quando vai verificar se o administrador praticou um ato de acordo com o ordenamento jurídico não fica adstrito ao aspecto da legalidade, mas vai além e verifica também a moralidade.
Por exemplo, um prefeito de uma cidade que tem uma autorização legal para comprar viaturas oficiais de representação da chefia do executivo municipal, bem como dos secretários, resolve adquirir modelos de veículos Jaguar, não obstante a situação de penúria financeira pela qual passa a cidade. Em tal circunstância argumenta que a lei não o proíbe, que tem discricionariedade e o Jaguar é mais confortável. Isso não faz o menor sentido, em que pese não ser ilegal, pois é imoral.
Com efeito, no exemplo dado, apesar de estar atuando dentro da autorização da lei, o nível de reprovabilidade é até majorado, tendo em vista a completa inobservância de parâmetros éticos minimamente aceitáveis pela sociedade.
Outrossim, revela-se também improbidade administrativa, pois a prática de uma imoralidade de gravidade ímpar é caso de improbidade. Atentando-se para não vulgarizar o instituto da improbidade administrativa, vale lembrar que nem tudo que for imoral será improbidade, pois esta lógica não faz sentido. Todavia, é inequívoco que a lei de improbidade é uma lei que trabalha em uma relação muito próxima ao princípio da moralidade. A probidade é uma exigência feita ao administrador da observância de parâmetros éticos.
Por  moralidade  entende-se  boa-fé,   lealdade,  honestidade. É a dimensão ética imanente no ato administrativo. O administrador deve ser honesto na condução da coisa pública.
Em relação ao princípio da moralidade, convém destacar que se refere à moralidade jurídica, e não à moralidade social. Esta procura diferenciar entre o bem e o mal e é uma moral subjetiva e que pode oscilar conforme a convicção religiosa, política ou filosófica de cada um e, por sua vez, a jurídica deve ser aferida objetivamente e está relacionada ao bom administrador, que tem o dever de diligenciar em prol da coletividade (ALEXANDRINO, 2017).
O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, por exemplo, estabelece que:
O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput, e § 4º, da Constituição Federal.
É comum ilustrar o princípio da moralidade com a vedação ao nepotismo. Muita discussão surgiu sobre a legitimidade de tal vedação, ante a inexistência de lei nesse sentido. O STF, no entanto, entendeu que a vedação ao nepotismo não exige a edição de lei formal, pois decorre do próprio princípio da moralidade (lembrando que os princípios têm força normativa). Editou, inclusive, o enunciado de Súmula Vinculante de nº 13 com o seguinte teor:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Deve-se ficar atento porque essa vedação alcança os servidores ocupantes de cargo em comissão, não alcançando aqueles ocupantes de cargo efetivo.
Igualmente, no Agravo Regimental (AgR) na medida cautelar na Reclamação (Rcl) nº 6.650/PR, julgado em 2008, foi fixado entendimento no sentido de que o teor sumular estaria restrito aos cargos administrativos, não aplicando a vedação quando se tratar de agentes políticos, a exemplo dos ministros de estado, secretários de estado e município. Essa abertura, todavia, não deve ser vista como uma liberdade absoluta ao presidente, governadores e prefeitos para nomearem parentes com total desvio de finalidade, como aquelas nomeações que são frutos de troca de favores ou nos casos em que é nítida a inaptidão para o cargo (Rcl nº 7.590/PR).
Enfim, além da vedação ao nepotismo, que emana diretamente do princípio da moralidade, existem outras leis que regulamentam determinadas situações para proteger a moralidade administrativa, podendo exemplificar com a Lei nº 8.429/1992 (que disciplina atos de improbidade administrativa), Lei nº 4.717/1965 (que regula a ação popular), e a Lei nº 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública).
3.6. Princípio da publicidade
Por ele, a atuação administrativa deve ser transparente, pública.
Trata-se de princípio expresso no art. 37 da CF/1988, mas que também pode ser inferido em várias passagens do texto constitucional e, por exemplo, já no seu art. 1º consta que o Brasil é um Estado Democrático de Direito.
Democracia, dizia Abraham Lincoln, é o “governo do povo, pelo povo e para o povo”, significando, respectivamente, que o povo é a genuína fonte do poder; que o governo se fundamenta no consenso popular; e que deve beneficiar o próprio povo, livrando-o   de governantes arbitrários que cuidam dos próprios interesses (SILVA, 2007, p. 44). Nessa toada, é inconcebível que um Estado democrático seja sigiloso. É possível que determinadas situações sejam acobertadas pelo sigilo, mas isso é exceção.
Para respeitar o princípio da publicidade, a atuação do gestor público na condução da administração não pode ser secreta. Não estamos falando de uma empresa privada, cujos livros devem ser preservados. Estamos falando da coisa pública, cujo titular é o povo, que deve ter acesso à informação para poder verificar a legitimidade e a legalidade dos atos praticados na gestão da Administração Pública.
Vários exemplos podem ser citados, começando pelos editais de concurso público, editais de licitação, e portais de transparência nos sites de órgãos e entidades.
Todavia, a publicidade não é absoluta, isto é, a regra é que os atos administrativos sejam publicados, mas pode haver exceção. Nesse sentido, estabelece o art. 5º, XXXIII, que:
todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Regulamentando  esse  dispositivo,  há  a  Lei   de   Acesso   à   Informação   (Lei nº 12.527/2011), aplicável à Administração Direta e Indireta da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios. Trata-se de lei nacional, não aplicávelapenas à Administração Federal. Todos os entes políticos e órgãos públicos devem respeitá-la. De acordo com o seu art. 5º, “É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”.
Em seu bojo, estão as formas de acesso à informação, os deveres dos órgãos públicos para promoção do referido acesso, a explicação do que é informação, documento, e, além de muitos outros temas, uma classificação muito interessante e que objetiva conciliar os interesses do Estado e o direito à informação. Assim, a depender do teor e de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, a informação poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta e reservada. As informações ultrassecretas poderão ser franqueadas aos interessados após 25 anos; já as informações secretas, após 15 anos; enfim, as informações reservadas, após cinco anos (art. 24, § 1º, III, da Lei nº 12.527/2011). Todos esses prazos são contados da data da produção daquilo que se pretende o acesso.
Ainda sobre o princípio da publicidade, o STF fixou, no ARE nº 652.777/SP, a seguinte tese de repercussão geral:
É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias (STF, ARE nº 652.777/SP, julgado em 23.04.2015, publicado em 30.06.2015).
3.7. Princípio da eficiência
Este é um princípio que não constou na redação original do texto constitucional. Foi incluído no art. 37 por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998. A inclusão nesse dispositivo apenas tornou expressa a necessidade de eficiência na Administração Pública e, mesmo antes da mencionada emenda, era possível inferir esse princípio, por exemplo, do art. 74, II, da CF/1988.
Nessa época, ganhava força a ideia de uma administração menos burocrática, que não fosse deficiente. Concebia-se um plano gerencial para a Administração Pública, algo mais aproximado da gestão privada, no qual os resultados são sempre importantes. A existência de obras públicas há décadas inacabadas, de desperdício de dinheiro público e do aumento da corrupção fez surgir a necessidade de uma administração gerencial, preocupada com a relação de custo-benefício.
Assim, pelo princípio da eficiência, a conduta do administrador deve buscar resultados, de modo a evitar desperdícios de recursos públicos. O núcleo desse princípio é o modo pelo qual se desempenha a atividade administrativa, que deverá ser mais produtiva e menos custosa (CARVALHO FILHO, 2017).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 83) faz uma análise do princípio da eficiência sob dois aspectos:
i) Em relação ao desempenho da atividade pelo agente público, que deve executar sua tarefa da melhor maneira possível.
ii) Em relação à organização administrativa, que deve ser estruturada de maneira racional, buscando resultados que atendam ao interesse público.
Além de inserir de maneira expressa o princípio da eficiência, a EC nº 19/1998 trouxe outros dispositivos para robustecer o significado desse princípio e, assim, definiu que o prazo para adquirir a estabilidade seria de três anos e estabeleceu como condição para sua aquisição a avaliação especial de desempenho do servidor público (art. 41, § 4º, da CF/1988); instituiu que o servidor público, mesmo estável, poderá perder o cargo mediante avaliação periódica de desempenho (art. 41, § 1º, III, da CF/1988) e, também, trouxe a possibilidade de aumentar as autonomias orçamentária, financeira e gerencial dos órgãos e entidades da Administração Pública indireta, mediante a celebração de contrato de gestão, instrumento em que serão fixadas várias cláusulas, dentre as quais as metas de desempenho a serem alcançadas (art. 37, § 8º, da CF/1988).
Muito importante!
Eficiência é um conceito muito abstrato. Poder-se-ia considerar uma contratação ilegal ou inconstitucional por ofensa ao princípio da eficiência já que existe uma outra tecnologia mais moderna e eficiente e, por isso, o município X não deveria contratar tal fornecedor. Em contrapartida, deve-se observar que, muitas vezes, o ente não dispõe de recursos suficientes para contratar a tecnologia mais avançada. Supondo que o município não tem verba para comprar um lote de impressoras à laser, que dentro de um prazo trará uma economia, o que é possível ser feito é adquirir impressoras a jato de tinta por um preço mais barato para, futuramente, serem progressivamente substituídas.
Portanto, o controle jurisdicional ou do Tribunal de Contas não pode interferir nas escolhas do administrador, pois ofenderia a separação de poderes. Esta é uma preocupação recorrente, pois, de um lado temos o gestor fazendo as escolhas discricionárias dentro do que é proporcional e eficiente e, de outro, o controlador evitando que o administrador faça escolhas ineficientes. 
Em suma, o princípio da eficiência é uma exigência do estado gerencial em que o administrador deve atuar com eficiência e aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. Ele deve agir de modo rápido, preciso e com o menor gasto possível.
Além disso, não pode desconsiderar o princípio da legalidade, pois não podemos vulgarizar o princípio da eficiência para permitir que as leis sejam abandonadas. Ou seja, se temos uma regra legal, razoável, que não afronta de maneira gritante o texto constitucional e prevê uma situação proporcional, razoavelmente eficiente, não é possível vulgarizar o princípio da eficiência e aventar que esta regra seja ineficiente, pois há uma solução melhor, de modo que a dita lei deve ser afastada.
3.8. Princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade ampla
Atualmente, em regra, razoabilidade e proporcionalidade (entendida em sentido amplo) são empregadas como sinônimos, malgrado a origem de cada um dos postulados. A razoabilidade tem origem no direito anglo-saxão, enquanto a proporcionalidade foi originada na Alemanha pós-guerra, com o objetivo de conter o excesso do poder de polícia estatal.
Muito importante!
Para Humberto Ávila, a proporcionalidade é um postulado, pois ela permitirá, tal qual uma balança de pesagem, a ponderação ou sopesamento entre os princípios. Ou seja, aquela ferramenta utilizada pelo intérprete para aferir qual princípio deve prevalecer diante do caso concreto.
Nesta linha doutrinária, a razoabilidade teria outro sentido, seria um instituto capaz de afastar a previsão normativa que em um caso concreto não deve ser aplicada, pois se mostraria irrazoável. Por exemplo, se uma pessoa vai a um restaurante em que na porta está escrito que é proibida a entrada de animais. Por sua vez, uma criança entra carregando um peixe ornamental dentro de um saco plástico. Não é razoável deixar a criança de fora, assim, a regra não será aplicada neste caso, pois ela exorbita os limites da razoabilidade, ela não foi criada para este caso. A mesma coisa ocorre com o cão guia, pois o cego não deixará de entrar no restaurante por conta da vedação à entrada de animais pela norma.
Por não ser princípio expresso no ordenamento brasileiro, o STF tem entendido que o princípio da razoabilidade tem sua sede material no art. 5º, LIV, da CF/1988, onde consta o postulado do devido processo legal.
Razoável é algo moderado, aceitável, ponderado, comedido, e, como o subjetivismo apresenta-se com enorme dimensão, somente saberemos o que é razoável no caso concreto (CUNHA JÚNIOR, 2009).
Para a razoabilidade, um ato estatal somente será legítimo quando observar simultaneamente três subprincípios, que são (SOUZA; SARMENTO, 2017):
i) Adequação: exige a aptidão dos meios, não sendo adequados aqueles meios inidôneos a atingir os fins pretendidos; e a legitimidade dos fins, de modo que a administração não pode praticar um ato que seja violador da lei ou que, de qualquer modo, afronte o interesse público.
ii) Necessidade: se o Estado tiver diversas medidas possíveis para a concretização do interesse público, deverá dispor da menos gravosa, de modo queserá possível invalidar a atuação do poder público que, de forma excessiva, escolhe a conduta que mais agrava a situação do particular.
iii) Proporcionalidade em sentido estrito: por este subprincípio, a atuação do poder público, para ser legítima, deve trazer mais benefícios do que prejuízos. Assim, primeiro há de se verificar a restrição imposta, e, logo em seguida, o benefício auferido.
A conjugação desses três subprincípios se revela como importante instrumento de controle do excesso cometido pela administração, possibilitando, inclusive, o controle judicial daqueles atos administrativos que, a despeito de discricionários, trazem consigo a atuação excessiva da Administração Pública.
Nesse sentido, é bem mais fácil de visualizar a aplicação desse princípio nos atos discricionários (aqueles em que o administrador tem a possibilidade de escolha) do que nos atos vinculados, em relação aos quais a atuação do administrador é exatamente o comando que está na lei, sem avaliação de conveniência e oportunidade.
Assim, por exemplo, instaurado um processo administrativo disciplinar (PAD) e nele ficando demonstradas a autoria do servidor público federal e a materialidade da infração, a autoridade administrativa competente poderá aplicar a penalidade prevista na lei. Imagine que a penalidade prevista para a situação seja a de suspensão. No momento de aplicar a pena, a autoridade competente vai verificar o estatuto que rege a relação do servidor público. Como, no exemplo, trata-se de servidor federal, o regramento se dá na Lei nº 8.112/1990, em seu art. 130, que aduz que a suspensão poderá ter duração de até 90 dias. Ainda, a autoridade deverá levar em conta o disposto no art. 128 do estatuto do servidor público federal, no qual há previsão de que, na aplicação da penalidade, deve ser considerada a natureza da infração e a gravidade da infração, os danos que provierem e as circunstâncias. Portanto, na situação ilustrada, a autoridade não pode, indiscriminadamente, aplicar a pena de 90 dias de suspensão, sob pena de violar a razoabilidade. Deve-se avaliar a natureza da infração e sua gravidade, os danos que dela decorreram e as circunstâncias atenuantes e agravantes, e ao final de tudo isso, realizar uma adequação punitiva.
Também, o importante uso do princípio da razoabilidade se dá na interpretação de outros princípios, como a aplicação do princípio da isonomia nos editais de concursos públicos. Ilustrando, haveria violação ao princípio da isonomia se em determinado edital para concurso de analista judiciário constasse a exigência de que o candidato deveria ter, no máximo, 45 anos, porque tal exigência não seria razoável, isto é, não haveria compatibilidade entre a exigência e as atribuições do cargo (BORTOLETO, 2018, p. 56).
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade ampla é um princípio que está implícito no texto constitucional, mas a Lei nº 9.784/1999 consagra os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade expressamente em seu texto. Ainda, importante registrar o art. 21 da LINDB, pois prevê que a decisão que invalidar ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar suas consequências jurídicas e administrativas, tratando, portanto, da aplicação da razoabilidade nos impactos dessa decisão.
3.9. Princípio da autotutela
A autotutela nada mais é do que uma função que o administrador possui de, sob a ótica da legalidade e/ou do mérito administrativo, rever suas decisões.
No Brasil adota-se o sistema de jurisdição única. Isso não quer dizer, entretanto, que apenas o poder Judiciário pode decidir sobre a legalidade dos atos administrativos. A própria administração, no exercício ou no poder da autotutela pode controlar seus atos administrativos. Assim, pode a administração, independentemente de anuência de outro poder, revogar seus próprios atos, quando inconvenientes, ou anulá-los, quando ilegais.
Sintetizando, podemos dizer que a autotutela está relacionada a dois aspectos:
i) Mérito: aqui o exercício de autotutela recai sobre atos válidos, legais, mas que se tornaram inconvenientes e inoportunos e deixaram de atender ao interesse público, podendo ser revogado pela administração.
ii) Legalidade: diante de um ato ilegal, a Administração Pública deve anulá-lo, pois somente assim estaria observando o princípio da legalidade.
O STF tem, inclusive, súmulas reconhecendo a autotutela administrativa. Nesse sentido, há a Súmula nº 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”; e a Súmula nº 473: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
A autotutela é um princípio inserido em um contexto normativo que consagra diversas outras normas (regras e princípios) e deve ser interpretado em conjunto com os demais, e, por esse motivo, o princípio da segurança jurídica traz limitações que foram consagradas pela Lei nº 9.784/1999, segundo a qual (art. 54) “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.
3.10. Princípio da tutela ou do controle
Não pode ser confundido com o princípio da autotutela.
Sabemos que a Administração Pública atua diretamente, quando o próprio ente político, por meio de seus órgãos, presta a atividade administrativa, ou indiretamente, criando pessoas jurídicas para a prestação das diversas atividades administrativas.
Quando a administração cria uma pessoa jurídica, não existe relação de subordinação entre ambas. Existe apenas vinculação.
Nesse sentido, pelo princípio da tutela, deve a administração direta controlar, isto é, fiscalizar as atividades desempenhadas pela administração indireta. É um controle de finalidade, em que é verificado se a administração indireta está cumprindo o objeto para o qual foi criada.
Assim, enquanto na autotutela a administração controla seus próprios atos, seja revogando, seja anulando, na tutela administrativa a administração fiscaliza o cumprimento das atividades administrativas desempenhadas pela administração indireta.
3.11. Princípio da continuidade do serviço público
O princípio da continuidade do serviço público está implícito em nosso ordenamento, de modo que a prestação do serviço público deve, a priori, ser ininterrupta. O serviço público não pode parar.
Vários reflexos decorrem do reconhecimento desse princípio, e são exemplos (CARVALHO, 2016, p. 81):
i) Greve dos servidores: se o serviço público é ininterrupto, como ficaria a greve dos servidores públicos? Pensando nisso, a CF/1988 estabeleceu que a greve dos servidores públicos seria exercida nos termos e nos limites definidos em lei específica (art. 37, VII). Essa lei tem o dever de estabelecer as diretrizes da greve dos servidores públicos, compatibilizando o direito de greve com o princípio da continuidade do serviço público. Ocorre que essa lei ainda não  existe. Não obstante, o STF entendeu legítima a greve dos servidores públicos e decidiu que, enquanto não houver lei específica, a Lei nº 7.783/1989 (lei de greve da iniciativa privada) será aplicável aos servidores públicos civis (Mandado de Injunção – MI – nº 670/ES e MI nº 712/PA).
No que tange aos militares, a CF/1988 estabeleceu que são proibidas a sindicalização e a greve (art. 142, § 3º, IV). Essa proibição do texto constitucional foi dirigida aos militares. Todavia, o STF entendeu que a carreira policial é essencial para a segurança pública e definiu a seguinte tese com repercussão geral: “O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública” (STF, Plenário, ARE nº 654.432/GO, rel. Min. Edson Facchin, rel. para o acórdão Alexandre de Mores, julgado em 05.04.2017).

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