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Água Subterrânea 7-1 Manual de Hidrologia 7 ÁGUA SUBTERRÂNEA 7.1 INTRODUÇÃO Na Engenharia o conhecimento da ocorrência, comportamento e qualidade da água subterrânea não só é importante para o planeamento, projecto e operação de projectos de abastecimento de água e sistemas de drenagem urbana e agrícola, mas também para obras hidráulicas (por exemplo barragens, diques), obras de construção (pontes, edifícios) e para a gestão de recursos hídricos e o meio ambiente. 7.1.1 Importância para o abastecimento de água A água subterrânea tem grande importância para o abastecimento de água para fins domésticos e industriais e água para a rega. A utilização da água subterrânea apresenta algumas vantagens em relação à água superficial. As reservas de água subterrânea são muito superiores às de água superficial (cerca de 300 vezes maiores; ver o capítulo 1). Além disso a disponibilidade da água subterrânea geralmente mostra menor variabilidade temporal, devido à maior quantidade de armazenamento e a menor exposição às perdas (como por exemplo a evaporação nas albufeiras). A água subterrânea também se distribui por áreas extensas em lugar de estar concentrada (como a água superficial). Finalmente, a água subterrânea é geralmente de melhor qualidade que a água superficial, visto beneficiar dum sistema natural de filtração e tempos de residência (no solo) relativamente longos, que asseguram a ausência de bactérias e vírus. Uma desvantagem em relação à água superficial é que o acesso pode ser mais difícil (por razões técnicas ou económicas), que exige pesquisas mais complexas e dispendiosas. Ainda de salientar que muitas das vezes (em Moçambique) o caudal só permita pequenos aproveitamentos. 7.1.2 Importância para construções Uma vez que a água subterrânea tem uma importância numa perspectiva da utilização da mesma, a maior parte da bibliografia sobre água subterrânea trata da localização de recursos hídricos subterrâneos e a sua exploração. Porém, em projectos de construção, mesmo que não directamente visem a exploração da água subterrânea, não se pode ignorar aspectos geohidrológicos. Na construção de obras de Engenharia Civil muitas das vezes encontram-se problemas relacionados com água subterrânea, como níveis de água subterrânea altos (por exemplo no caso da construção de fundações), problemas de estabilidade do solo e de taludes e problemas de qualidade da água subterrânea (que pode causar prejuízos às construções, por exemplo ao betão). No que segue são tratados alguns assuntos da Geohidrologia. O parágrafo 7.2 trata das definições e conceitos básicos da Geohidrologia. A ocorrência de água subterrânea é abordada no parágrafo 7.3. Parágrafo 7.4 trata da hidráulica do escoamento subterrâneo. Nos Água Subterrânea 7-2 Manual de Hidrologia parágrafos 7.5, 7.6 e 7.7 são abordados respectivamente os escoamento em aquíferos confinados, freáticos e semi-confinados. Uma introdução na problemática da intrusão salina é apresentada no parágrafo 7.8, enquanto o parágrafo 7.9 apresenta algumas informações sobre água subterrânea em Moçambique. O Anexo I aborda sistemas de controlo de níveis da água subterrânea em projectos de construção, bem como a qualidade da água subterrânea e os processos hidroquímicos relevantes para obras de construção. 7.2 DEFINIÇÕES E CONCEITOS FUNDAMENTAIS 7.2.1 Introdução No vasto domínio do conhecimento que é a Hidrologia, a parte dedicada ao estudo da água subterrânea designa-se por Geohidrologia. O geohidrólogo é, portanto, um hidrologista que se especializa no estudo de água subterrânea. Por seu lado, a Hidrogeologia é a parte da Geologia que se preocupa com a ocorrência da água subterrânea. Em princípio, a Geohidrologia tem um carácter mais quantitativo do que a Hidrogeologia mas frequentemente as duas disciplinas confundem-se. 7.2.2 Água subterrânea e aquíferos O conhecimento da ocorrência da água subterrânea requer um estudo da distribuição vertical da água nos materiais ou formações geológicas da subsuperfície. A subsuperfície pode-se dividir numa zona de aeração e a zona de saturação. Na zona de aeração a água fica retida pelas forças da capilaridade e pela atracção molecular, agindo contra a força da gravidade. Designa-se esta zona também como 'zona não-saturada', pois contem material da formação, água, água e ar. Na zona de saturação a água fica sob pressão hidrostática. Esta zona designa-se também como 'zona saturada'. Apenas a água da zona saturada constitui a água subterrânea. O lençol ou toalha ou nível freático é o nível do solo abaixo do qual os poros estão completamente preenchidos por água. O solo então está saturado e a pressão da água iguala a pressão atmosférica. O nível piezométrico é o nível imaginário que corresponde com o nível da pressão hidrostática da água no aquífero. Para um aquífero freático o nível freático coincide com o nível piezométrico (como logo se verá). Um aquífero é uma unidade geológica saturada que fornece água a poços, furos e nascentes em proporção suficiente, de modo que possam servir como proveitosas fontes de abastecimento. Pode-se também definir um aquífero simplesmente como uma camada de solo permeável que contém água e pode cedê-la com facilidade. A grande maioria dos aquíferos em exploração é constituída por materiais de textura grosseira (areia, areão, cascalho), rocha calcária (onde a água forma cavidades por dissolução do material), rocha fracturada ou Água Subterrânea 7-3 Manual de Hidrologia falhas. As formações argilosas são aquíferos fracos. A água subterrânea pode ser encontrada num único aquífero contínuo ou em várias aquíferos, separados por aquicludos ou aquitardes. Um aquícludo é uma camada impermeável que não deixa passar água embora possa contê-la, como acontece nos sedimentos com poros não-ligados ou sedimentos com poros não-ligados, ou sedimentos com poros muito pequenos (por exemplo estratas de argila compacta). Outros exemplos de aquicludos são rochas ígneas e metamórficas não fracturadas. Um aquitardo é uma camada de solo semi-permeável que só deixa passar um fluxo de água relativamente baixo. Toma-se em conta apenas o fluxo de água na direcção vertical, pois o escoamento na direcção horizontal é desprezável (comparado com o fluxo de água nos aquíferos). Normalmente, consideram-se 4 tipos de aquíferos, conforme se ilustra na figura 7.1: confinado, semi-confinado, freático e suspenso. Um aquífero confinado é um aquífero limitado superior e inferiormente por camadas impermeáveis. O nível piezométrico excede o nível da camada superior. Quando se abre um poço ou um furo, a água sobe acima do limite superior do aquífero. Um caso particular é o do furo ou poço artesiano em que a pressão da água a faz subir acima do nível da superfície do terreno, como acontece em algumas zonas do vale do Infulene em Maputo e da zona costeira norte de Maputo (Mahotas). Figura 7.1 Tipos de aquíferos Água Subterrânea7-4 Manual de Hidrologia Um aquífero semi-confinado é um aquífero limitado por uma camada impermeável e por uma semi-permeável ou por duas camadas semi-permeáveis. Normalmente, as camadas semi- permeáveis são apenas no sentido vertical (perpendicular à sua espessura). Um aquífero freático é um aquífero limitado inferiormente por uma camada impermeável ou semi-permeável e não limitado superiormente. O limite superior do aquífero freático é definido pelo próprio nível freático. Um caso particular do aquífero freático é o aquífero suspenso em que o aquífero se forma isolado de outros aquíferos, por cima duma camada impermeável de pequena extensão. 7.2.3 Características dos materiais subterrâneos 7.2.3.1 Características relacionadas com o armazenamento de água As duas propriedades dum aquífero relativo à sua função de armazenamento de água são a porosidade e o rendimento específico. A porosidade (n) é um valor adimensional definido como a relação entre o volume de aberturas e poros, e o volume total de solo. Distingue-se normalmente a porosidade primária, formada durante a constituição da rocha ou do solo (Figura 7.2) e que é determinante para solos (areias, argilas, siltes) assim como para certas rochas como os basaltos. A porosidade secundária é gerada após a constituição da rocha por fracturação, alteração e, no caso das rochas calcárias, por dissolução do carbonato de cálcio pela água (carsificação). A figura 7.3 mostra exemplos de porosidade secundária. O quadro 7.1 mostra para as várias rochas e sedimentos o tipo de porosidade mais determinante, enquanto o quadro 7.2 apresenta valores representativos da porosidade. Também na figura 7.4 são representados esses valores. Figura 7.2 Porosidade primária Figura 7.3 Porosidade secundária A porosidade diminui com o aumento do diâmetro médio das partículas (argila é mais porosa que areia grossa), porque materiais grosseiros são menos uniformes, resultando em menor espaço vazio entre os grãos. A figura 7.5 mostra a relação entre a porosidade e a granulometria. Água Subterrânea 7-5 Manual de Hidrologia Quadro 7.1 Porosidade determinante para as várias rochas e sedimentos Tipo de rocha Porosidade primária (predominante) Porosidade primaria e secundária Porosidade secundária (predominantemente) Rochas ígneas intrusas (plutónicas) rocha meteorizada granito diorito gabro Rochas ígneas extrusas (vulcânicas) cinza ejecções vulcânicas tufo vulcânico escória pomes riolito basalto andesito Rochas metamórficas quartzito gneisse xisto filito micaxisto mármore Carbonatos calcário zoogénico calcário oolítico grés calcário calcário dolomite Outras rochas sedimentares argelito, grés conglomerado ardósia brechia Formações não consolidadas argila silte areia aerão Quadro 7.2 Valores estimativos da porosidade para vários materiais Material Porosidade (%) areão grosseiro 25 - 35 areão fino 25 - 40 areia grossa 30 - 40 areia fina 25 - 50 silte 35 - 50 argila 40 - 60 grés 5 - 30 calcário 0 - 35 dolomite 0 - 20 calcário carsificado 5 - 50 xisto argiloso 0 - 15 rocha cristalina fracturada 0 - 10 rocha cristalina compacta 0 - 5 basalto 3 - 35 granito meteorizado 35 - 55 Água Subterrânea 7-6 Manual de Hidrologia Figura 7.4 Porosidade de vários materiais Embora a porosidade represente a quantidade de água que um aquífero pode conter, não indica quanta água possa fornecer. Quando a água é drenada num material pela acção de gravidade, só parte do volume total armazenado nos seus poros é libertada. A quantidade que a unidade de volume do material fornece chama-se rendimento específico, sendo um parâmetro adimensional. Então o rendimento específico Sy (em inglês 'specific yield') é definido como a relação entre o volume de água drenada por gravidade num solo inicialmente saturado e o volume total do solo. Também se chama cedência específica. O quadro 7.3 apresenta alguns valores representativos para o rendimento específico de varias rochas. Figura 7.5 Relação entre o diâmetro dos grãos e alguns parâmetros dos materiais subterrâneos Água Subterrânea 7-7 Manual de Hidrologia Quadro 7.3 Valores estimativos da porosidade para vários materiais Material Porosidade (%) areão grosseiro 22 - 23 areão médio 23 - 24 areão fino 25 areia grossa 27 areia média 26 - 28 areia fina 21 - 23 silte 8 argila arenosa 7 argila 2 - 3 grés 21 - 27 calcário 14 Note que a argila e o silte têm um rendimento específico bastante baixo, embora a porosidade seja normalmente alta. A retenção específica (em inglês 'specific retention') (r) é também um parâmetro adimensional, definido como o volume de água que fica retido no solo (por forças moleculares / adsorção e capilaridade) inicialmente saturado depois de terminada a drenagem por gravidade, como percentagem do volume total de solo. A retenção específica é o mesmo que a capacidade de campo. Com estas definições, é evidente que n = r + Sy. Exemplo: Um aquífero com uma superfície livre de 50 km2 e 12 m de espessura média ocupa um volume total de 600 milhões de m3. Com uma porosidade de 25% pode armazenar 150 milhões de m3 de água. Se o rendimento específico é de 10 % e se os 1.5 m superiores do aquífero forem drenados pelo abaixamento de 1.5 m da superfície do lençol freático, o fornecimento total será da ordem de 7.5 milhões de m3 de água (verifique!). Essa quantidade equivale a 4 furos bombeando cada um 30 m3 por hora continuamente, durante 12 horas por dia, funcionando 5208 dias (verifique!). Então essa bombagem poderia ser mantida durante um período de quase 15 anos, apenas graça à água subterrânea armazenada nos 1.5 m superiores do aquífero (ainda sem tomar em conta qualquer reabastecimento - recarga)! Esse simples exemplo mostra como a função de armazenamento dum aquífero torna possível o uso da água subterrânea com uma taxa constante, embora possa ser intermitente ou irregular a recarga do aquífero. Sob este ponto de vista, os reservatórios de água subterrânea são muito mais eficientes que os de água de superfície, dada a sua enorme capacidade. Água Subterrânea 7-8 Manual de Hidrologia Outros parâmetros relacionados com a função de armazenamento do aquífero são o armazenamento específico e o coeficiente de armazenamento. O armazenamento específico Ss, com dimensões [L-1] é o volume de água que pode ser libertado por unidade de volume do aquífero para um abaixamento unitário da altura piezométrica. O coeficiente de armazenamento S é um parâmetro adimensional que é o volume de água libertado por uma coluna de aquífero de secção transversal unitária para um abaixamento unitário da altura piezométrica. A relação entre o armazenamento específico e o coeficiente de armazenamento é dada por: - aquífero confinado: S = h * Ss,em que h é a espessura do aquífero. - aquífero freático: S = h * Ss + Sy, em que h é a espessura saturada do aquífero e Sy é o rendimento específico. Figura 7.6 Coeficiente de armazenamento Normalmente, Sy >> h * Ss. Por isso, o coeficiente de armazenamento é muito maior num aquífero freático do que num aquífero confinado. O significado do armazenamento específico é o seguinte: quando o nível piezométrico diminui, diminui a pressão sobre os grãos que constituem o esqueleto sólido do aquífero; o volume da fase sólida aumenta pelo novo arranjo dos grãos, a porosidade diminui e a água tem de sair. Água Subterrânea 7-9 Manual de Hidrologia Exercício 1) Considere o aquífero do exemplo anterior. Qual seria o volume de água que retiraria do aquífero se o nível piezométrico sofresse um abaixamento de 2 m, supondo que Ss = 5 * 10-5 m-1, S = 0.20, e que o aquífero era: a) freático; b) confinado. 7.2.3.2 Características relativas à conductividade de água A propriedade dum solo relacionada com a sua capacidade de transportar água é chamada permeabilidade (em inglês 'permeability'). A permeabilidade ou condutividade hidráulica K é uma característica do aquífero que define a sua capacidade de transmitir água subterrânea. Tem as dimensões duma velocidade (geralmente dada em metros por dia). A permeabilidade depende das características do solo e do líquido (note-se que certas características da água como a viscosidade e densidade variam com a temperatura). A permeabilidade de formações rochosas depende essencialmente do seu grau de fracturação. Para obter uma permeabilidade alta não é suficiente que o aquífero tem uma porosidade alta. Os poros (e fissuras) também devem ser ligados. Uma porosidade alta então não sempre corresponde com uma permeabilidade alta. Quadro 7.4 Valores da permeabilidade K para alguns materiais aquíferos Material Permeabilidade (ordem de grandeza) (m/dia) 1) areão 100 - 1000 areia grossa 20 - 100 areia média 5 - 20 areia fina 1 - 5 silte 0.1 - 1 argila (superfície) 0.01 - 0.2 argila (profunda) 10-8 - 0.1 grés 0.2 - 3 calcário 1 dolomite 0.001 basalto 0.01 granito meteorizado 1.5 Grano meteorizado 0.2 1) Ainda depende muito do tamanho e uniformidade dos grãos no caso de formações não-consolidadas e do grau da alteração e fracturação das formações consolidadas. Água Subterrânea 7-10 Manual de Hidrologia A permeabilidade K é determinada no campo através de ensaios de bombagem (ensaios de aquífero) ou ensaios de furos simples. Aplica-se também análises da granulometria do aquífero, mas este método é pouco rigoroso. O quadro 7.4 apresenta valores de K para os mais frequentes materiais de aquíferos O potencial dum aquífero não só depende da sua permeabilidade, mas também da sua espessura. A capacidade dum aquífero para transportar água é caracterizada pela transmissividade (em inglês ‘transmissivity’). A transmissividade (T) dum aquífero é o produto da sua permeabilidade pela espessura (H). Tem as dimensões dum ‘caudal específico’ (geralmente em m2/dia); T = K * H (em m2/dia) No caso dum aquitardo é mais comum falar sobre a sua resistência hidráulica em vez de a sua permeabilidade. A resistência hidráulica (c) duma camada semi-permeável (que principalmente deixa passar a água na direcção vertical) é a razão entre a espessura H da camada e a sua permeabilidade K. As suas unidades são [T], expressando-se normalmente em dias. Pode-se notar que a resistência hidráulica aumenta com a espessura da camada e diminui com a sua permeabilidade: K Hc = (em dias) 7.2.3.3 Homogeneidade e isotropia Para a caracterização dum aquífero, importa conhecer a variação das suas características (principalmente a permeabilidade) em diversas direcções e de ponto para ponto. Diz-se que um aquífero é isotrópico se, em qualquer ponto, as suas características hidráulicas não variam com a direcção. Caso isso não se verifique, o aquífero diz-se anisotrópico. Diz-se que um aquífero é homogéneo se as suas características hidráulicas não variam de ponto para ponto, caso contrário diz-se que é heterogéneo. A figura 7.7 apresenta diversos exemplos relativos a homogeneidade e isotropia. Água Subterrânea 7-11 Manual de Hidrologia Figura 7.7 Homogeneidade e isotropia 7.2.4 Recarga e resurgência Define-se como recarga (R) a fracção da precipitação que se infiltra e percola até ao lençol freático. A recarga depende das características da zona não-saturada (camadas superficiais), da zona de recarga e da forma como ocorre a precipitação. Define-se como resurgência a água que sobe de um aquífero para as estratas mais superficiais. Ocorre quando o nível piezométrico dum aquífero mais profundo é mais alto que o dum aquífero mais superficial (ou do nível freático). 7.3 OCORREÊNCIA DE ÁGUA SUBTERRÂNEA 7.3.1 Tipos de rochas As características dum aquífero dependem do material de que é composto, a sua origem, a relação entre os grãos e os poros, a profundidade, a recarga a que está sujeito, bem como mais factores. Contudo, a estrutura geológica, a litologia e a estratigrafia de rochas e sedimentos numa zona já podem dar uma primeira ideia sobre o potencial dos aquíferos. Distinguem-se rochas de sedimentos (materiais não-consolidados). Água Subterrânea 7-12 Manual de Hidrologia As rochas podem ser subdivididas em: - rochas ígneas; - rochas sedimentares; - rochas metamórficas. As rochas ígneas são formadas a partir de magma vindo do interior da terra. Existem rochas ígneas intrusas ou plutónicas, formadas subterraneamente (exemplos: granito, sienito, diorito), e rochas ígneas extrusas ou vulcânicas, formadas na superfície por vulcões (exemplos: riolitos, basaltos). Os minerais mais importantes nas rochas ígneas são o quartzo, alcali-feldspato, plagioclase e mica. Rochas sedimentares são o resultado da meteorização de rochas ígneas ou metamórficas, seguidas pelo transporte e deposição do material meteorizado num outro lugar e, finalmente, a cimentação do mesmo. São exemplos grés (origem: areia), calcário (origem: argila) e conglomerado (origem: areão). Rochas metamórficas são formadas, quando a composição mineralógica de rochas ígneas ou rochas sedimentares muda, devido à sua exposição a altas pressões ou altas temperaturas. São exemplos gneisse, quartzito (origem: grés), migmatito (mistura), filito (origem: argilito) e mármore (origem: calcário). Os sedimentos (materiais não-consolidados) são formados da mesma maneira que as rochas sedimentares, excepto a cimentação. Podem ser subdivididos em: - sedimentos terrestres (depositados na terra); - sedimentos marinhos (depositados no mar); - sedimentos fluvias (depositados pelos rios); - sedimentos eólicos (depositados pelo vento); Quadro 7.5 Classificação dos sedimentos Material Tamanho dos grãos (mm) argila< 0.004 silte 0.004 – 0.062 areia muito fina 0.062 – 0.125 areia fina 0.125 – 0.25 areia média 0.25 – 0.50 areia grossa 0.50 – 1.0 areia muito grossa 1.0 – 2.0 areão muito fino 2.0 – 4.0 areão fino 4.0 – 8.0 areão médio 8.0 – 16.0 areão grosseiro 16.0 – 32.0 areão grosseiro 32.0 – 64.0 Água Subterrânea 7-13 Manual de Hidrologia A classificação dos sedimentos baseia-se principalmente na granulometria do material (ver quadro 7.5). 7.3.2 Caracterização dos aquíferos Rochas ígneas e metamórficas Rochas ígneas e metamórficas não-perturbadas são péssimos aquíferos (permeabilidade e porosidade muito baixas). Basicamente existem dois tipos de aquíferos nas rochas ígneas e metamórficas: - aquíferos em vales; - aquíferos em zonas de fracturação e falhas. Aquíferos em vales são formados durante o processo de meteorização. Existem principalmente nas estratas superficiais (até uma profundidade de 50m). São geralmente sistemas limitados, devido à baixa transmissividade (baixa permeabilidade e espessura limitada). A figura 7.8 mostra um perfil típico destes aquíferos. Interessa escolher as zonas com maiores espessuras do regolito, que assim podem permitir pequenos aproveitamentos. Figura 7.8 Perfil típico dum aquífero numa rocha ígnea ou metamórfica Água Subterrânea 7-14 Manual de Hidrologia No caso de aquíferos em zonas de fracturação e falhas é muito importante analisar o sistema da fracturação bem como o processo da recarga. A profundidade de falhas em rochas ígneas e metamórficas raramente ultrapassa 150 metros. A zona adjacente a falha pode ser fracturada, mas este tipo de aquíferos ainda continua sendo limitado em termos de produtividade. Contudo, uma excepção é o mármore carsificado, que pode ter características hidráulicas muito boas. Também algumas rochas ígneas extrusas como basaltos podem, as vezes, ter boas características hidráulicas, dependendo da presença de fracturas de refrigeração e da meteorização das várias estratas. Riolitos são geralmente menos permeáveis que basaltos. Rochas sedimentares Rochas sedimentares podem ter características hidráulicas muito variáveis. A permeabilidade e porosidade do grés dependem muito da composição original do material arenoso cimentado (granulometria e uniformidade) e da sua fracgturação. O argilito pode ter uma porosidade alta, mas geralmente tem uma permeabilidade muito baixa. Conglomerado muitas das vezes é um bom aquífero, porém a sua distribuição na terra é limitada. De salientar que as características hidráulicas do grés e conglomerado são menores que no material original não- consolidado (areia, areão). Calcários e dolomitos bem carsificados podem constituir aquíferos excelentes com porosidades altas e permeabilidades altíssimas. Se não existe uma porosidade secundária, as características dependem muito da composição do material, que pode variar muito. Assim a porosidade (primária) e permeabilidade também podem variar muito. Os aquíferos em rochas sedimentares consistem geralmente de camadas com uma porosidade primária (e muita das vezes também secundaria). Assim os sistemas aquíferos podem ser extenso desde que sejam contínuos. A ocorrência de água subterrânea não é limitada às camadas superficiais. Podem encontrar-se aquíferos em rochas sedimentares até profundidades de 1000 m. Sedimentos A maioria dos aquíferos no Mundo são desenvolvidos em sedimentos, principalmente areias e areões. A argila pode ter uma porosidade alta, mas a sua permeabilidade é quase sempre baixa. Aquíferos em sedimentos quase sempre consistem de camadas, principalmente com uma porosidade primária. Bem como no caso dos aquíferos em rochas sedimentares, os sistemas aquíferos em sedimentos podem ser extensos (contínuos) e a água subterrânea pode encontrar-se até grandes profundidades. Água Subterrânea 7-15 Manual de Hidrologia 7.3.3 Qualidade de água Quase todos os elementos podem estar presentes na água subterrânea, dependendo do tipo de aquífero, os processos hidroquímicos nele, bem como a quantidade e qualidade da recarga, intrusões salinas, métodos de rega, contaminações, etc. Para cada elemento existem normas para as várias finalidades da água, das quais as normas para o consumo humano (por exemplo as normas da OMS) são as mais rigorosas. Essas normas também incluem limites para a presença de bactérias na água. Um parâmetro muito importante é a salinidade, que pode facilmente ser determinada no campo com a ajuda dum electrocondutivímetro. A electrocondutividade pode ser dada em µS/cm (1000 mg/l). A maioria dos elementos na água subterrânea estão presentes como iões. Obviamente a soma dos catiões (em equivalentes) deve ser igual à soma dos aniões. Os catiões mais abundantes na água subterrânea são sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+). Os aniões mais abundantes são o cloreto (Cl-), hidrocarbonato (HCO3-), carbonato (CO32-), sulfato (SO42-) e nitrato (NO3-). Esses são chamados os iões principais na água subterrânea. Outros iões e moléculas podem existir em quantidades reduzidas, mas ainda podem ter uma importância para a saúde (por exemplo fluórido, nitrito, metais pesados), a agricultura (boro) e a projecto d furos (ferro e manganês). Como o tipo de aquífero é só um aspecto, não é possível avaliar profundamente a qualidade da água apenas na base da formação em que existe. Somente pode-se dar algumas observações gerais. Muitas rochas ígneas, como granitos e basaltos, são rochas que por si mesmas quase não contribuem para sais na água, que portanto, podem ter água de muita boa qualidade. O mesmo pode-se dizer sobre quartzitos e grés (com muito quartzo). A salinidade pode ser da ordem de 300-500 mg/l. Por outro lado, pequenos sistemas aquíferos (superficiais) em rochas muito sensíveis a contaminações, a jusante de centros populacionais, a água subterrânea pode ter um teor alto de nitrato. Em áreas irrigadas aquíferos superficiais podem sofrer de salinização. Carbonatos, como os calcários e dolomitos, podem contribuir com elementos para a água subterrânea, mas a qualidade mantém-se a um nível apropriado. Contudo, esta água é geralmente muito dura, devido a solução de carbonato de cálcio e (também no caso de dolomitos) e magnésio. A salinidade pode ser na ordem de 500-800 mg/l. Evaporitos, como gipso, podem enriquecer a água subterrânea com sais dissolvidos, que muitas das vezes resulta em água não potável, atingindo salinidades até 4000 mg/l. Como já foi mencionado, a composição mineralógica pode mudar bastante, devido a recarga com água duma composição diferente, bem como processos hidroquímicos na zona não- saturada e no próprio aquífero. Um dos processos mais importantes é a salinização, que pode acontecer por: Água Subterrânea 7-16 Manual de Hidrologia - transgressões; - intrusão salina (horizontal e vertical), por exemplopor bombagem; - sistemas de irrigação e drenagem não adequados; - evapotranspiração excessiva. Processos hidroquímicos que podem ocorrer na zona não-saturada e no aquífero são: - troca de catiões (nas argilas); - oxidação de material orgânico; - dissolução do material do aquífero; - dissolução e desorção. A composição mineralógica da água subterrânea ainda pode mudar bastante devido a contaminações (por exemplo nitrato e águas residuais). Como exemplo duma mudança da composição de água subterrânea pode-se referir muitos aquíferos em Gaza e Inhambane, contendo grés ou calcário, que hoje em dia têm água salobra, devido as transgressões marinhas no Cretácio, Eoceno, Oligoceno e Mioceno (entre há mais que 100 milhões e cerca de 15 milhões de anos). A posterior fraca recarga não foi suficiente para substituir toda a água salgada por doce. 7.4 HIDRÁULICA DO ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO 7.4.1 Introdução O tratamento que se apresenta da teoria do escoamento subterrâneo tem carácter introdutório visto tratar-se de matéria complexa. A hidráulica do escoamento subterrâneo baseia-se fundamentalmente em duas leis: Darcy (§ 7.4.2) e a equação da continuidade (§ 7.4.3). 7.4.2 A lei de Darcy O movimento da água entre um ponto e outro sucede sempre que entre esses se estabelece uma diferença de pressão. Henry Darcy, engenheiro francês, investigou o fluxo de água através de camadas de areia, publicando o resultado de suas pesquisas em 1856. Mostrou que o escoamento da água através duma coluna de areia ou outro material permeável saturado é proporcional à diferença de pressão hidráulica nos extremos da coluna e inversamente proporcional ao comprimento da coluna (ver figura 7.9). Esta é conhecida como Lei de Darcy, ainda hoje utilizada como princípio básico da hidráulica do escoamento subterrâneo. Água Subterrânea 7-17 Manual de Hidrologia Figura 7.9 A Lei de Darcy É expressa matematicamente pela fórmula: ( ) L K 12 ϕϕ ν − −= em que, v velocidade de escoamento (m/dia); φ2- φ1 diferença de pressões hidráulicas (m); L distância entre os pontos onde as pressões φ2 e φ1 foram medidas (m); K constante de proporcionalidade (m/dia); O valor de (φ2- φ1)/L chama-se gradiente hidráulico (i = grad(φ)) que é adimensional. Assim pode-se escrever: iKv ⋅−= Pode-se logo ver que a constante de proporcionalidade tem as dimensões duma velocidade (m/dia). De facto, esta constante de proporcionalidade é a permeabilidade (K). Quando se introduzir areia mais grossa (que tem maior permeabilidade) na coluna, registar-se-á uma velocidade maior de escoamento. O sinal negativo exprime que o escoamento vai no sentido contrário ao do gradiente hidráulico. De salientar que v representa a velocidade aparente de filtração. A velocidade das próprias gotas de água no subsolo é maior, porque uma parte da secção é ocupada por partículas sólidas. Então nem toda a área está disponível para o escoamento, mas só a parte porosa. A velocidade média efectiva das gotas de água é v/ne, em que ne é a porosidade efectiva, a parte da porosidade usada pelo escoamento subterrâneo. Água Subterrânea 7-18 Manual de Hidrologia Para areão, areia, silte e argila o valor da porosidade efectiva é aproximadamente igual a o rendimento específico. Em geral, o caudal é de maior interesse que a velocidade, sendo também conveniente exprimir a Lei de Darcy pela fórmula: iHKq ⋅⋅−= em que, q fluxo unitário - caudal específico (caudal por metro de largura, m2/dia) H espessura do aquífero (m) Uma vez que o valor K · H representa a transmissividade (T) do aquífero, pode-se escrever: iTq ⋅−= Na realidade, o gradiente hidráulico depende do lugar e da direcção. Assim é mais conveniente generalizar a Lei de Darcy como: xxx iKv ⋅−= em que vx velocidade do escoamento no sentido x (m/dia) Kx permeabilidade no sentido x (m/dia) ix x∂∂ /ϕ , gradiente hidráulico no sentido x (adimensional) Expressões análogas podem-se estabelecer para vy e vz. Note que no caso dum aquífero isotrópico Kx = Ky = Kz = K. Tem interesse considerar a situação do meio estratificado, i.e., meio composto por camadas paralelas, cada uma delas homogénea e isotrópica, mas com diferenças de permeabilidade entre as várias camadas. A estratificação pode verificar-se numa direcção perpendicular ao fluxo ou numa direcção paralela ao fluxo. Estratificação em direcção perpendicular ao fluxo Neste caso o caudal por unidade de superfície (velocidade) da ág’ua subterrânea é igual em todas as camadas atravessadas, sendo v (ver figura 7.10, 1ª imagem). Para ca’da uma das camadas j pode-se escrever: jjj jjjjj KHvh HhKiKv ⋅−=∆⇒ ∆⋅−=⋅−= Água Subterrânea 7-19 Manual de Hidrologia Figura 7.10 Permeabilidade em aquíferos estratificados A perda de carga total do escoamento ao atravessar as várias camadas, ∆h, calcula-se como: ( )∑∑ −=∆=∆ j jjj j KHvhh / Para todo o sistema aquífero (com comprimento total H e no qual o fluxo v se processa com a mesma perda de carga total ∆h) pode-se escrever a lei de Darcy: ∑∑ ∆⋅−=∆⋅−=⋅−= j jj jeqeqeq HhKHhKiKv ... em que Keq permeabilidade equivalente de todo sistema aquífero ( ) vj jj jj jjj jeq KCHKHHhHvK ===∆⋅−=⇒ ∑∑∑∑ //. em que cj resistência hidráulica da camada j (dias) Kv permeabilidade no sentido vertical (m/dia) Pode-se tratar o aquífero estratificado na direcção perpendicular ao fluxo como um aquífero homogéneo isotrópico com permeabilidade Keq. = Kv. Dado que a resistência hidráulica de todo o sistema aquífero na direcção vertical igual a H/Kv, pode-se também concluir que um caudal que atravessa um aquífero estratificado enfrente (na direcção do caudal) uma resistência hidráulica igual ao somatório das resistências hidráulicas das estratas atravessadas. [Note que existe uma equivalência com a lei de Ohm, no tocante a resistências em série]. Água Subterrânea 7-20 Manual de Hidrologia Estratificação em direcção paralela ao fluxo Neste caso o gradiente do escoamento subterrâneo é igual em todas camadas (ver figura 7.10, 2ª imagem). Para cada uma das camadas j pode-se escrever: LHHKiHKq jjjjj ∆⋅⋅−=⋅⋅−= em que qj caudal específico (caudal por metro de largura) na camada j (m2/d) o caudal total ao atravessar as várias camadas, q, calcula-se como: ( ) ( )∑∑∑ ⋅⋅∆−=∆⋅⋅−=∆= j jjj jjj j HKLhLhHKqq Para todo o sistema aquífero (com espessura total H) e no qual o fluxo q se processa com a mesma perda de carga total (∆h) pode-se escrever a lei de Darcy: LhHKiHKq j jeqeq ∆⋅⋅−=⋅⋅−= ∑.. em que Keq. Permeabilidade equivalente de todo o sistema aquífero ( ) ( ) ( ) hj jj jj jjj jeq KHTHHKHhLqK ==⋅=⋅∆⋅−=⇒ ∑∑∑∑. em que Tj transmissividade da camada j (m2/d) Kh permeabilidade no sentido horizontal (m/dia) Pode-se tratar o aquífero estratificado na direcção paralelaao fluxo com um aquífero homogéneo isotrópico com permeabilidade Keq. = Kh. Dado que a transmissividade de todo o sistema aquífero na direcção horizontal é igual a HK h ⋅ , pode-se também concluir que a transmissividade dum aquífero estratificado (na direcção do caudal) é igual ao somatório das transmissividades das estratas. [Note que existe uma equivalência com a lei de Ohm, no tocante as condutividades]. Exercício 2) Temos um subsolo com 5 estratas: Camada 1: areia média, K = 5 m/dia, espessura 10 m; Camada 2: argila, K = 0.01 m/dia, espessura 5 m; Camada 3: areia grosseira, K = 20 m/dia, espessura 15 m; Água Subterrânea 7-21 Manual de Hidrologia Camada 4: argila, K = 0.005 m/dia, espessura 10 m; Camada 5: areia fina, K = 1 m/dia, espessura 30 m; O subsolo tem o comprimento de 1 km (gradiente horizontal, ihor = 0.001). A perda de carga total (na direcção vertical) é de 1 m. Calcule para cada camada: a) a perda de carga ∆h; b) a resistência hidráulica horizontal; c) a resistência hidráulica vertical; d) a transmissividade; e) o caudal específico(horizontal); f) a permeabilidade equivalente(horizontal); g) a resistência hidráulica vertical; h) a transmissividade (e ao escoamento). Solução: Camada ∆h (m) chor (dias) cver (dias) T (m2/dia) q (m2/d) 1 0.008 200 2 50 0.05 2 0.197 100000 500 0.05 0.00005 3 0.003 50 0.75 300 0.3 4 0.79 200000 2000 0.05 0.00005 5 0.012 1000 30 30 0.03 Esse exercício mostra muito bem a diferença entre os aquíferos (camada 1, 3 e 5) e os aquitardos (camada 2 e 4). Neste caso mais que 99.9 % do escoamento total, atravessa os aquíferos. Geralmente o escoamento (horizontal) nos aquitardos pode ser desprezado, razão pela qual se diz muitas vezes que ‘nos aquitardos só se verifica escoamento na direcção vertical’. Uma conclusão análoga pode-se tirar para as transmissividades. Note que a camada 3 é o aquífero principal (maior transmissividade e maior caudal). Para todos os aquíferos do exemplo, o escoamento vertical é menos que 0.02% do que o escoamento horizontal. Geralmente o escoamento vertical nos aquíferos pode ser desprezado em relação ao escoamento horizontal, razão pela qual se diz muitas vezes que ‘nos aquíferos só se verifica escoamento na direcção horizontal’. Os aquitardos, neste exemplo, contribuem em quase 99% para o total da resistência hidráulica vertical. Geralmente a resistência hidráulica vertical nos aquíferos pode ser desprezada. Assim, quase não se verifica uma perda de carga nos aquíferos na direcção vertical. Isso tem uma vantagem na instalação de piezómetros para registrar níveis piezométricos. A profundidade do filtro não é muito critica no caso de um bom aquífero; basta instalar o filtro dentro do aquífero. O exemplo do escoamento através da fundação permeável duma barragem de terra ilustra bem o interesse do estudo dos meios anisotrópicos e estratificados. Água Subterrânea 7-22 Manual de Hidrologia Figura 7.11 Exemplo de escoamento através de uma barragem de terra Exercício 3) A figura 7.12 representa um corte esquemático da encosta entre a zona de Laulane e o mar. sabendo que a perda de carga é de cerca de 30m, L=5km e K=8m/d, calcular: a) a velocidade; b) o volume escoado durante 1 ano, sabendo que o aquífero tem cerca de 6km de largura. Resolução: 006.05000/30/ −=−=∆= Lhi 04,0=⋅−= iKv m/d (para a direita) anomdmvblQ /1015.3/8640048.0306000 363 ×==⋅⋅=⋅⋅= Figura 7.12 Corte esquemático entre Laulane e o mar 7.4.3 Equação da continuidade A equação da continuidade (lei de conservação de massa) aplicada a um aquífero diz que o fluxo de entrada no aquífero (incluindo a recarga) menos o fluxo de saída será igual à variação do volume armazenado por unidade de tempo. Água Subterrânea 7-23 Manual de Hidrologia A aplicação da equação da continuidade em conjugação com a lei de Darcy dá origem a equações diferenciais cuja integração será mais ou menos complexa como se verá se estudarem os escoamentos nos diferentes tipos de aquíferos. Como as variações de nível nos aquíferos são bastante lentas, é possível estudar muitos problemas práticos numa situação de regime permanente. Noutros casos, porem, terá de se fazer o estudo considerando regime variável. Duma maneira geral, a equação da continuidade implica que 0= ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ = → z v y v x v vdiv zyx (para um fluxo permanente e um líquido considerado incompressível). Exercício 4) Consider-se a situação representada na figura 7.13. A divisória AB representa uma linha de separação de águas de forma que a única água que entra. No aquífero é a que se infiltra a partir da precipitação. A permeabilidade é de 10m/d, ∆h=16m e a precipitação anual média é P=975mm (considere uma situação de regime permanente). a) Calcular o caudal médio Q que se escoa pela fronteira de jusante do aquífero; b) Calcular a recarga anual do aquífero; c) Sabendo que o caudal superficial médio anual é Q’=0.3m3/s, determinar a evapotranspiração efectiva anual media. Figura 7.13 Exemplo da aplicação da Lei de Continuidade Água Subterrânea 7-24 Manual de Hidrologia 7.5 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS CONFINADOS 7.5.1 Escoamento tridimensional. Equação de Laplace Considerando a situação do escoamento tridimensional, a equação da continuidade escreve- se: 0= ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ z v y v x v zyx (fluxo permanente) A lei de Darcy na sua forma geral escreve-se: x Kv xx ∂ ∂ −= ϕ y Kv yy ∂ ∂ −= ϕ z Kv zz ∂ ∂ −= ϕ Substituindo a Lei de Darcy na equação da continuidade: 0=⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ +⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ +⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ z K y K x K z z y y x x ϕϕϕ Pois: 02 2 2 2 2 2 = ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − z K zz K y K yy K x K xx K z z y y x x ϕϕϕϕϕϕ Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero confinado (heterogéneo e anisotrópico) em regime permanente. No caso dum aquífero homogéneo: 0= ∂ ∂ = ∂ ∂ = ∂ ∂ z z y y x x KKK Substituindo: 02 2 2 2 2 2 = ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ z K y K x K zyx ϕϕϕ Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero confinado homogéneo e anisotrópico em regime permanente. No caso dum aquífero homogéneo e isotrópico também Kx = Ky = Kz = K, pois 0,0 22 2 2 2 2 2 =∇= ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ ϕϕϕϕ ou zyx sendo a equação de Laplace, valida para um aquífero confinado homogéneo e isotrópico em regime permanente. Água Subterrânea 7-25 Manual de Hidrologia No casodum aquífero confinado homogéneo e isotrópico em regime variável deduz-se que: tKh S zyx f ∂ ∂ = ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ ϕϕϕϕ 2 2 2 2 2 2 em que Sf é o coeficiente de armazenamento e h a espessura saturada do aquífero (constante’ para um aquífero confinado e semi-confinado). Mesmo no caso mais simples dum aquífero confinado homogéneo e isotrópico com regime permanente, a equação de Laplace muita das vezes não se consegue integrar analiticamente, fazendo-se a integração por métodos numéricos, como o método dos elementos diferenciais, elementos finitos, elementos analíticos, bem como por outros métodos. 7.5.2 Escoamento bidimensional. Função potencial e função de corrente Em muitas situações, o escoamento subterrâneo pode ser tratado como um escoamento bidimensional se as características do aquífero e as condições de fronteira se repetem em planos paralelos (escoamento plano) ou em planos todos concorrentes num mesmo eixo (escoamento radial). No caso do escoamento plano, a equação diferencial do escoamento em regime permanente num meio homogéneo e isotrópico é: 02 2 2 2 = ∂ ∂ + ∂ ∂ yx ϕϕ Também neste caso se pode fazer a integração numérica da equação diferencial por um dos métodos numéricos. Um outro processo que neste caso é possível utilizar é o traçado de redes de fluxo compostas por linhas equipotenciais (Ф constante) e por linhas de corrente (Ψ constante). Define-se a função potencial Ф como: ϕ⋅−=Φ K Como K é constante (meio homogéneo e isotropico), pode-se escrever: ( )Φ∇=Φ=⇒ → gradv Como se tem 022 =Φ∇=∇ ϕ , Ф é uma função harmónica. A função de corrente Ψ é definida por: yx v yx v yx ∂ Ψ∂ = ∂ Φ∂ = ∂ Ψ∂ = ∂ Φ∂ = →→ Definindo-se desta forma Ф e Ψ, pode-se mostrar que as duas funções são ortogonais em qualquer ponto. Água Subterrânea 7-26 Manual de Hidrologia Assim a rede de fluxo resulta num conjunto de quadrados (aproximados) e dela se podem calcular velocidade, caudais e perdas de carga. A figura 7.14 mostra um exemplo duma tal rede para escoamento subterrâneo abaixo de uma barragem, com as funções de potencial e de corrente. Refer-se também às disciplinas de Hidráulica e Mecânica de Solos. Mais adiante se tratará do caso do escoamento radial. Figura 7.14 Exemplo duma rede com linhas equipotenciais e linhas de corrente Exercício 5) Demonstrar que as funções potencial e de corrente são ortogonais. 7.5.3 Exemplos de resoluções analíticas de escoamento subterrâneo em aquíferos confinados 7.5.3.1 Introdução Como já foi mencionado no paragrafo 7.4.1, as equações diferenciais do escoamento subterrâneo muita das vezes não se consegue integrar analiticamente, mesmo no caso mais simples dum aquífero homogéneo isotrópico com regime permanente, razão pela qual é comum resolver problemas de escoamento subterrâneo com métodos numéricos. Para casos simples ainda podem ser utilizados métodos analíticos. Assim, ir-se-á tratar essencialmente de escoamento em regime permanente, em aquíferos confinados, que são homogéneos e isotrópicos. 7.5.3.2 Escoamento no plano unidimensional num aquífero confinado Em variadas situações, o escoamento pode processar-se num aquífero confinado cujo comprimento é muito maior que a espessura. Nesses casos, o escoamento torna-se unidimensional (excepto em zonas restritas próximas das fronteiras do aquífero) e a integração da equação de Laplace simplifica-se ao extremo. Água Subterrânea 7-27 Manual de Hidrologia Com efeito, se xvv ≡ (Figura 7.15), K cx K c Kcxc c dx d dx d x 11 21 1 2 2 2 2 0 −−= −=+=Φ = Φ = Φ = ∂ Φ∂ ϕ ϕ As duas constantes de integração, c1 e c2, são determinadas a partir das condições de fronteira: 1 1 ;0 ;0 ϕϕ ϕϕ == == x x ( ) LKcKLcKcKLc KcKc /// 12111212 1221 ϕϕϕϕ ϕϕ −⋅−=⇒+−=−−=⇒ ⋅−=⇒−=⇒ ( ) Lx /121 ϕϕϕϕ −+= (a linha piezométrica é uma recta) ( )LKdxdKv 21 ϕϕϕ −=−= O caudal por metro de largura do aquífero será ( ) ( ) LTLKHvHq // 2121 ϕϕϕϕ −=−== Exercício 6) Num aquífero confinado como o ilustrado na figura 7.15, com φ1=45m, φ2=40m, L=1000m, H=30m e K=10-4m/s, determine o caudal que se escoa por metro de largura. Exercício 7) A figura 7.16 esquematiza o escoamento através da fundação duma barragem de terra. A permeabilidade da fundação é K=5m/d. a) calcule o caudal que se escoa através da fundação e trace a linha piezométrica. O nível de água a jusante é nulo (0m); b) para diminuir o caudal escoado através da fundação, resolveu-se fazer uma cortina de impermeabilização com um material de permeabilidade K’=0.1m/d. Determine a largura l da cortina que é necessária para reduzir o caudal escoado a 20% do valor inicial. Trace a nova linha piezométrica. Figura 7.15 Exemplo da aplicação da Lei de Continuidade Água Subterrânea 7-28 Manual de Hidrologia Resolução: a) ( ) ( ) mdmLKHq //30200/040305/ 321 =−××=−= ϕϕ Se a barragem tivesse 1km de largura, o volume escoado durante 1 ano (e perdido em termos de armazenamento) seria de 36101110036530 mVol ⋅×××= (suficiente para regar cerca de 700 hectares). A linha piezométrica está traçada na figura (LP1). b) a situação é agora a dum aquífero estratificado na direcção perpendicular ao fluxo. mdmq //63020.0 3=×= ( ) ( ) ( ) dmKLHKq eqeq /14030/2006/21 =××=⇒−= ϕϕ ml ll K H H j j j 3.161 5 200 1.0 200 =⇒= − + = ∑ A perda de carga em cada camada é dada por HK H qh j j j =∆ Então a perda de carga na camada impermeabilizante será: ( ) 23.16/6.32;6.32301.0/3.166 11 ===××=∆ imh A perda de carga no aquífero será: ( ) ( ) 04.07.183/3.7;3.7305/3.162006 22 ===×−×=∆ imh A linha piezométrica está traçada na figura (LP2). Figura 7.16 Impacto duma cortina de impermeabilização Água Subterrânea 7-29 Manual de Hidrologia 7.5.3.3. Escoamento radial em aquíferos confinados Considere-se a situação representada na figura 7.17 dum poço cilíndrico no centro duma ilha circular em que o poço atravessa toda a espessura do aquífero confinado. Figura 7.17 Escoamento radial num aquífero confinado Abrange-se aqui na designação de poço quer os poços quer os furos. Um poço que atravessa toda a espessura dum aquífero diz-se um poço completo, ou poço de penetração completa. A situação hipotética representada na figura 7.17 é uma idealização de uma situação pratica dum furo num aquífero extenso que não sofre a influência de outros furos. Na situação da figura 7.17 existe no aquífero um escoamento radial dirigido da periferia para o centro. Como o sistema apresenta simetria radial, as superfícies equipotenciais são cilíndricas, concêntricas com o poço, e as linhas de corrente são semi-rectas horizontais radiais. A uma distância r do centro do poço, a cota piezométrica é φ < φ0. A diferença de φ - φ0 = s designa-se por rebaixamento.No poço (r = rp), a cota piezométrica é φp e o rebaixamento é sp. Do poço extrai-se um caudal constante Q0. Devido à simetria radial, o escoamento pode ser estudado como unidireccional na direcção radial. Considere-se uma superfície cilíndrica com raio r. O caudal que atravessa qualquer superfície cilíndrica concêntrica com o poço é um caudal constante Q. a equação de continuidade escreve-se simplesmente como: Q = -Q0, dado que o sentido de Q é contrario ao caudal de bombagem. Será também: rvHQ ⋅⋅= π2 em que vr é a velocidade do escoamento na direcção radial. Note-se que a velocidade tangencial é nula visto que a superfície cilíndrica é uma superfície equipotencial. Pois: rHr Q vr 1 2 0 π −= A lei de Darcy diz que dr dKvr ϕ −= em que o sinal negativo indica que o escoamento se processa no sentido de φ decrescente, ou seja, para o centro do poço. Assim: Água Subterrânea 7-30 Manual de Hidrologia rT Q rKH Q dr d rH Q dr dKvr 1 2 1 2 1 2 000 ππ ϕ π ϕ ==⇒−=−= Por integração obtem-se: ( ) cr T Q += ln 2 0 π ϕ A condição de fronteira é r = r0: ( ) ( )00000 ln2ln2 rT Q ccr T Q o π ϕ π ϕ −=⇒+=⇒ Chega-se portanto a: ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛==− r r T Q s 000 ln2π ϕϕ (eq. de Thiem) Da equação de Thiem obtem-se imediatamente o velor do rebaixamento no poço, sp: ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ = p p r r T Q s 00 ln 2π ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ += p p r r KH Q ss 101 ln2π (curva característica do poço) Se se considerarem dois pontos a distâncias r1 e r2 do centro do poço, como indicado na figura 7.18 ter-se-á: ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ = 1 00 1 ln2 r r T Q s π ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ = 2 00 2 ln2 r r T Q s π ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ =∆=− 1 20 21 ln2 r r T Q sss π Como na prática não se está no centro de uma ilha circular, toma-se para r0 (raio de influência do poço) a distância para a qual já se faz sentir muito pouco a acção do poço, i.e. o rebaixamento é negligenciável. Se se instalarem vários piezómetros (poços ou furos onde se pode medir o nível de água) a distâncias ri e se medirem os rebaixamentos si para um dado caudal extraído em regime permanente, é possível marcar num gráfico em papel semi- logarítmico os pontos [si, ln(ri)] e traçar a recta que melhor se ajusta a esses pontos. Para s=0 obter-se-á o valor de ln(r0). Para r = rp obtem-se o rebaixamento teórico no poço, sp. Este valor pode diferir do valor real medido no poço, spr, devido às perdas de carga à entrada do poço. Chama-se raio equivalente do poço, re, ao valor de r que corresponde a spr na equação de Thiem. Após o traçado da recta, é possível obter o valor da transmissividade T e da permeabilidade K a partir de ( ) H TK r s Q T = ∆ ∆ = ln 2 0 π Água Subterrânea 7-31 Manual de Hidrologia O ensaio de bombagem para determinar a permeabilidade dum aquífero consiste precisamente em bombar um dado caudal em regime permanente dispondo de dois ou mais furos de observação para medição dos níveis da água, usando-se as equações anteriores para calcular K. Figura 7.18 Ensaio de bombagem num aquífero confinado Exercício 8) Num aquífero confinado, está a ser bombado dum furo um caudal constante de 100 l/s verificando-se rebaixamentos de 10 m e 7 m em dois poços de observação, situados a distâncias de 10 m e 30 m do furo de bombagem. Sabendo que o raio do furo é de 0.15 m e que a espessura do aquífero é de 40 m, determinar a permeabilidade do aquífero, o rebaixamento teórico no poço, a distância a partir da qual o rebaixamento é inferior a 2 m e o raio de influência do poço. Resolução: 12.6 m/dia; 21.46 m; 187 m; 389 m. Exercício 9) Utilizando os dados relevantes do exemplo anterior, calcular o caudal que se poderia extrair se se limitasse o rebaixamento no poço a 10 m. Muitas das vezes a espessura do aquífero é suficientemente grande para que o furo ou poço não abranja a totalidade da espessura, figura 7.19. Apenas num certo comprimento menor que H se estabelece uma zona filtrante por onde se processa a entrada de água no poço. As linhas de corrente já não são horizontais e há um afastamento em relação à teoria dos poços completos. Água Subterrânea 7-32 Manual de Hidrologia Estes poços, chamados de penetração parcial, devem ser estudados usando redes de fluxo ou métodos numéricos. Com base na experiência tem sido propostas diversas formulas. Para mais pormenores sobre poços de penetração parcial refer-se às aulas de Geohidrologia e ao manual de projecto de furos. No caso de se ter um campo de furos com n furos relativamente próximos uns dos outros por comparação com r0, pode usar-se em primeira aproximação a seguinte fórmula para calcular o rebaixamento num ponto qualquer do aquífero: ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ = ∑ = i n i i d r Q T s 0 1 ln 2 1 π em que di é a distância do ponto ao furo i. Assim calcula-se o rebaixamento, aplicando o princípio de sobreposição (ver figura 7.20). Figura 7.20 Rebaixamento num campo de furos 7.6 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS FREÁTICOS 7.6.1 Introdução O estudo do escoamento subterrâneo em aquíferos freáticos é algo mais complexo que o relativo aos aquíferos confinados visto que o limite superior do aquífero (que é o nível freático) é alterado pelo próprio escoamento. Um outro factor que aumenta a complexidade é que nos aquíferos freáticos há que considerar a recarga no estudo do escoamento. Figura 7.19 Duas configurações de um poço de penetração parcial Água Subterrânea 7-33 Manual de Hidrologia 7.6.2 Hipótese de Dupuit O engenheiro francês Jules Dupuit apresentou em 1863 a seguinte hipótese para permitir determinar uma equação do escoamento subterrâneo em aquíferos freáticos que se pudesse analisar com mais facilidade: - numa secção transversal qualquer, a distribuição de velocidades é uniforme; - a componente vertical da velocidade em qualquer ponto é desprezável, portanto vz = 0. O que não é válido em zonas do aquífero onde a curvatura da toalha freática seja acentuada como acontece na vizinhança de valas ou poços para onde se dá o escoamento. A figura 7.21 mostra essas hipóteses. Se se admitir que vz = 0 então as superfícies equipotenciais são verticais. Figura 7.21 Hipóteses de Dupuit Sem fazer as restrições da hipótese de Dupuit, considerando a situação do escoamento tridimensional num aquífero freático com recarga R, mas sem alimentação de aquíferos mais profundos, a equação da continuidade escreve-se: 0=+ ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ R z q y q x q zyx (fluxo permanente) Para caudais específicos qx, qy e qz pode-se escrever (aplicando a Lei de Darcy): x hhKq xx ∂ ∂ −= y hhKq yy ∂ ∂ −= z hhKq zz ∂ ∂ −= Substituindo estas expressões na equação da continuidade: 0=+⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ +⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ +⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ∂ ∂ − ∂ ∂ R z hhK zy hhK yx hhK x zyx Água Subterrânea7-34 Manual de Hidrologia Pois: 0 2 1 2 1 2 1 0222 2 22 2 22 2 22 2 2 2 2 2 2 2 2 2 =+ ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − =+ ∂ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − ∂ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛∂ − ∂ ∂ ∂ ∂ − R z hK z hh z K y hK y hh y K x hK x hh x K R z h K z hh z K y h K y hh y K x h K x hh x K z z y y x x z z y y x x Esta equação representa a fórmula geral de escoamento subterrâneo num aquífero freático (heterogéneo e anisotrópico) em regime permanente, com recarga R mas sem alimentação de aquíferos mais profundos. No caso dum aquífero homogéneo: 0= ∂ ∂ = ∂ ∂ = ∂ ∂ z K y K x K zyx Substituindo: 02 22 2 22 2 22 =+ ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ R z hK y hK x hK zyx Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero freático homogéneo e anisotrópico em regime permanente, com recarga R, sem alimentação de aquíferos mais profundos. No caso dum aquífero homogéneo e isotrópico também Kx = Ky = Kz = K, pois 02 22 2 22 2 22 =+ ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ R z h y h x h Note-se que num aquífero freático a cota piezométrica n é dada por h, altura da toalha freática acima da camada impermeável suposta horizontal. Com a hipótese de Dupuit (vz = 0) e num aquífero homogéneo e isotrópico em regime permanente, sem recarga, chega-se a: 02 22 2 22 = ∂ ∂ + ∂ ∂ y h x h Sendo a equação de Dupui-Forchheimer, válida para um aquífero freático homogéneo e isotrópico em regime permanente, com componente vertical da velocidade desprezável em qualquer ponto e sem recarga de outros aquíferos. Tal como no caso dos aquíferos confinados esta’s equações podem ser integradas usando métodos numéricos embora com a dificuldade adicional da fronteira superior do domínio (que é a superfície freática) não estar definida a priori. Água Subterrânea 7-35 Manual de Hidrologia Nos parágrafos seguintes, apresentam-se resoluções da equação de Dupuit-Forchheimer para escoamentos unidireccionais (plano e radial). 7.6.3 Exemplos de resoluções analíticas de escoamento subterrâneo em aquíferos freáticos 7.6.3.1 Escoamentos no plano unidimensional num aquífero freático sem recarga Considerando-se o aquífero freático representado na figura 7.21 o escoamento processa-se da vala 1 para a vala 2 onde os níveis se mantêm constantes (regime permanente). Não se verifica recarga. Com a hipótese de Dupuit, as equações do escoamento são: Lei de Darcy: dx dhKvv x ⋅−== Continuidade: teconshvqq xx tan=⋅== Substituindo a lei de Darcy na equação da continuidade, resulta em: ( ) tecons dx hdhK tan 2 =⋅⋅− ( ) tecons dx hdK tan 2 1 2 =−⇒ ; 02 22 = dx hd A integração conduz-nos a: ( ) 2121 2 cxchc dx hd +=⇒= Condições de fronteira: 1 0 : :0 hhLx hhx == == ( ) LhhccLch ch /20 2 1121 2 1 2 2 0 −=⇒+= = ⇒ x L hh hh 2 1 2 02 0 2 −−= Note-se que a variação de h com x não é linear, contrariamente ao que acontece com os aquíferos confinados. De facto a forma é parabólica. Para o caudal deduz-se: ( ) ( )2120 2 22 1 hh L K dx hdKq −=−= Água Subterrânea 7-36 Manual de Hidrologia Exercício 10) Considere um aquífero freático como o representado na figura 7.21, com L=500m, h0=20m, h1=15m, K=7.5m/d. Não há recarga. Calcule: - o caudal que se escoa da vala 1 para a vala 2; - a velocidade aparente na secção x=250m. 7.6.3.2 Escoamentos no plano unidimensional num aquífero freático com recarga Considere o aquífero freático representado na figura 7.22, em que se tem de considerar a recarga R por metro de comprimento do aquífero. Os níveis nas valas mantêm-se constantes (regime permanente). Determinam-se as expressões do nível freático e do caudal que se escoa para as valas. Figura 7.22 Escoamento para valas num aquífero freático Se se considerar uma secção a uma distância x da origem, o caudal que atravessa essa secção é (pela condição da continuidade em regime permanente): Continuidade: 1cxRqdxRqqdqdqqq xdxxxdxx +⋅=⇒⋅=−=⇒+= ++ Condição de fronteira: x = 0; q = 0 (linha de separação da água; gradiente do nível freático é nulo) xRq c ⋅=⇒ =⇒ 01 Lei de Darcy: dxdhKvv x /⋅−== (com a hipótese de Dupuit) Substituindo a lei de Darcy na equação de continuidade resulta em: ( ) ( ) 2 22 2 2 2 2 1 cx K Rhx K R dx hd dx hdK dx dhhKxRq +−=⇒−=⇒ −=⋅−=⋅= Água Subterrânea 7-37 Manual de Hidrologia Condição de fronteira: x = L/2; h = h1 ⎥ ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎢ ⎣ ⎡ −⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛+=⇒+−=⇒ 2 2 2 1 2 2 2 2 1 24 xL K RhhcL K Rh É fácil obter a expressão de hma: K RLhh 4 2 2 1 2 max += O caudal escoado para cada uma das valas é 2/LRq ⋅= Exercício 11) Na situação representada na figura 7.22 considere que a recarga durante uma chuvada muito intensa é de 15 mm/dia. Supondo que se trata de uma área agrícola em que o máximo nível freático deve estar pelo menos 0.75 m abaixo da superfície do terreno, determine o valor correspondente de h1. Solução: h1 = 5.19 m. Exercício 11) Considere o aquífero freático representado na figura 7.22, porém com níveis nas valas diferentes (h1 e h2). Determine as expressões de cálculo de L, hmax, h, e dos caudais que se escoam para as valas. (Obs: Os exemplos anteriores constituem casos particulares deste para h1 = h2 ). 7.6.3.3 Drenagem dum aquífero freático com ressurgência Considere um sistema de aquíferos como representado na figura 7.23. A camada semi- permeável permite a passagem da água na direcção vertical, neste caso de baixo para cima em virtude da linha piezométrica do aquífero semi-confinado (que aqui se considerou constante) estar acima do nível freático do aquífero superior. Esta situação então corresponde com um sistema de drenagem instalado num aquífero superficial (freático) que alem da recarga ainda deve descarregar uma quantidade de ressurgência vinda do aquífero semi-confinado. Parâmetros de projecto são então a distancia entre os drenos e o nível a ser mantido nos drenos a fim de garantir um nível máximo no aquífero superficial aceitável. Água Subterrânea 7-38 Manual de Hidrologia Figura 7.23 Escoamento para valas num aquífero freático com ressurgência Para a obtenção da equação do escoamento no aquífero semi-confinado, admite-se a seguinte simplificação relativamente ao aquífero freático: admitir um nível freático constante h : ( ) 10101 2.08.08.0 hhhhhh +=−+= c hh c hvz ϕϕ −+ = − =⇒ 10 2.08.0 Pela lei de Darcy: dxdhhKq ⋅⋅−= (caudal na direcção x do aquífero freático) A equação da continuidade exprime-se através de xvxRq z ⋅−⋅= Substituindo a equação de Darcy na da continuidade (considerando escoamento ‘pseudo- bidimensional’): 1 222 CKhxvRx dx dhKhxvR zzx +−=−⇒−=−⇒ Condição de fronteira: x = L/2; h = h1( ) 21 2 1 4 KhLvRC z +−=⇒ ( ) ( )2122 2 4 hhKvRxL z −=−⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − Água Subterrânea 7-39 Manual de Hidrologia Pretende-se determinar h0 e vz. ( )zvRK Lhhhhx −+=⇒=⇒= 4 0 2 2 1 2 00 Mas vz é por sua vez função de h0: c hh vz ϕ−+ =⇒ 10 2.08.0 ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ −+−+=⇒ c hh R K Lhh ϕ10 2 2 1 2 0 2.08.0 4 Kc LhL K RLhh Kc Lh 4 2.0 44 8.0 21 22 2 10 2 2 0 +⋅ −+=⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ +⇒ ϕ Nesta equação, R, hs, h1, c, K e L são dados pelo que a única incógnita é h0 (que se determina facilmente visto tratar-se duma equação do 2º grau). A substituição do valor de h0 na fórmula permite calcular o valor de vz, valor importante para dimensionar os drenos (o caudal a descarregar é de 2/2/ LvLR z ⋅−⋅ por metro de comprimento do dreno). 7.6.3.4 Escoamento radial num aquífero freático com recarga Considere-se a situação de um poço completo num aquífero freático extenso (ver a figura 7.24). Do poço está a ser bombado um caudal constante Q0. o aquífero está sujeito à recarga constante R. Figura 7.24 Escoamento para um poço num aquífero confinado com recarga Neste caso existe uma superfície cilíndrica concêntrica com o poço à distância r0, sendo o divisor de águas (gradiente de nível freático é nulo), que então não é atravessado por nenhum caudal. A distância desse divisor de águas (r0) está sendo determinada pelo caudal bombado do poço em relação à recarga. Pode-se tomar rp ≈0. As superfícies equipotenciais são cilindros (figura 7.25). Devido à recarga, na figura 7.25 Qp > Q1 > Q2 (se Q for definido no sentido do poço). Água Subterrânea 7-40 Manual de Hidrologia Figura 7.25 Escoamento radial Considere-se uma superfície cilíndrica com o poço a uma distância genérica r do poço, com espessura dr. O caudal que atravessa essa superfície é (pela condição de continuidade em regime permanente): Continuidade: RdrrdQRrdrdQ ⋅⋅⋅=⇒⋅⋅= ππ 22/ (se Q é definido no sentido de r; note que neste caso Q é negativo; dQ/dr é positivo) 1 2 cRrQ +⋅⋅=⇒ π Condição de fronteira: r = 0; Q = -Q0 (caudal bombado, na direcção do poço) 01 Qc −=⇒ RrQQ ⋅⋅+−=⇒ 20 π Lei de Darcy: drdhKvr ⋅−= ; drdhhKqr ⋅⋅−= drdhhKrQ /2 ⋅⋅⋅⋅−= π Substituindo a equação de Darcy na equação da continuidade resulta em: drdhhKrRrQ /220 ⋅⋅⋅⋅−=⋅⋅+− ππ Somando as variáveis: hdhrdr K R r dr K Q −=+− 22 0 π Água Subterrânea 7-41 Manual de Hidrologia Integrando (e multiplicando por 2): 2 220 2 )ln( chr K Rr K Q +−=+− π Condição de fronteira: r = r0; h = h0 2 2 0 2 00 0 2 )ln( chr K Rr K Q +−=+−⇒ π 20 2 00 0 2 2 )ln( hr K Rr K Q c ++−=⇒ π ( )220 0 02 0 2 2 )ln( rr K R r r K Q hh −++=⇒ π Sendo a equação geral que define o nível freático em função do caudal bombado. A distância da linha de separação das águas, r0, calcula-se assim: 00 0 2 0 =−⋅⋅⇒= QRrQ π πR Q r 00 =⇒ Escoamento radial sem recarga Se não houver recarga, a solução será ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ += 0 02 0 2 ln r r K Q hh π Esta expressão pode ser utilizada para a determinação da permeabilidade num aquífero freático através de um ensaio de bombagem em que se conheçam os rebaixamentos s1 e s2 em dois piezómetros situados a distâncias r1 e r2 do poço onde se bomba o caudal Q0 (ver figura 7.26). De salientar que não se deve verificar recarga nenhuma, razão pela qual é necessário tomar precauções adequadas para evitar que a água bombada se infiltre e retorne ao aquífero. Figura 7.26 Ensaio de bombagem Água Subterrânea 7-42 Manual de Hidrologia 202 101 hhs hhs −= −= ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ =− ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ =− 2 002 2 2 0 1 002 1 2 0 ln ln r r K Q hh r r K Q hh π π ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ =−⇒ 2 102 2 2 1 ln r r K Q hh π ( ) ⎟⎟⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − =⇒ 2 1 2 2 2 1 0 ln r r hh QK π Características do poço O rebaixamento no poço, sp, é dado por pp hhs −= 0 . Como ( ) ( )ppp hhhhhh +⋅−=− 00220 , então ( ) ⎟⎟⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ + = pp p r r hhK QS 0 0 ln π Esta equação que relaciona o rebaixamento no poço com o caudal chama-se curva característica do poço. Por outro lado, como pp shh −= 0 , pode-se escrever ( ) ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ −== 0 0 ln2 r r shKq s Q p pe p π em que qe é o caudal específico ou o caudal por metro de rebaixamento no poço. A partir desta última expressão verifica-se que: 00 =⇒= Qs p max0 QQhs p =⇒= (como se pode demonstrar facilmente) ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ =⇒ 0 2 0max ln r r KhQ pπ ( ) ( )( ) 2 0 2 2 0 00 2 0 0 max 1 2 h h h hhhh h shs Q Q ppppp −= +− = − = max0 1 Q Q h hp −=⇒ Água Subterrânea 7-43 Manual de Hidrologia A experiência indica que se deve explorar um poço num aquífero freático com valores de rebaixamento sp entre 0.5h0 e 0.75h0. Isso corresponde a extrair um caudal Q entre 0.75 e 0.94 do caudal máximo. Pequenos rebaixamentos Para pequenos rebaixamentos e numa zona afastada do poço tem-se ( )( ) shhshhhhhh 0000220 22 =⋅≈+−=− ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛=⇒ r r Kh Qs 0 0 ln 2π Expressão semelhante à encontrada para o aquífero confinado. No caso de se verificarem grandes rebaixamentos no poço, o valor de sp a considerar para o cálculo do caudal difere do sp medido, devido às restrições impostas pela hipótese de Dupuit. Sendo sp o valor medido e sp’ o valor corrigido, pode-se utilizar a fórmula de JACOBS para obter o valor corrigido: 0 2' 2/ hsss ppp −= Exercício 13) Num aquífero freático com r0=2000m, h0=30m, K=5m/d, rp=0.4m, determine os rebaixamentos no poço e a distâncias de 100 e 1000m, quando está a ser bombado um caudal de 50 m3/h. Não há recarga. Exercício 14) Considere um poço completo num aquífero freático sujeito a recarga (constante). Num piezómetro a 100m do poço regista-se um nível freático de 22.30m (acima da base do aquífero). Supondo que rp=0.2m, Q0=90m3/h, K=25m/d, recarga R=170mm/ano, determine: a) qual o nível atingido pela água no poço; b) qual a distância do divisor da água subterrânea; c) qual o nível da superfície freática no divisor da água. Solução: a) 18.07m; b) 1215m; c) 23.50m. Água Subterrânea 7-44 Manual de Hidrologia 7.7 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS SEMI-CONFINADOS 7.7.1 Equações gerais Considere-se um aquífero semi-confinado que se encontra entre duas camadas semi- permeáveis (aquitardos).
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