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Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes UNIDADE V – Da conduta Sumário Conduta: características, elementos (psíquico, mecânico). Teorias da Conduta: teoria causal da ação (Liszt-Beling), teoria social da ação (Jeschek – Wessels), teoria final da ação (Welzel). Formas de conduta: ação, omissão (crimes omissivos próprios, crimes omissivos impróprios). Do resultado: natural (crimes materiais, crimes formais e crimes de mera conduta), normativo. Ausência de conduta: nos movimentos reflexos, coação, estados de inconsciência. Relação de causalidade: teoria da equivalência dos antecedentes causais (conditio sine qua non) Superveniência causal: causas absolutamente independente (preexistente à ação do agente, concomitante à ação do agente, superveniente à ação do agente); Causas relativamente independente( preexistente à ação do agente, concomitante à ação do agente, superveniente à ação do agente) CONDUTA CARACTERÍSTICAS refere-se apenas a comportamentos humanos; somente é conduta aquela ação ou omissão que é exteriorizada, o Direito Penal não se preocupa com as atividades meramente psíquicas – Princípio da Lesividade; só tem importância para o Direito Penal a conduta voluntária. ELEMENTOS 1- psíquico: ato de vontade dirigido a uma finalidade, onde ocorre a formação da vontade do agente, o seu objetivo; 2- mecânico: atuação positiva ou negativa dessa vontade no mundo exterior, que através dos impulsos nervosos determinam o movimento corporal. O resultado não faz parte da conduta, pois é conseqüência dela. O ato também não se confunde com a conduta, pois ele é um momento dela. Ex.: A mata B com várias facadas. Há uma única conduta, porém com vários atos. TEORIAS DA CONDUTA TEORIA CAUSAL DA AÇÃO Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Elaborada por Liszt/Beling – final do século XIX. Conduta é um comportamento humano voluntário causador de modificação no mundo exterior. Consiste em um fazer. Ela incorpora as leis da natureza ao direito, dizendo que a conduta é um fator de causalidade. A conduta seria a pura realização da modificação do mundo exterior, pouco importando se o resultado foi alcançado intencionalmente e se há uma valoração jurídica. Esta teoria se fundamenta nas leis da natureza. Os causalistas não se importam, ao examinar a conduta, com o conteúdo da vontade do agente, interessa ter o sujeito atuando voluntariamente. Os elementos do conceito de ação são a manifestação da vontade, o resultado e a relação de causalidade. O conteúdo da vontade (culpa e dolo), que é causa da conduta, pertence a culpabilidade, e se não ocorrer resultado, não há conduta. O conceito causal de ação é inaplicável à omissão, pois falta uma relação de causalidade entre a não realização de um movimento corporal e o resultado. Nāo há diferença entre o crime culposo e doloso, pois matar alguém por dolo ou por culpa, o resultado é o mesmo, qual seja, a morte. TEORIA SOCIAL DA AÇÃO Elaborada por Jeschek/Wessels – 1930. A conduta é a realização de um resultado socialmente relevante. O problema está em conceituar o que seria esse resultado relevante, restando uma conceituação muito abstrato e sem aplicação prática. Culpa e dolo pertencem a culpabilidade. TEORIA FINAL DA AÇÃO Elaborada por Welzel – 1935. A ação é um comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer, onde a vontade do agente tem que ser observada. Foi a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro. Ex.: no homicídio há uma série de condutas humanas tendentes a um fim, que é a morte. Compra da arma, escolha do local, pontaria e disparo. Para existir um resultado deve existir uma conduta predeterminada, pensada, finalisticamente dirigida a um fim, o que não era preciso para a teoria causal, que é uma simples causa e efeito. A realização da conduta inclui a escolha do fim, seleção dos meios e aceitação dos efeitos secundários. Explica inclusive delitos culposos, quando alguém atropela, por imprimir velocidade excessiva, inicialmente finalidade era lícita, chegar em determinado lugar, os meios para se chegar são inadequados e deram causa ao evento lesivo. A culpa (inobservância das diligências necessárias) e o dolo estão na conduta, ou seja, no fato típico, querer do agente, elementos subjetivos do tipo. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Welzel diz que a finalidade é “vidente” e a causalidade é “cega”. Ex.:Caçador atira em homem supondo tratar de um animal. Teoria Causal: comportamento humano e resultado. Teoria Final: vontade do agente. FORMAS DA CONDUTA 1- ação – é um movimento corpóreo tendente a uma finalidade. 2- Omissão – é a abstenção de uma atividade que era imposta pela lei. Quando o agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é juridicamente ordenado. A conduta omissiva gera duas formas de crime: 1- Omissivos próprios: simples conduta negativa, que não necessita de qualquer resultado, uma simples abstenção. Qualquer pessoa não cumpre o dever de agir implícito na norma. Ex.: art. 135 do CP. 2- Omissivos impróprios ou comissivos por omissão: estão previstos no art. 13, § 2º do CP, são aqueles que, para sua caracterização, exigem uma omissão inicial e a ocorrência de um resultado naturalístico. Nestes crimes o agente tem a obrigação de agir para evitar um resultado, pois ele tem a função de garantidor. A pena aplicada a estes crimes e a mesma dos crimes comissivos. Ex.: mãe deixa de amamentar seu filho (omissão) e este vem a falecer por inanição (resultado). Qual crime a mãe cometeu? DO RESULTADO É a modificação do mundo exterior provocada pela conduta do agente. O resultado pode ser: natural ou normativo Há resultado natural quando ocorre uma modificação no mundo físico produzida por uma conduta humana voluntária e finalisticamente dirigida, ou ainda, socialmente relevante. Para seus adeptos, existe crime sem resultado. Conforme a classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico a situação é: 1- Crimes materiais: são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, e exige a ocorrência deste para que o crime seja consumado. Ação e resultado são cronologicamente distintos. Ex.: homicídio, furto. A não ocorrência do resultado pretendido caracteriza a tentativa. 2- Crimes formais: são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito. O resultado não precisa verificar para ocorrer a consumação. Ex.: o art. 159 do Código Penal descreve o crime de extorsão mediante seqüestro: sequestrar pessoa (ação) com o fim de obter qualquer vantagem como condição ou preço do resgate (resultado). O crime, por ser formal, consuma-se no exato momento em que a vítima é Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes seqüestrada. A obtenção do resgate é irrelevante para o fim da consumação, sendo, portanto, mero exaurimento. 3- Crimes de mera conduta: são aqueles em relação aos quais a lei descreve apenas uma conduta e, portanto, consumam-se no exato momento em que esta é praticada, não há a exigência de um resultado naturalístico. Ex.: violação de domicílio (art. 150 do CP) Há resultado normativo quando ocorre lesão ou perigo de lesão a um bem penalmente protegido. Para esta teoria não há crime sem resultado, porquanto toda norma penal incriminadora possui um bem jurídico protegido. Consoante a maioria da doutrina, o Código Penal acolheu a teoria do resultado normativo, pois de acordo com o disposto no artigo 13 do diploma legal em questão, para o crime existir deve haver resultado. Infere-se tal entendimento da locução:”o resultado do que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe der causa.” Se para o crime existir depende de resultado, a falta do resultado implica ausência de crime.AUSÊNCIA DE CONDUTA Quando não houver vontade dirigida a uma finalidade qualquer, não se pode falar em conduta. Inexiste conduta: - nos movimentos reflexos, que é uma reação automática, não há um querer. Ex.: ao tomar um choque vira a mão e lesiona um terceiro. - Coação: 1- coação física (vis absoluta) – sujeito pratica ação por causa de uma força corporal exercida sobre ele, logo não há conduta. A ação é excluída. Ex.: marido briga com a mulher a empurra, esta cai em cima da filha e provoca lesões na coluna, mãe não responde pelas lesões, eis que foi apenas um instrumento. O Código Penal reconhece e pune a figura do autor mediato, art. 22. 2- Coação moral (vis compulsiva) - existe a conduta e consequentemente o fato típico, mas não há culpabilidade, pois não há um juízo de reprovação, logo a culpabilidade é excluída. - Estados de inconsciência: consciência é o resultado da atividade das funções mentais, quando as funções mentais não funcionam adequadamente se diz que há estado de inconsciência, que é incompatível com a vontade, e sem vontade não há ação. Ex.: sonambulismo, hipnose. Estes atos não são orientados pela vontade, consequentemente não podem ser considerados ações penalmente relevantes. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE (art. 13, CP) Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes A relação de causalidade existe apenas nos crimes materiais, onde há resultado naturalístico. A relação de causalidade é o elo necessário entre a conduta praticada pelo agente e o resultado por ele praticado, se inexistir este elo, inexiste relação de causalidade, e o resultado não poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele o causador do resultado. Logo, relação de causalidade é o vínculo entre a conduta do agente e o resultado naturalístico por ele produzido. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS (conditio sine qua non). Adotada no art. 13, caput, 2ª parte do Código Penal, “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Isso significa que todos os fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis à sua ocorrência. Para se saber se uma ação ou omissão é causa de um resultado, utiliza-se o procedimento hipotético de Thyrén, que consiste em suprimir mentalmente uma conduta. Se o resultado continuar acontecendo, a conclusão é de que tal conduta não é causa do resultado. Se, ao contrário, o resultado não ocorrer, como ocorreu, a conclusão é que a conduta é causa desse resultado. Ex.: A está dependurado em um galho de árvore prestes a cair em um despenhadeiro, enquanto B corta o galho. Este responderá pela sua conduta, pois sem ela o evento não ocorreria como ocorreu, no momento que ocorreu. O agente não deve interferir na cadeia causal, sob pena de responder pelo resultado, mesmo que este, sem a sua colaboração, fosse considerado inevitável. Esta teoria é criticada por muitos autores, pois ela permitiria um regresso ao infinito, fazendo com que em um crime de homicídio até o fabricante da arma respondesse por ele. SUPERVENIÊNCIA CAUSAL Quando junto à conduta do agente ocorrem outras condições ou circunstâncias que interferem no processo causal, que podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes, absoluta ou relativamente independente do comportamento do agente. CAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE São aquelas que teriam acontecido, vindo a produzirem o resultado, mesmo se não tivesse havido qualquer conduta por parte do agente. 1- preexistente à ação do agente – ocorre quando a conduta do agente é praticada após a ocorrência da causa que gera o resultado. Ex.: A, desejando Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes matar B, dispara tiros contra este, que vem a falecer, não em virtude dos ferimentos, mas porque ingerira veneno antes. A, responde por tentativa de homicídio. 2- Concomitante à ação do agente – ocorre quando a conduta do agente se dá no exato instante da manifestação da causa geradora do evento em nada influenciando no resultado. Ex.: A lesiona B, desejando matá-lo, no exato instante em que esse sofre um aneurisma cerebral, causador de sua morte. A responde por tentativa de homicídio. 3- Superveniente à ação do agente – ocorre quando à ação do agente sobrevem outra causa, que é a provocadora do resultado havido, inexistindo relação entre a conduta do agente e a causa subseqüente. A, desejando matar B, põe veneno em sua água, que vem a falecer em virtude de um desmoronamento em sua residência. A responde por tentativa de homicídio. CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTE Diz-se relativamente independente a causa que somente tem a possibilidade de produzir o resultado se for conjugada com a conduta do agente. A ausência da causa relativamente independente ou da conduta do agente faz com que o resultado seja modificado. 1- preexistente à ação do agente – ocorre quando o resultado havido, gerado por uma causa anterior à conduta do agente, possui relação de dependência com a citada ação. Ex.: A, desejando matar B, sabendo que este é hemofílico, dispara tiros, B, hemofílico, sofre uma hemorragia, e vem a falecer. A hemofilia já existia antes do fato delituoso ocorrer, mas somente se exteriorizou em função das lesões provocadas por A. Sem a conduta de A o resultado não teria ocorrido como ocorreu. Assim, estabelecido o nexo causal, responde o sujeito pelo delito de homicídio. 2- Concomitante à ação do agente – ocorre quando o resultado é gerado por uma causa que se manifesta simultaneamente com a ação do agente, guardando vínculo de dependência com esta. Ex.: A, desejando matar B, dispara tiros contra este, que neste momento sofre um ataque cardíaco provocado pelo impacto dos disparos, vindo a falecer. Excluída a conduta de A, o resultado não teria ocorrido como ocorreu. Logo, A responde por homicídio. 3- Superveniente à ação do agente – ocorre quando o resultado é causado por uma causa subseqüente à conduta do agente, guardando relação de dependência com essa. Há, nesta matéria, particular disposição contida no artigo 13, § 1º, do Código Penal, pela qual “ a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado, os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.” Após a conduta do agente, pode ocorrer outra causa que venha a interpor-se no curso do processo causal instalado e em andamento, alterando seu rumo e levando à produção do resultado por sua própria eficiência. Logo, o nexo causal é rompido e o réu não responde pelo resultado, mas somente pelos atos até então praticados. Nessa hipótese, após a conduta do agente, ocorre uma causa relativamente independente que, por si só, produz Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes o resultado. Ex.: Vítima toma um tiro na barriga e é levada de ambulância para o hospital, vindo a falecer face a ferimentos provocados por uma colisão da ambulância. Não é natural que quem recebe disparo de arma de fogo morra face a ferimentos de uma colisão. Assim, como a causa da morte foi o acidente, a pessoa que efetuou os disparos não responde por homicídio consumado, mas por tentativa de homicídio. A causa é relativamente independente porque, não fosse o disparo, a vítima não estaria na ambulância e não teria se ferido mortalmente no acidente automobilístico. Essa nova causa, que se interpôs, que interrompeu e modificou o processo causal iniciado com a conduta do agente, é uma causa superveniente relativamente independente que, por si só, produziu o resultado. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes UNIDADE VI – Do Tipo e da Tipicidade Sumário Tipo penal. Tipicidade: formal ou legal, material. Evolução da teoria do tipo. Funções do tipo penal: garantia, indiciária. Elementos do tipo: objetivos, normativos, subjetivos. Adequação típica: de sobordinação imediata ou direta, de subordinação mediata ou indireta. Espécies de tipo: básico, derivado (qualificado, privilegiado), normal, anormal, fechado, aberto. Tipo doloso. Elementos componentes do dolo: consciência e vontade. Teorias acerca do dolo: teoria da vontade, teoria do assentimento ou consentimento, teoria da representação. Espécies de dolo: dolo direto, dolo indireto (dolo alternativo e dolo eventual), dolo genérico, dolo específico, dolo geral ou erro sucessivo. Tipo culposo. Elementos do fato típico culposo: conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; inobservância de um dever objetivo de cuidado; resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente; nexo de causalidade entre a conduta e o resultado involuntário; previsibilidade objetiva; tipicidade. Previsibilidade objetiva. Previsibilidade subjetiva. Modalidades de culpa: imprudência, negligência e imperícia. Espécies de culpa: culpa inconsciente, culpa consciente, culpa própria e culpa imprópria, por extensão, assimilação ou equiparação. Diferença entre culpa consciente e dolo eventual. Compensação e concorrência de culpa. Graus de culpa. Crimes qualificados pelo resultado. Erro de tipo Formas de erro de tipo: 1- essencial: erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável); erro de tipo vencível (inescusável, injustificável, evitável). 2- acidental: erro sobre a pessoa; erro sobre o objeto; erro na execução ou aberratio ictus; resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis Tipo penal: é um modelo abstrato que descreve com precisão um comportamento humano proibido. Ex.: tipo de furto, art. 155 do CP; tipo de estupro, art. 213 do CP. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes TIPICIDADE 1- Tipicidade formal ou legal: adequação perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, ou seja, um tipo penal. Se a adequação não for perfeita, mas somente parecida, não se pode falar em tipicidade. 2- Tipicidade material: finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens mais importantes existentes na sociedade. O legislador, quando da elaboração dos tipos penais incriminadores, não pode descer a detalhes, cabendo ao intérprete delimitar o âmbito de sua abrangência. Ex.: motorista que provoca um arranhão de meio centímetro em um pedestre. Tipicidade formal está verificada, mas embora a integridade física seja importante, protegida pelo direito, nem toda e qualquer lesão estará abrangida pelo Direito Penal. Somente aquelas que gozem de certa importância estarão previstas no tipo, a tipicidade material exclui do tipo penal aqueles fatos reconhecidos como de bagatela. A tipicidade material afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal. Lembrar o que foi dito acima acerca do princípio da insignificância. EVOLUÇÃO DA TEORIA DO TIPO Tipo advém do alemão tatbestand, que inicialmente compreendia a ilicitude e culpabilidade, logo continha toda estrutura analítica do crime. Em 1906, Beling tornou a tipicidade independente da ilicitude e culpabilidade, com uma função meramente descritiva, definir delitos, sem qualquer valoração, caráter objetivo. Em 1915, Mayer, sustenta que a tipicidade não tem simplesmente uma função descritiva, mas constitui indício da ilicitude (ratio cognoscendi). Mayer mantém a independência entre tipicidade e ilicitude, mas admite que o fato de uma conduta ser típica já representa um indício de sua ilicitude, que só não será ilícita se ficar configurada uma causa de justificação. Em 1931, Mezger inclui a tipicidade na ilicitude, de forma que para ele crime é a “ação tipicamente ilícita e culpável”, sendo que as causas justificantes excluem a ilicitude e também a culpabilidade. Para Mezger a tipicidade é muito mais que indício da ilicitude, é a sua própria essência (ratio essendi). É o chamado tipo total de injusto, em que se aferem os elementos negativos do tipo. FUNÇÕES DO TIPO PENAL Função de garantia: o agente somente poderá ser penalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas, princípio da reserva legal, limita o poder arbitrário do Estado, que somente pode punir se um tipo penal for violado. É lícito fazer tudo o que não é proibido pela norma penal. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Função indiciária: o tipo indica que a conduta por ele definida é proibida, ilícita, contrária ao ordenamento jurídico. Os tipos são portadores da ilicitude, trazendo-a em seu interior. A função indiciária do tipo fica fortemente enfraquecida nos crimes culposos, em que o tipo é aberto, não contendo a descrição completa da conduta ilícita, devendo ser complementada pelo Juiz. ELEMENTOS DO TIPO Objetivos: são aqueles perceptíveis pelos sentidos, independentemente de qualquer valoração, referem-se a objetos, seres, animais, coisas ou atos perceptíveis pelos sentidos. Ex.: núcleo do tipo (= ação material); alguém, representando o sujeito passivo (arts. 121, 130, 146, 147 do CP); coisa, significando o objeto do crime (arts. 155, 157, 163, 165, 169 do CP); outros: por meio de relações sexuais (art. 130 do CP) Normativos: são aqueles que exigem um juízo de valor para o seu conhecimento. Podem ser de valoração jurídica, referentes aos conceitos jurídicos como cheque, documento, funcionário público (art.s 312, 331, 333 do CP) casamento; ou de valoração extrajurídica, concernentes a juízos de valor fundados na experiência, na sociedade ou na cultura, como ato obsceno, mulher honesta ( art. 219 do CP), dignidade, decoro (art. 140 do CP), saude mental, epidemia, moléstia contagiosa, indevidamente (arts. 162, 317, 319 do CP), sem justa causa ( arts. 153, 154, 244, 246 do CP) Subjetivos: são todos os requisitos de caráter subjetivo, que integram o íntimo do agente, presentes no tipo, distinto do dolo, que o tipo exige, além deste, para a sua realização. Normalmente, designam uma especial finalidade de agir. Ex.: para si ou para outrem, no furto (art. 155 do CP); para praticar ato libidinoso, no rapto ( art. 219 do CP); para ocultar desonra própria, no abandono de recém nascido (art. 134 do CP); com o fim de obter resgate ( art. 159 do CP). ADEQUAÇÃO TÍPICA Há adequação típica quando a conduta do agente se amolda perfeitamente a um tipo legal de crime. Espécies: 1. Adequação típica de subordinação imediata ou direta: quando houver uma perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador. Ex.: Se A mata B, sua conduta se amolda perfeitamente no tipo previsto no art. 121 do Código Penal. 2. Adequação típica de subordinação mediata ou indireta: ocorre quando o agente atua com vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, mas seu comportamento não consegue adequar-se diretamente a essa figura típica. Ex.: A, querendo matar B, atira contra este e erra o alvo, esta conduta não se amolda imediatamente àquela descrita no art. 121 do Código Penal, que exige o resultado morte da vítima. Assim para falarmos em tipicidade temos que nos valer das Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes chamadas normas de extensão, que têm por finalidade ampliar o tipo penal, a fim de nele abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. No caso do exemplo temos que aplicar a regra atinente a tentativa (art. 14,II, do Código Penal) para se punir a conduta de A. Caso não houvesse a referida norma de extensão a conduta de A seria um indiferente penal. A tentativa de contravenção não é punida, art. 4º da LCP. A norma contida no art. 29 do Código Penal também é considerada norma de extensão, uma vez que para falar-se em concurso de pessoas, salvo os tipos penais que já possuem a figura do concurso de pessoas dentro deles (Ex: art. 155, parágrafo 4o,IV; art. 288, CP), é necessária a aplicação de tal norma. ESPÉCIES DE TIPO 1- Tipo básico ou fundamental: é aquele que descreve apenas um fato punível, constituindo-se na mais simples figura típica de um crime. Ex.: caput do artigo 121, do CP. 2- Tipo derivado: divide-se em: qualificado e privilegiado. 2.1- Qualificado: aquele que resulta do tipo básico em virtude da adição, à figura típica simples, de uma circunstância que a torna mais grave. Ex.: o tipo qualificado de homicídio (art. 121 § 2º), que provoca o aumento dos limites mínimos e máximos, da pena cominada ao homicídio simples. 2.2- Privilegiado: aquele que deriva do tipo básico em função da adição, à figura típica simples, de circunstância que a torna mais branda. Ex.: o homicídio básico, por meio de uma função incidente sobre a sanção referida. 3- Tipos normais: são os que contêm tão-somente uma descrição objetiva, sem referência a outros elementos – normativos ou subjetivos do tipo. Exs.: artigos 121 e 129 do CP. 4- Tipos anormais: são os que compreendem os elementos objetivos e normativos e/ou subjetivos. Exs.: artigos 135, 155, 180, 219, 242, todos do CP. 5- Tipos fechados: são aqueles que descrevem completamente o modelo de conduta proibida pela lei penal. Ex.: artigo121 do CP. 6- Tipos abertos: são aqueles nos quais não há descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta. Nesses casos, faz-se necessária a sua complementação pelo intérprete. É o que ocorre, com os delitos culposos. O artigo que prevê o delito culposo não se satisfaz por ele próprio, não há possibilidade de compreendê-lo fazendo-se, pura e simplesmente, a sua leitura, há necessidade de ser preenchido pelo intérprete. Ex.: No art.121, § 3º, o legislador, ao cuidar do crime de homicídio, fez previsão da modalidade culposa, dizendo: “Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes de um a três anos“. Aqui, para chegarmos à conclusão se a conduta do agente foi culposa ou não, é preciso detectarmos em qual modalidade ela se deu, ou seja, se a morte da vítima foi decorrente da conduta imprudente, imperita ou mesmo negligente do agente, em face da inobservância do seu dever de cuidado, ou se o resultado tinha condições de ingressar na esfera de previsibilidade do agente. TIPO DOLOSO Nos termos do art. 18 do Código Penal: “Diz-se o crime: I- doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” Dolo é a vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Há tipo doloso quando o sujeito pratica determinada conduta desejando obter o resultado representado ou admitindo alcança-lo. ELEMENTOS COMPONENTES DO DOLO O dolo é formado por um elemento intelectual (consciência) e um elemento volitivo (vontade). 1- Consciência é a situação fática em que se encontra o agente, este deve ter consciência, ou seja, deve saber exatamente aquilo que faz, para que se possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo. 2- Vontade é o querer, se há coação, não há vontade. Ex.: se A pressionado por B, a colocar o dedo no gatilho de uma arma, que é disparada é mata C, A não atua com vontade, não houve conduta, face a coação física exercida sobre ele. Assim, faltando consciência ou vontade, fica descaracterizado o crime doloso. A princípio todo crime é doloso, só há possibilidade de punição pela prática de conduta culposa se a lei assim prever expressamente. O dolo é a regra, a culpa a exceção. TEORIAS ACERCA DO DOLO Podemos destacar três teorias a respeito do dolo. a) Teoria da vontade: por ela, há dolo quando o agente representa e quer praticar a ação e produzir o resultado. O agente imagina a ação e resultado, e pratica a ação querendo produzir o resultado. O dolo é a representação (consciência) mais a vontade, o “querer” finalístico. b) Teoria do assentimento ou consentimento: por ela, há dolo quando o sujeito, ao praticar a conduta lesiva, representa o resultado e o admite, Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes aceita, tolera. O agente consente no ocorrência do resultado lesivo, que por ele é previsto quando da prática da conduta. c) Teoria da representação: para tal doutrina basta, para a existência do dolo, que o resultado seja representado mentalmente pelo agente, que prevê ocorrência dele. Como visto, os adeptos da representação exigem apenas que o agente represente o resultado lesivo. O Código Penal adotou as teorias da vontade e do assentimento, logo, age dolosamente aquele que, diretamente, quer a produção do resultado, bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assume o risco de produzi-lo. Assim sendo, a simples representação mental do resultado não poderá fazer com que o agente seja responsabilizado dolosamente. ESPÉCIES DE DOLO 1) Dolo direto – ocorre quando o agente quer o (aquele) resultado (um resultado específico). Ex.: A querendo matar B, saca de seu revólver e o dispara contra B, vindo a matá-lo, a conduta de A foi direta e finalisticamente dirigida a causar a morte de B. No dolo direto, o agente quer praticar a conduta descrita no tipo, por isso é chamado de dolo por excelência. 1.1) Dolo direto de 1o grau- é quando o fim precípuo querido pelo agente ocorre, como o caso daquele que aponta uma arma de fogo para a cabeça de alguém e dispara. Fica claro que o agente queria executar o crime de homicídio. 1.2) Dolo direto de 2o grau- são os efeitos colaterais necessários advindos da conduta do agente. Ex: Um terrorista quer matar o Presidente da República, mas para tanto tem que colocar uma bomba no avião em que o seu alvo encontra-se. Ao detonar a bomba, mata o Presidente e todos os demais tripulantes. As mortes dos tripulantes não foram diretamente queridas pelo agente, mas se trata de um efeito necessário de sua conduta, que era impossível de não ocorrer. 2) Dolo Indireto – Divide-se em: 2.1) Alternativo – ocorre quando o agente quer um ou outro resultado, seja em relação ao resultado ou à pessoa. Ex.: A dispara tiros em B, querendo matá-lo ou ferí-lo; A dispara tiros contra B e C, querendo matar uma ou outra. Obs.: o dolo alternativo não é hipótese de dolo indireto, mas sim de dolo direto, porque o agente quer um resultado diretamente ou outro resultado diretamente. Não há nada de indireto no querer do agente. O querer se liga de forma direta a dois resultados, que podem ocorrer alternativamente. O dolo alternativo seria, então, uma hipótese de dolo direto. A doutrina, Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes entretanto, classifica-se o como dolo indireto, apenas porque o agente não quer um só resultado. 2.2) Eventual – ocorre quando o agente prevê o resultado mas não deseja alcançá-lo. Contudo, quando da prática da conduta o admite, tolera, aceita que ele ocorra, assumindo o risco de produzi-lo. O agente tem desprezo pelo resultado. 3) Dolo genérico – ocorre quando a vontade do agente é de realizar apenas a conduta tipificada na norma incriminadora, a vontade do agente não vai além do fato material. Ex.: art. 121, caput, do Código Penal, o agente quer apenas matar a vítima, não matá-la objetivando algo. 4) Dolo específico – ocorre quando a vontade do agente é de praticar um fato e produzir um fim especial, a vontade do agente vai além do fato material. Ex.: art. 134 do Código Penal “expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria.” Fim especial. 5) Dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae – quando o autor acredita haver consumado o delito quando na realidade o resultado somente se produz por uma ação posterior, com a qual buscava encobrir o fato. Ex.: A desejando matar B, pratica a conduta tendente a mata-lo, B cai inerte, A, acreditando que o matou, deseja ocultar o cadáver e joga-o no rio; B, que não estava morto, morre afogado. TIPO CULPOSO Nos termos do incisoII do art. 18 do Código Penal: “Diz-se o crime: II- culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Em regra, a punição se dá a título doloso. Excepcionalmente, segundo o art. 18, § único do Código Penal, os crimes são punidos a título de culpa. Culpa é a ação ou omissão praticada sem o cuidado objetivo necessário. É a inobservância do cuidado objetivo necessário no atuar. Crime culposo é a conduta humana voluntária que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção ser evitado. ELEMENTOS DO FATO TÍPICO CULPOSO Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes 1º) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva – dirigida em geral a um fim lícito, porém os meios escolhidos e empregados pelo agente para atingir a finalidade, são inadequados. Na conduta dolosa a finalidade é sempre ilícita. 2º) inobservância de um dever objetivo de cuidado – é manifestada através da imprudência, imperícia e negligência. 3º) resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente; 4º) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado involuntário; 5º) previsibilidade objetiva; 6º) tipicidade – os crimes culposos são normalmente tipos abertos, ou seja, precisam de complementação. PREVISIBILIDADE OBJETIVA A verificação da atuação com ou sem cautela é feita através do exame da previsibilidade objetiva, que é a previsão do resultado que teria ou não o homem de mediana prudência e mediano discernimento, se estivesse no lugar do agente no momento da prática da conduta ensejadora do fato lesivo (isto em se tratando de culpa inconsciente – aquela onde o agente não prevê o resultado que seria previsível para o homem médio – “imprevisão do previsível”). Sabe-se se uma pessoa atuou ou não com o cuidado objetivo necessário se, naquelas circunstâncias, naquele mesmo local, daquela mesma maneira, o homem médio tivesse atuado de forma semelhante. Caso contrário, o agente não poderia ter atuado como atuou, motivo pelo qual agiu sem o cuidado objetivo que lhe era exigido. A previsibilidade objetiva é a possibilidade de ser antevisto o resultado, nas condições em que o agente se encontrava. A previsibilidade objetiva atua no campo da tipicidade do crime culposo, configurando o tipo culposo. Ex.: art. 121, § 3º do Código Penal - homicídio culposo. José, dirigindo o seu veículo, a 80 hm/h, na Av. Afonso Pena perdeu a direção do carro e atingiu 3 pessoas que se encontravam próximas ao passeio, e iam atravessar a rua. Esse fato não se adequa imediatamente ao § 3º, do art. 121 do Código Penal. Há necessidade do exame, primeiramente, da observância ou não do cuidado exigido (previsibilidade objetiva). O homem médio teria previsão do resultado ocorrido se atuasse daquela maneira. Desta forma, o agente deveria ter atuado de maneira diferente, ele não observou o cuidado que lhe era exigido naquele momento. Então, o fato é típico, subsume-se ao art. 121, § 3º, do Código Penal. O juízo de reprovação, no crime culposo, também é efeito em face da culpabilidade, com os mesmos elementos desta no crime doloso: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa, potencial consciência da ilicitude. Contudo, a potencial consciência da ilicitude exigirá, no crime culposo, a análise da previsibilidade subjetiva. PREVISIBILIDADE SUBJETIVA Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Previsibilidade subjetiva é a possibilidade de previsão do resultado do ponto de vista do agente, consoante suas aptidões e características pessoais, quando do momento da prática da conduta. Ela pressupõe um exame do próprio agente, ou seja, se ele teria condições de prever o resultado que, como visto, era previsível para o homem médio. Ex.: João, mineiro do interior, em visita ao Rio de Janeiro, e já alertado sobre a violência da cidade grande, arrastões, etc., foi em uma praia onde é muito comum a prática de vôo livre. Ao perceber um grupo de quatro homens em sua direção assustou-se, sacou o revólver e deu um tiro para o alto. Acertou um esportista que voava de asa- delta sobre a praia. João nunca tinha ouvido falar da existência do esporte no local. Na análise da previsibilidade objetiva, toma-se o homem médio do local onde ocorreu o fato, ou seja, do Rio de Janeiro. Através deste exame tem-se que o fato é típico. Na análise da culpabilidade, através da previsibilidade subjetiva, tem-se que o agente não poderia prever o resultado, razão porque será isentado de pena. Importante lembrar que tal análise é feita na culpabilidade, e não no fato típico, como é o caso da previsibilidade objetiva. MODALIDADES DE CULPA 1- Imprudência: é a prática de um fato perigoso. Uma conduta positiva arriscada, sem cautela. Ex.: dirigir um automóvel em alta velocidade em local não permitido , manejar ou limpar arma perto de pessoas. 2- Negligência: é a ausência de precaução, ou indiferença com relação ao ato que deveria ser praticado. É a falta de atuar, onde a atuação seria devida, é a inércia psíquica. Ex.: pai que, vendo uma arma municiada num determinado local ao alcance de sue filho, não a retira daquele local; viajar sem, anteriormente, fazer a revisão do automóvel. 3- Imperícia: é falta de aptidão para o exercício de arte, profissão ou ofício. A imperícia pressupõe que o fato tenha sido praticado por pessoa presumivelmente perita e no exercício do seu mister. A imperícia, para os doutrinadores, não se confundem com o erro profissional. Neste não há lesão por falta de aptidão, mas por equivoco no exercício da atividade. Naquela há efetiva e comprovada ausência de capacidade para o exercício correto da profissão, arte ou ofício. ESPÉCIES DE CULPA Culpa inconsciente: o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível para o homem médio. É a culpa sem previsão. Culpa consciente: o resultado é previsto pelo sujeito, que confia levianamente na sua não ocorrência, logo há previsão do resultado. É a culpa com previsão. Ex.: A, exímio caçador, vai caçar em local onde crianças brincam, ao atirar na caça sabe que pode atingir uma criança, mas confia em sua pontaria, e acha que não vai atingir nenhuma criança. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Culpa própria: é aquela em que a conduta praticada sem o cuidado objetivo necessário gera um resultado involuntário. É a culpa propriamente dita. Culpa imprópria, por extensão, assimilação ou equiparação: é uma hipótese de fato doloso punível a título culposo, daí a razão pela qual a denominação da culpa é imprópria. Neste tipo de culpa o resultado é previsto e querido pelo agente, que labora em erro de tipo inescusável ou vencível. Está prevista no § 1º do art. 20 do Código Penal, que diz: “é isento de pena o agente que, por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.” Ex.: A, vítima de sucessivos furtos em sua residência, um dia fica de tocaia, à espera do bandido. Ao ver um vulto passar em frente sua residência, supõe, por imprudência e negligencia, ser o bandido e atira contra ele, matando-o. O resultado foi previsto e pretendido, porém A realizou a conduta por erro de tipo, uma vez que as circunstâncias indicavam que o vulto era o ladrão. Mas o erro de tipo neste caso era inescusável ou vencível, pois se A fosse mais prudente e menos negligente, teria percebido que o vulto não era do ladrão, mas terceiro inocente. Há, então, crime culposo, face o disposto no § 1º , 2ª parte, do art. 20 do Código Penal. Há culpa no antecedente e dolo no conseqüente, ou seja, na intenção há culpa e no resultado há dolo, pois era previstoe querido. Não confundir com o crime preterdoloso, em que há dolo na conduta e culpa no resultado. DIFERENÇA ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência, o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. No dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo, não importando, portanto, aceita o resultado. Atualmente a jurisprudência assim define delitos de trânsito: embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual. (era a regra). Todavia, não é essa mais a posição que deve ser adotada para fins de prova em concursos públicos e OAB, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu que tal fórmula não pode mais ser a regra, devendo ser analisado o caso concreto. Ver HC 107801/SP. Neste acórdão, o Tribunal Excelso entendeu que a regra é a embriaguez ao volante com resultado morte ser tratada como homicídio culposo. Culpabilidade é a reprovabilidade, quanto mais censurável for a conduta do agente, maior será a pena, dentro do delito culposo. Havendo dúvida, se dolo eventual ou culpa consciente, aplica-se esta face ao in dubio pro reo. COMPENSAÇÃO E CONCORRÊNCIA DE CULPA Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Não existe compensação de culpas em Direito Penal. Assim se duas pessoas agem com imprudência, uma dando causa a lesões na outra, ambas respondem pelo crime, ou seja, uma conduta culposa não anula a outra. É possível a existência de concorrência de culpas no Direito Penal, quando duas ou mais pessoas agem de forma culposa dando causa ao resultado, hipótese em que todas respondem pelo crime culposo. Ex.: A dirige na contramão e B em excesso de velocidade, dando causa a uma colisão, da qual resulta a morte de C, A e B respondem pelo crime. GRAUS DE CULPA Os graus são dados de acordo com a maior ou menor possibilidade de previsão do resultado, distingue-se em leve, levíssima, grave e gravíssima. Hoje não há mais essa gradação, pois de acordo com a teoria finalista a culpa constitui elemento do tipo. Só servirá para o Juiz fixar a pena base, face as circunstâncias do crime, art. 59 do Código Penal. CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO Nos crimes preterdolosos ou preterintencionais, há culpa no conseqüente e dolo no antecedente. Não há dois crimes. Existe um único crime que será apenado mais gravemente em virtude do resultado agravador. O agente quer uma coisa, mas acaba conseguindo algo mais, há um delito base pretendido, desejado e um resultado não pretendido, não desejado. Ex.: lesão corporal seguida de morte, art. 129, § 3º, do Código Penal, o sujeito responde pela lesão corporal a título de dolo e pela morte a título de culpa. ERRO DE TIPO (Art. 20 do CP) Erro é a ideia falsa em lugar da verdadeira, a falsa apreciação da realidade. Ignorância é a falta de conhecimento sobre qualquer assunto. O erro que vicia a vontade, isto é, aquele que causa uma falsa percepção da realidade, tanto pode incidir sobre os elementos estruturais do delito, erro de tipo, quanto sobre a ilicitude da ação/omissão, erro de proibição. Erro de tipo é aquele que faz com que o agente, no caso concreto, imagine não estar presente uma elementar ou uma circunstância componente da figura típica. Para que haja dolo é necessário que o agente queira realizar todos os elementos constitutivos do tipo. Assim, como conseqüência do erro de tipo, temos a exclusão do dolo. Excluído o dolo estará também excluída a conduta e, consequentemente, o fato típico. Por exemplo: há erro de tipo quando o agente atira em ser humano, matando-o, supondo tratar-se de animal. O tipo objetivo do homicídio se configura, mas no tipo subjetivo não se caracteriza, pois o sujeito ativo quis matar um animal, e não “alguém”. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes Neste caso não podemos falar em dolo, mas poderá o agente, nos termos da segunda parte do art. 20 do Código Penal, ser responsabilizado a título de culpa, se houver previsão legal para tanto. Também há erro de tipo quando o agente casa com pessoa já casada, sem conhecer a existência do casamento anterior, ela não responde pelo crime, por não ter agido com dolo, uma vez que desconhecia o fato de já ser casada a outra pessoa. Alguém recebe um veículo idêntico ao seu das mãos de manobrista e o leva embora. Não comete crime de furto, pois imaginou que o veículo era seu. FORMAS DE ERRO DE TIPO O erro de tipo, afastando a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo. Entretanto, há situações em que se permite a punição do agente em virtude de sua conduta culposa, se houver previsão legal. 1) Essencial: é o que incide sobre elementares ou circunstâncias do crime, de forma que o agente não tem consciência de que está cometendo um delito. 1.1) Erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável): quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, não tinha como evitá-lo, mesmo tomando todas as cautelas necessárias. É o erro em que qualquer um incorreria se estivesse diante das circunstâncias em que se encontrava o agente. Nesse caso, sendo invencível o erro, afasta-se o dolo, bem como a culpa, deixando o fato, portanto, de ser típico. Exemplo: dois amigos combinam uma caçada. Um deles, muito brincalhão, resolve pregar uma peça no companheiro, que fazia sua estréia como caçador. O brincalhão, durante a noite sai do alojamento, esconde atrás de uma moita e começa fazer ruídos e sacudir uma moita. O novo caçador, supondo tratar de um animal, sai da barraca em que estava e atira em direção ao arbusto e, como conseqüência, causa a morte do amigo brincalhão. Neste caso tudo levava o agente a acreditar que ali, na moita, estava um animal e não seu companheiro de caça. Assim, não tendo havido dolo nem culpa, considera-se atípico o fato praticado pelo agente. 1.2) Erro de tipo vencível (inescusável, injustificável, evitável): quando o agente poderia tê-lo evitado se agisse com o cuidado necessário no caso concreto. Nessa modalidade, o erro de tipo exclui o dolo, mas o agente responde por crime culposo, se houver previsão legal. Exemplo: caçador, área povoada, onde era previsível a presença de pessoas transitando, avista um vulto, quando a luz do sol já se ia, dificultando sua visibilidade, e atira, supondo tratar de um animal, quando vai ao local, se depara com um corpo de um ser humano. O caçador não desejava o resultado alcançado, mas poderia ter evitado se tivesse agido com mais cautela, logo, o mesmo agiu com culpa e não com dolo. Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes 2) Acidental: ao contrário do essencial, não tem o condão de afastar o dolo, ou dolo e culpa do agente, pois não faz o agente julgar lícita a ação criminosa. Ele age com consciência da ilicitude do seu comportamento, apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução. O erro de tipo acidental pode ser das seguintes espécies: 2.1- Erro sobre a pessoa: O erro sobre a pessoa é equívoco de representação mental, não desacerto material, ocorrendo quanto à pessoa contra quem o agente deseja cometer o delito. É denominado “error in persona”. O agente pretende matar A e, por confundi-lo com B, termina por matar este último. Neste caso, não há exclusão da tipicidade do fato, portanto o tipo penal caracteriza-se tanto objetiva quanto subjetivamente, eis que norma penal do artigo 121, CP, não tutela a pessoa de A, mas sim qualquer pessoa. Contudo, segundo a regra da segunda parte do artigo 20, § 3º, do CP, não se consideram, nesta hipótese, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. Significa que o agente responde como se tivesse praticado o delito contra a vítima virtual e não a vítima efetiva. Assim, sendo se a vítima virtual é pai do agente, cabível a agravantecontida no artigo 61, II, “e”, CP. Há, aqui, uma substituição das pessoas que se viram envolvidas no fato. 2.2- Erro sobre o objeto: Também conhecido como ”error in objeto”, incide sobre o objeto material do delito, fora da hipótese do erro sobre a pessoa. Exemplo: o agente pretende furtar uma pulseira de ouro e por erro furta uma de prata, ou pretende furtar um DVD e furta um vídeo cassete. É irrelevante, inexistindo qualquer conseqüência jurídica, nem a relativa ao erro sobre a pessoa. 2.3- Erro na execução ou aberractio ictus: é a hipótese disciplinada no artigo 73 do CP. Ocorre quando o agente, por equívoco no uso dos meios executórios ou por desvio, atinge pessoa distinta da que pretendia atingir. É erro material e não mental, como no caso do “error in persona”. Divide-se em duas espécies: 1- Erro na execução com resultado único: regulada na parte inicial do artigo 73 do CP, o agente atinge, por equívoco na execução, pessoa distinta da que pretendia atingir. Ou seja, a vítima virtual sai ilesa e a vítima efetiva sofre a ação lesiva, que sobre ela recai, por equívoco material. Subsiste um único crime doloso, dependendo do direcionamento da vontade e do resultado ocorrido. Contudo, aplica-se a regra cabível no erro sobre a pessoa, ou seja o agente responde como se tivesse praticado o crime contra a vítima virtual e não contra a vítima efetiva. 2- Erro na execução com resultado duplo ou múltiplo: disciplinada na parte final do artigo 73 do Código Penal, o agente atinge quem pretendia ofender e Prof. Christiano Leonardo Gonzaga Gomes atinge também, por erro, outra(s) pessoa(s). Neste caso, aplica-se a regra do concurso formal de crimes, previsto no artigo 70, CP. Se o resultado não querido foi alcançado a título de culpa, a hipótese é de concurso formal próprio ou perfeito de delitos, previsto na primeira parte do artigo 70, CP. Ao contrário, caso o resultado não querido tenha sido admitido, configura-se dolo eventual, dando ensejo à aplicação do concurso formal impróprio ou imperfeito, disposto na segunda parte do artigo 70, CP, aplicando-se a soma das penas dos crimes praticados (com dolo direto [resultado pretendido] e com dolo eventual [resultado alcançado por erro, mas previsto e aceito]). 2.4- Resultado diverso do pretendido ou aberractio criminis: Nesta última figura de erro acidental, o equivoco não respeita à pessoa visada; mas sim o objeto. Ou seja, o caso não é de erro de execução de pessoa para pessoa, mas de erro na execução de coisa para pessoa ou pessoa para coisa.. O agente quer atingir um bem jurídico e atinge outro. Conforme consta do artigo 74, CP, em cujo bojo está disciplinado o aberratio deliciti, se sobrevém resultado diverso do pretendido pelo agente, responde ele por tal resultado a título culposo. Assim, se o agente quer danificar uma coisa e acaba por lesionar uma pessoa, responde por lesão corporal culposa. Ex.: A, visando destruir uma vitrine, arremessa uma pedra contra a mesma, por acidente ou erro na execução não acerta o alvo, mas uma pessoa. Ao contrário, se deseja lesionar uma pessoa e acaba por danificar uma coisa, não responde pelo dano culposo, eis que tal figura penal inexiste. Porém, neste caso, a doutrina diverge quanto à responsabilização do agente. Para Damásio de Jesus, responderia por tentativa de lesão corporal. Para outros doutrinadores, como João Mestieri, cuida-se de fato atípico, eis que a lei penal determina a responsabilização do agente pelo resultado distinto, a título culposo, o que é impossível, em função da inexistência do dano culposo. Todavia, se a vontade do agente era matar a vítima, mas acerta a coisa, trata-se de tentativa de homicídio, como a maioria esmagadora da doutrina e da jurisprudência admitem, face à gravidade subjetiva e objetiva do fato. Havendo aberratio criminis com resultado duplo ou múltiplo, ou seja, alcançando o agente o resultado pretendido e outro(s) que não pretendia, deve ser aplicada a regra do concurso formal de crimes, contido no artigo 70 do Código Penal. Entretanto, cumpre frisar que apenas é admissível o concurso formal próprio ou perfeito, porquanto o resultado distinto tem de ser imputado ao agente a título culposo, o que exclui o concurso formal impróprio ou imperfeito, que exige a existência de desígnios autônomos (vontade autônomas). Cuidando-se de resultado não querido, mas admitido, há dolo eventual, ensejando a existência do concurso formal impróprio ou imperfeito, mas não pelo comando do artigo 74, CP, e sim pelo própria regra contida no artigo 70, CP, última parte.
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