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ou voces mudam ou acabam MILIANDRE

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“OU VOCÊS MUDAM OU ACABAM”: 
TEATRO E CENSURA NA DITADURA MILITAR (1964-1985) 
 
 
 
 
Miliandre Garcia 
 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História Social da Universidade Federal do 
Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à 
obtenção do título de Doutor em História Social. 
 
Orientador: Carlos Fico 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2008 
 
 
 
 
 
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 II
“ OU VOCÊS MUDAM OU ACABAM”: 
TEATRO E CENSURA NA DITADURA MILITAR (1964-1985) 
 
 
Miliandre Garcia 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do 
título de Doutor em História Social. 
 
 
Aprovada por: 
 
 
__________________________________ 
Prof. Dr. Carlos Fico 
(Orientador) 
 
__________________________________ 
Prof. Dr. Marcos Napolitano 
 
__________________________________ 
Prof. Dra. Maria Celina D’Araujo 
 
__________________________________ 
Prof. Dra. Maria Paula Nascimento Araujo 
 
__________________________________ 
Prof. Dra. Rosângela Patriota 
 
 III
 
 
GARCIA, Miliandre. 
“Ou vocês mudam ou acabam”: teatro e censura na ditadura militar 
(1964-1985)/ Miliandre Garcia. – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2008. 
xi, 420 f.: 1v. 
Orientador: Carlos Fico. 
Tese (doutorado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-graduação em 
História Social, 2008. 
Referências Bibliográficas: f. 308-344. 
1. Teatro 2. Censura de diversões públicas. 3. Ditadura militar. I. Fico, 
Carlos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e 
Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em História Social. III. Título. 
 
 
 
 IV
 “OU VOCÊS MUDAM OU ACABAM”: 
TEATRO E CENSURA NA DITADURA MILITAR (1964-1985) 
 
Miliandre Garcia 
 
Orientador: Carlos Fico 
 
 
RESUMO 
 
É comum associarmos a existência da censura tão somente ao Estado Novo e à ditadura 
militar. Porém, a censura no Brasil é um fenômeno antigo, com atuações diversificadas. A 
censura teatral foi instituída no século XIX com a fundação do Conservatório Dramático 
Brasileiro. Desde então, os governos brasileiros não só incorporaram a censura de peças 
teatrais como também submeteram outras manifestações artístico-culturais à obrigatoriedade 
da censura prévia. O auge desse processo ocorreu na década de 1940 com a criação do 
Serviço de Censura de Diversões Públicas. Até a década de 1960, a censura de diversões 
públicas era responsabilidade dos estados, regia-se por legislação ostensiva e atuava na esfera 
da moral como “guardiã” da sociedade. Com o golpe militar, a atividade censória passou por 
um processo de re-significação que consolidou a centralização do órgão em Brasília e a 
prática da censura política. Ao papel de mantenedora dos princípios éticos e dos valores 
morais, motivos alegados na criação do órgão na década de 1940, agregou-se a preocupação 
com a manutenção da ordem política e da segurança nacional, justificativas incorporadas na 
reestruturação da censura nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Investigar como se deu o 
processo de politização da censura de costumes, em especial da censura de teatro e o 
relacionamento do setor com o governo, é um dos principais objetivos desta tese de 
doutorado. 
Palavras-chave: teatro, censura, ditadura. 
 
ABSTRACT 
 
It’s common the association of existence of the censorship to the Estado Novo and at the 
military dictatorship. However, the censorship in Brazil is an old phenomenon, with 
diversified characteristics. The censorship on theatre was instituted in the XIX century with 
the foundation of the Conservatório Dramático Brasileiro. Since then, the brazilians 
governments had not only incorporated the censorship of theatricals scenes as submitted other 
artistic-cultural manifestations to the obligatoriness of the previous censorship. The top of this 
process occurred in 1940’s with the creation of the Serviço de Censura de Diversões Públicas. 
Until 1960’s, the censorship of public entertainment was responsibility of the states, was 
conducted for ostensive legislation and operated in the moral sphere as “guardian” of the 
society. With the military stroke, the censorship activity passed for a process of change of 
signification that consolidated the centralization of the agency in Brasilia and as well the 
practical of the censorship the politics. To the paper of maintenance of the ethical principles 
and the moral values, reasons alleged in the creation of the agency in the decade of 1940, it 
was added the preoccupation with the maintenance of the political order and the national 
security, justifications incorporated in the reorganization of the censorship in 1960’s, 1970’s 
and 1980’s. To investigate this process of politicalization of the censorship of customs, in 
special of the theatrical censorship and the relationship of this sector with the government, is 
one of the principal objectives of this research. 
Key-works: theater, censorship, dictatorship. 
 
 V 
SUMÁRIO 
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................................ IX 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 12 
PARTE 1: GENEALOGIA DA CENSURA NO BRASIL ............................................................................... 24 
1.1. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CENSURA E A SEPARAÇÃO DAS DUAS CENSURAS ....................... 25 
1.2. O PROCESSO DE CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E A ASCENSÃO DA CENSURA POLÍTICA39 
1.3. AS CONTRADIÇÕES DE GAMA E SILVA NA ESFERA DA CENSURA DE COSTUMES ...................... 56 
1.4. A(S) CENSURA(S) SOB CONTROLE ....................................................................................................... 78 
PARTE 2: TEATRO E DITADURA ................................................................................................................. 94 
2.1. PRODUÇÃO TEATRAL E DITADURA MILITAR .................................................................................... 95 
2.1.1. A afirmação do engajamento artístico: o Teatro de Arena de São Paulo ........................................... 99 
2.1.2. A construção da resistência cultural: o Grupo Opinião .................................................................... 119 
2.1.3. Na contramão da produção teatral: o Teatro Oficina ....................................................................... 127 
2.2. A CONSTRUÇÃO DA UNIDADE TEATRAL E OS ATOS DE RESISTÊNCIA CULTURAL .................. 146 
2.2.1. É hora dos intelectuais deixarem de ser um bloco difuso: ensaio geral ........................................... 146 
2.2.2. Contra a censura, pela cultura: a greve dos teatros .......................................................................... 163 
2.2.3. A luta agora é na Justiça: o caso Calabar ........................................................................................ 180 
PARTE 3: A CENSURA NA ABERTURA ..................................................................................................... 189 
3.1. A DESCENTRALIZAÇÃO DA CENSURA TEATRAL E A PERMANÊNCIA DA CENSURA POLÍTICA 190 
3.2. A REFORMA CENSÓRIA DE PETRÔNIO PORTELLA ......................................................................... 201 
3.3. A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DOS SEMINÁRIOS DE CENSURA (1980-1981) ................... 206 
3.4. A CONTINUIDADE DAS DIRETRIZES CENSÓRIAS NO CONTEXTO DE ABERTURA POLÍTICA 
(1981-1985) .................................................................................................................................................... 227 
PARTE 4: NOS BASTIDORES DA CENSURA ............................................................................................236 
4.1. “A SUPERCENSURA”: A CONSTRUÇÃO DO POLÍTICO NO TEATRO BRASILEIRO ...................... 237 
4.2. CENSURA POLÍTICA E PRODUÇÃO TEATRAL .................................................................................. 258 
4.2.1. Aspectos gerais da censura teatral .................................................................................................... 258 
4.2.2. Proibição de peças com temática política ........................................................................................ 264 
4.2.3. Meios de expansão das “ideologias alienígenas” ............................................................................. 282 
4.2.4. As políticas de censura no contexto da abertura .............................................................................. 296 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................ 305 
FONTES E BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 309 
FONTES ......................................................................................................................................................... 309 
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 335 
ANEXOS ............................................................................................................................................................ 346 
 
 
 
 VI
LISTA DE ABREVIATURAS 
 
DCDP/AG/CO/IS Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção 
Administração Geral / Série Correspondência Oficial / Subsérie 
Informações Sigilosas 
DCDP/AG/CO/MS Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção 
Administração Geral / Série Correspondência Oficial / Subsérie 
Manifestações da Sociedade Civil 
DCDP/AG/CO/OC Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção 
Administração Geral / Série Correspondência Oficial / Subsérie 
Ofícios de Comunicação ou Solicitação 
DCDP/AG/CO/OS Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção 
Administração Geral / Série Correspondência Oficial / Subsérie 
Ofícios de Solicitação 
DCDP/AG/RA Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção 
Administração Geral / Série Relatórios de Atividades 
DCDP/CP/TE/PT Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção Censura 
Prévia / Série Teatro / Subsérie Peças Teatrais 
DCDP/OR/NO Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas / Seção Orientação 
/ Série Normatização 
SCDP/SR Fundo Serviço de Censura de Diversões Públicas / Superintendência 
Regional 
SCDP/SR/RJ/CP/PT Fundo Serviço de Censura de Diversões Públicas / Rio de Janeiro / 
Série Censura Prévia / Subsérie Peças teatrais 
 
 
 VII
LISTA DE ANEXOS 
 
Filmes e peças examinados pelo Departamento Federal de Segurança Pública (1942-
1960) ................................................................................................................................. 346 
Organograma da DCDP .................................................................................................... 347 
Lista de peças proibidas pela Censura Federal (1965-1987) ............................................ 348 
Lista de portarias expedidas pela Censura Federal (1964-1988) ...................................... 364 
Gráficos do Fundo da Divisão de Censura de Diversões Públicas, Seção Administração 
Geral, Série Correspondência Oficial, Subséries Ofícios de Comunicação, Ofícios de 
Solicitação, Informações Sigilosas e Manifestações da Sociedade Civil ......................... 416 
 
 VIII 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
Dedico este trabalho a Rodrigo Czajka, 
responsável pelo sorriso espontâneo e pelos 
anos felizes. À minha mãe, Marlene Curti, 
exemplo mulher que sabe melhor do ninguém 
conduzir o próprio destino. Ao meu pai, 
Maximiano Garcia de Souza Neto, pelos bons 
momentos. Aos professores Claudiomar dos 
Reis Gonçalves e Maria Dulce Alho Gotti, 
pelos primeiros ensinamentos. 
 
 IX
AGRADECIMENTOS 
 
O desenvolvimento de uma tese de doutorado caracteriza-se pela parceria com 
inúmeras pessoas/instituições que apostaram na viabilidade do projeto, na pertinência do tema 
e na concretização da pesquisa. O agradecimento público, porém, não almeja partilhar 
responsabilidades, mas ressaltar o amparo das instituições de fomento à pesquisa, a 
importância dos profissionais do setor de informação, o diálogo com pesquisadores da área de 
Humanas, a generosidade dos artistas, o incentivo dos familiares e o apoio dos amigos. 
No texto abaixo, agradeço a contribuição individual daqueles que acompanharam o 
processo de desenvolvimento da tese de doutorado. 
Primeiramente, agradeço ao professor Carlos Fico que aceitou a orientação do 
trabalho, proporcionou plena liberdade ao desenvolvimento da pesquisa e realizou uma leitura 
minuciosa dos textos produzidos. Além disso, sua produção sobre ditadura militar e sua 
preocupação com a clareza do texto contribuíram para a finalização desta tese de doutorado. 
Em seguida, agradeço aos professores Maria Paula Nascimento Araujo, da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro, e Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo, que 
participaram do exame de qualificação e contribuíram com valiosas sugestões, agora 
incorporadas ao trabalho final. Marcos Napolitano não só encaminhou-me à problemática da 
cultura como também estimula pesquisas futuras. A ele sou sempre grata. Também gostaria 
de antecipar os agradecimentos às professoras Maria Celina D’Araujo, do Centro de Pesquisa 
e Documentação de História Contemporânea do Brasil, e Rosângela Patriota, da Universidade 
Federal de Uberlândia, que aceitaram o convite para participar da banca examinadora da tese 
de doutorado. 
Não poderia deixar de mencionar os professores do Programa de Pós-graduação em 
História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro com os quais tive contato. Marieta 
de Moraes Ferreira realizou reflexões importantes sobre o papel da história política na 
historiografia contemporânea. Marcos Bretas, além de proporcionar discussões sobre o papel 
da polícia, apresentou-me artigos sobre censura e teatro e indicou-me o acervo da Fundação 
Nacional de Arte (Funarte). 
Professores de outras instituições também colaboraram para a construção da tese. O 
professor Marcelo Ridenti, do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade 
Estadual de Campinas, não só leu os esboços do projeto com também cedeu as entrevistas 
realizadas para a sua pesquisa de livre docência. As professoras Maria Ligia Coelho Prado e 
Maria Aparecida de Aquino, do Programa de Pós-graduação em História Social da 
 
 X 
Universidade de São Paulo, aceitaram a matrícula como aluno especial e estimularam novos 
olhares sobre o objeto de pesquisa. 
No desenvolvimento da pesquisa recebi a notificação do falecimento de dois 
professores do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. Claudiomar 
dos Reis Gonçalves e Maria Dulce Alho Gotti não só demonstraram paixão pelo ofício de 
historiador como estimularam o interesse pela pesquisa histórica. Com eles aprendi muito e 
deixo aqui registrados meus agradecimentos. 
No levantamento das fontes duas pessoas tornaram-se imprescindíveis ao 
desenvolvimento do trabalho: Carlos Marx Gomide Freitas, da Superintendência Regional do 
Arquivo Nacional, e Márcia Cláudia Figueiredo, do Centro de Documentação da Funarte, 
prestam grande serviço à história e cultura nacionais. O profissionalismo de ambos é digno de 
admiração e respeito. Agradeço também aos queridos colegas Isabel, Mário e Elaine e aos 
demais funcionários do Arquivo Edgar Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas que 
auxiliaram minhas pesquisas sobre a revista Cultura, do ConselhoFederal de Cultura. 
Agradeço à extrema generosidade de Cecília Thompson, protagonista da história do 
Teatro de Arena, e ao trabalho de difusão de Bernardo Schmidt, entusiasta da produção teatral 
brasileira. Ambos proporcionaram o contato com gravações inéditas dos ensaios do Teatro de 
Arena e das peças de Gianfrancesco Guarnieri. 
Entre artistas e intelectuais, agradeço a gentileza de Augusto Boal, Carlos Estevam 
Martins, César Vieira, Chico de Assis, José Celso Martinez Corrêa, Luiz Carlos Maciel e 
Ruth Escobar que concederam autorização para consulta de documentos sigilosos em arquivo 
militar. 
Com as queridas amigas Maika Lois Carocha e Adrianna Cristina Lopes Setemy 
compartilhei experiências em comum e troquei valiosas indicações. Quando eu não sabia 
como encontrar uma relação de leis sobre censura, Maika resolveu meu problema com uma 
solução simples: indicou-me o portal do Senado Federal. Adrianna deixou minhas pesquisas 
no arquivo e minha estadia em Brasília mais coloridas, além de auxiliar-me nas questões 
burocráticas. 
João Carlos de Freitas destinou-me a “bíblia” dos censores e solucionou algumas 
dúvidas sobre a tramitação das leis. Obrigada pela assessoria e, sobretudo, pela amizade. 
Agradeço também aos integrantes do Grupo de Estudos sobre a Ditadura com os 
quais mantive contato por curto período. Em especial, William de Souza Nunes Martins. 
Agradeço aos amigos Givaldo Alves da Silva e Ligia Maria Fogagnollo pela amizade 
incondicional, Mariana Martins Villaça pela presença carinhosa, Renata Cerqueira Barbosa 
 
 XI
pela garra motivadora, Maria Clara Wasserman pela hospedagem carioca em momento difícil 
e Mariana Mont’Alverne Barreto Lima, Thiago Rodrigues, Makarios Maia Barbosa, Sergio 
Lizias e Francisca Caetano Rousselot pela inesquecível experiência em território estrangeiro. 
Por último, destaco a importância do Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico (CNPq) cujo investimento de três anos de bolsa de doutorado 
propiciou o levantamento das fontes documentais, a aquisição de material de trabalho e a 
conclusão da tese de doutorado. Sem este apoio institucional uma série de atividades teria 
sido colocada em segundo plano. 
 
 12
INTRODUÇÃO 
 
Devido à proximidade histórica e às construções da memória, é comum associarmos 
a existência da censura tão somente ao Estado Novo e à ditadura militar. Porém, o fenômeno 
da censura no Brasil apresenta uma longa e sinuosa trajetória cuja complexidade abarca desde 
a época colonial com o controle da Igreja Católica e a instauração de processos inquisitoriais, 
passando pelo período imperial com a chegada da corte portuguesa e a presença dos censores 
régios, até chegar ao período republicano com a criação de órgãos especializados e o auxílio 
de membros da sociedade. 
A prática da censura no Brasil, embora seja um fenômeno de longa duração, não 
apresentou nenhum padrão de funcionamento, exceto pelo fato dos governantes valerem-se de 
mecanismos de controle para impedir a circulação de informações que julgaram contrárias aos 
seus interesses. 
Desde que o governo de d. João VI assumiu as atividades censórias no início do 
século XIX, livros e jornais foram os principais prejudicados. Com a criação do 
Conservatório Dramático Brasileiro (CDB), na década de 1830, a censura oficial inaugurou o 
exame prévio de peças teatrais. A partir da criação do CDB, o Estado brasileiro não só 
expandiu a censura prévia para as diversões públicas como também submeteu o exercício 
censório a organismos policiais. Desde então, a censura teatral foi tratada como caso de 
polícia, com exceção do Estado Novo que conferiu tratamento especial às atividades 
censórias, dividindo-as em setores estratégicos e tirando-a das atribuições policiais. Na 
ditadura varguista, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) centralizava as funções 
da censura e assumia o monopólio da informação. 
Com a deposição do presidente Getúlio Vargas, o novo governo realizou 
modificações administrativas no campo da censura sem, contudo, apresentar rupturas 
drásticas na dinâmica do setor. O sucessor presidencial José Linhares, de um lado, extinguiu a 
censura de radiodifusão e a censura da imprensa e criou um organismo próprio para realizar a 
censura de diversões públicas e, de outro, restituiu a “tradição policialisca” da censura de 
costumes e apresentou uma continuidade com a censura do governo anterior. 
O Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) foi criado em 1945 e a censura 
prévia de letras musicais, filmes, peças teatrais, programas de rádio e televisão era realizada 
pelos setores estaduais até a década de 1960 quando a União assumiu o controle das diversões 
públicas e transferiu a sede da censura para Brasília. Com a centralização da censura na 
capital federal, apenas alguns serviços ficaram sob responsabilidade dos órgãos estaduais, as 
 
 13
chamadas Turmas de Censura de Diversões Públicas (TCDPs), a exemplo do exame das letras 
musicais, do material publicitário e dos ensaios das peças. Em 1972, o SCDP transformou-se 
em Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) e as TCDPs dos estados 
transformaram-se em Serviços de Censura de Diversões Públicas (SCDPs). Em meados da 
década de 1970, a censura teatral sofreu um movimento inverso à centralização do organismo. 
Em 1975, a DCDP devolveu o exame prévio de peças teatrais para os órgãos de São Paulo e 
Rio de Janeiro e, em 1978, para as censuras estaduais com mais de três técnicos de censura. 
Da data da sua criação, em 1945, até o ano de sua extinção, em 1988, a censura de 
diversões públicas respondeu aos imperativos políticos dos governantes e transitou de uma 
ação mais rigorosa e centralizada desde 1967/68, passando por uma fase de instabilidade no 
final da década de 1970 até transformar-se numa atividade burocrática e inexpressiva no fim 
da ditadura. 
Até recentemente, poucos trabalhos concentraram-se na análise da censura de 
diversões públicas. Nos últimos anos, a produção acadêmica voltou-se para a sua 
investigação. Entre os trabalhos que se debruçaram sobre o estudo pormenorizado da censura 
de diversões públicas podemos citar dois ensaios,1 um livro,2 uma monografia3 e um artigo4 
sobre censura de peças teatrais; um livro5 e uma tese6 sobre censura de filmes; três 
dissertações7 e uma monografia8 sobre censura de letras musicais; uma crônica9 e duas 
 
1 MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Avenir, 1979; 
PACHECO, Tania. A ação da censura no período 65-78. Arte em Revista, São Paulo, a. 3, n. 6, p. 92-96, out. 
1981. 
2 KHÉDE, Sonia Salomão. Censores de pincenê e gravata: dois movimentos da censura teatral no Brasil. Rio de 
Janeiro: Codecri, 1981. 
3 CRUZ, Mônica de Souza Alves da Cruz. O processo de censura à peça teatral Calabar. Rio de Janeiro, 2002. 
Monografia (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de 
Janeiro. 
4 ALENCAR, Sandra Siebra. A censura versus o teatro de Chico Buarque de Hollanda, 1968-1978. Acervo, Rio 
de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 101-114, jul./dez. 2002. 
5 SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Senac São Paulo, 
1999. 
6 PINTO, Leonor Estela Souza. Le cinema bresilien au risque de la censure pendant la dictature militaire de 1964 
a 1985. Thése de doctorat. Université de Toulouse – Le Miral. Ecole Supérieure d Audiovisuel, 2001. 
7 MOBY, Alberto. Sinal Fechado: a música popular brasileira sob censura. Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994, 
ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: 
Record, 2002 e CAROCHA, Maika. Lois. Pelos versos das canções: um estudo sobre o funcionamento da 
censura musical durante a ditadura militar brasileira (1964-1985. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação(Mestrado 
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
8 CAROCHA, Maika. Lois. “Seu medo é o meu sucesso”: Rita Lee, Raul Seixas e a censura musical durante a 
ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro, 2005. Monografia (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e 
Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
9 SILVA, Deonísio da. Nos bastidores da censura: sexualidade, literatura e repressão pós-64. São Paulo, Estação 
Liberdade, 1989. 
 
 14
dissertações sobre a censura de livros e revistas;1 uma monografia sobre a censura aos 
programas de televisão, em especial as telenovelas.2 Não conhecemos, até o momento, 
nenhum trabalho sobre a censura de programas de rádio. No que tange às instâncias censórias 
no regime militar, integrando censura de diversões públicas e censura da imprensa, temos um 
artigo3 e uma tese;4 sobre a dinâmica da atividade da censura temos duas dissertações,5 uma 
tese6 e dois artigos.7 Além disso, existe um livro de memórias8 e trabalhos realizados pelos 
próprios censores como uma coletânea de leis,9 um livro10 e uma tese de doutorado.11 
No campo da censura de diversões públicas, alguns fatores explicam a escassez de 
trabalhos até a década de 1990 e o interesse emergente no início do século XXI. 
Em primeiro lugar, a abertura de arquivos públicos favoreceu a consulta às fontes 
documentais da censura de diversões públicas e a autorização individual de protagonistas da 
vida cultural brasileira permitiu o acesso a acervos pessoais. No âmbito das instituições 
públicas evidenciamos a abertura do fundo da DCDP a partir de 1996 e a organização do 
Arquivo Miroel Silveira em andamento. Na esfera da iniciativa privada, com apoio de 
instituições públicas, destacamos a reunião de acervos diversificados nos portais “50 anos de 
 
1 MARCELINO, Douglas Attila. Salvando a pátria da pornografia e da subversão: a censura de livros e 
diversões públicas nos anos 1970. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de 
Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro e SETEMY, Adrianna Cristina Lopes. “Em 
defesa da moral e dos bons costumes”: revolução dos costumes e a censura de periódicos no regime militar. 
(1964-1985). Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências 
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
2 MARCELINO, Douglas Attila. Para além da moral e dos bons costumes: a censura televisiva no regime 
militar. Rio de Janeiro, 2004. Monografia (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
3 SOARES, Gláucio Ary Dillon. A censura durante o regime autoritário. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 
São Paulo, v. 4, n. 10, p. 21-43, jun. 1989. 
4 KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: 
Boitempo Editorial, 2004. 
5 STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no regime militar e militarização das artes. Porto Alegre, 
EDIPUCRS, 2001 e BERG, Creuza de Oliveira. Mecanismos do silêncio: expressões artísticas e censura no 
regime militar (1964-1984). São Carlos: EdUFSCar, 2002. 
6 STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal brasileira como órgão 
público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos (1964-1988). Rio Grande do Sul, 2005. 
Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 
7 FICO, Carlos. “Prezada Censura”: cartas ao regime militar. Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, p. 251-286, set. 2002 e 
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In 1964-2004: 40 anos do golpe: 
ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p. 71-79. 
8 ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura: de como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio de Janeiro: Gryphus, 
2002. 
9 Mais conhecido como “bíblia” dos censores. In: RODRIGUES, Carlos; MONTEIRO, Vicente; GARCIA, 
Wilson de Queiróz. Censura federal. Brasília: C.R. Editôra Ltda., 1971. 
10 FAGUNDES, Coriolano de Loyola Cabral. Censura & liberdade de expressão. São Paulo: Edital, 1974. 
11 FERES, Sheila Maria. A censura, o censurável, o censurado. São Paulo, 1980. Tese (Doutorado em Ciência 
Política) – Fundação Escola de Sociologia e Política, Universidade de São Paulo. No início de 1981, a autora 
apresentou um resumo dessa tese num seminário sobre censura. In: FERES, Sheila Maria. A censura, o 
censurável e o censurado. Palestra proferida no Seminário Nacional sobre a Censura de Diversões Públicas. 
Brasília, 11 a 13 de maio de 1981. 
 
 15
Teatro de Arena”, “Grupo de Estudos sobre a Ditadura”, “Memória da Censura no Cinema 
Brasileiro” e “Censura Musical”. 
Em segundo lugar, as pesquisas sobre censura trataram de questões amplas1 ou 
privilegiaram a censura da imprensa.2 Na ditadura militar, o governo brasileiro só assumiu a 
presença dos censores nas redações dos jornais na década de 1970 quando o jornal Opinião 
contestou a legalidade da censura em instância jurídica. Na justificativa institucional, a 
incidência da censura sobre os jornais impressos integrava as táticas de combate à “guerra 
revolucionária” em curso no país. Até então, a orientação da censura exercia-se através de 
telefonemas e “bilhetinhos” para as redações dos jornais.3 Noutras palavras, a censura política 
aos jornais impressos não tinha amparo legal, era feita com discrição e justificava-se como 
“medida revolucionária”. A natureza política da censura da imprensa, as especificidades do 
fenômeno na ditadura militar e o espaço privilegiado de resistência cultural não só desviaram 
a atenção da censura de diversões públicas como também desencadearam equívocos 
importantes como a identificação direta entre ramificações distintas da prática censória ou a 
transposição de categorias analíticas da censura da imprensa para a censura de costumes. 
Por último, a emergência de novas questões4 e a renovação da história política5 
influenciaram a produção historiográfica nacional e, conseqüentemente, a análise do passado 
 
1 A exemplo da importante coletânea de artigos organizada por Maria Luiza Tucci Carneiro e do trabalho de 
organização do acervo Miroel Silveira coordenado por Cristina Costa. Ver, respectivamente, CARNEIRO, Maria 
Luiza Tucci (org.) Minorias silenciadas: a história da censura no Brasil. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial do 
Estado: FAPESP, 2002 e COSTA, Cristina. Censura em cena: teatro e censura no Brasil. São Paulo: Edusp, 
Fapesp, Imprensa Oficial, 2006. 
2 A seguir, relação de trabalhos que se dedicaram a analisar as particularidades da censura da imprensa no regime 
militar: MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira (1968-1978). 2. ed. São Paulo: Global, 
1980, KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: 
Scritta, 1991, AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, imprensa e Estado autoritário (1968-1978): o exercício 
cotidiano da dominação e da resistência: o Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC, 1999, SMITH, 
Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2000 
e KUSHNIR, Op. cit. 
3 A propósito, consultar SMITH, Op. cit., p. 130-132. 
4 Consultar a trilogia LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). História: novas abordagens. Rio de Janeiro, 
Francisco Alves, 1988, LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). História: novos objetos. Rio de Janeiro, 
Francisco Alves, 1988 e LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). História: novos problemas. Rio de Janeiro, 
Francisco Alves, 1988. 
5 RÉMOND, René. Por que a história política? Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 7-19, 1994 e 
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. 
 
 
 
 16
recente.No universo da ditadura militar emergiram trabalhos sobre imaginários sociais,1 
representações políticas,2 relações de poder3 e poder simbólico.4 
As pesquisas sobre censura no regime militar dispõem de ampla gama documental 
que vão desde fontes jornalísticas, de natureza ostensiva, até documentos administrativos, de 
caráter sigiloso. Entre as fontes disponíveis priorizamos os acervos documentais que 
evidenciaram a estrutura administrativa do organismo censório e a dinâmica interna da 
censura teatral. No primeiro caso destacam-se correspondências oficiais, relatórios de 
atividades e legislação censória. No segundo caso relacionam-se processos de censura e 
artigos de jornais. A documentação administrativa pode ser consultada no fundo da DCDP5 
em Brasília, a legislação censória no portal do Senado Federal e no livro Censura Federal6 e 
os artigos de jornais no acervo da Funarte no Rio de Janeiro. Essa documentação integrada 
evidencia não apenas a rotina administrativa do órgão censório como também os critérios de 
interdição das peças teatrais. 
No desenvolvimento do trabalho, a pesquisa documental apresentou várias etapas. A 
primeira etapa do trabalho concentrou-se nas visitas aos arquivos públicos e centros de 
documentação, no reconhecimento das fontes documentais e no levantamento dos processos 
de censura. No Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, consultamos o acervo do Serviço de 
Censura de Diversões Públicas e reproduzimos 24 processos de censura. Na Coordenadoria 
Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal identificamos as peças teatrais que 
sofreram proibição no período entre 1962 e 1988 e reproduzimos 304 processos de censura. A 
segunda etapa da pesquisa concentrou-se na elaboração do roteiro de análise, na definição de 
 
1 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. Tradução por Manuel Villaverde Cabral. In: ROMANO, Ruggiero 
(dir.). Enciclopédia Einaudi, v. 5, Antrophos – Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. p. 
296-332. 
2 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, p. 173-191, 
1991 e CAPELATO, Maria Helena Rolim; DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Representação política: o 
reconhecimento de um conceito na historiografia brasileira. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, 
Jurandir (org.) Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. 
3 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução por Roberto Machado. Rio de Janeiro, Edições Graal, 
1979, ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1978 e FALCON, Francisco. 
História e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion (org.). Os métodos da História : introdução aos problemas, 
métodos e técnicas da história demográfica, econômica e social. Rio de Janeiro: Graal, 2002. p. 61-89. 
4 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução por Fernando Tomaz. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 
2000. 
5 Sobre a organização do fundo da DCDP, consultar OLIVEIRA, Eliane Braga de; RESENDE, Maria Esperança 
de. A censura de diversões públicas no Brasil durante o regime militar. Dimensões, Espírito Santo, v. 12, p. 150-
161, jan./jun. 2001. 
6 A organização da legislação pelos técnicos de censura Carlos Rodrigues, Vicente Alencar Monteiro e Wilson 
de Queiroz Garcia inspirou-se nas seguintes iniciativas: BARRETO FILHO, João Paulo de Mello. Diversões 
públicas legislação e doutrina: prática administrativa. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco, 1941; BRASIL. 
Coletânea de todos os decretos e leis sobre censura cinematográfica, cinema nacional, teatro, imprensa, direitos 
autorais DSP, SCDP. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1963. 
 
 17
critérios de seleção e no fichamento dos processos de censura. A elaboração do roteiro de 
análise apresentou quatro partes principais. A primeira seção, “Apresentação”, reuniu 
informações gerais sobre o processo de censura: título da peça, identificação do autor, pedidos 
de censura e ano de interdição. A segunda, “Trâmite”, organizou os documentos anexos ao 
processo de censura por ordem cronológica. A terceira, “Observações Gerais”, reuniu 
informações adicionais à tramitação censória: anotações esparsas e indicação de cortes. A 
última, “Exame da Obra”, orientou a análise do material produzido pelos agentes censórios 
segundo espécie documental (parecer do texto teatral ou relatório do ensaio geral), palavras-
chave, resumo do documento, critérios de avaliação segundo parâmetros morais, políticos, 
culturais, sociais e gerais, conclusão do documento (liberação plena, liberação com restrições 
ou interdição total) e justificativa jurídica. 
Como critérios de seleção adotamos as seguintes premissas. Em primeiro lugar, 
destacamos os autores teatrais com maior visibilidade no meio teatral como Jonas Bloch, 
Antonio Bivar, Nelson Rodrigues, Augusto Boal, Consuelo de Castro, Dias Gomes, Plínio 
Marcos, Flávio Rangel, Millôr Fernandes, Carlos Alberto Sofredini, Oduvaldo Vianna Filho, 
Augusto Boal, Paulo Pontes, Walter Georges Durst, Renata Pallottini, Gianfrancesco 
Guarnieri, Chico Buarque de Holanda, Ruy Guerra, Mário Chamie, Carlos Henrique Escobar, 
Mário Lago, Carlos Eduardo Novaes, Antônio Callado, João Ribeiro Chaves Neto e Chico 
Anísio. Em segundo lugar, selecionamos 10% do material coletado como amostragem 
aleatória. É oportuno evidenciar que, no início pesquisa, não tínhamos adotado nenhum 
critério de seleção por amostragem aleatória e, portanto, analisamos todas as peças proibidas, 
em âmbito nacional, no período de 1965, data da primeira ocorrência, a 1970, quando 
definimos tais critérios. Por último, consideramos também os casos especiais que não se 
enquadravam em nenhum dos dois critérios citados acima como, por exemplo, a proibição de 
textos clássicos, de temas históricos, de assuntos culturais e de autor desconhecido com maior 
número de peças vetadas. 
Essa seleção prévia visou destacar as peças teatrais que se constituíram em casos 
extraordinários no interior da censura e compreender a dinâmica da instituição que atuou de 
forma multifacetada e sob orientação superior. 
Na fase de mapeamento do fundo da DCDP encontramos três espécies documentais 
que forneceram subsídios numéricos para a elaboração de estatísticas que permitissem definir 
períodos de maior e menor incidência da censura sobre as peças teatrais. A primeira fonte são 
os relatórios de atividades confeccionados pelos responsáveis pela censura. A segunda é o 
levantamento de portarias realizado pelos próprios censores. A última é o instrumento de 
 
 18
pesquisa do fundo da DCDP elaborado por professores e estagiários do curso de arquivologia 
da Universidade de Brasília e por funcionários do Arquivo Nacional. 
Embora as duas primeiras fontes de informação tenham sido produzidas pelos 
próprios agentes da censura, o instrumento de pesquisa constitui-se no indicativo mais 
preciso. 
No período entre 1964 e 1988, as instâncias censórias nacional e regional produziram 
relatórios de atividades com periodicidade mensal e anual. No setor de teatro, os relatórios de 
atividades não se constituem em fonte precisa para se estimar a quantidade de peças 
analisadas e vetadas pela censura. Primeiro porque apresentam lacunas e segundo porque não 
consideram os períodos de centralização e descentralização da censura teatral. O caráter 
assistemático da produção de relatórios aliado às mudanças administrativas das instâncias 
censórias pode gerar alguns equívocos quando tentamos elaborar estatísticas de exame e 
proibição de peças teatrais. Por exemplo, os relatórios de atividades registraram o maior 
número de peças teatrais examinadas no ano de 1978 (2.648 textos) e uma queda drástica no 
ano de 1980 (969 textos) e o maior número de peças teatrais vetadas no ano de 1973 (40 
textos) e no de 1977 (cerca de 40 ou 45 textos). A diferença significativa de peças examinadas 
em 1978 e 1980não significa que a produção teatral caiu em apenas dois anos, mas evidencia 
uma diminuição de trabalho do órgão central que transferiu a censura teatral para os estados 
de São Paulo e Rio de Janeiro, em 1975, e para os demais estados com condições adequadas, 
em 1978. 
Além dos relatórios de atividades, os técnicos de censura produziram uma lista de 
portarias emitidas pela censura em Brasília que vai de 1964, quando começou a centralização 
do órgão, a 1988, quando a censura foi extinta pela Constituição. No campo do teatro, essa 
lista de portarias oferece parâmetro preciso no período de 1965 a 1969 quando a censura 
adotava o procedimento de publicar portaria de todas as peças teatrais proibidas. Porém, a 
sistemática deixou de ser confiável a partir de 1970 quando a censura restringiu a publicação 
de portarias somente para as peças teatrais vetadas sem direito a um segundo exame. 
No período de centralização, o trâmite da censura funcionava da seguinte maneira. 
Na primeira etapa, o produtor do espetáculo protocolava a peça teatral no estado de origem. 
Na segunda etapa, as censuras regionais enviavam o processo de censura para análise da 
matriz. Em Brasília, o órgão central analisava a peça teatral. Após análise, os técnicos de 
censura tinham 3 alternativas: liberar a peça com ou sem classificação de idade, vetar o texto 
sem direito a novo exame ou embargar a apresentação até que o produtor do espetáculo 
procedesse às determinações da censura que iam desde a substituição de vocábulo de “baixo 
 
 19
calão” até a correção ortográfica do texto teatral. No último caso, o autor do protocolo tinha 
duas alternativas: primeiro, acatar as imposições da censura, corrigir o script da peça e 
requerer nova censura ou, então, manter o texto inalterado e desistir da apresentação do 
espetáculo. Em ambos os casos, adequação do texto ou interrupção do processo, não se 
expedia portaria de interdição da peça nem se publicava os motivos no Diário Oficial da 
União. Sendo assim, essa mudança de procedimento torna a lista de portarias confiável até 
1969 e parcial a partir de 1970. 
A terceira fonte de dados refere-se ao instrumento de pesquisa do fundo da DCDP. 
Das três fontes consultadas, o instrumento de pesquisa oferece subsídios mais consistentes 
sobre o número de peças teatrais analisadas e vetadas pela censura no regime militar. No 
período entre 1962 e 1988, o órgão central examinou aproximadamente de 22.000 textos 
teatrais e efetuou a proibição total de cerca de 700 peças teatrais. O número de peças 
examinadas pelo órgão central é maior em 1968 e menor em 1988 devido à descentralização 
do serviço e às modificações na censura, enquanto o número de peças proibidas é mais 
expressivo entre 1968 e 1978, com aumento significativo entre 1971 e 1974, conforme tabela 
abaixo. 
 
 20
 
ESTIMATIVA DE PEÇAS EXAMINADAS/ PROIBIDAS PELA CENSURA FEDERAL 
ANO MÉDIA DE PEÇAS 
EXAMINADAS 
NÚMERO DE PEÇAS 
PROIBIDAS 
1962 
375 
0 
1963 0 
1964 0 
1965 1 
1966 0 
1967 2 
1968 2325 26 
1969 1590 49 
1970 1365 47 
1971 1110 80 
1972 1020 77 
1973 1065 76 
1974 1080 79 
1975 1080 54 
1976 1185 51 
1977 1230 50 
1978 1080 24 
1979 855 4 
1980 960 15 
1981 870 15 
1982 780 15 
1983 825 17 
1984 825 17 
1985 750 1 
1986 720 1 
1987 780 0 
1988 465 1 
TOTAL 21960 702 
Fonte: Fundo DCDP 
 
Ainda que esse instrumento de pesquisa constitua-se numa das fontes mais precisas, 
ele não é absolutamente exato. Por exemplo, nos anos de 1968 e 1969 o instrumento de 
pesquisa indica que 26 e 49 peças teatrais sofreram proibição total. Ocorre que esses números 
podem ser ainda maiores porque peças como Café, de Mário de Andrade,1 Senhoritas, de 
Alcyr Ribeiro Costa,2 Roda Viva, de Chico Buarque,3 Os Garotos da Banda, de Mart 
Crowley,4 Um Cadáver Almoça Flores, de Vitor Hugo Recondo,5 Arena Conta Tiradentes, de 
 
1 Vetada de acordo com artigo 41, item D, decreto n.º 20.493. Portaria n.º 38/68-SCDP. Brasília, 10 jul. 1968. 
DCDP/OR/NO 
2 Vetada de acordo com artigo 41, itens A, C, E e G, e artigo 61, decreto n.º 20.493. Portaria n.º 55/68-SCDP. 
Brasília, 3 set. 1968. DCDP/OR/NO 
3 Portaria n.º 63/68-SCDP. Brasília, 7 out. 1968. DCDP/OR/NO 
4 Vetada de acordo com artigo 41, item A e C, decreto n.º 20.493. Portaria n.º 77/68-SCDP. Brasília, 23 dez. 
1968. DCDP/OR/NO 
5 Vetada de acordo com artigo 2º, itens I e II, lei n.º 5.536. Portaria n.º 32/69-SCDP. Brasília, 16 abr. 1969. 
DCDP/OR/NO 
 
 21
Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri,1 Barrela e Navalha na Carne, de Plínio Marcos, 
foram proibidas nesses anos, mas não constam no instrumento de pesquisa. 
Após a elaboração dos índices estatísticos e a análise dos processos de censura foi 
possível entender as modificações estruturais do organismo, visualizar a dinâmica da censura 
política e estabelecer fases da censura teatral. Na primeira fase destacou-se a centralização da 
censura de peças teatrais com a publicação da portaria n.º 11, em fevereiro de 1967, e a edição 
da lei n.º 5.536, em novembro de 1968. Na segunda fase inverteu-se a preocupação da censura 
de costumes que, até então, concentrava-se na questão moral em detrimento da mensagem 
política. Essa mudança de foco acentuou-se com a decretação do AI-5, a partir de dezembro 
de 1968. Na terceira fase verificou-se a criação de normas censórias como o decreto-lei n.º 
1.077, em janeiro de 1970, e a reestruturação do órgão público com a transformação do SCDP 
em DCDP, em 1972. Na quarta fase buscou-se a adequação dos trâmites censórios ao 
processo de abertura política com a descentralização da censura teatral, em 1975 e 1978, e a 
desativação do decreto n.º 1.077 e a implementação do Conselho Superior de Censura (CSC), 
ambos em 1979. Essa fase durou pouco porque, de 1981 até início de 1985, houve um 
recrudescimento da atividade censória e uma retomada da censura política com a entrada de 
Ibrahim Abi-Ackel no Ministério da Justiça e a admissão de Solange Maria Teixeira 
Hernandes na direção da DCDP. 
Essas fases referem-se à censura teatral. Outros setores como o cinema e a música 
apresentaram dinâmicas próprias. No setor de cinema, a pesquisadora Leonor Souza Pinto 
analisou 79 processos de censura de filmes nacionais e dividiu a censura cinematográfica em 
três etapas. Na primeira fase, de 1964 a 1967, a preocupação da censura voltou-se para as 
questões morais dos filmes brasileiros. A partir de 1967, a intervenção militar acrescentou 
base político-ideológica à censura de filmes. De 1975 em diante, o processo de abertura 
política propiciou a liberação de filmes vetados.2 A pesquisadora Maika Lois Carocha, por 
sua vez, estabeleceu três etapas da censura musical. Dos anos de 1964 a 1968 houve “um 
processo de centralização da censura em Brasília e de adequação das normas censórias já 
existentes às especificidades do regime militar”. No período entre 1968 e 1973, ocorreu um 
“processo de adequação da censura através da profusão de leis que visaram garantir uma 
maior uniformidade à censura”. A fase final, de 1973 a 1984, é considerada emblemática “na 
 
1 Vetada de acordo com artigo 2º, item I, lei n.º 5.536, e posteriormente liberada. Ver Portaria n.º 86/69-SCDP. 
Brasília, 6 out. 1969 e Portaria n.º 103/69-SCDP. Brasília, 19 nov. 1969. DCDP/OR/NO 
2 Apud VIANNA, Luiz Fernando. Censura revisitada. Observatório da Imprensa, 26 abr. 2005. Consultado na 
INTERNET, em 2 de setembro de 2005. 
http://www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=326ASP026 
 
 22
medida em que o número de vetos aumentou drasticamente, destoando da abertura política em 
vigor naquele momento, e também da criação do CSC, medida que visou atenuar o número de 
vetos”.1 
Esta tese de doutorado divide-se em quatro partes. A primeira parte – Genealogia da 
censura no Brasil – aborda a continuidade do fenômeno da censura em territóriobrasileiro 
sem, contudo, ignorar as especificidades da atividade censória em contextos distintos. No 
âmbito do regime militar, a censura de diversões públicas alegava atuar na salvaguarda dos 
valores morais e em esfera distinta da política, acreditava exercer uma “missão protetora” da 
sociedade em oposição à transformação dos costumes e presumia expressar a vontade da 
maioria da população através do apoio de setores conservadores. Como órgão público federal, 
a instituição censória era vinculada à estrutura policial, regida por legislação ostensiva e 
constituída por funcionários de carreira. No entanto, a “missão protetora”, a moral e os bons 
costumes e a “transparência legal” não eximiram as instâncias censórias de agregar a censura 
política como mecanismo de controle da produção artística. 
A segunda parte – Teatro e ditadura – evidencia os principais grupos do teatro 
brasileiro de meados do século XX e a união do setor na luta contra a censura e oposição à 
ditadura. Como evidenciou Pierre Bourdieu, o campo cultural é regido por regras próprias e o 
trabalho dos artistas está relacionado ao sistema de relações particulares que estabelece com 
os meios de produção/circulação das obras do que subordinado à estrutura global da 
sociedade. Porém, quando algum poder estranho (a igreja ou o Estado, por exemplo) interfere 
na dinâmica interna do trabalho artístico (através de mecanismos censórios ou políticas 
culturais), os setores artísticos suspendem os confrontos específicos e aliam-se na luta pela 
restituição da liberdade de expressão ou reformulação das políticas públicas na área da 
cultura.2 
A terceira parte – A censura na abertura – trata da descentralização da censura 
teatral e dos movimentos de abertura e retrocesso da censura de diversões públicas. A 
descentralização dos trâmites da censura teatral a partir de 1975 indicava que a produção 
teatral deixava de representar perigo à moral e aos bons costumes e à segurança nacional, ao 
contrário do movimento inverso de recrudescimento da censura entre os anos de 1981 e 1984. 
 
1 CAROCHA, “Seu medo é o meu sucesso”..., p. 77. 
2 Ver, respectivamente, BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1996 e CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da 
modernidade. Tradução por Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2000. 
 
 23
A última parte – Nos bastidores da censura – concentra-se na atuação dos diversos 
grupos que exerceram pressão sobre a atividade censória e na construção do argumento 
político da censura de peças teatrais. 
 
 24
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PARTE 1: GENEALOGIA DA CENSURA NO BRASIL 
 
 25
1.1. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CENSURA E A SEPARAÇÃO DAS DUAS 
CENSURAS 
 
A censura prévia da produção teatral foi implementada no Brasil em meados do 
século XIX, com a criação Conservatório Dramático Brasileiro (CDB). Inicialmente criado 
com o propósito de incentivar o desenvolvimento do teatro no país,1 o CDB rapidamente 
assumiu o compromisso de zelar pela integridade da Igreja Católica, dos poderes políticos, 
das autoridades constituídas, da moral e bons costumes, da decência pública e da língua 
portuguesa.2 Assim, “o fato de o Conservatório Dramático ter sido um órgão formado pela 
livre vontade dos intelectuais destacados na cena cultural, com o intuito de promover o 
melhoramento das artes cênicas”3 não impediu os censores (oficiais e oficiosos)4 de 
resguardar a pessoa e a família do Imperador, as autoridades e instituições constituídas, a 
moral e os bons costumes, a religião católica, as normas gramaticais e a pronúncia correta da 
língua portuguesa.5 Nesse contexto, a análise censória, realizada por pessoas comuns, 
autoridades políticas ou intelectuais de prestígio,6 visava a permanência do conjunto de 
valores vigente no período imperial, cuja relação com o sistema fazia da maioria dos 
escritores um apêndice da instituição que ao invés de refletir sobre o ato censório restringia-se 
a reproduzir a organização da cultura pelo poder vigente.7 
A partir da criação do CDB, os governos brasileiros aperfeiçoaram a censura de 
diversões públicas com o argumento de defenderem a manutenção da ordem pública e dos 
valores ético-morais. Em contrapartida, extinguiram a censura da imprensa sob a justificativa 
de zelarem pela integridade da expressão do pensamento. No entanto, o desenvolvimento da 
censura moral voltada para as manifestações artístico-culturais e veículos de comunicação não 
se constituiu em exclusividade ou privilégio brasileiro, pois, como assinalou Sonia Salomão 
Khéde, independente de tempo e lugar, os princípios ético-morais fundamentaram a existência 
do mecanismo censório e, conseqüentemente, justificaram a condenação de obras-primas da 
literatura.8 
 
1 KHÉDE, Op. cit., p. 19, 57-58. 
2 Idem, p. 19 e 58. 
3 Idem, p. 97. 
4 Segundo Khéde, os censores do Império dividiam-se em dois grupos: oficiais e oficiosos. O primeiro ligava-se 
diretamente ao CDB e à Polícia e o segundo constituía-se de pessoas de prestígio que eventualmente interferiam 
na decisão censória. In: Idem, p. 61. 
5 FIGUEIREDO, Guilherme. “Ninguém faz teatro a favor”. In: Idem, p. 169. 
6 No século XIX, intelectuais de destaque atuaram como censor do Império, a exemplo do dramaturgo Luís 
Carlos Martins Pena e dos poetas Gonçalves de Magalhães e Manoel de Araújo Porto-Alegre. 
7 KHÉDE, Op. cit., p. 65. 
8 Idem, p. 75. 
 
 26
No final do século XIX, com a proclamação da República, em 15 de novembro de 
1889, e com a promulgação da Constituição, em 24 de janeiro de 1891, o governo republicano 
submeteu o exercício da censura e a fiscalização de espetáculos a organismos policiais. Desde 
então, os governos brasileiros sempre trataram a censura teatral como caso de polícia e, 
portanto, inauguravam a “tradição policialesca da censura teatral”1 com vínculos direto com o 
universo político. 
Na década de 1920, Marcos Bretas afirmou que existia um certo consenso entre as 
“elites cultas” de que as formas populares de expressão artística poderiam prejudicar a 
formação moral e construção da identidade do povo brasileiro. Sob essa perspectiva, o 
trabalho censório concentrava-se na proteção do público das manifestações indesejáveis que 
apresentavam duplo sentido, alusões vulgares, exteriorização da sexualidade, alusão 
desrespeitosa a países e indivíduos e politização do teatro a partir de 1922. 
Conseqüentemente, a instituição censória reforçava a oposição entre “arte popular” e “cultura 
clássica”.2 
Com a ascensão de Getulio Vargas à Presidência da República na década de 1930, a 
prática da censura recebeu tratamento especial. Promulgada em 16 de julho de 1934, a 
Constituição brasileira garantia a liberdade de expressão e atribuía aos indivíduos a 
responsabilidade pelas transgressões, com exceção dos espetáculos e diversões públicas. A 
Carta Magna definia que 
em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, 
salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que 
cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É 
segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do 
Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, 
para subverter a ordem política ou social.3 
 
Publicado em 2 de julho de 1934, o regulamento da Polícia Civil do Distrito Federal 
subordinava a censura teatral e a de diversões públicas à Diretoria Geral de Publicidade, 
Comunicações e Transportes que, além de realizar as funções de comunicação entre as 
administrações policiais e supervisionar os serviços de assistência policial, tipográfica, 
oficinase garages, também regulava as questões de publicidade, os meios de comunicação 
(rádio, telégrafo e telefonia) e os serviços de estatística administrativa e de arquivo da 
 
1 Idem, p. 56. 
2 BRETAS, Marcos Luiz. Teatro e cidade no Rio de Janeiro dos anos 1920. [referência incompleta] 
3 Artigo 113, item 9, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 16 jul. 1934. 
 
 27
diretoria.1 Como evidenciou Elizabeth Cancelli, o novo regulamento da polícia, implantado 
no governo Getulio Vargas, assinalou a maior reestruturação realizada no organismo policial 
até então. Com esse instrumento regulador, os setores policiais do Distrito Federal adquiriram 
aparato legal e estenderam o raio de ação sobre as polícias estaduais, as manifestações 
públicas, os mendigos, os menores abandonados etc.2 
A censura teatral e de diversões públicas, sob a subordinação da Chefia de Polícia, 
visava coibir as manifestações públicas que representassem matéria ofensiva às instituições 
nacionais e estrangeiras e seus respectivos representantes, aos sentimentos de humanidade, à 
moral e aos bons costumes e às crenças religiosas ou incitassem a prática de atos contra a 
ordem ou instigassem vícios, crimes e perversões.3 Segundo Cancelli, o espírito do 
regulamento recaiu sobre as atividades artísticas. Com a nova lei, a polícia de Filinto Strubing 
Müller submeteu os profissionais do teatro às determinações da censura que não permitia 
quaisquer alterações no texto original ou na marcação da peça, por exemplo.4 Assim, a polícia 
encarregava-se de gerenciar a censura de peças teatrais, espetáculos de variedades, números 
musicais, películas cinematográficas, transmissões radiofônicas, audições de discos e 
aparelhos sonoros e divertimentos em geral.5 No organograma policial, cabia à seção de 
censura examinar “as execuções, por qualquer processo, e os espetáculos públicos, de 
qualquer natureza, que, embora não estejam discriminadas nas letras anteriores, constituam 
atração pública, com intuito de lucro, direta ou indiretamente”.6 
Promulgada em 10 de novembro de 1937, a Constituição do Estado Novo expandiu o 
raio de ação da censura quando propiciou a criação de um órgão de controle e limitou a 
liberdade de expressão do cidadão comum sujeito aos imperativos legais7 Essa restrição 
constitucional ao exercício pleno da liberdade de expressão visava, segundo documento 
oficial, defender o Estado nacional e a manutenção da ordem. Sob essas circunstâncias, a 
Carta Magna atribuía à autoridade competente o direito de proibir a circulação, difusão e 
 
1 Artigo 288, decreto n.° 24.531. Aprova novo Regulamento para os serviços da Polícia Civil do Distrito Federal. 
Rio de Janeiro, 2 jul. 1934. 
2 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Edunb, 1993. p. 60. 
3 Artigo 300, decreto n.° 24.531... 
4 CANCELLI, Op. cit., p. 61. 
5 Artigo 345, itens I a VII, decreto n.° 24.531... 
6 Artigo 345, itens VIII, Idem. 
Na transcrição das citações corrigimos eventuais erros para evitar o excesso da expressão sic, não sobrecarregar 
o trabalho com ressalvas e dar acabamento ao texto. Em contrapartida, preservamos o estilo de escrita e 
equívocos significativos para a compreensão da pesquisa. Por exemplo, no último capítulo conservamos a 
transcrição incorreta de Karl Marx para evidenciar a pouca familiaridade dos representantes da censura com um 
dos principais teóricos do pensamento de esquerda. 
7 Artigo 15°, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 10 nov. 1937. 
 
 28
representação de mensagens através da imprensa, teatro, cinema, radiodifusão,1 
correspondências e comunicações (oral ou escrita).2 
Com o propósito de assumir o monopólio da comunicação social e eliminar a 
contrapropaganda dos opositores políticos, o governo Getulio Vargas criou, em dezembro de 
1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)3 que, em linhas gerais, consolidou o 
autoritarismo do Estado Novo e a centralização dos poderes políticos.4 
No decorrer destes acontecimentos, a Presidência da República extinguiu o 
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural e a Comissão de Censura Cinematográfica e 
assumiu a censura teatral e de diversões públicas até então realizada pela Polícia Civil do 
Distrito Federal. Com a progressiva centralização também no campo da censura, os 
Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda (DEIPs) limitaram-se a cumprir as 
orientações da matriz no Rio de Janeiro, então capital federal. Sendo assim, as determinações 
da censura derivavam diretamente do DIP que, por sua vez, repassava aos DEIPs que se 
limitavam a cumpri-las.5 Nos DEIPs, a Divisão de Turismo e Diversões Públicas tinha como 
objetivo “sanear” as representações públicas através da vigilância dos valores éticos e de 
idéias nocivas à moral vigente e à tranqüilidade pública, evidenciou Silvana Goulart.6 
Três das cinco divisões do DIP realizavam censura prévia: a Divisão de Radiodifusão 
era responsável pelos programas radiofônicos e letras musicais,7 a Divisão de Cinema e 
Teatro pelas representações teatrais, shows de variedades, peças declamatórias, espetáculos 
com mímicas, execuções de balé, escolas de samba, cordões carnavalescos, marchas-rancho, 
atividades recreativas e eventos esportivos de qualquer natureza8 e a Divisão de Imprensa 
pelos veículos de informação e órgãos da imprensa.9 
Com a reabilitação da censura da imprensa, abandonada oficialmente na época do 
Império, e a centralização da censura de diversões públicas, praticada anteriormente por 
órgãos regionais, o DIP não só censurava manifestações artístico-culturais como também 
avaliava a pertinência do tema e corrigia a grafia das palavras. Para Goulart, esse “é um lado 
 
1 Artigo 15°, item A, Idem. 
2 Artigo 168, item B, Idem. 
3 Decreto-lei n.º 1.915. Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e dá outras providências. Rio de Janeiro, 
27 dez. 1939. 
4 GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: 
Marco Zero, 1990. p. 12-13. 
5 Idem, p. 20. 
6 Apud Idem, p. 82. 
7 Artigo 7°, item C, decreto n.° 5.077. Aprova o regimento do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). 
Rio de Janeiro, 29 dez. 1939. 
8 Artigo 8°, Idem. 
9 Artigo 10°, item A, Idem. 
 
 29
sutil da censura, por ser menos evidente e mais difícil de detectar pelos leitores. A censura, 
além de política, tinha cunho ético. Este aspecto, previsto pela Constituição de 1937 visava 
preservar a moral e os bons costumes de acordo com a ótica cristã”.1 Como se pode constatar, 
à censura de caráter político-ideológico agregava-se questão ético-moral e vice-versa. 
Em 25 de maio de 1945, Getulio Vargas extinguiu o DIP e criou o Departamento 
Nacional de Informações (DNI).2 Editada no último ano do Estado Novo, essa medida 
administrativa visava amenizar o caráter autoritário do governo Vargas. Das cinco divisões do 
DIP, o DNI uniu a Divisão de Censura com a de Divulgação, conservou as Divisões de 
Radiodifusão, de Turismo e de Cinema e Teatro e criou a Agência Nacional. Segundo 
Goulart, “a modificação mais importante em relação ao DIP foi a fusão das divisões de 
Imprensa e Propaganda, que no DIP se colocava praticamente acima das demais”.3 
Todavia, o exercício censório pela Divisão de Cinema e Teatro manteve-se 
praticamente inalterado com a extinção do DIP e criação do DNI,4 exceto pela exclusão da 
censura à literatura política. Ao DIP competia “fazer a censura do teatro, do cinema, de 
funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de radiodifusão, da literatura social e 
política, e da imprensa, quando a esta forem cominadas as penalidades previstas por lei”.5 Ao 
DNI restava “fazer censura do teatro, do cinema, de funções recreativas e esportivasde 
qualquer natureza, da radiodifusão [...] e, nos casos previstos em lei, da literatura social e da 
imprensa”.6 
Em meados dos anos 1940, com a pressão dos movimentos sociais, o esvaziamento 
do Estado Novo e a deposição de Getulio Vargas, o sucessor presidencial, José Linhares, 
restaurou a liberdade de manifestação do pensamento por meio da radiodifusão7 e efetuou 
mudanças no campo da censura, entre as quais a implantação do Serviço de Censura de 
Diversões Públicas (SCDP), em 26 de dezembro de 1945,8 que respondia pela censura prévia 
das diversões públicas e manifestações artísticas e demarcava a separação definitiva entre a 
censura da imprensa e censura de peças teatrais, filmes, letras musicais, programas de rádio e 
 
1 GOULART, Op. cit., p. 22. 
2 Decreto-lei n.° 7.582. Extingue o Departamento de Imprensa e Propaganda e cria o Departamento Nacional de 
Informações. Rio de Janeiro, 25 maio 1945. 
3 GOULART, Op. cit., p. 22. 
4 Para mais informações sobre as diferenças e similaridades dos dois departamentos, consultar Idem, p. 76. 
5 Artigo 2°, item C, decreto-lei n.° 1.915... 
6 Artigo 2°, item E, decreto-lei n.° 7.582... 
7 Decreto n.° 8.356. Dispõe sobre a manifestação do pensamento por meio da radiodifusão. Rio de Janeiro, 12 
dez. 1945. 
8 Decreto-lei n.° 8.462. Cria o Serviço de Censura de Diversões Públicas no D.F.S.P. e dá outras providências. 
Rio de Janeiro, 26 dez. 1945. 
 
 30
televisão, ainda que tais esferas apresentassem similaridades e se intercomunicassem com 
freqüência, chegando às vezes a se confundir. 
Para orientar o exercício censório, o presidente da República aprovou, no mês 
seguinte, o decreto n.° 20.4931 que amparou o exercício da censura de diversões públicas no 
país por mais de quarenta anos. Sobre esse instrumento regulador, aprovado em 24 de janeiro 
de 1946, o técnico de censura Coriolano de Loyola Cabral Fagundes classificou-o, em 1974, 
de a “coluna vertebral” do organismo censório2 e o dirigente censório José V. Madeira 
afirmou, em 1981, que os agentes censórios utilizavam-no “todos os dias”.3 
Em linhas gerais, competia ao SCDP examinar a projeção de películas 
cinematográficas, a apresentação de espetáculos teatrais, shows de variedades, pantomimas 
bailados, peças declamatórias, escolas de samba, marchas-rancho, cordões carnavalescos, a 
reprodução de discos (cantados ou falados) em casas de espetáculos ou locais públicos e a 
exibição de espécimes teratológicas, anúncios publicitários, programas de rádio e televisão, 
em especial as novelas. O órgão censório também avaliava a pertinência de excursões de 
artistas brasileiros e de companhias nacionais ao exterior.4 
Dessa forma, qualquer espetáculo realizado em local público e organizado por pessoa 
física/jurídica ou por organização comercial/civil dependia da autorização da censura.5 A 
abrangência das atribuições do serviço censório sujeitava grande parte das manifestações 
artístico-culturais à avaliação prévia. No setor teatral, a censura de costumes atuava de modo 
indiscriminado sobre a produção brasileira, isto é, podia incidir sobre peças e espetáculos 
montados por grandes companhias teatrais como também por grupos amadores e estudantis e 
festivais internos de colégios secundaristas.6 Como afirmou o dramaturgo Flávio Rangel, a 
única coisa democrática existente na ditadura foi a censura que ceifou manifestações artístico-
culturais de todos os gêneros e posições.7 
 
1 Decreto n.° 20.493. Aprova o regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento 
Federal de Segurança Pública. Rio de Janeiro, 24 jan. 1946. 
2 FAGUNDES, Op. cit., p. 130 
3 In: NOGUEIRA, Otaciano. Arte, sexo e censura. Palestra proferida no Seminário Nacional sobre a Censura de 
Diversões Públicas. Brasília, 11 de maio de 1981. p. 27. 
4 Respectivamente, artigo 4°, itens I a XII, e artigo 40, Decreto n.° 20.493... 
5 Artigo 42 e 79, Idem. 
6 As peças teatrais inscritas em festivais de teatro só conseguiram dispensa da censura prévia em 1985, com 
Coriolano de Loyola Cabral Fagundes à frente da instituição censória. Porém, para conseguir essa licença 
especial, as comissões organizadoras deveriam enviar ao órgão central a programação completa, a relação das 
peças e a autorização dos autores, com antecedência de 48 horas. Portaria n.º 7/85-DCDP, de 28 de maio de 
1985, do diretor da DCDP, Coriolano de Loyola Cabral Fagundes. In: Diário Oficial da União, Brasília, 31 maio 
1985. Ver também CENSURA não atinge mais os festivais. Tribuna da Imprensa, 1º jun. 1985. 
7 RANGEL, Flávio. O teatro continua vivo e a palavra não morreu. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11 nov. 1979. 
Folhetim, p. 6. 
 
 31
Com o propósito de unificar o serviço censório em todo país, o regulamento do 
SCDP, regulamentado pelo decreto n.º 20.493, exigia para análise da censura os seguintes 
documentos: requerimento ao SCDP com denominação da peça teatral ou número de 
variedades, gênero, nome do compositor ou autor quando houver parte musicada, número de 
atos ou quadros e nome do tradutor quando o original for estrangeiro, registro da obra e dois 
exemplares datilografados ou impressos, sem emenda, rasura ou borrão.1 Após a análise 
censória e respectiva aprovação, cabia ao empresário do setor artístico, diretor da companhia 
de teatro ou responsável pela produção cultural solicitar ao chefe do SCDP o exame do ensaio 
geral,2 última etapa para autorização definitiva da peça teatral. 
Paulatinamente, essas etapas de avaliação que, em linhas gerais, resumiam-se em 
requerimento de exame censório, aprovação do texto teatral e exame do ensaio geral 
dificultaram o trabalho de produtores teatrais e empresários do ramo que, além de enfrentarem 
os problemas habituais da montagem de espetáculos como as dificuldades de patrocínio, 
tinham também de preocupar-se com os trâmites burocráticos. Além disso, o serviço censório 
exigia a apresentação fiel da indumentária, marcações, gestos, atitudes e procedimentos 
incorporados à peça no dia marcado para o ensaio geral,3 proibia aditamento ou colaboração 
da censura prévia4 e improvisação dos atores durante as apresentações.5 
O resultado final do exame censório convertia-se em liberação plena, impropriedade 
para menores de 10, 14 e 18 anos,6 interdição parcial (com cortes) ou total. A não obediência 
das determinações censórias resultava em suspensão, advertência, convocação e multa a 
artistas, produções teatrais, empresários e casas de espetáculos. 
No período entre 1945 e 1964 a censura de diversões públicas concentrou-se, de 
forma assistemática, nos oito itens do decreto n.º 20.493 para justificar a proibição de peças 
teatrais, películas cinematográficas, letras musicais e programas de rádio e televisão que 
contivessem qualquer ofensa ao decoro público ou cenas violentas capazes de incitar a prática 
de crimes, induzissem aos maus costumes; incitassem contra o regime vigente, a ordem 
pública, as autoridades constituídas, prejudicassem a cordialidade das relações entre os povos, 
ofendessem as coletividades ou as religiões, ferissem a dignidade brasileira e os interesses 
nacionais e, por fim, depreciassem as forças armadas.7 
 
1 Artigo 44, decreto n.° 20.493... 
2 Artigo 50, parágrafo 5°, Idem. 
3 Artigo 50, Idem. 
4 Artigo 43, Idem. 
5 Artigos 50, 61 e 97, Idem. 
6 Artigos 14, 68 e 99, Idem. 
7 Artigo 41, itens A, B, C, D, E, F, G e H, Idem. 
 
 32
Além desses critérios abrangentes, o decreto n.° 20.493 atribuía ao chefe do SCDP o 
direito de cassar ou restringir a autorização da censura quando sobreviessem motivos 
imprevistos e injustificados pelo interesse da dignidade nacional, da ordem, da moralidade ou 
das relações internacionais.1 Desse modo, a aprovação concedida pelo chefe da censura não 
significava continuidade do espetáculo dentro do prazo previstopelo certificado liberatório, 
ou seja, 5 anos. 
Dessa explanação preliminar, podemos afirmar que, no campo da censura de 
diversões públicas, a atuação do SCDP, subordinado ao Departamento Federal de Segurança 
Pública (DFSP), representou uma continuidade da sistemática da Divisão de Cinema e Teatro, 
vinculada ao DIP e, em seguida, ao DNI, ambos criados no governo Vargas. Em linhas gerais, 
o regulamento do SCDP incorporou as atribuições da Divisão de Cinema e Teatro, com 
exceção dos dois primeiros itens que regulavam a criação de cine-jornal com reportagens 
sobre o Brasil e destinavam facilidades econômicas a empresas nacionais do ramo 
cinematográfico.2 
O que é singular nesse processo de continuidade da prática censória é que o SCDP 
foi criado no período de redemocratização da sociedade brasileira, em 1945, na gestão de José 
Linhares, e o DIP na época do Estado Novo, em 1939.3 Como assinalou Silvana Goulart, o 
período de redemocratização produziu novas fachadas sem, contudo, eliminar estruturas 
montadas que visaram manter o consenso da sociedade em torno da ordem constituída. 
Portanto, certos órgãos, apesar da nova roupagem, reproduziram posições semelhantes às 
práticas anteriores,4 a exemplo da instituição censória responsável pela manutenção da ordem 
pública e preservação da moral e dos bons costumes. 
Na apreciação de Gláucio Ary Dillon Soares, as atividades censórias no regime 
militar apresentaram dinâmica semelhante à de grande parte das instituições autoritárias em 
vigor na época, cujas origens remontavam ao contexto de ditadura varguista e cujas leis não 
sofreram revisão no período posterior. Nesses termos, “o Brasil não reviu a legislação 
corporativista: ao contrário, manteve boa parte daquele entulho legal, ainda que o usando 
comparativamente pouco”.5 Assim, nos momentos de autoritarismo explícito, a exemplo do 
 
1 Artigo 54, Idem. 
2 Artigo 8°, itens A e B, decreto n.° 5.077... 
3 No período de 1939 a 1945, três órgãos públicos assumiram o controle nacional da censura teatral e de 
diversões públicas: primeiro, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), submetido à Presidência da 
República, depois, o Departamento Nacional de Informações (DNI), vinculado ao Ministério da Justiça e 
Negócios Interiores e, por último, o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), subordinada ao chefe de 
polícia e ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). 
4 GOULART, Op. cit., p. 165. 
5 SOARES, Op. cit., p. 21. 
 
 33
Estado Novo e do regime militar, “novas características autoritárias vêm se juntar às que já 
permeiam nossas relações sociais”, conforme afirmou Maria Aparecida de Aquino.1 
No campo da censura, Beatriz Kushnir assinalou que as mudanças adotadas pelo 
governo de José Linhares visaram romper com o Estado Novo, mas a nova legislação 
permaneceu “invasiva e centralizadora” e preservou seu “conteúdo regulador”.2 O que 
ocorreu foi uma adaptação das estruturas precedentes ao contexto democrático brasileiro. Sob 
essa perspectiva, o deslocamento da censura para a esfera moral e a acomodação do órgão na 
estrutura policial buscavam retirar da prática censória qualquer conotação política.3 O que não 
atribuiu ao instrumento regulador legitimidade democrática nem tampouco desvinculou o 
fenômeno histórico do universo político. 
Como se vê, após intervalo de seis anos, de 1939 a 1945, o exercício da censura 
restaurou a “tradição policialesca” e a criação do SCDP separou a censura de diversões 
públicas da censura da imprensa sem, contudo, apresentar rupturas drásticas com a estrutura 
anterior ou mudanças profundas no sistema censório. Convém registrar que, desde a criação 
do serviço censório, em meados da década de 1940 até o final do ano de 1967, a censura de 
diversões públicas permaneceu sob a ingerência do chefe de polícia e atuou de forma 
autônoma nos estados. Como afirmou Douglas Attila Marcelino, “sempre vinculada à 
instituição policial, esse tipo de atividade funcionava não somente como um mecanismo de 
manutenção da ordem moral e social, mas também como uma fonte de arrecadação de 
recursos por parte do Estado”.4 
Em suma, podemos afirmar que a censura brasileira existiu tanto nos contextos de 
ditaduras quanto nos períodos democráticos. O que motivou, por exemplo, José dos Santos 
Freitas a encaminhar uma carta de protesto à coluna de Jota Efegê, no Jornal dos Sports, que, 
nos idos de 1950, recusava-se a aceitar medidas obscurantistas na área da cultura e 
reivindicava plena liberdade para as manifestações artísticas. No seu protesto ele dizia que “é 
preciso estar alerta contra as solertes maquinações dos obscurantistas medievais que se 
prendem aos grilhões do passado, um comodismo intolerável. Não sou extremista, e por isso 
 
1 In: AQUINO, Maria Aparecida de; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi Leme de; SWENSSON JR., Walter 
Cruz (orgs.) No coração das trevas: o DEOPS/SP visto por dentro. São Paulo: Arquivo do Estado: Imprensa 
Oficial, 2001. p. 12. 
2 KUSHNIR, Op. cit., p. 83. 
3 Idem, p. 99. 
4 MARCELINO, Salvando a pátria..., p. 27. Sobre o assunto, ver também STEPHANOU, O procedimento 
racional..., p. 21. De qualquer forma, não se sabe ao certo quanto os estados arrecadavam com esta atividade, 
quanto se pagava pelos pedidos de censura, quem recolhia as taxas etc. 
 
 34
mesmo acho intolerável quererem impor-nos uma democracia de máscara, venha o modelo de 
onde vier”.1 
De qualquer maneira, a mudança dos regimes políticos, a extinção de órgãos 
autoritários e a criação de um serviço especializado alteraram lentamente a prática censória. 
Como evidenciou o jornalista José Lino Grünewald, 
[em 1966], a questão da censura, encarada mediante os últimos decênios, teve a sua fase 
negra naturalmente durante o Estado Novo. Depois, com o retorno democrático, o poder dos 
censores oficiais foi-se amainando, da mesma forma que a ingerência indébita, mas 
consentida, de facções raciais, políticas, religiosas (especialmente estas), além de inefáveis 
associações de pais de família. Foi, contudo, um amainar muito lento e somente de uns 
poucos anos para cá que, em relação aos problemas dos costumes e dos espetáculos públicos, 
as tendências das autoridades passaram a ir realmente ao encontro do inegável índice de 
civilização das principais capitais e centros industriais do Brasil. E no que, inclusive, ajudou 
a desenvolver ainda mais a educação, a compreensão e a liberdade essencial das pessoas.2 
 
A censura de diversões públicas, realizada pelo DFSP e por organismos regionais, 
caracterizou-se, no período entre 1945 e 1967, pelo predomínio de justificativa moral sobre 
questão política e pelo número restrito de interdições totais de peças teatrais e películas 
cinematográficas nos estados brasileiros. Segundo dados estatísticos da censura teatral de São 
Paulo, realizada no período de 1920 a 1972, de 6.137 peças censuradas, 47 peças foram 
vetadas, 886 parcialmente liberadas e 3.578 liberadas. O número restante está em processo de 
organização.3 
Como afirmou o chefe da censura, Hildon Rocha, na segunda metade da década de 
1950, “até agora, sob minha direção, a censura não proibiu uma só peça ou filme”, embora 
“tenho encontrado em alguns elementos do teatro de revista certa prevenção, talvez pelas 
diferenças de gosto artístico e formação ética. Sendo o teatro um gênero literário, não vejo 
como deva ser transformado numa escola ‘de degradação e mau gosto’”. Contra esse gênero 
de espetáculo recaia a censura moral, pois, segundo o representante da censura no Rio de 
Janeiro, “além de ser uma posição justa, é também legal, porque a lei sobre a censura manda 
proibir ‘ofensa ao decoro público’ e muitas outras coisas, inclusive aquilo que induza aos 
maus costumes. Exercer a censura contra o despudor é um ato legal, inclusive amparado no 
parágrafo constitucional”.4

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