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Curso de Concreto Armado 53 03/10/18 9 Dimensionamento e Verificação de Elementos Lineares Submetidos à Flexão Simples 9.1 Os mecanismos de ruptura na flexão simples a) Ensaios de Stuttgart Os denominados “Ensaios de Stuttgart”, realizados inicialmente por Leonhardt e Walther numa viga retangular biapoiada (dimensionada pela teoria clássica de Mörsch) carregada com duas cargas concentradas simétricas (figura 11), permite interpretar o comportamento das seções de concreto armado submetidas à flexão simples. Figura 11 - Viga biapoiada para ensaio O ensaio consiste no carregamento gradativo da peça, sendo as cargas concentradas aumentadas até que venham atingir o valor que leve a viga ao colapso. Na mesma peça pode-se observar a flexão pura no trecho BC e a flexão simples nos trechos AB e CD. 1ª Etapa: Viga não apresenta fissuras (Estádio I) Sendo bw x h 2 / 6 o módulo resistente da seção de concreto, Pxa o máximo momento atuante e ft a resistência do concreto à tração, enquanto a tensão de tração i nas fibras inferiores da viga não atinge o valor ft nenhuma fissura é de se esperar no concreto, já que estaria funcionando no Estádio I como material homogêneo de seção resistente plena. O valor máximo da carga P1 para o qual não se precisa armar a viga à flexão pode ser determinado a partir de: i = w i M , onde Wi = bw x h 2 / 6 ft = Wi aP 1 P1 = a fthbw 6 2 O funcionamento da viga nesta etapa obedece quase que rigorosamente às teorias da Resistência dos Materiais. A figura 12 mostra a trajetória das tensões principais, as deformações específicas e a distribuição de tensões na seção transversal da viga. Para cálculo de deformações nesta etapa de funcionamento, a seção transversal total da peça (incluindo o aço) contribui para o cálculo da inércia já que não houve aparecimento de fissuras. Curso de Concreto Armado 54 03/10/18 Figura 12 - Funcionamento no Estádio I (sem fissuras) 2ª Etapa: Viga fissurada com esforços de tração absorvidos pela armadura (Estádio II) Ultrapassado o valor P1 surgem as primeiras fissuras no trecho BC (fissuras de flexão), perpendiculares à trajetória das tensões de tração (e portanto verticais) que se estendem até um pouco abaixo da linha neutra (até as fibras onde ft), conforme indica a figura 13. Figura 13 - Aparecimento das primeiras fissuras É importante mencionar que o intervalo e a abertura máxima das fissuras numa viga de concreto armado dependem, fundamentalmente, da quantidade e diâmetro das barras empregadas, bem como da relação entre a área total destas barras e a área fissurada de concreto, sendo constatado que a adoção de barras mais finas e pouco espaçadas conduz a uma menor fissuração das regiões tracionadas. No início do Estádio II a quase totalidade dos trechos AB e CD continua ainda no Estádio I, já que i < ft. O aumento progressivo da carga até levar a peça ao colapso, faz com que toda a viga trabalhe fissurada, com exceção de regiões muita pequenas vizinhas aos apoios. Nos trechos AB e CD as fissuras não serão mais verticais, continuando praticamente perpendiculares às tensões principais de tração (ou seja, com direção das tensões principais de compressão). Assim sendo, pouco antes da ruptura a configuração da viga fissurada é a indicada na figura 14, mostrando as fissuras ditas de cisalhamento nos trechos AB e CD e aquelas de flexão pura no trecho central. Os pequenos trechos vizinhos aos apoios não estão fissurados já que neles i < ft. A mesma figura apresenta as deformações específicas , a distribuição de tensões e a parte útil (resistente) da seção transversal no trecho central. A figura 14 explicita que: a peça de concreto armado, mesmo nas proximidades da ruptura, se deforma obedecendo à hipótese clássica da seção plana (diagrama linear das deformações específicas ) estando fissurado o concreto na parte tracionada da seção, só terão função resistente a parte comprimida do concreto (despreza-se, a favor da segurança, a pequena Curso de Concreto Armado 55 03/10/18 colaboração da região tracionada de concreto logo abaixo da linha neutra, onde se tem < ft) e a armadura tracionada na parte comprimida da seção o diagrama de tensões no concreto possui uma configuração correspondente àquela indicada no item 4.2 i) Figura 14 - Funcionamento no Estádio II no limiar do estado limite último (ruptura) Para fins de ilustração, cabe enfatizar que a viga ensaiada romperia com um valor último da carga P1 cerca de 10 vezes superior àquela correspondente ao Estádio I, mesmo levando em conta os valores dos coeficientes de segurança a serem adotados sobre a carga de ruptura, o que mostra que o estudo das peças em concreto armado deve ser feito no Estádio II, tendo pouco significado prático para o concreto armado o Estádio I. b) Tipos de ruptura Os vários tipos de ruptura passíveis de ocorrer numa viga de concreto submetida à flexão simples são (figura 15): Figura 15 - Tipos possíveis de ruptura numa viga Ruptura por flexão (região A) Para o caso mais comum das vigas em que o concreto está dimensionado por excesso (vigas subarmadas), o processo da ruptura se inicia pelo aço ao ultrapassar seu limite de escoamento, o que faz com que surjam grandes acréscimos de deformação na fibra tracionada s, sob tensão constante, provocando elevações sucessivas da linha neutra, com conseqüentes diminuições da área comprimida, até que a mesma entra em processo de ruptura por excesso de compressão. Ocorre quase que um paradoxo, pois a causa do colapso, situada em termos de resistência na zona tracionada, no que se refere a mecanismo cinemático acaba repercutindo na região comprimida. Com mais forte razão, no caso das “vigas superarmadas” (situação em que a deficiência maior de dimensionamento está localizada no concreto), a ruptura se dá pelo esmagamento das fibras comprimidas do concreto. Deve-se ressaltar que neste tipo de viga o colapso da peça é alcançado antes que o aço das fibras tracionadas entre em escoamento. Por este motivo não acontecem grandes deformações, sendo chamada “ruptura sem aviso prévio”. Curso de Concreto Armado 56 03/10/18 Ruptura de cisalhamento por tração (região B) É o tipo mais comum de ruptura por cisalhamento, resultante de deficiência na armadura transversal destinada a absorver as trações que surgem por influência dos esforços cortantes. A peça tende a se dividir em duas partes. Ruptura por compressão da mesa devida ao esforço cortante (região C) No caso de armadura de cisalhamento insuficiente, além da ruptura típica de tração pode vir a ocorrer uma ruptura por compressão na mesa superior. Sendo baixa a armadura de cisalhamento, o aço atinge o limite de escoamento acarretando intensa fissuração do concreto (fissuras inclinadas) ao longo de seu comprimento, penetrando as fissuras na região da mesa comprimida pela flexão. Esta região pode entrar em processo de ruptura por esmagamento do concreto, apesar de a seção a que pertence estar submetida a momento fletor inferior àquele que atua no meio do vão. Ruptura por ancoragem deficiente da armadura principal sobre o apoio (região D) A armadura principal de tração da viga está solicitada sobre o apoio (onde teoricamente se pensa em solicitação nula), de modo que precisa ser convenientemente ancorada, sob pena de ocorrência de um tipo de ruptura onde a peça entra bruscamente em colapso devido a um deslizamento da armadura longitudinal, usualmente se propagando e provocando também uma ruptura ao longo da altura da viga. Ruptura de cisalhamento por esmagamento da biela comprimida (região E) No caso de larguras bw muito reduzidas face as solicitações atuantes, as tensões principais de compressão podem atingir valores excessivamente elevados, incompatíveis com a capacidade de resistência do concreto à compressão quando solicitadosimultaneamente por tração perpendicular, ocasionando uma ruptura por esmagamento de concreto. Observações No caso de vigas contínuas, sobre os apoios intermediários as rupturas dos tipos A e C tendem a ocorrer no bordo inferior, permanecendo inalteráveis as tendências de ruptura B e E nas regiões de esforço cortante máximo e não existindo, para os apoios intermediários, o perigo da ruptura D (figura 16). Figura 16 - Possibilidades de ruptura na região do apoio intermediário de viga contínua Curso de Concreto Armado 57 03/10/18
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