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Carvalho, Guilherme V R - Introdução a Filosofia Reformacional

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INTRODUÇÃO À
 FILOSOFIA 
CRISTÃ
Uma Introdução à Filosofia na Tradição Reformacional 
Prof. Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho
CENTRO KUYPER DE ESTUDOS CRISTÃOS
ÍNDICE
I. O que é a Filosofia Reformacional?
p. 3
II. A Idéia de uma Crítica Transcendental do Pensamento Teórico
p. 6
III. As Condições Transcendentais do Pensamento Teórico
p. 22
VI. As Raízes Religiosas do Pensamento Ocidental
p. 33
V. A Idéia Cosmonômica do Pensamento Teórico
p. 47
V. Teoria Geral das Esferas Modais
p. 53
VII. Teoria da Estrutura das Entidades Temporais
p. 100
VIII. Teoria das Inter-relações Estruturais
p. 107
IX. Teoria do Conhecimento
p. 112
X. Teoria da Ação
p. 120
Apêndice 1: Excerptos de Dooyeweerd (Glenn Friesen)
p. 128
Apêndice 2: Glossário de Filosofia Reformacional (A. Wolters)
p. 141
Bibliografia:
p. 152
2
I. O QUE É A FILOSOFIA REFORMACIONAL? 
Primeiramente, é claro, precisamos saber o que é filosofia. Mas há tantas definições 
de filosofia quanto existem filósofos; cada um tem um projeto filosófico diferente tornando 
quase impossível uma definição universal de filosofia. Isso, por um lado, não nos impede 
de fazer tentativas para encontrar algo comum às diversas filosofias. Por outro lado, nos dá 
liberdade para fazer novas propostas.
De um modo geral, podemos dizer que uma tarefa básica da filosofia é a crítica. No 
tempo dos Sofistas e de Sócrates, foi posto no centro da filosofia o questionamento, a 
pergunta crítica. Não se trata aqui apenas da pergunta pelo saber, como encontramos na 
ciência moderna, mas a pergunta crítica pelo saber; a pergunta que se volta sobre as 
respostas e as tornam objeto de perguntas. Foi assim que Sócrates nos ensinou a filosofar.
Mas antes dele, os pré-socráticos perguntavam sobre o cosmo. Eles queriam saber 
qual a sua estrutura, sua constituição básica. Essa pergunta pela totalidade, pelo sentido 
total do cosmo, utilizando a razão é mais antiga que Sócrates, e foi através dela que a 
filosofia ocidental teve início.
De um modo ou de outro, mesmo quando estamos ocupados com a crítica de 
qualquer coisa, o fazemos a partir de uma visão de mundo, e esse ponto de partida deve, 
finalmente, ser objeto de análise e compreensão. Ninguém crítica a partir do “nada”; para 
colocar algo “entre parêntesis” e realizar uma análise, é preciso ter algo “fora” dos 
parêntesis; é preciso um sistema para realizar a análise, uma base de comparação.
Origens da Filosofia Reformada
A filosofia reformada ou reformacional, é um movimento que teve origem na 
Holanda, no início do século XX, através do trabalho de Herman Dooyeweerd e de seu 
cunhado, D. T. H. Vollenhoven. Ambos foram professores na Universidade Livre de 
Amsterdam, e desenvolveram sistemas de filosofia cristã inspirados no pensamento neo-
calvinista de Abraham Kuyper, teólogo, jornalista, e estadista cristão holandês. A 
característica básica do pensamento reformacional é a negação de toda autonomia humana 
em relação a Deus. Kuyper disse certa vez que “não há um único centímetro, em todos os 
departamentos da vida humana, sobre o qual Cristo, o Senhor de todos, não diga: é meu”. 
Segundo Kuyper, o cristianismo não seria um “culto” ou uma “doutrina”, meramente, mas 
um sistema total de vida e pensamento, uma “biocosmovisão”. Com essa compreensão ele 
dedicou sua vida à reforma da vida cultural holandesa a partir do evangelho.
Influenciados pelo ideal de Kuyper, um sem-número de intelectuais, filósofos, 
cientistas e políticos cristãos dedicaram-se a reformar a cultura. Dooyeweerd e 
Vollenhoven dedicaram-se à filosofia, procurando empreender uma ampla reforma do 
pensamento teórico. Esses filósofos perceberam que o domínio do humanismo sobre a 
intelectualidade ocidental precisava ser quebrado, se o cristianismo pretendesse se articular 
como um sistema total de vida, e isso não seria possível se os cristãos continuassem lutando 
com as mesmas armas do inimigo, utilizando sistemas filosóficos contrários à cosmovisão 
cristã. Assim dedicaram-se à reforma radical do pensamento teórico, procurando 
3
reconstituir a filosofia desde suas bases, de forma coerente com a cosmovisão Bíblica. 
Surgiu assim a filosofia reformacional, distinguindo-se da filosofia humanista e da filosofia 
escolástica católica, comprometida com a correção permanente do pensamento a partir do 
evangelho.
Kuyperianismo e Filosofia
A perspectiva Kuyperiana ofereceu uma orientação bem definida para a filosofia 
cristã. Em primeiro lugar, naturalmente, mostrou a necessidade de uma nova crítica do 
pensamento filosófico. A filosofia ocidental ignora a crença em Deus sistematicamente, não 
simplesmente negando sua existência, mas evitando pressupor essa existência ao tratar dos 
problemas filosóficos, isto é, considerando-o irrelevante para a filosofia. Uma vez que na 
perspectiva bíblica todas as dimensões da vida devem operar Coram Deo, diante de Deus, 
esse estado de coisas é inaceitável ao cristão, não somente porque não está de acordo com a 
sua religião, mas porque não está de acordo com a estrutura da própria realidade!
Portanto, é necessária uma nova crítica de tudo o que a mente secular tem produzido 
desde os gregos.
Mas, além disso, é preciso lembrar, não há crítica sem ponto de partida, sem visão 
de mundo. Isso implica, portanto, a necessidade de articular uma visão de totalidade, 
procurando explicar racionalmente a estrutura básica do cosmo, e localizando, inclusive, o 
lugar da razão no cosmo. Uma das características mais importantes do pensamento 
reformacional é esse compromisso com uma explicação da totalidade do cosmo.
E aqui se encontra a principal contribuição do pensamento Kuyperiano para o 
cristianismo contemporâneo: a idéia de tomar a cosmovisão cristã não como o resultado de 
uma reflexão filosófica e científica, para convencer os incrédulos usando a cosmovisão 
deles, mas como o ponto de partida para realizar toda reflexão filosófica e científica, 
trazendo os incrédulos para a nossa cosmovisão. Afinal de contas, para salvar alguém num 
barco furado, é muito melhor trazê-lo para o nosso barco, do que entrar no barco dele para 
ajudá-lo a tirar a água! Essa nova perspectiva é geralmente denominada 
pressuposicionalismo.
A proposta filosófica dos gregos, tanto em seu estágio mais primitivo, 
“cosmológico”, como em sua forma “socrática”, não está errada do ponto de vista formal. 
Sua falha está no dogma da autonomia religiosa da razão. Esse dogma foi adotado no 
pensamento humanista moderno e contemporâneo, sendo pressuposto acriticamente pela 
maior parte dos pensadores seculares – e até pelos cristãos! Kuyper e Dooyeweerd 
desafiaram esse dogma ao sustentar que a filosofia pode e deve ser conduzida pelos cristãos 
trocando a centralidade da razão pela centralidade da religião.
Nosso Caminho
Nosso caminho nesse estudo será a apresentação da filosofia reformacional, 
desenvolvida por pensadores reformados a partir da cosmovisão bíblica expressa no 
pensamento de AGOSTINHO, CALVINO e ABRAHAM KUYPER. O estudo será basicamente uma 
exposição do pensamento de HERMAN DOOYEWEERD, o principal filósofo reformado do século 
XX, mas tomaremos liberdades apresentando idéias de outros filósofos e também algumas 
idéias próprias. A primeira parte trata da crítica transcendental do pensamento teórico; a 
segunda oferece uma apresentação sistemática da filosofia reformacional. Ao fim do estudo 
4
o leitor tem um apêndice com alguns trechos de Dooyeweerd em inglês e um glossário de 
filosofia reformacional.
PARTE 1:
A CRÍTICA TRANSCENDENTAL DO 
PENSAMENTO TEÓRICO
5
II. A IDÉIA DE UMA CRÍTICA TRANSCENDENTAL DO 
PENSAMENTO TEÓRICO
É comum, quando alguém começa a estudar filosofia, ou uma disciplina mais 
abstrata, como a teologia ou a sociologia, a emergênciade uma sensação de desânimo, ou 
mesmo de desespero, à medida em que fica evidente a grande multiplicidade de teorias e a 
profunda divergência existente entre as diversas escolas de pensamento. Na introdução de 
uma de suas obras Dooyeweerd faz uma interessante observação; é que todas essas escolas 
“... professam serem fundadas unicamente em princípios puramente teóricos e científicos; 
em outras palavras, que todos são aderentes da assim chamada autonomia da razão na 
ciência. Agora, se isso for verdade, parece um pouco estranho que elas não tenham sucesso 
em convencer uma à outra por argumentos puramente científicos.”1
Para determinar a natureza das diferenças mais fundamentais entre as diversas 
escolas filosóficas é necessário determinar a natureza de seus respectivos pontos de partida. 
E para isso precisamos examinar as condições básicas que tornam qualquer pensamento 
filosófico possível. Conhecendo essas condições básicas, poderíamos identificar e 
descrever diferentes filosofias a partir de seu ponto de partida, e assim teríamos uma base 
para discussão frutífera entre as várias escolas de pensamento.2
VINCENT BRÜMMER observou que esse mesmo problema foi encarado por KANT. Este 
também buscou uma crítica da faculdade da razão com tal, para lidar em definitivo com as 
contradições da metafísica. DOOYEWEERD tem um projeto semelhante, mas também 
essencialmente diverso. Para Dooyeweerd Kant caiu num dogmatismo teórico, falhando em 
fazer da própria atitude teórica do pensamento um problema teórico, e simplesmente 
pressupondo a autonomia do pensamento. Esse dogmatismo mascara o verdadeiro ponto de 
partida do pensamento e ao mesmo tempo controla seu modo de lidar com os problemas 
teóricos.3
Assim sendo Dooyeweerd defende que uma crítica realmente radical do pensamento 
deve não somente abandonar o dogma de que o pensamento teórico é autônomo, mas 
também deve demonstrar que este dogma contradiz o verdadeiro caráter do pensamento 
teórico em si mesmo. Seria intrínseca à estrutura do pensamento teórico a dependência de 
pressuposições supra-teóricas. Além disso, era a intenção de Dooyeweerd demonstrar que 
essas pressuposições seriam de um caráter religioso, introduzindo assim a discussão a 
respeito da relação entre a religião e a filosofia, bem como lançando as bases para uma 
filosofia cristã.4
Orientação importante: a próxima seção do texto (p. 7 a 21) é uma revisão de Kant um 
tanto complexa. Aqueles interessados em um conhecimento mais preciso da origem da crítica 
transcendental de Dooyeweerd podem continuar a leitura do capítulo. Se você deseja conhecer 
mais rapidamente a crítica de Dooyeweerd, pode passar à página 22. Finalmente, se você sentir 
1 DOOYEWEERD, Herman, Transcendental Problems of Philosophic Thougth. Grand Rapids: Eerdmans, 
1948, p. 16.
2 BRÜMMER, Vincent, “Transcendental Criticism”, p. 14.
3 Ibid, p. 14.
4 Ibid, p. 15.
6
dificuldades para ler as parte I (Crítica Transcendental) comece diretamente da parte II (Filosofia 
Sistemática, p. 53) voltando mais tarde à parte I.
1. A Idéia de uma Crítica Transcendental do Conhecimento em Kant e Dooyeweerd5
É a posição de Brümmer, e vamos seguí-la nessa parte do estudo, de que a crítica de 
Dooyeweerd só pode ser compreendida “... à luz da forma como ele a distingue da crítica 
de Kant.”6 O próprio Dooyeweerd reconheceu a ligação histórica com Kant, especialmente 
quanto à noção de uma “crítica transcendental”. Desse modo vamos começar com Kant.
1.1. A Crítica Kantiana do Conhecimento 
Kant viu-se em certo momento confrontado por duas escolas de pensamento: no 
continente a filosofia era dominada pelo racionalismo de Leibniz e de seu seguidor 
Christian Wolff, enquanto na Inglaterra a cena era dominada pelos empiristas britânicos, 
especialmente David Hume. A primeira corrente era denominada por Kant como 
“dogmatismo”, e a última como “ceticismo”.
O dogmatismo começa da convicção de que o pensamento pode conhecer a 
realidade. Ele não hesita em aplicar aos objetos da experiência os princípios universais do 
pensamento sem o qual nenhum sistema conectado de conhecimento científico é possível. 
Essa confiança nos princípios estruturais da razão era justificável quando lidando com 
objetos dos sentidos, mas tão logo os dogmatistas tentaram aplicar esses princípios à esfera 
supra-sensível da metafísica (onde surgiram problemas a respeito da liberdade e 
imortalidade do homem, a origem e limites do mundo, e a existência de Deus), eles 
chegaram a conclusões que contradiziam umas às outras.
A partir disso Hume concluiu que a realidade supra-sensória seria um fruto da 
imaginação, e limitou a realidade à esfera da experiência sensória. Todo conhecimento é 
obtido da experiência e não contém nenhum elemento a priori, tal como os princípios 
universais e necessários que os dogmatistas aplicaram à realidade. Assim todo 
conhecimento científico no sentido de um sistema coerente é negado pelo ceticismo.
Kant concordou com os céticos de que todo conhecimento começa com a 
experiência; entretanto, diz Kant, isso não implica que todo conhecimento se origina da 
experiência. Pois pode ser que a experiência contenha dois elementos: um recebido através 
dos sentidos e o outro suprido por nossa faculdade de conhecimento no momento dessas 
impressões dos sentidos.
Como os dogmáticos, Kant sustentava que o conhecimento também inclui um 
elemento “a priori” que é suprido pela compreensão. Mas ele adiciona que a razão deve 
conhecer seus próprios limites: as formas a priori da razão não podem ser aplicadas à 
realidade supra-sensória sem gerar contradições.
Assim Kant divide a realidade em duas esferas: a esfera supra-sensória, denominada 
noumenal, que é a esfera das coisas em si mesmas, e a esfera da experiência sensória, 
denominada fenomenal. As realidades de Deus, da liberdade e imortalidade da alma, e a 
origem e totalidade do cosmos também pertencem à esfera noumenal que apenas pode ser 
conhecida na fé racional da razão prática, e nunca pela razão teórica. Para esta última a 
5 Toda essa seção é uma tradução adaptada de Brümmer, p. 16-39.
6 Ibid, p. 15.
7
esfera noumenal pode apenas Ter um significado meramente negativo, e não pode produzir 
nenhum conteúdo positivo para o nosso conhecimento teórico.
O conhecimento é limitado aos fenômenos, isto é, à realidade experienciada, que 
contém um elemento sensório e um elemento a priori suprido pela compreensão. Aqui Kant 
anunciou uma descoberta surpreendente: ao invés de nosso conhecimento se conformar aos 
objetos da experiência, esses objetos é que são conformados ao nosso conhecimento, desde 
que é a nossa faculdade cognitiva que fornece os princípios universais e necessários pelos 
quais as impressões dos sentidos são organizadas e “formatadas” como objetos de 
experiência. Kant compara esta descoberta à de Copérnico, que moveu o ponto fixo do 
sistema solar da terra para o sol.
Hume mostrou que as sensações em si mesmas são sempre realidades particulares e 
não implicam logicamente nenhuma estrutura necessária. Elas nos fornecem uma massa 
caótica de impressões que não constituem conhecimento. Já que os princípios a priori, 
fornecidos pela compreensão, é que constituem as estruturas universais e necessárias que 
tornam o conhecimento possível, esses princípios podem ser considerados as condições 
transcendentais do nosso conhecimento. Em contraste com a negação do conhecimento 
feita pelos céticos, Kant busca essas condições transcendentais que tornam o conhecimento 
possível; em contraste com a aplicação ingênua dos princípios racionais pelos dogmáticos, 
ele exige uma avaliação crítica dos limites dentro dos quais tais princípios se aplicam. 
Assim ele descreve sua filosofia como uma investigação crítico-transcendental do 
conhecimento. Esseé o seu projeto na obra “Crítica da Razão Pura.”
Desde que se diz a respeito do conhecimento que ele tem duas fontes, a investigação 
é dividida em duas partes: a estética transcendental, que busca os elementos a priori na 
sensação, e a lógica transcendental, que busca esses elementos na compreensão. A primeira 
procura as condições a priori da percepção através das quais os objetos são dados a nós, 
enquanto que a última procura as condições de concepção através das quais os objetos são 
pensados.
1. A Estética Transcendental. A Estética transcendental começa quando isolamos a 
sensibilidade (Sinnlichkeit) de tudo o que a compreensão adiciona a ela por meio de 
seus conceitos. Essa sensibilidade ou percepção empírica (empirische Anschauung) 
estudada na estética transcendental, consiste de um elemento material (as impressões 
caóticas dos sentidos) e um elemento formal (as meras formas de percepção que são 
chamadas percepções puras).
A “matéria” ou “conteúdo” da percepção empírica é inteiramente a posteriori e é 
causada pelas coisas em si mesmas que estimulam nossos sentidos. Por si mesmas essas 
impressões sensórias (Empfindungen) são meramente consciências de estímulos. Nós 
temos consciência de um sabor na língua, um som no ouvido, um toque na pele, etc. 
Essas são apenas os princípios ainda crus da experiência, mas como tais eles são os 
dados primários de todo conhecimento. Nós os moldamos como percepções que por 
seu turno são moldadas como conceitos pela compreensão.
A impressões dos sentidos são tornadas em percepções empíricas segundo as formas 
de percepção, isto é, as “percepções puras” de espaço e tempo. O espaço é a forma das 
percepções externas: todas os objetos externos são espaciais, desde que as impressões 
externas são formadas como objetos sob a forma do espaço. O tempo, por outro lado, é 
a forma da percepção interna por meio da qual nós organizamos nossas impressões 
internas em uma ordem temporal fixa. Como os objetos externos podem apenas ser 
8
conhecidos quando transformados em representações internas (Vorstellungen) que são 
também por seu turno organizadas sob a forma de tempo, esta forma é aplicada a todas 
as percepções no processo cognitivo.
O espaço e o tempo, assim, não são percepções no sentido usual, mas modos de 
percepção ou regras a priori de acordo com as quais a percepção opera. Desde que Kant 
argumenta que elas são as condições transcendentais da percepção, e nós não temos 
qualquer conhecimento sem conteúdo perceptual, elas são as formas transcendentais 
de todo o conhecimento.
Kant conclui que nenhum conhecimento é possível sem conteúdo perceptual, e que 
todos os nossos pensamentos são vazios sem percepções. Por outro lado, meras 
percepções sem a atividade conceptual da compreensão são cegas e ininteligíveis. 
Assim o conhecimento emerge apenas da atividade combinada de percepção e 
concepção. Isso nos leva à próxima parte da crítica de Kant, a lógica transcendental, 
que busca determinar os elementos a priori produzidos pela compreensão.
2. A Lógica Transcendental. Qual é a diferença entre a lógica transcendental e a lógica 
formal geral? Ambas lidam com as formas do pensamento e com a prioris. A lógica 
geral lida com as relações entre os elementos lógicos do conhecimento. Ela considera 
como a compreensão combina conceitos com o propósito de produzir julgamentos 
corretos. Já a lógica transcendental lida com a relação entre o conhecimento e seus 
objetos; ela considera como a compreensão combina percepções de modo a formar 
conceitos que possam ser aplicados a objetos do conhecimento, e isso determina quais 
elementos a priori são fornecidos pela compreensão em sua atividade de 
conceptualização. Como todo conhecimento é conceptual, essas formas a priori são ao 
mesmo tempo os meios necessários e universais pelos quais os objetos da experiência 
são constituídos. Kant denomina essas formas “categorias”.
Kant divide a lógica transcendental em duas partes, a analítica transcendental e a 
dialética transcendental. A primeira lida com as categorias e a última com as idéias da 
razão pura. Enquanto as categorias tem uma função constitutiva em nossa experiência, 
as idéias são meramente princípios regulativos.
(a) As Categorias. Desde Aristóteles, as formas da lógica geral, sob as quais os 
conceitos são combinados para formar julgamentos, tem sido conhecidas e 
distinguidas. Todos os julgamentos podem ser arranjados de quatro diferentes pontos 
de vista, e para cada um deles Kant posteriormente distingue três diferentes tipos de 
julgamentos:
(1) Do ponto de vista da quantidade um julgamento pode ser universal (todo A é 
B), particular (algum A é B), ou singular (este A é B).
(2) Do ponto de vista da qualidade um julgamento pode ser afirmativo (A é B), 
negativo (A não é B) ou infinito (A é não-B).
(3) Do ponto de vista da relação um julgamento pode ser categórico (A é B), 
hipotético (se A, então B) ou disjuntivo (A é B ou C).
(4) Do ponto de vista da modalidade um julgamento pode ser problemático (A é 
possívelmente B), assertivo (A é realmente B) ou apodídico (A é 
necessariamente B).
9
Sob essas doze formas, assim, os conceitos são sintetizados para obter julgamentos. 
Desde que Kant argumentou que a mesma atividade sintética da função lógica da 
compreensão forma tanto os conceitos como os julgamentos, ele concluiu que as 
categorias devem corresponder às várias formas de julgamento, e deduziu as seguintes 
doze categorias:
(1) Categorias de quantidade: unidade, pluralidade e totalidade.
(2) Categorias de quantidade: realidade, negação e limitação.
(3) Categorias de relação: substância, causalidade e reciprocidade.
(4) Categorias de modalidade: possibilidade, existência e necessidade.
Essas doze categorias são os elementos a priori fornecidos pela compreensão na 
constituição do mundo dos objetos sensíveis. Elas não são objetos em si mesmas, mas 
meras formas de pensamento que tem sua origem na compreensão independentemente 
da sensibilidade; formas lógicas por meio das quais as percepções são sintetizadas em 
objetos do pensamento. Mas como essa síntese é efetuada?
(b) O Problema da Síntese. Onde nós vamos encontrar o princípio unificador por 
meio do qual a diversidade da experiência é unificada e plasmada em objetos? Desde 
que os objetos em si mesmos pressupõe esse princípio, não se pode dizer que eles 
produzem isso. Nem podem as sensações produzir isso, desde que a sensação apenas 
fornece a diversidade da experiência, e não sua conjunção. Com o propósito de 
encontrar esse princípio, diz Kant, nós temos que procurá-lo além da diversidade da 
experiência e praticar a auto-reflexão, uma vez que todas as formas de síntese são atos 
espontâneos da compreensão.
Essa atividade sintética da compreensão é a condição transcendental primária de 
toda a unidade no mundo dos fenômenos e assim de toda unidade em nosso 
conhecimento. Ela é até mesmo pressuposta pela análise lógica que parece ser seu 
oposto, pois a compreensão não pode analisar aquilo que ela não sintetizou 
previamente.
Nessa atividade unificadora, a compreensão trai sua unidade, pois apenas uma 
compreensão única e unificada pode reconhecer sua experiência diversificada como 
sendo o conteúdo da mesma consciência coerente. Apenas porque eu posso 
compreender a variedade das minhas representações em uma única consciência é que 
eu as considero como minhas representações. Apenas porque todas as representações 
são pensadas pela mesma compreensão, elas podem ser sintetizadas em um todo 
unificado.
Kant chama esse princípio unificador que reúne toda a consciência de “eu 
transcendental”, ou unidade transcendental da apercepção. Desde que essa unidade é a 
condição transcendental de toda a experiência, ela não pode ser derivada da 
experiênciae deve ser distinguida do eu empírico que nós conhecemos na experiência 
– o “self” do qual nós somos conscientes em nossa auto-consciência empírica. Essa 
última auto-consciência não é a consciência do que realiza a percepção e o 
conhecimento, mas daquilo que é conhecido – que é o fenômeno. O eu conhecedor 
transcendental pertence à realidade noumenal é portanto permanece desconhecido. O 
fato de que todo o nosso conhecimento pressupões o eu transcendental como uma 
unidade de apercepção não implica em que nós tenhamos qualquer conhecimento dele. 
10
Como pressuposição do conhecimento, a unidade transcendental da apercepção não é 
mais que uma proposição analítica, uma forma lógica de compreensão.
A unidade transcendental da apercepção é a condição necessária para todos os tipos 
de síntese: a síntese de conceitos para formar julgamentos, das várias representações 
para formar objetos e do material perceptual para formar representações. Essa última 
síntese Kant denominou síntese figurativa ou síntese transcendental da imaginação, 
com o propósito de distinguí-la da síntese intelectual ou síntese da compreensão.
Essas duas sínteses estão relacionadas como se segue: desde que todos os objetos da 
consciência, incluindo aqueles que implicam extensão espacial, devem apresentar a si 
mesmos na sensação interior, a forma universal de todos os objetos sensíveis é tempo, 
a forma que se aplica à sensação interna. Kant chama de imaginação a função da 
compreensão através da qual os elementos da percepção são sintetizados sob a forma 
do tempo com o propósito de formar imagens ou representações. Essas representações 
formadas pela imaginação são meramente o material perceptual preparado para a ação 
de compreensão na síntese intelectual na qual eles são sintetizados para formar objetos.
Na primeira edição da Crítica da Razão Pura, Kant argumenta que a imaginação é 
uma terceira função ao lado da sensação e da compreensão. Essa terceira função parece 
ser o elemento sintetizado a partir dos outros dois. Entretanto, isso estaria em 
contradição com a tese da introdução da “Crítica” de que a sensação e a compreensão 
são as duas únicas fontes do conhecimento. Na Segunda edição, Kant remove essa 
discrepância interpretando a atividade sintética da imaginação como uma função da 
compreensão. Embora a imaginação sempre opere sobre o material dos sentidos, a 
síntese que ela produz não é essencialmente diferente da síntese da compreensão. Pelo 
contrário, a síntese da imaginação é a atividade inconsciente ou cega da compreensão 
sempre que essa age diretamente sobre os elementos sensíveis dados na percepção 
interna. Esta síntese, sendo uma função da compreensão, é também possível apenas na 
base da unidade transcendental da apercepção.
Sobre a mesma base nós temos agora explicado a síntese dos conceitos para formar 
julgamentos (síntese lógica formal), a síntese das representações para formar conceitos 
ou fenômenos (síntese intelectual), e a síntese das impressões sensórias para formar 
representações (síntese da imaginação). Há ainda uma síntese que necessita de 
explicação: como é possível para o eu pensante sintetizar o material puramente 
sensório com as categorias que são formas não-sensórias da compreensão? Kant 
explica isso por meio de sua teoria do esquematismo.
Desde que um conceito ou categoria pura não tem absolutamente nada em comum 
com a percepção, surge o problema de como é possível submeter legitimamente um 
objeto sob uma categoria. Obviamente, diz Kant, deve haver uma terceira coisa cuja 
natureza é simultaneamente similar à categoria e ao fenômeno, como propósito de 
mediar a aplicação do primeiro ao segundo. Kant chama esse elemento mediador de 
esquema transcendental. Na medida em que o tempo é do mesmo tipo que as 
categorias, é uma forma a priori universal; por outro lado, na medida em que o tempo é 
homogêneo com o fenômeno, está incluído em cada representação empírica da 
diversidade da experiência.
Cada categoria tem uma relação específica com o tempo. Essa relação é o seu 
esquema. Assim o esquema da substância é a permanência, o da causalidade a 
sucessão temporal, etc. Conseqüentemente uma categoria em sua relação com o tempo 
11
(uma categoria esquematizada) pode ser aplicada a cada sensação em sua relação com 
o tempo – isto é, em uma representação.
De acordo com Kant, a sensação e a compreensão são as únicas fontes do nosso 
conhecimento. Se este é o caso, então o problema epistemológico refere-se à forma 
com que nós sintetizamos esses elementos em um sistema unificado que é o objetivo 
final de todo o nosso conhecimento. Com isso nós apresentamos a resposta de Kant a 
essa questão e apontado como, de acordo com ele, o mundo fenomenal da experiência 
é constituído na atividade sintética da unidade transcendental da apercepção.
À parte das categorias como elementos constitutivos na estrutura sintética, a 
estrutura da razão em si mesma implica idéias por meio das quais o processo inteiro da 
síntese do conhecimento é regulado e recebe direcionamento. Essas são denominadas 
idéias da razão pura.
(c) As Idéias da Razão Pura. A compreensão é a faculdade de formar conceitos e 
combiná-los em julgamentos. A faculdade de combinar julgamentos para obter 
conclusões é chamada de “razão” por Kant. Todos os julgamentos podem ser premissas 
das quais a razão pode tirar conclusões e essas conclusões são então condicionadas 
pelas premissas. Alguém pode perguntar se este processo da razão não poderia ser 
revertido, desde que cada premissa pode também ser vista como uma conclusão tirada 
de outras premissas e assim também condicionadas por elas. Se assim for, não poderia 
esse processo reverso eventualmente levar a um julgamento incondicionado? Kant 
nega isso, desde que o processo seria de um regresso infinito. Isto é dificilmente 
surpreendente, porque todo o nosso conhecimento é limitado a fenômenos que são 
necessariamente condicionados pelas categorias. O infinito incondicionado é apenas 
possível como uma idéia – um ideal infinito implicado na razão mas nunca alcançado, 
desde que transcende a esfera dos fenômenos.
A tarefa dessa parte da Crítica da Razão Pura é demonstrar que tais idéias 
transcendem os limites do pensamento teórico e assim não constituem conhecimento, 
mas são meros ideais de acordo com os quais os processos do conhecimento são 
regulados. Porque essas idéias estão implicadas na própria estrutura da razão, surge a 
ilusão de que nós podemos tratá-las como objetivamente reais e fazer julgamentos 
empíricos a respeito delas. Tais julgamentos que transcendem a esfera dos fenômenos 
devem necessariamente acabar em contradições. Kant chama esses julgamentos de 
ilusões transcendentais.
Em sua totalidade, nossas idéias se referem ao sujeito, ou ao objeto, ou à unidade de 
sujeito e objeto. Assim Kant distingue entre três classes de idéias: a unidade 
incondicionada do sujeito pensante (a idéia da alma); a unidade incondicionada das 
condições dos fenômenos (a idéia de totalidade cósmica); e a unidade incondicionada 
das condições de todos os objetos do pensamento (a idéia do absoluto, isto é, Deus). 
Seguindo-se a ilusão transcendental, essas idéias são feitas os objetos de três ciências 
metafísicas: a psicologia racional, a cosmologia metafísica e a teologia natural.
Psicologia Racional. Como nós temos viso, a atividade sintética da compreensão 
implica a unidade transcendental do eu pensante. Esse ego transcendental não deve ser 
confundido com o ego empírico que é um fenômeno e como tal objeto de uma 
psicologia empírica.
O ego transcendental é uma realidade noumenal. Como condição transcendental 
para a atividade sintética da compreensão, ele não é mais que uma forma lógica de 
pensamento – oeu penso que acompanha todas as minhas concepções se elas 
12
realmente são minhas. A psicologia racional comete o engano de tomar essa forma 
meramente lógica como um objeto. Desde que ela é pressuposta por todos os objetos, é 
tomada também como se fosse um objeto. As categorias são conseqüentemente 
aplicadas à idéia da alma e quatro paralogismos ou falsas conclusões são produzidas. 
Elas são falsas porque estão baseadas na ilusão transcendental. A alma é concebida 
como uma substância, simples, unitária, e relacionada aos possíveis objetos espaciais 
(p.ex. o corpo). Esses paralogismos estão na raiz do perene problema da psicologia 
racional, isto é, o problema da relação mente-corpo, a substância imaterial da alma e o 
corpo (ego empírico) como substância material. Kant mostra que esse é um falso 
problema que se segue da ilusão dialética.
Cosmologia Metafísica. Os paralogismos da psicologia metafísica seguem uma 
ilusão dialética completamente unilateral com respeito à idéia de nosso sujeito 
pensante, desde que nenhuma evidência contrária a esses paralogismos pode ser 
deduzida da pura idéia transcendental da alma. No caso da idéia cosmológica do 
universo, nós encontramos uma situação completamente diferente. Se a razão busca 
desafiar essa idéia como um objeto de pensamento, ela deve necessariamente se 
envolver em antinomias, e conclusões igualmente válidas mas contraditórias são 
obtidas. Kant demonstrou que quatro dessas antinomias correspondem às quatro 
classes de categorias. Essas são divididas em duas antinomias matemáticas 
(correspondendo às categorias de quantidade e qualidade), e duas antinomias 
dinâmicas (correspondendo às categorias de relação e modalidade).
As antinomias matemáticas são as que se poderia provar que o mundo é, com 
respeito à quantidade, tanto limitado como ilimitado no espaço e no tempo, e , com 
respeito à qualidade, tanto composto como simples. As antinomias dinâmicas são, com 
respeito à relação, que pode ser provado que a liberdade é possível como uma primeira 
causa e que ela está excluída por uma cadeia infinita de necessidade mecânica, 
enquanto, com respeito à modalidade, um ser supremo necessário poderia tanto ser 
provado como “des-provado”.
Kant rejeita ambas as conclusões alcançadas nas antinomias matemáticas, uma vez 
que elas se baseiam sobre a ilusão dialética. Entretanto, no caso das antinomias 
dinâmicas, Kant aceita as teses como aplicáveis ao mundo noumenal, porque a 
moralidade pressupõe as realidades da liberdade e de Deus. Como tanto as teses como 
as antíteses são igualmente válidas, Kant aceita as antíteses como aplicáveis ao mundo 
dos fenômenos. Disso se segue que as antinomias dinâmicas não são contraditórias, 
desde que elas sejam vistas em seus contextos apropriados.
Isso não implica que a razão teórica está aqui aplicando suas categorias à esfera 
supra-sensória. Essas conclusões são tomadas puramente na base da razão prática como 
postulados necessários da moralidade. Isso é posteriormente substanciado na crítica 
Kantiana da teologia natural, onde ele demonstra que as várias provas para a existência 
de Deus são todas baseadas em ilusões dialéticas. Que um ser supremo existe não é 
negado por Kant; o que ele nega é que a existência de tal ser possa ser teoricametne 
deduzida da idéia transcendental de Ser Supremo.
Nós podemos concluir que embora Kant não atribua às idéias transcendentais uma 
significância mais que regulativa com respeito ao conhecimento, ele aceita sua 
realidade na esfera noumenal como postulados da moralidade e da religião.
1.2. A Crítica Dooyeweerdiana a Kant 
13
De acordo com Dooyeweerd, Kant foi o primeiro filósofo a distinguir entre a atitude 
crítica e a atitude dogmática de pensamento, e a ver que a filosofia crítica precisa examinar 
as condições transcendentais que tornam a filosofia possível e determinam seus limites. 
Entretanto, diz Dooyeweerd, tal investigação transcendental deve ser completa para ser 
crítica. Ela não deve deixar nenhuma de suas pressuposições intocadas, ou elas poderão 
dominar a investigação e roubar-lhe o caráter crítico. E justamente nesse ponto a crítica de 
Kant falha. Ele não examina até o fim as condições que tornam o pensamento filosófico 
possível, e dogmaticamente assume certas posições básicas que determinam toda a sua 
filosofia.
Kant foi o primeiro a ver o problema epistemológico como um problema de síntese 
teórica. Entretanto ele assumiu que essa síntese era meramente uma síntese lógica, e assim 
firmou a questão epistemológica sobre uma base muito estreita. Isso teria ocorrido porque 
ele tentou resolver o problema epistemológico antes de fundar sua epistemologia sobre 
uma teoria de coerência cósmica a partir da qual a relação gnoseológica teria seu lugar 
definido. Em sua teoria das idéias transcendentais, Kant de novo abre a porta para 
transcender a estreita base lógica em que ele formulou o problema, mas o motivo filosófico 
básico que dominava seu pensamento impediu que ele aprofundasse essa linha de 
pensamento. Assim Dooyeweerd conclui que a crítica Kantiana não foi crítica o suficiente. 
O “método crítico” teria de ser mais crítico, se ele quisesse manter sua reivindicação à 
honra auto-assumida de “pensamento crítico”.
A crítica de Dooyeweerd a Kant pode ser apresentada em quatro pontos básicos: (1) 
sua epistemologia não tinha uma base cosmológica; (2) ele consequentemente falhou em 
prover um tratamento satisfatório do problema da síntese epistemológica; (3) as fraquezas 
de sua teoria das idéias e (4) o motivo básico que domina sua filosofia.
1. A Base Cosmológica para a Epistemologia. “Na Estética Transcendental, por 
conseguinte, primeiro isolaremos a sensibilidade separando tudo o que o entendimento 
pensa nela mediante seus conceitos, a fim de que não reste senão a intuição empírica.”7 
Com essas palavras Kant abre a primeira parte de sua crítica isolando o material 
sensório da experi6encia em sua recepção mais primitiva nas “formas transcendentais 
do espaço e do tempo.” Este isolamento levou Kant a distinguir entre a “percepção” 
(Anschauung) e a “compreensão” (Verstand) como as duas únicas fontes de todo o 
conhecimento, e a manter assim que a realidade experimentada consiste de um aspecto 
sensório recebido através da percepção e um aspecto lógico produzido pela 
compreensão. Isso determina a divisão principal de sua crítica em estética 
transcendental e lógica transcendental.
Dooyeweerd mostra que essa divisão é uma evidente abstração que falha em fazer 
justiça à complexa estrutura de sentido cósmico que nós conhecemos através da 
experiência. Na experiência ordinária a realidade se revela como uma unidade coerente 
composta de coisas individuais e eventos. Este é o datum primário de todo o nosso 
conhecimento. Na reflexão teórica vários aspectos ou modalidades estruturais podem 
ser distinguidos no cosmos; mas desde que eles foram teoricamente abstraídos da 
estrutura cósmica de sentido, eles podem apenas ter significado quando vistos à luz 
7 KANT, Immanuel, Crítica da Razão Pura. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1996, p. 72.
14
dessa coerência. Isto implica que cada aspecto deve ter uma estrutura que expresse essa 
conexão interna entre ele e todos os outros aspectos.
Ignorando essa coerência intermodal, Kant começa com uma tentativa de 
isolamento do aspecto sensório da experiência, e então procede a uma posterior 
abstração dentro desse aspecto. Espaço e tempo são isolados como formas de percepção 
das impressões sensórias caóticas que são seu conteúdo. Como Hume, Kant toma essas 
impressões como sendo os dados primários de todo conhecimento, ignorando a 
abstração envolvida para“recuperá-los”. Isso implica seguinte contradição: o resultado 
da abstração é interpretado como o datum primário de todo o nosso conhecimento. 
Essas impressões, diz Dooyeweerd, nada mais são que abstrações teóricas dos dados 
primários que são a coerência de sentido systática da realidade como nós 
conhecimentos em nossa experiência ordinária ou ingênua.
Esta é a primeira abstração feita por Kant. Nossa experiência é mal interpretada e 
restrita à função sensória teoreticamente abstraída, e o dado primário do conhecimento 
é reduzido às impressões caóticas dos sentidos. Sendo caóticas, essas impressões não 
tem nenhuma estrutura de sentido fixa, e não constituem conhecimento. Daí a 
necessidade da compreensão de sintetizar essas impressões tornando-as estruturas fixas. 
Depois dessas impressões terem sido sintetizadas sob as formas do espaço e do tempo 
para formar representações, as representações são sintetizadas sob as categorias para 
formar objetos de conhecimento. Essas formas sob as quais as sínteses são realizadas 
são fornecidas pela compreensão. Assim Kant vê a estrutura da realidade como sendo 
dada em nossa experiência como uma estrutura meramente lógica, produzida pela 
compreensão.
Esta é a segunda abstração manifesta sobre a qual Kant baseia sua filosofia. O 
aspecto lógico da realidade é abstraído de sua coerência com outros aspectos e feito 
absoluto. A totalidade da estrutura de sentido da realidade é reduzida à estrutura de um 
dos aspectos do sentido cósmico, enquanto a síntese lógica da compreensão substitui a 
systasis de sentido cósmico e a compreensão se torna a fonte da lei para o cosmos. Kant 
ignora o fato de que essa absolutização da síntese lógica apenas é possível porque o 
aspecto lógico da realidade foi previamente abstraído da coêrência de sentido cósmico. 
A síntese lógica absolutizada – que é o resultado da análise lógica – é vista por Kant 
como o pré-requisito para toda análise lógica! “O que a compreensão não combinou 
anteriormente”, diz ele, “ela não pode dissolver ou analisar.”
A crítica de Dooyeweerd a Kant quanto a esse primeiro ponto pode ser sumarizada 
como se segue: Kant falha em dar conta da estrutura cosmológica que é pressuposta em 
todo pensamento filosófico. Por isso ele baseia sua epistemologia sobre uma abstração 
cosmológica que ele acrticamente aceita como dado, isto é, os aspectos sensório e 
lógico da experiência, abstraídos da totalidade do sentido cósmico. Com respeito ao 
aspecto sensório, isso resulta na contradição de considerar as impressões sensórias 
abstraídas como o dado primário do conhecimento. O aspecto lógico, por outro lado, é 
feito absoluto e, como resultado, a estrutura cósmica de sentido é reduzida a uma 
estrutura lógica e a compreensão feita a fonte da lei e da ordem do cosmo. Alguém 
poderia perguntar se é possível formular e resolver o problema da síntese 
epistemológica sobre tal base cosmológica insuficiente. Isso nos leva à próxima parte 
da crítica de Dooyeweerd.
15
2. O Problema da Síntese. Embora Kant tenha corretamente interpretado o problema do 
conhecimento como um problema de síntese, a base cosmológica insuficiente de sua 
epistemologia impediu Kant de vê-la como uma síntese entre os vários aspectos da 
experiência que foram teoricametne abstraídos da coerência de sentido cósmico e 
distinguí-los entre si. Porque ele reduziu a coerência de sentido a uma coerência lógica, 
a síntese epistemológica não poderia ser para ele nada mais que uma síntese com um 
aspecto do sentido cósmico.
Entretanto Kant tentou demonstrar como um ponto de referência fixo poderia ser 
econtrado à luz do qual a síntese epistemológica seria obtida. Ele argumentou que tal 
ponto não poderia ser encontrado entre os objetos do conhecimento, mas apenas através 
da auto-reflexão no pensamento teórico. Dooyeweerd considera isso um caminho 
bastante promissor, pois, como ele diz, “é indubitável que, enquanto o pensamento 
teórico em sua atividade lógica permanece em estado de oposição aos aspectos modais 
da realidade temporal que constituem seu “Gegenstand”, eles permanecem numa 
diversidade teórica. Apenas quando o pensamento teórico é dirigido ao ego pensante, 
pode ele adquirir a direção concêntrica em direção a uma unidade última da consciência 
que se encontra na raiz de toda diversidade modal do sentido.”Dooyeweerd, N.C., I, p. 
51.
Como Kant assume que as funções lógica e sensória teoreticamente abstraídas são 
as únicas fontes do conhecimento, a unidade transcendental da auto-consciência deve 
em sua opinião ser encontrada em uma dessas fontes. A sensibilidade pode apenas nos 
fornecer conhecimento de nosso eu empírico, isto é, o eu que é feito objeto de 
pensamento, e não do sujeito transcendental do pensamento. Assim, se todos aqueles 
momentos que podem ser tratados como objetos da função lógica do pensamento são 
eliminados do eu individual concreto espaço-temporal, nós ficamos com o ego lógico-
transcendental, que é uma mera forma de pensamento lógico, a forma da representação, 
“Eu penso”. Como tal, ele não transcende os limites da função lógica, mas permanece o 
polo subjetivo universal do pensamento em oposição à realidade da experiência, que 
passa a ser considerada o seu contra-polo objetivo.
Teria Kant alcançado um ponto de referência fixo nesse ego transcendental à luz do 
qual a síntese epistemológica pode ser realizada? Tem essa reflexão transcendental 
realmente penetrado no ego pensante, o autor da síntese? Dooyeweerd aponta, em 
primeiro lugar, que a redução total do ego concreto à unidade lógico-transcendental de 
apercepção é uma abstração executada pelo ego pensante e o último não pode, assim, 
ser identificado com o resultado dessa abstração. A unidade transcendental da 
apercepção não é nada mais que o conceito de uma unidade lógica subjetiva de 
pensamento e como tal pressupõe o ego pensante. O eu empírico é também uma 
abstração. Nem um eu lógico-transcendental nem um eu puramente empírico-psíquico 
podem existir. O eu tem funções psíquicas e lógicas mas e si mesmo ele permanece o 
ponto transcendente de referência desses e de todas as suas outras funções nas várias 
modalidades do cosmo. Apenas este ego central pode ser o ponto de referência para a 
síntese epistemológica.
Em segundo lugar, Dooyeweerd mantém que se o eu pensante é limitado à função 
lógica do pensamento, o conhecimento se torna impossível. Se o eu pensante fosse 
apenas de um caráter lógico, ele naturalmente resistiria a todos os aspectos não lógicos 
da realidade - incluindo o aspecto sensório - como se eles fossem algo que não pertence 
ao ego central; algo que não é próprio de mim, ou meu. Desse modo a possibilidade de 
16
uma síntese de sentido entre a função lógica de pensamento e o material sensório da 
experiência é cancelada, e a crítica Kantiana do conhecimento se auto-destrói.
Dooyeweerd conclui que a profunda unidade da auto-consciência que sozinha torna 
o conhecimento possível, não pode ser limitada a uma de suas funções, mas deve 
transcendê-las como o ponto de referência em que elas encontram sua unidade. A 
unidade transcendental da apercepção de Kant é meramente a unidade imanente da 
função lógica e não a unidade última do ego pensante. O fato de que ele funda sua 
epistemologia nessa abstração é evidenciado por sua redução da síntese epistemológica 
a uma síntese de uma diversidade meramente lógica.
Entretanto, a crítica de Kant permite pelo menos um tipo de síntese intermodal: a 
síntese entre os aspectos lógico e sensório da realidade. Não teria Kant encontrado 
talvez um ponto de referência nessa síntese que transcenda a ambos os aspectos? A 
distinção Kantiana entre lógica formal e transcendental, sua doutrina da imaginação 
transcendental e sua doutrina dosesquematismos pode prover indicações disso.
(a) Lógica Formal e Transcendental. Na crítica Kantiana, a lógica formal lida com 
as formas lógicas sob as quais os conceitos são combinados para formar julgamentos, 
enquanto que a lógica transcendental lida com as categorias que são formas sob as 
quais o conhecimento é relacionado aos objetos dos sentidos. Poderia ser dito que no 
pensamento de Kant a lógica formal lida com as formas lógicas enquanto a lógica 
transcendental lida com as formas epistemológicas. A distinção entre lógica formal e 
transcendental parece implicar que as categorias não são meras formas lógicas, mas 
que elas são formas que implicam uma síntese a prior entre as formas lógicas de 
pensamento e o material sensório. Se não for possível demonstrar que as categorias são 
mais do que meras formas lógicas, diz Dooyeweerd, então a distinção entre lógica 
formal e transcendental seria sem sentido.
Entretanto, um exame cuidadoso mostra que nenhuma síntese intermodal está 
implicada nas categorias, desde que Kant ressalta que é a mesma função lógica que 
está ativa na analítica formal e no pensamento sintético transcendental. Além disso 
Kant orienta as categorias dentro de uma tábua de julgamentos lógicos formais, porque 
eles são realmente de uma natureza lógica. Ele os distingue como conceitos sintéticos 
porque eles são aplicados a experiências possíveis. Entretanto ele não considera a 
síntese em que eles são fundados como intermodal, mas como uma síntese puramente 
lógica. Daí se segue que as categorias são formas meramente lógicas e que não 
implicam qualquer síntese intermodal. Dooyeweerd aponta que se elas fossem 
realmente formas transcendentais de conhecimento objetivo, e não meramente formas 
de pensamento, então elas não deveriam ter sido discutidas em epistemologia, mas na 
análise dos vários aspectos modais da experiência que deveria preceder qualquer 
discussão de epistemologia e que determina as condições cosmológicas do 
conhecimento. Nesse ponto Kant não atinge nem uma síntese intermodal, nem um 
ponto de referência que transcenda a diversidade modal.
(b) A Imaginação Transcendental. Na primeira edição de sua Crítica da Razão Pura, 
aparentemente Kant interpreta a imaginação como uma terceira função ao lado da 
compreensão e da percepção. Essa terceira função deve então ser o fator de síntese 
atrás dos outros dois. Entretanto, a idéia de uma terceira função contradiz a visão 
apresentada na “Introdução” de que haveria apenas duas fontes de conhecimento; 
assim, na Segunda edição, Kant removeu a contradição declarando enfaticamente que a 
imaginação é uma função da compreensão e que a síntese figurativa seria um ato da 
17
compreensão. Assim nós concluímos que a imaginação não fornece um ponto fixo 
além da função lógica. Nem é a síntese figurativa uma síntese intermodal.
(c) A Doutrina do Esquematismo. O problema de uma síntese intermodal entre o 
material sensório e as categorias não é realmente tratado por Kant antes de sua 
discussão da doutrina dos esquematismos. Para demonstrar como as categorias podem 
ser aplicadas aos fenômenos sensórios, Kant formulou sua doutrina na qual o tempo é 
visto como “uma terceira coisa de natureza similar às categorias, por um lado, e aos 
fenômenos, por outro”, que media a síntese entre os dois. Por um lado, o tempo é a 
forma universal da sensação, e por outro lado é o meio pelo qual as categorias são 
esquematizadas com a ajuda da imaginação transcendental.
Como Dooyeweerd mostrou, isso não é uma solução para o problema, mas uma 
petitio principii. Afirma-se que o problema da síntese entre as categorias e os 
fenômenos sensórios é resolvido pelo esquematismo das categorias. Mas isso é apenas 
uma reafirmação do mesmo problema de uma outra forma: como podem as categorias 
e a forma sensória do tempo serem sintetizadas? Desde que as categorias são formas 
puras de pensamento, elas são atemporais e assim estão em oposição irreconciliável 
tanto ao material sensório como à forma sensória do tempo. Segue-se que a doutrina 
dos esquematismos contradiz as próprias visões de Kant sobre o caráter lógico das 
categorias e o caráter do tempo como uma forma de percepção. Consequentemente 
Dooyeweerd conclui que “do capítulo sobre os esquematismos temos a impressão de 
que Kant deve ter visto a insuficiência de sua concepção da unidade da auto 
consciência para explicar relação entre as “categorias de pensamento” e os “fenômenos 
sensórios”.
A crítica de Dooyeweerd a Kant sob este segundo ponto pode ser sumarizada como 
se segue: (1) Devido à insuficiente base cosmológica de sua epistemologia, Kant reduz 
a síntese intermodal do conhecimento a uma síntese meramente lógica. (2) Embora a 
crítica de Kant deixe espaço para ao menos uma síntese intermodal – aquela entre os 
aspectos lógico e sensório – ele não dá uma solução para o problema nem em sua 
doutrina das categorias como formas de lógica transcendental, nem na doutrina da 
imaginação transcendental, nem na dos esquematismos. (3) Desde que Kant absolutiza 
a função lógica, ele reduz o ego pensante, como ponto transcendental de referência 
para todas as sínteses, a uma unidade meramente lógica de consciência. Ele falha em 
transcender a diversidade modal do sentido no ponto de referência que ele escolheu 
para a síntese teórica; como resultado, a direção transcendental do pensamento teórico 
para o ego pensante é desviada e limitada à função lógica. Teria Kant buscado 
transcender à função lógica em sua doutrina das idéias transcendentais? Isso nos leva á 
próxima parte da crítica de Dooyeweerd.
3. A Doutrina Kantiana das Idéias. A atividade sintética do conhecimento, portanto, 
implica um ponto de referência que transcende os diferentes aspectos do sentido 
cósmico. Nosso ego pensante deve ser capaz de participar desse ponto, desde que é o 
ego pensante que realiza a síntese. Entretanto, o pensamento teórico não pode 
transcender a diversidade dos aspectos de sentido do cosmo, desde que é justamente 
essa diversidade que torna o pensamento teórico possível. Assim o pensamento teórico 
não pode fazer mais do que desenvolver idéias regulativas que no uso teórico 
permaneceriam presas aos limites imanentes do conhecimento teórico, mas seriam 
capazes de se referir à totalidade absoluta do sentido, proporcionando um ponto de 
referência transcendente para a síntese teórica do conhecimento.
18
Dooyeweerd chama a tentativa de encontrar tal ponto de referência transcendente 
por meio de idéias transcendentais de “a direção transcendental do pensamento 
teórico”. Essa direção transcendental não aparece na obra de Kant antes de sua 
discussão das idéias transcendentais na dialética transcendental. Essas idéias 
apresentam as características básicas do que seria o ponto de referência necessário a 
uma síntese intermodal. Primeiro de tudo, elas apontam para uma totalidade absoluta 
que de acordo com Kant transcende os limites imanentes da “experiência objetiva”. 
Esta última é sempre limitada aos dados dos sentidos que são condicionados pelas 
categorias, de modo que o absoluto, como o incondicionado, deve transcender esses 
fatores condicionantes. Em segundo lugar, em seu uso teórico, essas idéias 
permanecem presas aos limites imanentes do conhecimento e não podem receber um 
conteúdo positivo pelo pensamento teórico. Seu conteúdo pode apenas ser encontrado 
na esfera transcendente à qual elas se referem.
Kant distingue três dessas idéias transcendentais: as idéias do universo, da unidade 
última do ego humano, e da Origem absoluta. Dooyeweerd considera essas em sua 
triunidade como o verdadeiro ponto fixo pelo qual nós estamos procurando, e como a 
verdadeira hipótese transcendental de qualquerfilosofia. Como o seu conteúdo 
transcende a esfera do pensamento teórico, ele deve depender de pressuposições supra-
teóricas. Como nós veremos, Dooyeweerd tenta demonstrar em sua própria crítica que 
essas pressuposições são de natureza religiosa. Entretanto, Kant recusou-se a dar o 
último passo na direção transcendental do pensamento teórico e não aceitou essas 
idéias como a hipótese última de sua crítica do conhecimento. Assim ele apenas lida 
com elas depois de ter completado sua discussão da síntese epistemológica. Ele não dá 
a elas mais que um significado puramente lógico-formal em sua teoria do 
conhecimento; elas teria apenas uma função regulativa sistemática com respeito ao uso 
das categorias, indicando à compreensão a direção que ela deve seguir para trazer 
unidade às suas regras. Kant falhou em ver que mesmo em seu uso teórico essas idéias 
devem ter um conteúdo real que é supra-teórico e determinado por pressuposições 
religiosas. Ele procurou elaborar sua crítica do conhecimento à parte de qualquer 
atitude religiosa, como um produto puro da reflexão.
Na verdade, Kant deu a essas idéias um conteúdo positivo em sua crítica da razão 
prática, e este conteúdo é determinado por um motivo básico que, de acordo com 
Dooyeweerd, determina toda sua filosofia – incluindo sua crítica do conhecimento. 
Isso nos leva à última parte da crítica de Dooyeweerd.
4. O Motivo Básico da Crítica de Kant. Ao revisar a história da filosofia, Dooyeweerd 
descobriu que cada período da história parece ser dominado por algum motivo básico 
(“grond-motief”) que constantemente se manifesta nesse período. Assim, a filosofia 
grega foi determinada pelo motivo forma-matéria, enquanto na filosofia medieval nós 
encontramos o motivo natureza-graça recorrendo constantemente. Este último motivo 
foi uma tentativa de síntese entre o motivo grego e o motivo cristão criação-queda-
redenção. Estes motivos são todos de um caráter religioso, implicando que todas as 
filosofias parecem ser basicamente determinadas por um fator religioso. Este é também 
o caso do motivo natureza-liberdade do humanismo que subjaz à crítica kantiana.
Os motivos grego, medieval e humanista contém cada um uma polaridade entre dois 
elementos componentes. No motivo humanista, esses elementos são a natureza e a 
liberdade, que são representados respectivamente pelo ideal de ciência natural e o ideal 
de personalidade autônoma. Kant tenta resolver a luta entre esses dois ideais dividindo a 
19
realidade em uma esfera de fenômenos sensórios e uma esfera noumenal supra-sensória. 
O ideal de ciência reinaria supremo sobre os fenômenos, que são determinados pelas 
categorias – especialmente a da causalidade. E para dar espaço à personalidade livre do 
homem, o ideal de ciência foi limitado aos fenômenos e foi criada a esfera noumenal, 
como a esfera da liberdade moral.
Dooyeweerd argumenta que a revolução copernicana de Kant é significativa apenas 
à luz do novo relacionamento que ele estabeleceu entre o ideal de ciência e o ideal de 
personalidade. Já desde o tempo de descartes, a filosofia humanista foi caracterizada 
pela tendência de buscar os fundamentos da realidade apenas no sujeito conhecedor. Se 
Kant “não fez mais do que proclamar o sujeito conhecedor lógico-transcendental como 
a fonte da lei para a realidade empírica, sua obra Copernicana pode não Ter sido nada 
mais do que a realização da tendência básica do ideal humanista de ciência ...”8 O 
aspecto realmente revolucionário da crítica de Kant foi remoção das “coisas em si 
mesmas” da dominação do ideal matemático de ciência e sua limitação de todo 
conhecimento teórico aos fenômenos dos sentidos. Dessa forma o ideal de 
personalidade livre foi emancipado das determinações da ciência matemática e foi 
criada uma esfera supra-sensória na qual a personalidade pudesse ser autônoma. Vê-se, 
então, que Kant sustentou o dualismo do motivo humanista mas enfatizou o primado do 
ideal de personalidade. Este primado ganharia crescente importância no 
desenvolvimento do idealismo após Kant. À luz do equilíbrio entre os ideais de ciência 
e de personalidade – um equilíbrio inclinado em favor do último – Kant deu conteúdo a 
suas idéias transcendentais e elaborou sua crítica do conhecimento.
A forma com que Kant deu conteúdo às idéias transcendentais é claramente 
expresso em sua discussão das antinomias dinâmicas quando ele diz: “Que meu ego 
pensante tem uma natureza simples e indestrutível, que o eu ao mesmo tempo é livre em 
seus atos volicionais e elevado acima da coerção da natureza, e que finalmente a ordem 
total das coisas se origina de um Ser Primeiro do qual todas as coisas derivam sua 
unidade e conexão apropriada: estes são fundamentos da moral e da religião.” Aqui o 
“eu” é liberado do domínio da natureza e mesmo da morte, e é identificado com o eu 
moral autônomo do ideal humanista de personalidade. Esta idéia do eu e o motivo que 
lhe confere conteúdo subjaz à teoria do conhecimento de Kant.
Sem uma base cosmológica para a sua epistemologia, a suposição de Kant de que há 
apenas duas fontes de conhecimento é determinada por seu motivo base dualista. “Sua 
concepção da autonomia e espontaneidade da função lógico-transcendental do 
pensamento é indubitavelmente governada pelo motivo humanista da liberdade, e o 
motivo base da natureza encontra clara expressão em sua concepção do caráter 
puramente receptivo da função sensória da experiência, e de sua sujeição às 
determinações causais da ciência.” Na epistemologia de Kant, a síntese entre liberdade 
e necessidade natural é dada no conceito da conexão das categorias à experiência 
sensória. Entretanto, devido ao dualismo a partir do qual Kant começa seu pensamento, 
todas as suas tentativas de explicar a síntese foram infrutíferas.
O fato de que a sensação e a compreensão lógica são opostos dualisticamente um ao 
outro é perigosa tanto para o ideal de ciência como para o de personalidade. A despeito 
da proclamação da compreensão lógica como a fonte da lei da natureza, a soberania do 
pensamento teórico é seriamente desafiada porque a sensibilidade como uma instância 
8 Dooyeweerd, NC, I, p. 355.
20
puramente receptiva impõe limites insuportáveis sobre ela. A compreensão é feita a 
fonte da lei meramente em um sentido formal. O conhecimento material permanece um 
produto a-lógico do Ding an sich. Este Ding an sich metafisicamente construído limita 
seriamente a autonomia do ideal de ciência. Entretanto, ele também desafia a autonomia 
do ideal de personalidade porque, como uma realidade noumenal, ele não é compatível 
com a autonomia do homo noumenon na esfera supra-sensória. Em sua crítica da 
comologia metafísica, Kant tentou retificar isso rejeitando o Ding an sich natural como 
uma construção metafísica. “Não pode ser negado”, diz Dooyeweerd, “que na dialética 
transcendental, ao introduzir as idéias transcendentais da razão teórica, Kant tomou um 
importante passo na direção tomada por Fichte. Este último eliminou completamente o 
“Ding an sich” e proclamou a razão prática, o lugar do ideal ético de personalidade, 
como a raiz mais profunda de todo o cosmo.
21
III. AS CONDIÇÕES TRANSCENDENTAIS DO PENSAMENTO 
TEÓRICO
Na primeira edição de sua magnum opus em 1935, em holandês, Dooyeweerd 
procurou criticar o pensamento ocidental começando com a pressuposição de que a 
filosofia, por natureza, se dirige à totalidade do sentido da realidade temporal, passando daí 
a considerar o problema do ponto arquimediano do pensamento e o problema do Arché. 
Essa abordagem não teve, no entanto, o alcance esperado, basicamente porque, como 
Dooyeweerd reconhece, essa definição de filosofia não tem aceitação universal. Assim 
Dooyeweerd procurou aprofundar sua crítica do pensamentoteórico focalizando “a atitude 
teórica de pensamento como tal”.9 Sua nova abordagem apareceu primeiramente, segundo 
BRÜMMER, em dois artigos escritos em 1941 para a revista Philosophia Reformata,10 e foi 
publicada em 1948 na obra Transcendental Problems of Philosophic Thought.11 A forma 
final do argumento é encontrada no capítulo 1 da edição inglesa de sua obra magna: A New 
Critique of Theoretical Thought.12 Neste capítulo vamos nos concentrar na exposição da 
forma final do argumento, que Dooyeweerd chama de “A Segunda Via para uma Crítica 
Transcendental do Pensamento Teórico.”
1. A Base Cosmológica da Crítica Transcendental
Como vimos no capítulo anterior, Dooyeweerd apontou como uma das falhas 
principais da crítica Kantiana a ausência de uma base cosmológica adequada para a 
epistemologia. Kant partiu da pressuposição de que as fontes do conhecimento se reduzem 
aos dados dos sentidos e as categorias da compreensão, e esse erro básico comprometeu 
todo o restante do edifício. Desse modo, a Nova Crítica de Dooyeweerd começa com o 
estabelecimento de uma base cosmológica mais ampla e de uma concepção de pensamento 
teórico coerente com essa base cosmológica.
2. O Primeiro Problema Transcendental Básico: “Relação-Gegenstand” versus 
“Relação Sujeito-Objeto”.
O primeiro problema transcendental do pensamento teórico por ser formulado como 
se segue: “Como a atitude teórica de pensamento é caracterizada, em contraste com a 
atitude pré-teórica da experiência ingênua?”13 Em nosso exame da base cosmológica da 
epistemologia, vimos que a atitude teórica de pensamento se caracteriza pela análise e 
conseqüente separação dos strata da experiência. Já na atitude pré-teórica experimentamos 
na coerência integral do tempo cósmico, percebendo não esferas modais, mas estruturas 
9 Dooyeweerd, NCTT, I, Prolegomena, p. 35.
10 Brümmer, Transcendental Criticism, p. 43.
11 Dooyeweerd, Herman, “Transcendental Problems of Philosophical Thought”. Grand Rapids: Eerdmans, 
1948, 80 pp.
12 A edição holandesa de 1935 continha apenas a “primeira via” da crítica transcendental. Já a edição inglesa 
de 1953 trouxe na introdução a “primeira via” e no capítulo 1 a “Segunda via” contendo seu argumento mais 
elaborado. Devido a essa e a várias outras modificações, a edição inglesa foi considerada por muitos como 
uma obra praticamente nova e original.
13 Dooyeweerd, NCTT, I, p. 38.
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completas de individualidade. Vamos começar analisando melhor a atitude teórica do 
pensamento.
A Estrutura Intencional do Pensamento Teórico e a Origem do Problema do Pensamento 
Teórico
A atitude teórica sempre envolve uma tentativa de analisar e de reconstituir as 
realidades de um determinado strata da experiência de forma lógica, conceptualizando essa 
dimensão da experiência. A atitude teórica tem assim uma estrutura antitética, 
caracterizando-se por uma antítese entre a nossa função lógico-analítica e uma outra função 
ou dimensão não-lógica da experiência. Essa função não-lógica é denominada por 
Dooyeweerd como a “Gegenstand” no sentido de “oposto”.
Desse modo o pensamento teórico não tem uma estrutura ôntica, mas apenas 
intencional.14 Ou seja, “a antítese teórica não corresponde à estrutura da realidade 
empírica”15, sendo apenas uma abstração teórica de um certo aspecto da experiência. Por 
outro lado, o ato real de pensamento teórico, o ato da abstração, e si, é real e concreto, de 
modo que só pode existir como uma estrutura de individualidade integral e temporal 
participando de todos os strata.
O processo intencional da abstração encontra resistência nos aspectos da 
experiência, na dificuldade de conceptualizá-los. Essa resistência nasce do fato de que 
mesmo ao ser abstraída, “a estrutura modal do aspecto não-lógico X que é tratado como 
“Gegenstand” continua a expressar sua coerência (de sentido) com os aspectos modais Y 
que não foram escolhidos como o campo da inquirição.”16 É que uma vez que os diversos 
aspectos existem numa coerência inquebrável de sentido, não há como definir um aspecto a 
não ser em referência aos outros. Segue-se que, embora a abstração seja fundamental para 
atingirmos um insight teórico na diversidade do sentido cósmico, o resultado da abstração 
não pode jamais ser tratado como um dado básico da experiência, ou como um “dado não 
problemático”.
A Relação Sujeito Objeto na Experiência Ordinária
Vamos passar agora ao exame da atitude ingênua ou ordinária do pensamento. 
Nessa atitude pré-teórica a função lógica do pensamento permanece plenamente integrada e 
acomodada à coerência cósmica. Ao invés de isolar aspectos da experiência, nós captamos 
a realidade em estruturas totais de individualidade: objetos, acontecimentos, ações, 
indivíduos – todo tipo de estrutura é percebida na sua integralidade. Assim o processo 
ordinário de formação de conceitos se dirige a coisas e eventos concretos. O aspecto lógico 
não surge oposto a outros, mas como um componente implícito da realidade, assim como o 
aspecto estético, ou sensório, ou histórico.
Essa experiência ordinária pode ser descrita como uma relação sujeito-objeto, na 
qual funções e qualidades objetivas são atribuídas às coisas e eventos, dentro daqueles 
aspectos da experiência nos quais se percebe que essas coisas e eventos não aparecem como 
sujeitos.17 Nós sabemos muito bem, por exemplo, que a água não tem vida biológica, mas 
14 Ibid, p. 39.
15 Ibid, p. 40.
16 Ibid, p. 40.
17 Ibid, p. 42.
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nós a tratamos como tendo a função objetiva de ser necessária à vida; que a pena do pássaro 
não vive, mas é um objeto que tem significado apenas na relação com a vida subjetiva do 
pássaro, como um objeto da vida. Assim a relação sujeito-objeto é vivida como uma parte 
estrutural da realidade, tendo assim o caráter ôntico que falta à relação Gegenstand.18
O conceito metafísico de “substância”, e o conceito de uma “coisa em si” (Ding na 
sich) como uma espécie de matéria ou essência pura sem significado é ausente da 
experiência ordinária, surgindo da abstração e “substancialização” de uma das esferas da 
experiência. Na experiência ingênua o foco está nas estruturas totais de individualidade e 
em suas relações sujeito-objeto, e nunca na tentativa de definição de “essências” isoladas.
Uma vez que a relação sujeito-objeto tem caráter verdadeiramente ôntico e não 
intencional, jamais buscando essências do real ou dividindo abstratamente suas 
propriedades, podemos dizer que a experiência ingênua deixa as estruturas da experiência 
do real intactas.
Efeitos da Falha em Considerar a Relação entre Experiência Ordinária e Pensamento 
Teórico
A distinção entre as relações “gegenstand” e “sujeito-objeto” nos ajuda a 
compreender um dos erros fundamentais da atitude dogmática de pensamento como a que 
encontramos em Kant. Nessa posição a atitude teórica de pensamento é considerada como 
ôntica, e os resultados da relação gegenstand como um datum não problemático. Com essa 
interpretação somos levados a identificar a relação sujeito-objeto com a relação gegenstand 
e finalmente ao erro de interpretar a experiência ordinária como se fosse uma teoria 
ingênua sobre a realidade: a teoria acrítica do realismo ingênuo ou teoria da 
cópia/representação.19 Muito ao contrário, a experiência ordinária toma a realidade como é 
dada: “Ela é em si mesma um datum ou antes o datum supremo para toda teoria da 
realidade e do conhecimento. Toda teoria filosófica que não dá conta disso deve ser 
necessáriamente errônea em seus fundamentos.”20
Outro efeito dessa falha é a tendência originada no pensamento grego e transmitida 
à teologia cristã de conceber o homem como um composto de alma racional e corpo 
material. Assim em Aristóteles a atividade teórica do pensamento, capaz deformar 
conceitos lógicos, deveria ser totalmente independente do corpo material. Isso é a 
hipostatização da função lógica do ego, hipostatização essa um resultado de se tratar a 
estrutura intencional da relação gegestand como uma estrutura ôntica. Assim temos mais 
tarde Descartes dizendo: “Penso, logo existo”, definindo assim o ego central existente como 
um centro racional puro e incorpóreo.
Conclusão
18 “As funções objetivas pertencem às coisas em si mesmas na relação com possíveis funções subjetivas que 
as coisas não possuem nos aspectos da realidade envolvidos.” Ibid, p. 42.
19 “Assim, em aliança com a moderna ciência natural e a teoria fisiológica das ‘energias específicas dos 
sentidos’ a moderna epistemologia assume a tarefa de refutar esse ‘realismo ingênuo’!” Ibid, p. 43.
20 Dooyeweerd, “Transcendental Problems”, p. 35, 36.
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A formulação mais extensa do primeiro problema transcendental feita por 
Dooyeweerd é esta: “O que, na atitude antitética de pensamento teórico, nós abstraímos 
das estruturas da realidade empírica como nos são dadas na experiência ingênua? E como 
é essa abstração possível?”21 Ou seja, o que buscamos é definir a relação gegenstand e 
estabelecer seu verdadeiro relacionamento com a experiência ordinária.
A resposta a essa pergunta é que na atitude teórica isolamos um aspecto específico 
da experiência e o confrontamos com o aspecto lógico, de tal forma que essa estrutura 
intencional surge da abstração teórica de uma dimensão da experiência. Evidentemente, 
assim, o produto intencional do pensamento teórico não pode conter a realidade e não 
corresponde aos objetos reais; as estruturas da realidade empírica não são integralmente 
transmitidas a nós na abstração, mas apenas um dos strata dessa estrutura. Ao mesmo 
tempo, o produto intencional da atividade teórica nunca é absolutamente isolado das 
estruturas da realidade empírica, pois seu sentido é dado pela totalidade do real; assim o 
strata abstraído nunca é transmitido a nós na abstração independentemente das estruturas 
da realidade empírica.
3. O Segundo Problema Transcendental Básico: O Ponto de Partida da Síntese 
Teórica
A colocação do problema da “Relação Gegenstand”, isto é, da antítese entre o 
aspecto lógico e os outros aspectos da experiência não soluciona o problema do 
pensamento teórico, pois o processo de conceptualização só se completa quando é 
alcançada uma síntese entre os pólos lógico e não-lógico da relação gegenstand.
Surge daí um segundo problema transcendental que foi assim formulado por 
Dooyeweerd: “A partir de qual ponto de referência nós podemos reunir sinteticamente os 
aspectos lógico e não-lógico da experiência que foram colocados em oposição um ao outro 
na antítese teórica?”22
A Necessidade da Unidade Radical entre o Lógico e o Não-Lógico para a Síntese Teórica
Um pouco de atenção ao problema nos fará perceber que não é possível encontrar 
esse ponto de referência em um dos dois pólos da antítese. O que o ego pensante busca na 
relação gegenstand é conceptualizar uma realidade não-lógica. O problema é como 
podemos saber se o conceito teórico produzido após essa conceptualização é uma imagem 
lógica adequada daquela realidade não-lógica. Ora, se essas duas dimensões são 
essencialmente distintas, isto é, se a conceptualização é realizada justamente porque há a 
função lógica e uma função oposta cuja característica essencial é ser não-lógica, então elas 
permanecem mutuamente insolúveis, como água e óleo.23
Na verdade, não pode haver esperança de que uma explicação lógica de uma 
realidade não-lógica seja verdadeira, a não ser que exista uma unidade profunda entre o 
lógico e o não-lógico. Essa unidade seria algo mais do que lógico. Isso pode ser ilustrado 
com uma experiência comum que todos conhecemos: a linguagem. Podemos dizer que 
21 Dooyeweerd, NCTT, I, p. 41.
22 Ibid, p. 45.
23 “Pois uma coisa é certa: a relação antitética, com a qual a atitude teórica de pensamento fica de pé ou cai, 
não oferece em si mesma nenhuma ponte entre o aspecto do pensamento lógico e seu “Gegenstand” não 
lógico”. Ibid, p. 45.
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“José ficou muito irado repentinamente”. Ou podemos usar uma metáfora e dizer que “José 
sofreu uma explosão de ira”. É claro que José não “explodiu” literalmente. Estamos usando 
uma metáfora física para descrever um processo psíquico. Mas como isso é possível? Não é 
porque seja possível demonstrar uma conexão etimológica entre “explosão” e “ira 
repentina”. A metáfora funciona porque sentimos que há uma semelhança entre uma 
explosão e uma ira violenta e repentina. Essa semelhança, que fundamenta o uso linguístico 
da metáfora é de natureza pré-linguística. Porque sentimos a semelhança, criamos a 
metáfora. 
Outro exemplo nessa linha é o da tradução. Para traduzir uma sentença de outra 
língua para a nossa, precisamos de algo em comum entre as duas línguas. Por exemplo, se 
vamos traduzir a frase “I need water”, precisamos encontrar uma expressão de sentido 
equivalente no português. A expressão “Eu preciso de água” preenche as condições. Mas é 
interessante notar que não há conexão linguística clara entre essas duas frases; não só as 
palavras tem raízes diferentes, como a sintaxe das orações é diferente. Mas de algum modo, 
as duas línguas/culturas desenvolveram estruturas linguísticas para expressar uma realidade 
comum de base biológica que todos os seres humanos compartilham: a necessidade de 
água. Assim a unidade mais profunda da experiência humana torna possível um 
intercâmbio entre linguagens estruturalmente diferentes.
O que buscamos expressar por meio dessas pobres analogias é que para 
formularmos um conceito lógico sobre uma coisa que em sua essência é estranha à lógica – 
daí o nosso desejo de conceptualizá-la – precisamos sentir que o lógico e não-lógico são 
coerentes de algum modo. Essa coerência não pode ser lógica porque se assim fosse, o 
aspecto que está sendo conceptualizado não seria realmente não-lógico! Nesse caso não 
haveria qualquer antítese teórica e a atitude ordinária do pensamento nos daria conceitos 
lógicos espontâneos de todos os aspectos da experiência. Não haveria qualquer diferença 
entre o pensamento teórico-científico e o pensamento ordinário. Se isso fosse verdade, 
porque a necessidade de “conceptualizar” como atividade intencional?
Do fato de que a atitude teórica é intencional e antitética, fica óbvio que a síntese 
que finalmente nos fornece um conceito lógico sobre a realidade não-lógica deve 
relacionar esses dois aspectos a uma unidade radical, mais profunda do que ambos; nessa 
unidade radical estaria a coerência entre os dois aspectos, e percebendo essa coerência 
profunda é que somos capazes de formular conceitos lógicos sobre a realidade não-lógica 
que façam justiça a essa realidade.
O Impasse do Pensamento Imanentista e a Fonte das Antinomias Teóricas
A impossibilidade de se proceder a uma síntese teórica sem pressupôr uma visão da 
unidade profunda entre os diversos aspectos da experiência é a causa de uma distorção 
fundamental dentro do pensamento imanentista: os diversos “ismos” na interpretação da 
realidade. 
Sempre que o pensamento busca a totalidade do sentido cósmico – a “unidade 
profunda do sentido” de que falamos há pouco – dentro do próprio cosmo, inevitavelmente 
absolutizará uma das dimensões de sua experiência temporal que foi abstraída 
teoreticamente. Assim o ponto de partida teórico para a conceptualização das diversas 
esferas da experiência fica sendo uma conceptualização específica que foi absolutizada e 
tratada como a totalidade do sentido.
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Vários exemplos disso poderiam ser apontados. Por exemplo, na matemática: como 
devemos compreender a relação entre a lógica, o número, o espaço, a sensação

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