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Saúde Pública e Farmacoepidemiologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Thais Adriana do Carmo Revisão Técnica: Prof.ª Me. Luciana Nogueira Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira A Saúde na Legislação • A Saúde na Legislação Brasileira. • Apresentar o arcabouço legal que sustenta o Sistema Único de Saúde (SUS); • Conhecer e interpretar as leis para compreender o modelo assistencial em vigor, não só em relação à sua estrutura, mas também em relação aos seus princípios, dire- trizes e objetivos. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Saúde na Legislação Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Saúde na Legislação A Saúde na Legislação Brasileira A estruturação da legislação em saúde no Brasil, assim como em outros países, iniciou com a necessidade de uma Reforma Sanitária. O termo “Reforma Sani- tária” é utilizado para descrever as diversas experiências na reformulação nasdas normas no campo da assistência à saúde dos cidadãos, portanto, pode ser enten- dida como uma política de saúde pública, um componente de política de proteção social, ou ainda como uma reforma social das relações entre a saúde e a sociedade. (COHN, 1987; PAIM, 2017) As Reformas Sanitárias contemporâneas foram pautadas, principalmente, pelo reconhecimento da saúde como um dos direitos humanos, pela compreensão de que a saúde é um processo multideterminado e construído histórico-socialmente, e pela implantação de serviços nacionais ou sistemas integrados de saúde (PAIM, 2007). A ênfase na atenção primária à saúde também é uma característica destas reformas (CONILL, 2002). Segundo Conill (2002), a Reforma Sanitária Brasileira pode ser considerada “tardia”, pois enquanto em outros países ela aconteceu entre os anos 60 e 80 (Inglaterra, Canadá, Itália, Portugal, entre outros), no Brasil, ela foi concretizada, na forma de lei, na Constituição Federal de 1988 (CF 88). Outro aspecto importante é que a Reforma Sanitária Brasileira não pode ser en- tendida como um programa ou uma política social do Estado, como foi observado em outros países. A reestruturação dos serviços públicos de saúde, e mais do que isso, a incorporação legal de um conceito de saúde amplo e multideterminado, e o entendimento da saúde como um direito humano, foi uma vitória política cultural oriunda de um projeto da sociedade civil (PAIM, 1989). Esse projeto foi gestado pelo chamado “Movimento Sanitário” ou “Movi- mento da Reforma Sanitária”. O Movimento Sanitário surgiu na década de 70 em oposição ao modelo assistencial adotado até então na sociedade brasileira. Tal modelo, presente desde a década de 30, e radicalizado durante o período da ditadura militar (1964 – 1985), apresentava uma estrutura administrativa centralizada no governo federal, fragmentada entre diferentes serviços, hospi- talocêntrica e dicotômica. A orientação dicotômica pode ser exemplificada pela oposição entre ações preventivas e curativas, ou atendimento individual versus ações coletivas. As ações preventivas e coletivas ficavam sob responsabilidade do Ministério da Saúde, e as ações individuais ou curativas eram de responsabili- dade do Ministério da Previdência Social. Na prática, somente os trabalhadores registrados segundo a legislação vigente tinham acesso aos procedimentos mé- dicos e hospitalares. O modelo assistencial adotado, associado à falta de priorização de questões so- ciais pelo governo militar, o arrocho salarial acontecido à época (e a pauperização da população com o agravamento da distância entre as classes sociais) e a diminui- ção percebida na qualidade de vida da população urbana provocou uma série de 8 9 demandas na área da saúde que não foram devidamente equacionadas, pelo con- trário, as desigualdades foram acirradas. O aparecimento de epidemias tais como: esquistossomose, febre tifóide, poliomielite, difteria e sarampo, aliado à falta de hospitais, médicos e ações de saúde demonstravam a falência do sistema em vigor. Uma das mais sérias crises na saúde pública aconteceu na década de 70, no estado de São Paulo, com o surgimento da maior epidemia de meningite meningocócica já registrada no país. Entre os anos 1970 a 1977, somente na cidade de São Paulo foram notificados cerca de 35.000 casos. O estado de São Paulo sofreu com a disseminação da doença, a falta de atendimento adequado, a alta mortalidade de- corrente da infecção e principalmente pela falta de informação (com a atividade da imprensa censurada pelo governo federal) (BARATA, 2000). Este panorama provocou reações entre os acadêmicos (universidades), profis- sionais de saúde, movimentos populares e lideranças políticas que se organizaram no “Movimento Sanitário”, propondo uma grande reforma, tanto no arcabouço jurídico quanto na estrutura do sistema de saúde brasileiro. Nesse sentido, a reforma sanitária italiana foi a que mais influenciou a reforma brasileira, fundamentalmente na criação de um Sistema Sanitário Nacional público (ELIAS, 1993). Figura 1 – Capa da Revista “Saúde em Debate”, número 4 (jul - set, 1977), período em que ocorria a eforma sanitária Brasileira e dos movimentos sanitaristas Fonte: LAERTE, 1977 9 UNIDADE A Saúde na Legislação O corpo doutrinário do novo sistema de saúde foi debatido e aprovado na 8ª. Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Segundo o relatório final, participaram dessa Conferência cerca de 4.000 pessoas, quase 1.000 delegados, “com a par- ticipação efetiva de quase todas as instituições que atuam no setor, assim como daquelas representativas da sociedade civil, dos grupos profissionais e dos partidos políticos” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986). Figura 2 – Oitava conferência Nacional de Saúde Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Três grandes temas nortearam as discussões durante a Conferência: 1. Saúde como direito; 2. Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; 3. Financiamento do setor. Ao final do encontro, constatou-se a necessidade de uma grande reforma, com a previsão legal das ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, o re- conhecimento da saúde como um processo social e direito do cidadão, conforme expresso no relatório: 1. Em seu sentido mais abrangente, a saúde é aresultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigual- dades nos níveis de vida. 2. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. 3. Direito à saúde significa garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes 10 11 do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser huma- no em sua individualidade. 4. Esse direito não se materializa simplesmente pela sua formalização no tex- to constitucional. Há, simultaneamente, necessidade de o Estado assumir explicitamente uma política de saúde consequente e integrada às demais políticas econômicas e sociais, assegurando os meios que permitam efe- tivá-las. Entre outras condições, isso será garantido mediante o controle do processo de formulação, gestão e avaliação das políticas sociais e eco- nômicas pela população. (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8ª. p. 10-11. 1986) O governo federal, pressionado, criou a Comissão Nacional da Reforma Sani- tária, formada por representantes do Estado e da sociedade civil organizada (desde órgãos sindicais, até associação de usuários e entidades da saúde). Foi essa Comissão que produziu o documento que subsidiou o capítulo da Saúde do projeto constitucional apresentado pela Assembléia Nacional Constituinte e, poste- riormente, embasou a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde (PAIM, 2007). Segundo BAPTISTA (2009), a Constituição Federal Brasileira de 1988 “é con- siderada uma das cartas mais progressistas do mundo, porque compreende um leque generoso de direitos civis, políticos e sociais”. Ela foi elaborada num momento de redemocratização, de transformações tanto do Estado quanto da sociedade, repleto de esperanças e projetos, e de valorização da participação popular. Todas essas questões perpassam o tema “Saúde”. Ainda, segundo o au- tor, a Constituição Federal de 88 “estabeleceu, no plano da proteção social, a expansão de uma série de direitos, com destaque para a proposta de Segu- ridade Social e o reconhecimento da saúde como direito social de cidadania e dever do Estado”. A Saúde aparece citada pela primeira vez no texto constitucional do Tít ulo II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II – Dos Direitos Sociais (Brasil, 1988). É considerada, a partir de então, como um dos direitos sociais vin- culado aos direitos individuais, o que consiste em uma inovação fundamental na legislação brasileira (ABUJAMRA, 2009) : CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS Art. 6o.: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Segundo Abujamra (2009), os valores constitucionais são a mais completa tradu- ção dos fins que a sociedade pretende ver realizados no plano concreto. Como os direitos sociais têm por finalidade a melhoria das condições de vida dos cidadãos, a concretização da saúde foi considerada uma condição fundamental da garantia da dignidade humana. 11 UNIDADE A Saúde na Legislação O tema volta a ser abordado no Título VIII, que trata da Ordem Social. Este tí- tulo apresenta como disposição geral que a ordem social tem, entre seus objetivos, o bem-estar e a justiça social e que a saúde é tanto um direito como uma condição para a o estabelecimento da harmonia e do equilíbrio da sociedade: CAPÍTULO I DISPOSIÇÃO GERAL Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Para tanto, o Poder Público e a sociedade são responsáveis por definir estra- tégias e ações, além dos recursos necessários para garanti-la, questões que estão dispostas no Capítulo II – da Seguridade Social. Ainda no Capítulo II, é tratada uma questão deveras relevante: a separação da Saúde da Previdência Social. Essa separação foi imprescindível para a garantia do direito à saúde, pois permitiu a universalização do atendimento dos serviços de saú- de. A partir de 1988, o atendimento individual e curativo passou a ser estendido a todos os cidadãos, e não somente àqueles cobertos pela Previdência Social. Neste sentido, estas ações passaram a ser responsabilidade do Ministério de Saúde: CAPÍTULO II DA SEGURIDADE SOCIAL Seção I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I. universalidade da cobertura e do atendimento; II. uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III. seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV. irredutibilidade do valor dos benefícios; V. eqüidade na forma de participação no custeio; VI. diversidade da base de financiamento; VII. caráter democrático e descentralizado da administração, mediante ges- tão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregado- res, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. 12 13 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de for- ma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I. do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a. a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou credita- dos, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b. a receita ou o faturamento; c. o lucro; II. do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidin- do contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de qu e trata o art. 201; III. sobre a receita de concursos de prognósticos. IV. do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios des- tinadas à seguridade social constar ã o dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçament o da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assis- tência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, a ssegurada a cada área a gestão de seus recursos. [...] § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estado s, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados pa ra os Municípios, obser- vada a respectiva contrapartida de recursos. Na Seção II – Da Saúde, ainda no Capítulo II, nos artigos de no. 196 a 200, estão dispostas as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, a forma de concretizar, no país, o direito constitucional à saúde. Neste sentido, a saúde é des- crita como “um direito de todos” e “dever do Estado” (art. 196). A interpretação é de que a saúde no Brasil é considerada um direito humano e é responsabilidade de toda a sociedade brasileira garantir esse direito, já que o Estado representa a sociedade. E o SUS pode ser entendido como uma Política de Estado ou, mais especificamente, a Política Nacional de Saúde. 13 UNIDADEA Saúde na Legislação Figura 3 Fonte: Getty Images Seção II DA SAÚDE Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fisca- lização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede re- gionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I. descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III. participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Além de tratar dos serviços públicos de saúde, a Constituição aborda a parti- cipação da iniciativa privada no setor (art. 199). Segundo a Carta Magna, a par- ticipação na assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Mas esta participação é limitada, e deve ser regulada pelo SUS. A ação da iniciativa privativa é limitada às ações de assistência à saúde, ou seja, às ações de assistência direta ao usuário dos serviços de saúde. Não cabe ao setor privado, por exemplo, exercer ações de vigilância à saúde. 14 15 Ao setor privado cabe também realizar serviços de as sistência à saúde de forma a complementar o serviço público, quando hou ver necessidade. Nesses casos, a presta- ção de serviços deve ocorrer a partir do estabelecimento de contratos ou convê nios. Houve o cuidado de se pontuar, na CF 88, de que transplante de órgãos, transfu- são de sangue e hemoderivados, bem como a utilização de materiais biológicos hu- manos para fins de pesquisa não podem envolver uma relação comercial. Segundo a lei, ninguém pode comprar e ninguém pode vender órgãos, sangue ou qualquer outra “substância humana”. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subven- ções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º - É vedada a participação direta ou indire ta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a re- moção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. No artigo 200, obedecendo à determinação da garantia da integralidade das ações de saúde, estabeleceu-se que o SUS é responsável por ações de alcance coletivo e também por ações intersetoriais. Como ações de alcance coletivo, podemos destacar as ações de vigilância à saúde, tais como a vigilância sanitária e a vigilância epidemiológica. A Vigilância Sanitária é responsável pela fiscalização e controle de todos os produtos e serviços que interferem na saúde da população. Já a Vigilância Epidemiológica pode ser definida como: [...] o conjunto de atividades que permite reunir a informação indispen- sável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças. (BRASIL, 1990) Como ações intersetoriais, podem ser destacadas a participação do SUS na for- mulação da política de saneamento básico e no incentivo ao desenvolvimento tec- nológico em saúde. 15 UNIDADE A Saúde na Legislação Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribui- ções, nos termos da lei: I. controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II. executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III. ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV. participar da formulação da política e da execução das ações de sane- amento básico; V. incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI. fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII. participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII. colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. As determinações constitucionais em relação à saúde foram regulamentadas pe- las leis federais no. 8080/90 e 8142/90. Como forma de atender à exigência descrita na Constituição, em 1990, foi cria- da a Lei Federal n° 8080 ou Lei Orgânica do SUS e lei 8142. A Lei Federal no. 8080/90 é considerada a Lei Orgânica de Saúde. Esta lei, segundo sua ementa, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saú- de, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências” (BRASIL, 1990). Ou seja, regula as ações e serviços de saúde em todo o território nacional e estabelece, entre outras coisas, os princípios, as diretrizes e os objetivos do SUS visando aà garantia dos direitos constitucionais. Essa lei é a base que regulamenta toda e qualquer atividade de saúde no Brasil e não apenas as promovidas pelo setor público.Ex pl or Segundo Marin et.al (2003), os princípios do SUS regulamentados pela Lei 8080/90 podem ser classificados em éticos / doutrinários e em organizacionais / operativos. Os princípios éticos são aqueles que tratam dos valores guias: a universali- dade, a equidade e a integralidade das ações de saúde. Os princípios organizacionais se referem aà estruturação do sistema: a descentralização administrativa, a regionalização e a hierarquização dos serviços e a participação da comunidade (gestão democrática). Foram descritos inicialmente treze princípios, sendo um adicionado em 2013, com a redação atualizada em 2017 pela Lei n° 13.427/17. Para fins didáticos, agrupamos no quadro a seguir os mais importantes, separados em princípios ético- -doutrinários e princípios organizacionais. 16 17 I. Universalidade de acesso; II. IIntegralidade de assistência; III. Preservação da autonomia das pessoas; IV. Igualdade da assistência à saúde; V. Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI. Divulgação de informações; VII. Utilização da epidemiologia para tomada de decisões; VIII. Participação da comunidade; IX. Descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo; X. Integração das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI. Conjugação dos recursos; XII. Capacidade de resolução em todos os níveis de assistência; XIII. Organização dos serviços públicos; XIV. Organização de atendimento público específi co e especializado para mulheres e vítimas de violência.; Conheça todos os princípios e diretrizes do SUS, acesse a Lei n° 8080/90 através do site do Planalto. Neste link, você consegue acessar a Lei com suas atualizações. Disponívelem: https://goo.gl/vNP4K Ex pl or No Título II, que trata do Sistema Único de Saúde, em seu Capítulo III (Da Organização, da Direção e da Gestão) e no Capítulo IV (Da Compe- tência e das Atribuições), a lei em tela dispõe sobre a organização e a gestão do SUS, estabelecendo as competências e atribuições dos gestores federais, estaduais e municipais neste processo. Entre as atribuições do Gestor Federal (Ministério da Saúde), podem ser destacadas: • A formulação de políticas nacionais de saúde; • O planejamento, a normatização, a avaliação e o controle do SUS em nível nacional; • O financiamento das ações e serviços de saúde pela aplicação e distribuição de recursos públicos arrecadados por meio de impostos, taxas ou contribuições. Entre as atribuições do Gestor Estadual (Secretaria de Saúde Estadual), pode-se considerar que as atribuições seriam as mesmas do gestor federal, mas circunscritas ao território sob sua jurisdição (Estado). Já ao Gestor Municipal, além da formulação de políticas municipais, cabe a exe- cução e implantação dos serviços e ações de saúde, obedecendo à diretriz operativa da descentralização administrativa. 17 UNIDADE A Saúde na Legislação Por sua vez, a Lei Federal no. 8142/90 “dispõe sobre a participação da comu- nidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras pro- vidências” (BRASIL, 1990b). A participação da comunidade na gestão do SUS, segundo Saliba et al. (2009), foi uma das grandes conquistas obtidas na CF 88. Ela se concretiza através dos Conselhos de Saúde nos âmbitos federal (Conselho Nacional de Saúde), estadual (Conselhos Estaduais de Saúde) e municipal (Conselhos Municipais de Saúde). Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados, compostos por representantes do governo, profissionais prestadores de serviço da saúde e usuários, e atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instân- cia correspondente (SALIBA et al., 2009). A representação dos diferentes segmentos deve ser paritária e os respectivos re- presentantes devem ser eleitos nas Conferências de Saúde, convocadas periodica- mente pelo próprio Conselho. As Conferências são espaços de debate e definição de metas e prioridades para a gestão (art. 1º.): Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuí- zo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I. a Conferência de Saúde; e II. o Conselho de Saúde. § 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a repre- sentação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis cor- respondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no con- trole da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. A partir do exposto, percebe-se que a proposta da Reforma Sanitária gestada pelo Movimento Sanitário subsidiou grandes avanços na legislação. Atualmente há um arcabouço legal que parte do princípio de que a saúde é um direito humano e garante ferramentas para a garantia desse direito. Contudo, não é possível desconsiderar todo o histórico da saúde no Brasil. A proposta de um sistema universal e igualitário representa uma cisão com o modelo assistencial anterior: excludente, hospitalocêntrico e sem uma regula- mentação eficaz. A participação popular na gestão do serviço pressupõe uma transparência até então inédita na legislação e na prática brasileira. 18 19 Desde a promulgação da Lei Orgânica de Saúde várias outras leis foram implan- tadas com o objetivo de viabilizar a consecução dos objetivos. Podem ser citadas, por exemplo, leis que tratam [...] do controle sanitário e da produção de ambientes saudáveis (iodação do sal, controle do asbesto/amianto, uso e propaganda de fumígeros, sis- tema de vigilância sanitária); promovem a regulamentação de áreas estra- tégicas da atenção à saúde (controle das infecções hospitalares, remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano) ou atendem a demandas de áreas específicas da atenção (planejamento familiar, subsistema indígena, modelo de atenção psiquiátrico). (BAPTISTA, 2009) De fato, a implantação do SUS tem sido um caminho marcado por enfrenta- mento de interesses particulares e tensões sociais, pela dificuldade de financiamen- to e definição de prioridades, pela falta de recursos humanos qualificados para o novo modelo e tantos outros desafios. Ainda assim, os objetivos estão definidos e as ferramentas estão dadas. E a cons- trução do SUS é, na verdade, um grande exercício de cidadania. 19 UNIDADE A Saúde na Legislação Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Saúde: Direito de Todos, Dever do Estado Neste áudio você pode ouvir um pouco sobre a reforma sanitária e início do SUS com a mudança da constituição em 1988. https://youtu.be/DdSpYCODcIo Por que SUS hoje é assim? Um vídeo elaborado pela série SUS, demonstra de forma muito divertida a construção do Sistema. https://youtu.be/wV_SPOJfqgk Os Princípios do SUS Outro vídeo elaborado pela Série SUS e publicado em 2015 no youtube, apesar de não estar atualizado com todas os princípios, é muito interessante para compreensão dos cinco princípios: Universalidade, Integralidade, Participação Popular e Controle Social, Equidade, considerados espinha dorsal do Sistema Único de Saúde. https://youtu.be/PzVxQkNyqLs Leitura O Sistema Único de Saúde, 20 anos: Balanço e Perspectivas MENICUCCI, TMG. O Sistema Único de Saúde, 20 anos: balanço e perspectivas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(7):1620-1625, jul, 2009. https://goo.gl/gkBpJw Desafios da Reforma Sanitária na Atual Conjuntura Histórica OCKE-REIS, CO. Desafios da reforma sanitária na atual conjuntura histórica. Saúde Debate, 41 (133), abril – junho, 2017.Este artigo de opinião é visão complementar do artigo de MENICUCCI sugerido, e mostra uma reflexão dos desafios atuais do sistema único de saúde. https://goo.gl/wS2rn2 A Construção do SUS https://goo.gl/3v1s11 20 21 Referências ABUJAMRA, A. C. P.; BAHIA, C. J. A. O direito social à Saúde na Constituição Federal de 1988: reserva do possível e mínimo existencial – limites? REVISTA NO- VATIO IURIS – Ano II – nº 3 – julho de 2009. AMARANTE, P; RIZZOTTO, M. L. F.; COSTA, A.M. Memória de um movimento: a revista Saúde em Debate e a reforma sanitária brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, 20 (7); p. 2023-2029, 2015. ANDRADE, L. O. M.; PONTES, R. J. S.; MARTINS JUNIOR, T. 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