Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
127 UNIDADE 3 O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) à Unidade 3 do caderno de Economia Política! Esta unidade tem por objetivos: • compreender o estágio imperialista da história do capitalismo; • adquirir conhecimento sobre as fases nas quais desenvolve-se o capitalis- mo; • caracterizar as peculiaridades da dinâmica do desenvolvimento do capita- lismo sob a globalização; • esclarecer a dinâmica da globalização por meio da reestruturação produ- tiva, do neoliberalismo e da financeirização do capital; • discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as socieda- des na entrada do século XXI. • compreender o estágio imperialista da história do capitalismo; • adquirir conhecimento sobre as fases nas quais desenvolve-se o capitalis- mo; • caracterizar as peculiaridades da dinâmica do desenvolvimento do capita- lismo sob a globalização; • esclarecer a dinâmica da globalização por meio da reestruturação produ- tiva, do neoliberalismo e da financeirização do capital; • discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as socieda- des na entrada do século XXI. Esta unidade está dividida em três tópicos e no final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado. TÓPICO 1 - O IMPERIALISMO TÓPICO 2 - OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO TÓPICO 3 - ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEM- PORÂNEAS 128 129 TÓPICO 1 O IMPERIALISMO UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), o estudo relativo à fase recente do desenvolvimento do capitalismo, o capitalismo contemporâneo, exige que se compreenda o contexto mais amplo no qual a organização da sociedade atual se encontra. Desta forma, os tópicos da Unidade 3 irão esclarecer as peculiaridades presentes na dinâmica do desenvolvimento do capitalismo após a década de 1980 (Tópico 2) e discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as sociedades na entrada do século XXI (Tópico 3). Entretanto, o Tópico 1, que tem início a partir deste momento, debruçar-se-á sobre o estágio imperialista da história do capitalismo. A temática do imperialismo diz respeito às importantes transformações experimentadas durante o desenvolvimento do sistema capitalista a partir dos últimos 30 anos do século XIX. Neste sentido, a partir de 1910, alguns autores, amparados nas obras de Karl Marx, dedicaram-se a estudos que confluíram na configuração de um novo estágio do capitalismo, denominado imperialismo, que se estende ao longo de todo o século XX, e conta com novas determinações na virada para o século XXI. Karl Heinrich Marx, nascido em 1818 na Alemanha, foi filósofo e cofundador, junto com Friedrich Engels, da escola de pensamento marxista. Contudo, seus escritos influenciaram diversas áreas, como o Direito, a Economia e a Sociologia. A principal obra publicada por Marx é “O Capital”, em 1867, predominantemente, um livro sobre Economia Política, mas que realiza uma extensa análise crítica da sociedade capitalista. Os conceitos de mais-valia, força de trabalho, acumulação primitiva e meios de produção foram introduzidos por Marx e Engels na segunda metade do século XIX, mas são extremamente atuais à compreensão da sociedade capitalista atual. FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Karl_Marx_001. jpg>. Acesso em: 19 jan. 2015. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 130 A modo de introdução cabe lembrar que, durante o processo de evolução do capitalismo, distinguem-se, também, alguns estágios específicos, tendo início com o capitalismo comercial ou mercantil que, por sua vez, estende-se desde a acumulação primitiva até o momento em que o capital tem a capacidade de controlar o trabalho humano, mediante o estabelecimento da manufatura, cobrindo, portanto, os séculos XVI, XVII e meados do século XVIII. NOTA Acumulação primitiva é um conceito marxista que explica a origem mais primitiva da acumulação de capital, cuja dinâmica decorre da expropriação, por parte dos capitalistas, dos meios de produção dos trabalhadores do campo. Isto é, trata-se da separação do produtor direto dos seus meios de subsistência. Trata-se, portanto, do nascimento da classe social burguesa, que passou a acumular e controlar grandes riquezas comerciais ao longo dos séculos, mas que confronta diretamente com a nobreza fundiária que dominava as relações de poder no período. A crescente burguesia é, nesta perspectiva, uma classe revolucionária, cujos interesses até convergiam com o restante da população: liberar as forças produtivas dos entraves estabelecidos pelas relações feudais de produção. “Temos, à época, uma burguesia de caráter audacioso, uma burguesia empreendedora, heroica mesmo, como se verifica dos seus inícios à sua marcha triunfal rumo à construção da nova sociedade.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 170). Esse primeiro movimento já revela a tendência à mundialização do capital devido à expansão marítima e à conquista de territórios distantes a partir de grupos mercantis europeus, traços históricos das revoluções burguesas empreendidas até meados do século XVIII. No período subsequente, o capitalismo ingressa em um novo estágio evolutivo, proporcionado pelo avanço da tomada de poder do Estado pela burguesia e por meio do aprimoramento das técnicas no ambiente produtivo, resultando na Revolução Industrial e na organização da produção através da nascente grande indústria. NOTA Quando falamos, aqui, em grande indústria, nos referimos à formação e à consolidação de uma completa estrutura fabril, na qual a divisão social do trabalho é fundamental e se realiza por meio da relação entre os trabalhadores e as máquinas. TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 131 A partir, portanto, da segunda metade do século XVIII, descortina-se o segundo estágio do capitalismo, o capitalismo concorrencial, também chamado de “clássico”, estudado com maior especificidade na Unidade 1. O desenvolvimento do capitalismo concorrencial estendeu-se até fins do século XIX; até o início do estágio imperialista. No percurso de cerca dos seus cem anos de maturação, o capitalismo tende a consolidar sua dinâmica própria de relações econômicas e sociais, revelando suas principais características: o controle da força de trabalho pelos detentores dos meios de produção e a mercantilização de tudo e de todos; a reificação ou coisificação das relações sociais. A grande indústria provocou, primeiramente, no capitalismo concorrencial, um processo de urbanização sem precedentes nas principais cidades europeias. A referida expropriação dos meios de subsistência dos trabalhadores do campo obriga-os a migrarem às cidades em busca de formas diferenciadas de sobrevivência, isto é, obriga uma grande massa de pessoas do campo a venderem sua força de trabalho no interior das fábricas localizadas nas cidades. NOTA A formação da grande indústria, propiciada pelos avanços da Revolução Industrial do século XVIII, faz as cidades crescerem rapidamente em termos de população. Essa dinâmica faz surgir áreas do conhecimento preocupadas com o caos das cidades, por exemplo, aquelas ligadas ao planejamento urbano e regional. FIGURA 24 - GRANDE INDÚSTRIA E CIDADES EUROPEIAS DO SÉCULO XVIII FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-zWf7Ho-s8CE/UzSJzeJslZI/AAAA AAAAACA/ouckFsuTKP0/s1600/revolucao_industrial.jpg>. Acesso em: 20 jan. 2015. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 132 Em segundo lugar, mas não menos importante, o capitalismo concorrencial possibilitou a criação do mercado mundial. Nesse contexto, os países mais avançados buscam matérias-primas para produção em diversos países do mundo que, depois de transformadas, em larga escala, são devolvidas em forma de mercadorias, criando vínculos econômicos e culturais permanentes com territórios distantes. “Povos, nações e Estados situados fora da Europa, que se mantinham isoladosresistindo com recursos de força, são agora integrados mais pela via da invasão comercial que pela intervenção militar.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 172). É, portanto, no estágio concorrencial do capitalismo que se desenvolve e se consolida um sistema econômico internacional, uma economia mundial, marcada pela desigualdade entre as trocas econômicas. Pois, uma vez que tal integração ocorreu entre países com condições socioeconômicas muito desiguais, suas consequências agravaram e ampliaram ainda mais a desigualdade preexistente. A caracterização concorrencial desse estágio ocorre justamente em função das amplas possibilidades de negócios que surgiram para os pequenos e também para os médios capitalistas entre meados do século XVIII e fins do século XIX. IMPORTANT E Os dois primeiros estágios da evolução do capitalismo são o capitalismo comercial (a partir da ideia de acumulação primitiva) e o capitalismo concorrencial (com a formação de uma economia mundial). Ao final do século XIX, em seus últimos 30 anos, o panorama do capitalismo em sua forma concorrencial estava prestes a sofrer alterações bastante significativas. O gatilho para a transição a um novo estágio de desenvolvimento do sistema capitalista encontrava-se em dois processos que merecem especial atenção: o surgimento dos monopólios e a modificação do papel dos bancos. Uma vez que o modo de produção capitalista encontrava-se organizado e devidamente consolidado, cuja evolução vimos através de suas formas comercial e concorrencial, as tendências “naturais” do capital, a concentração e a centralização encarregaram-se da convergência destes mercados, neste momento já integrados à formação dos monopólios. O impacto do surgimento de diversos e poderosos monopólios em menos de 30 anos (final do século XIX), controlando ramos produtivos inteiros, empregando e comandando milhares de trabalhadores e, o mais importante, influenciando diretamente as economias nacionais, alterou extraordinariamente o desenvolvimento do capitalismo. Apenas dois exemplos dessa alteração: 1) na Alemanha, o grupo Krupp empregava 16 mil pessoas em 1873, 24 mil por volta de 1890, 45 mil por volta de 1900 e quase 70 mil por volta de 1912; 50% da produção de carvão estava, em 1893, nas mãos de um único grupo produtor; 2) nos Estados Unidos, a um único grupo, em 1901, cabiam 60% da produção TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 133 de aço; aí, em 1904, 0,9% do total das empresas industriais respondia por 38% da produção industrial do país (NETTO; BRAZ, 2006, p. 177). NOTA Segundo o dicionário de economia Sandroni (1999), monopólio é uma forma de organização de mercado em que apenas uma empresa domina a oferta de determinado produto ou serviço. Atualmente, a maioria dos países proíbe esta prática, com exceção daqueles monopólios exercidos pelos Estados, como o fornecimento de serviços públicos. Como se percebe, a constituição dos monopólios, sobretudo aqueles relativos à produção industrial, torna-se o elemento-chave da economia capitalista já na entrada do século XX. Contudo, o surgimento dos monopólios industriais ocorre praticamente no mesmo momento em que há uma mudança no papel dos bancos. Aí, os bancos tornaram-se as peças básicas do sistema de crédito. Uma vez que reuniam capitais inativos de capitalistas, além das economias de muitas pessoas, os bancos passaram a controlar um volume monetário muito grande que, por sua vez, era disponibilizado para empréstimos. Devido à grande concorrência intercapitalista, o empréstimo para realização de novos investimentos tornou-se fundamental à sobrevivência no mercado. Desta forma, os bancos passaram a ocupar uma posição estratégica no controle de disponibilidade de créditos para diferentes empresas e ramos industriais. Pois, como passaram a conhecer as estruturas internas de muitas empresas (os defeitos e as virtudes), os bancos poderiam ofertar empréstimos a quem fosse de sua escolha e, ainda, participar somente dos melhores negócios. Como resultado: da condição de meros intermediários de pagamentos, os bancos passaram a associados dos capitalistas industriais; tanto a concentração quanto a centralização ocorrida nas atividades industriais passam a ocorrer também no setor bancário. Isto é, o surgimento dos monopólios industriais é acompanhado pela monopolização do setor bancário. Dois exemplos da monopolização no setor bancário: 1) em 1909, nove grandes bancos de Berlim – e as casas bancárias a eles associadas – controlavam 83% de todo o capital bancário alemão; 2) na França, os três bancos mais importantes, entre 1870 e 1909, decuplicaram [tornaram dez vezes maiores] os capitais alheios sob sua guarda (NETTO; BRAZ, 2006, p. 179). Os bancos, ao comprarem ações de grandes monopólios industriais, convertem-se em coproprietários destas empresas. As empresas também passam a possuir ações dos bancos. Consequentemente, produz-se uma fusão do capital monopolista industrial com o capital monopolista bancário. É justamente esta fusão dos capitais bancários e industriais que origina o capital financeiro, peça fundamental do terceiro estágio do desenvolvimento capitalista: o imperialismo. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 134 IMPORTANT E A formação dos monopólios industriais e o novo papel atribuído aos bancos dão origem ao capital financeiro, cuja dinâmica é essencial ao estágio imperialista do capitalismo. No item a seguir estudar-se-á, mais precisamente, o estágio imperialista, que, como visto nesta introdução, tem origem nas três últimas décadas do século XIX, se estende ao longo de todo o século XX e conta com novas determinações na virada para o século XXI. 2 O ESTÁGIO IMPERIALISTA Como se viu, o estágio imperialista do desenvolvimento do capitalismo inicia-se nos últimos anos do século XIX, período no qual o capital financeiro possui um papel decisivo. Aí, as empresas eram tipicamente monopolistas. Embora, ainda assim, subsistissem empresas pequenas e médias (não monopolistas), estas estavam totalmente subordinadas às pressões dos grandes monopólios. A circulação de mercadorias (o comércio externo) já empreendida pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista possibilitou conectar todo o mundo aos centros capitalistas. A troca de mercadorias entre países constitui-se em sua principal vinculação. Contudo, no imperialismo, além da exportação de mercadorias, ganhou relevância a exportação de capitais. A exportação de capitais ocorria tanto por meio de empréstimos, quando “capitalistas concedem créditos, em troca de juros determinados, a governos ou capitalistas de outros países”, quanto como capital produtivo, quando “capitalistas implantam indústrias em outros países.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 181). Por sua vez, o estímulo à exportação de capitais está na procura de máxima lucratividade por parte dos capitalistas (por parte dos juros recebidos ou pelos lucros a serem repartidos). O objetivo das grandes empresas monopolistas é controlar, além dos mercados de seus próprios países, os mercados externos, associando-se a empresas do mesmo ramo localizadas em outros países. Ou seja, dividem, por meio de acordos entre si, as regiões do mundo as quais pretendem subordinar a seus interesses; realizam uma partilha econômica do mundo. No período de constituição do imperialismo, entre 1874 e 1914, cerca de 25 milhões de km² foram apropriados pelos países imperialistas, espaço que representa mais de 50% dos seus próprios territórios (NETTO; BRAZ, 2006). Tais acordos, que não eliminam a concorrência, mas estabelecem limites temporários à concorrência, continuaram presentes na dinâmica do capitalismo ao longo de todo o século XX. TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 135 Vladimir Lênin (1977, p. 641-642 apud NETTO; BRAZ, 2006, p. 180, grifos nossos) resume os traços principais do imperialismo por meio de cinco características: 1) A concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criouos monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada neste capital financeiro, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitais, que partilham o mundo entre si; e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. Quanto à ideia de oligarquia financeira, oriunda da fusão entre o capital bancário e o capital industrial, é preciso dizer que o controle da economia dos países passou a ser concentrado em um pequeno número de grandes capitalistas. E, além do controle interno, houve uma concentração do poder das decisões econômicas também dos países aonde seus grupos econômicos atuavam (devido à formação dos mercados externo). Desta forma, estes poucos capitalistas monopolistas passaram a dispor de uma enorme influência política no interior de seus territórios e no âmbito dos demais países capitalistas do mundo. “Assim, já antes da Primeira Guerra Mundial, o mercado de petróleo foi objeto de acordos entre a Standard Oil (norte-americana) e a Royal Dutch Shell (anglo-holandesa); na indústria eletrotécnica, em 1907, um acordo entre a General Electric/GE (norte- americana) e a Allgemeine Elektrizitägesellschft/AEG (alemã) garantiu à primeira os mercados americanos e à segunda os europeus e parte dos asiáticos.” (NETTO BRAZ, 2006, p. 182) E ainda com relação aos monopólios: Em 1954, nos Estados Unidos, 17 empresas controlavam 94% da produção de aço; apenas um monopólio (Standard Oil) controlava a indústria do petróleo e, em 1958, três grupos (General Motors, Ford e Chrysler) detinham 93% da produção de veículos; na Inglaterra, à mesma época, um grupo (Imperial Chemical Industries) controlava 95% de toda a produção química básica; na França, também na década de cinquenta, quatro grupos monopolistas controlavam 96% da produção de veículos, um grupo, toda a produção de alumínio, e outro, 80% da produção de colorantes químicos (NETTO BRAZ, 2006, p. 180). No entanto, a dinâmica de repartição do mundo em territórios econômicos para a exploração, que é própria do estágio imperialista do desenvolvimento do capitalismo, entra em crise em 1914. Pois, com a falta de territórios livres ao comércio, as novas expansões deram-se por meio do confronto direto entre os países imperialistas, resultando na Primeira Guerra Mundial. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 136 IMPORTANT E O estágio imperialista pode ser entendido por meio de elementos como a formação dos monopólios industriais; a fusão que origina o capital financeiro; a exportação de capitais; a associação internacional de empresas; e a partilha territorial do mundo. A evolução a partir do estágio imperialista operou a mundialização do capitalismo, cuja expansão ocorre para além de qualquer fronteira. Pois, com seu desenvolvimento, a divisão social do trabalho na produção mercantil (ver Figura 26) não se restringiu às unidades produtivas, originando uma divisão internacional do trabalho, na qual cada território nacional procura especializar- se em determinados tipos de produção. Aí é possível perceber países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos e as relações de domínio e exploração dos primeiros sob os segundos. FIGURA 25 - DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO EM UMA FÁBRICA DE ALFINETES FONTE: Disponível em: <https://economianostra.files.wordpress.com/2013/05/fc3a1brica-de- alfinetes.png?w=300&h=108>. Acesso em: 20 jan. 2015. A expansão mundial do capitalismo pode ser entendida por meio de sua característica desigual e combinada. Quanto à desigualdade, as sociedades menos desenvolvidas, com traços atrasados, têm a possibilidade, ou são obrigadas, a adotar certos traços avançados, saltando as etapas intermediárias. Tais traços, desiguais, atrasados e avançados, combinam-se sempre de forma original, resultando em uma específica forma de desenvolvimento para cada território (LÖWY, 1998). Na passagem específica sobre a terminologia, na obra História da Revolução Russa (TROTSKY, 1980, p. 25, grifo nosso), se lê: A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral dos processos históricos, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 137 FIGURA 25 - DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO EM UMA FÁBRICA DE ALFINETES desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas. Contudo, a relevância dos diferentes espaços para o entendimento do desenvolvimento pelo capitalismo mundial é mais bem captada pela ideia de desenvolvimento geográfico desigual. A noção de desenvolvimento geográfico desigual pode ser apreendida como uma construção teórica cuja origem está nos escritos de Vladimir Lênin sobre o processo de desenvolvimento capitalista na Rússia, mas que adquire maior significado pela lei do desenvolvimento desigual e combinado de Leon Trotsky depois da Revolução de 1905 (na Rússia) e ganha, mais recentemente, sua devida espacialização pelos esforços de geógrafos marxistas como Neil Smith e David Harvey. O fôlego no estudo do desenvolvimento desigual e combinado das formações sociais capitalistas que se perdeu após Trotsky ganha ímpeto na intenção de se formular uma teoria do desenvolvimento geográfico desigual, como já foi dito, mais recentemente; atribui-se esses exames a geógrafos do lado da crítica marxista, sobretudo a partir da década de 1980, como Neil Smith (1988) e David Harvey (1982, 2004, 2006), embora o tema tenha sido tratado também por outros estudiosos, colocando a dimensão espacial no centro do debate sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista (THEIS, 2009). FONTE: Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/VIII_EEC/sessoes_tematicas/7%20-%20 Eco%20Reg.%20Urbano/PLANEJAMENTO%20REGIONAL%20NO%20BRASIL>. Acesso em: 13 mar. 2015. FIGURA 26 - LEON TROTSKY; NEIL SMITH; DAVID HARVEY FONTE: Disponível em: <http://static.guim.co.uk/sys-images/Guardian/Pix/ pictures/2013/2/28/1362053521131/Leon-Trotsky-006.jpg>; <http://2. bp.blogspot.com/vybyw6SCQY0/UGmh9RnexmI/AAAAAAAAAiI/pGm1t0Tzqo4/ s1600/neil_smith_multipliciudades.jpg> e <http://www.oktober.no/var/ ezwebin_site/storage/images/forfattere/utenlandske/harvey_david/1971-2-nor- NO/harvey_david.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 138 NOTA Na figura acima se vê: Leon Trotsky (1879-1940), intelectual e dirigente político durante a Revolução Russa; Neil Smith (1954-2002); e David Harvey (1935-). Os dois últimos referem-se a geógrafos marxistas responsáveis por pesquisas sobre a desigualdade do sistema capitalista. A diferença fundamental entre a “lei do desenvolvimento desigual e combinado e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual” está na ênfase da primeira em explicar porque diferentes e irregulares padrões de desenvolvimento em formações sociais periféricas/atrasadas podem, combinando-se, vivenciar uma revolução política. Já a segunda constitui uma tentativa teórico-metodológica de conceber a natureza geográfica da desigualdade socioeconômica entre regiões e países produzida pelo capitalismo. “A coexistência, simultânea e dinâmica, de espaços economicamente mais e menos pujantes é o resultado do desenvolvimento geográfico desigual”, embora seja, também, condição para o processo de continuada valorização do capital (THEIS; BUTZKE, 2012, p. 104, grifo do autor). Na teoria do desenvolvimento geográfico desigual, dois elementos sãocentrais (HARVEY, 2004): a produção das escalas espaciais e a produção da diferença geográfica. A produção das escalas espaciais diz respeito à produção de uma hierarquia de escalas espaciais que organiza as atividades humanas. [...] não se pode entender o que acontece numa dada escala fora das relações de acomodamento que atravessam a hierarquia de escalas – comportamentos pessoais (por exemplo, dirigir automóveis) produzem (quando agregados) efeitos locais e regionais que culminam em problemas continentais, de, por exemplo, depósitos de gases tóxicos ou aquecimento global (HARVEY, 2004, p. 108). A produção da diferença geográfica é resultante, por um lado, da conformação de um mosaico geográfico ambiental ao redor do mundo e, por outro, pela forma como essas diferenças geográficas são modificadas pelos processos político-econômicos e socioecológicos que ocorrem atualmente. A acumulação do capital é que gera desenvolvimento geográfico e a taxa de lucro é o que dá direção ao desenvolvimento. Em consonância com esse movimento, as áreas com altas taxas de lucro vão se desenvolver e as áreas que apresentam baixas taxas de lucro vão apresentar baixos índices de desenvolvimento (SMITH, 1988). Marx, numa perspectiva mais geográfica, observou que “o capital cresce enormemente num lugar, numa única mão, porque foi, em outros lugares, retirado de muitas mãos.” (SMITH, 1988, p. 212). FONTE: Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/VIII_EEC/sessoes_tematicas/7%20-%20 Eco%20Reg.%20Urbano/PLANEJAMENTO%20REGIONAL%20NO%20BRASIL>. Acesso em: 13 mar. 2015. TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 139 É importante compreender o modo pelo qual as diferenças geográficas foram sendo produzidas política e historicamente, pois tais traços e características tornaram-se explícitos justamente no estágio imperialista do desenvolvimento do capitalismo, quando, pelo domínio dos monopólios, constituiu-se como um sistema econômico mundial. [...] o imperialismo levou a cabo e consolidou a vinculação de nações e Estados de todo o planeta, estabelecendo um fluxo de conexões que acabou por configurar uma economia em que todos são interdependentes (sem prejuízo das hierarquias e das relações de dominação e exploração). (NETTO; BRAZ, 2006, p. 187). IMPORTANT E No estágio imperialista a expansão do capitalismo ultrapassou fronteiras nacionais, constituindo um sistema econômico mundial. Nos próximos dois subitens (2.1 e 2.2) tratar-se-á, brevemente, a respeito da fase “clássica” do imperialismo, entre 1890 e 1940, e da fase conhecida como “anos dourados”, do fim da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1970. 2.1 A FASE “CLÁSSICA” DO IMPERIALISMO A característica fundamental existente durante todo o estágio imperialista do capitalismo se refere à formação e desenvolvimento dos monopólios, cujas dinâmicas de acumulação e crescimento econômico resultaram em constantes crises, como as de 1891, 1900, 1907, 1913, 1921, 1929 e 1937-1938. A crise de 1929 foi a mais “dolorosa” delas. Por esta perspectiva, pode-se afirmar que o desenvolvimento do capitalismo sob as forças de mercado obrigou os capitalistas dos grandes monopólios pensarem em alternativas ao cenário de recessão econômica, resultando em políticas implementadas no segundo estágio do imperialismo (NETTO; BRAZ, 2006). A fase “clássica”, portanto, refere-se ao momento de formação do imperialismo, período que foi visto até aqui. Contudo, cabe destacar que é nesta fase em que se percebe a necessidade de intervenção por parte do Estado para efetuar os ajustes necessários ao funcionamento da economia capitalista. No liberalismo econômico, o Estado procurava garantir as condições externas para a produção e a acumulação capitalista, mas outra modalidade de participação do Estado fazia-se necessária: UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 140 [...] uma intervenção que envolvesse as condições gerais de produção e da acumulação. Essa era uma exigência estritamente econômica; mas o contexto sociopolítico em que ela se punha condicionou largamente a modalidade em que foi implementada (NETTO; BRAZ, 2006, p. 193, grifo do autor). IMPORTANT E A fase “clássica” se refere ao período de formação e desenvolvimento do próprio estágio imperialista. Neste período, as forças do mercado são predominantes para os ajustes da economia. Um suporte teórico para a intervenção estatal fazia-se necessário, uma vez que esta perspectiva contrariava o pensamento liberal-econômico dominante até final da década de 1920. O principal autor responsável pela legitimação do intervencionismo estatal foi John Maynard Keynes, a partir da obra “Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro”, de 1936, visto com mais detalhes na Unidade 2 deste Caderno de Estudos. O capitalismo não dispunha espontaneamente da faculdade de utilizar inteiramente os recursos econômicos. Isto é, os recursos precisavam ser plenamente empregados para evitar crises e desemprego e, para isso, era preciso que o Estado atuasse como regulador dos investimentos privados por meio do ajuste de seus próprios gastos, os gastos do governo. “Keynes atribuía papel central ao orçamento público enquanto induto de investimento.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 195). O próximo estágio do imperialismo recebe o nome de “anos dourados” justamente devido aos bons resultados econômicos alcançados pelas ideias e políticas keynesianas implementadas a partir da década de 1930. 2.2 OS “ANOS DOURADOS” DA ECONOMIA IMPERIALISTA Entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) até início da década de 1970, o imperialismo viveu uma fase única em todo seu desenvolvimento. Esta fase pode ser denominada por “anos dourados” ou as “três décadas gloriosas”. Pois, durante quase 30 anos, o sistema capitalista operou com resultados econômicos nunca antes alcançados, os quais não se repetiriam mais. As frequentes crises da fase “clássica” não foram totalmente suprimidas, pois foram observadas crises em 1949, 1953, 1958, 1961 e 1970, mas seus impactos foram relativamente menores devido à intervenção do Estado na economia (sob inspiração de Keynes). Os dados do Quadro 7, a seguir, revelam as altas taxas de crescimento alcançadas na segunda fase do imperialismo nas principais economias do mundo. TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 141 2.2 OS “ANOS DOURADOS” DA ECONOMIA IMPERIALISTA QUADRO 8 - SITUAÇÃO ECONÔMICA MUNDIAL EM PERÍODOS SELECIONADOS Período Indicadores econômicos 1950 a 1970 Produção industrial nos países capitalistas aumentou 2,8 vezes 1940 a 1966 Produção industrial norte-americana cresceu 5,0% 1947 a 1966 Produção industrial japonesa cresceu 9,6% 1947 a 1966 Produção industrial da Comunidade Europeia cresceu 8,9% 1950 a 1973 Produto Interno Bruto dos países capitalistas aumentou, anualmente, 4,9% 1960 a 1968 Crescimento da economia norte-americana foi de 4,4% 1960 a 1968 Crescimento da economia japonesa foi de 10,4% 1960 a 1968 Crescimento da economia alemã (ocidental) foi de 4,1% 1960 a 1968 Crescimento da economia francesa foi de 5,4% 1960 a 1968 Crescimento da economia inglesa foi de 3,8% Década de 1960 Estados Unidos, Japão, Alemanha (ocidental), França, Grã-Bretanha e Itália registram forte crescimento econômico e um alto nível da taxa de lucro. FONTE: Netto; Braz (2006) IMPORTANT E Nos “anos dourados” do imperialismo, embora tenham existido crises, observaram- se ótimos resultados econômicos em todos os países capitalistas do mundo. Nos marcos deste elevado desempenho econômico, contrapõem-se críticas e constantes questionamentos ao capitalismo à ordem burguesa que vigorava predominantemente em diversos países. Um primeiro elemento refere-se à prosperidade e poderio adquirido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Seu modelo de economia planificada uniu países libertos da ocupação nazista, rompeu com o sistema capitalista e iniciou, em 1922, uma experiência socialista. UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 142 IMPORTANTE A utilização do planejamento (ou planificação) de forma ampla pelos países surge na União Soviética como um plano quinquenal (cinco anos) para toda a economia. No período da revolução russa, especialmente entre 1917 e 1930, ainda não existiam experiências de planejamento aplicadas no mundo: antes da Primeira Guerra Mundial a União Soviética foi o único território a adotar o planejamento de forma sistemática. Por meio desta perspectiva acreditava-se que a economia deveria ser conduzida de forma centralizada pelo planejamento. O que se constata é que no início da década de 1920 já se iniciava um processo de organização centralizada na União Soviética: o número de funcionários do Estado passou de pouco mais de 100.000 para crescentes 5.880.000. Entre 1928 e 1933, vigora o Primeiro Plano Quinquenal global soviético (aprovado em maio de 1929, pelo V Congresso dos Sovietes da URSS), cujo processo abarca todo o sistema econômico, mas exclui formalmente os mecanismos usuais de mercado e formação de preços, esmiuçando o processo produtivo em função de metas nacionais estabelecidas pelo Estado visando uma rápida industrialização. Entretanto, “o plano visava não apenas o desenvolvimento econômico por si mesmo, mas, também o melhoramento do nível de vida da população” (MIGLIOLI, 1997, p. 51); tratava-se de um conjunto integrado de objetivos, com metas para todos os setores da economia, para a força de trabalho, as finanças e o desenvolvimento cultural. O Comitê Central de Planejamento (GOSPLAN) tinha conhecimento de todos os produtos fabricados, bem como os custos dos insumos destes produtos para cada setor da economia soviética, podendo controlar e determinar o grau de crescimento da renda e as quantidades das produções setoriais. Por meio de planos elaborados com base nas informações estatísticas sobre a economia, as metas passavam para escalões hierárquicos inferiores e regionais e chegavam às empresas, as quais requisitam, primeiramente, os materiais necessários, para, num segundo momento, o plano voltar ao GOSPLAN para realização do balanceamento detalhado do nível das produções (LIRA, 2006). Outro questionamento ao desenvolvimento do capitalismo originava-se na Europa Nórdica e Ocidental, a partir do movimento operário e sindical e dos partidos ligados aos trabalhadores, os quais ganharam grande legitimidade sob a população, impondo limites e restrições à organização dos grandes monopólios capitalistas. É nesta segunda fase do imperialismo, entre derrotados e vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, que o eixo político-militar e econômico transferiu-se da Europa para os Estados Unidos. Desta forma, a política norte-americana procurou se impor às outras potências imperialistas (tanto vitoriosas quanto derrotadas: França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Japão) como um país imperialista com liderança mundial. Além do crescimento dos indicadores econômicos, durante a segunda fase do imperialismo a economia sofreu outras alterações importantes. A primeira mudança foi sobre a exportação de capitais, vista anteriormente. Tais exportações não decrescem na fase dos anos dourados, mas seu fluxo é alterado, isto é, na fase clássica do imperialismo, as exportações de capitais dirigiam-se dos países centrais para os periféricos; no segundo estágio do imperialismo, a exportação de capitais tem origem e destino final nos países centrais, resultando num giro de grande TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 143 quantidade de capitais apenas entre os principais países imperialistas. O fluxo de capitais aos países periféricos restringiu-se a empréstimos de Estado (central) para Estado (periférico) (NETTO; BRAZ, 2006). IMPORTANT E Na segunda fase do imperialismo, à diferença da fase “clássica”, as exportações de capital tiveram maior volume justamente no fluxo entre os próprios países capitalistas. Uma segunda mudança no capitalismo durante a fase imperialista nos “anos dourados”, e que recebeu maior atenção de estudiosos, diz respeito à organização interna do trabalho industrial. O fato é que o modo de produção taylorista-fordista (de Frederick Taylor e Henry Ford), em desenvolvimento já na fase “clássica”, ganha relevância e se torna o padrão mundial para toda a indústria. Por meio destas técnicas específicas de produção foi possível implementar a produção em massa de mercadorias, ou seja, a produção em larga escala de diversas modalidades de produtos. No taylorismo-fordismo, iniciado na indústria automobilística, priorizava- se a racionalização da produção, reduzindo o tempo por meio do aumento do ritmo de trabalho. Tal racionalização foi possível pelo parcelamento e fragmentação das tarefas produtivas, portanto, o trabalho, realizado de forma extensiva (longas jornadas de trabalho), também passou a ser realizado de forma intensiva. O ritmo da intensidade pelo qual o trabalho realizava-se era ditado pela velocidade da esteira, a mesma esteira que interligava as diferentes e fragmentadas (individualizadas) etapas e de produção. Ademais, o padrão taylorista-fordista baseado na produção em massa de mercadorias, que deu origem à era do consumo de massa (que também será visto no Tópico 2), também foi ampliado à questão cultural, estendendo o estilo de vida norte-americano ou o american way of life para o restante do mundo, especialmente a partir da década de 1950. O estilo de vida hegemônico que procurou-se universalizar dizia respeito justamente ao mercado de consumo de massa, com ênfase ao automóvel, aos eletrodomésticos e à dominação dos meios de comunicação e expressão (imprensa, rádio, cinema, discos, televisão). UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 144 FIGURA 27 - ESTILO DE VIDA NORTE-AMERICANO NA DÉCADA DE 1950 FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-itSZZUJCkxg/US090z0itPI/ AAAAAAAAALk/Xx3RDqNaSQE/s1600/hhousewife.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015. Por fim, cabe destacar outras três peculiaridades do imperialismo nos “anos dourados”, os quais vão se consolidar e aprofundar ao longo desse estágio: o crescimento do crédito ao consumidor; a inflação; e a intensificação do setor de serviços. Com relação ao aumento das vendas a crédito, apenas é importante destacar que esta tendência foi institucionalizada a partir da década de 1940 e garantiu uma ampliação das possibilidades de consumo de diversas mercadorias, desde roupas até móveis, equipamentos eletrodomésticos e automóveis. Pois, uma vez implementado o processo de produção em larga escala de bens, era preciso que as mercadorias encontrassem seus compradores no mercado de trocas de bens e serviços. Já o fenômeno da inflação torna-se frequente durante os “anos dourados”, penalizando os trabalhadores assalariados, uma vez que o poder aquisitivo de seus salários é depreciado, ou seja, o dinheiro recebido pelo trabalho passa a valer menos, pois aquele aumento à concessão de créditos também resulta em maiores índices inflacionários. Mas, embora penalize os assalariados em geral, a inflação passa a ser esperada pelo capital monopolista, uma vez que se torna possível elevar o preço das mercadorias constantemente. Quanto ao setor de serviços, os dados mostram que houve um enorme crescimento. Vejamos o motivo. No setor de serviços incluem-se atividades de empresas financeiras e de seguros, comerciais, publicitárias, médias, educacionais, turísticas. Trata-se do trabalho improdutivo, que passou a empregar uma grande massa de trabalhadores durante o segundo estágio do imperialismo. TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO 145 FIGURA 27 - ESTILO DE VIDA NORTE-AMERICANO NA DÉCADA DE 1950 Tais trabalhadores possuem muitas diferenças entre si, desde trabalhadores sem nenhuma qualificação até técnicos e universitários. O Quadro 8 dá uma ideia do crescimento da participação da força de trabalho ocupada no setor de serviços. QUADRO 9 - CRESCIMENTO DA FORÇA DE TRABALHO DO SETOR DE SERVIÇOS EM PAÍSES SELECIONADOS Período Indicadores da força de trabalho empregada 1910 e 1970Passou de 36,8% para 62,1% nos Estados Unidos 1907 e 1970 Passou de 22,2% para 41,9% na Alemanha 1911 e 1966 Passou de 39,7% para 50,3% na Grã-Bretanha 1911 e 1970 Passou de 26,0% para 47,8% na França 1920 e 1970 Passou de 16,5% para 38,0% no Brasil FONTE: Netto; Braz (2006) O aumento da participação do setor de serviços na economia constitui um dos fenômenos típicos do capitalismo e sua dinâmica por meio dos monopólios. Entretanto, esta peculiaridade também será perceptível na atual fase do imperialismo, conhecida por capitalismo contemporâneo (estágio que será explorado no Tópico 2). Este fenômeno diz respeito “à tendência a mercantilizar todas as atividades humanas, submetendo-as à lógica do capital; com efeito, mediante os “serviços”, tomam caráter de mercadoria o trato da educação, da saúde, da cultura, do lazer e os cuidados pessoais (a enfermos, a idosos etc.).” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 202, grifo do autor). NOTA A “mercantilização” de tudo e de todos também é chamada de reificação (que pode ser entendida como coisificação), a qual implica em transformar as relações sociais em relações de troca entre mercadorias. A intervenção estatal nos “anos dourados”. ESTUDOS FU TUROS No Tópico 2 trataremos o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, também conhecido como o período da globalização. 146 Neste tópico você aprendeu que: • O imperialismo diz respeito às importantes transformações experimentadas durante o desenvolvimento do sistema capitalista a partir dos últimos trinta anos do século XIX, estágio que se estende ao longo de todo o século XX, e conta com novas determinações na virada para o século XXI. • As fases do capitalismo, que antecedem o imperialismo, são as do capitalismo comercial e do concorrencial. • A gênese do imperialismo está no surgimento dos monopólios e na modificação do papel dos bancos. • Os monopólios referem-se à concentração de poucas empresas que passam a controlar setores inteiros de produção. • O novo papel dos bancos no imperialismo é o de associarem-se aos monopólios industriais. • A exportação de capitais ganha relevância no estágio imperialista e ocorre pelos empréstimos e pelo investimento em capitais produtivos. • No imperialismo os monopólios repartem o mundo entre si conforme os interesses de investimento. • O imperialismo pode ser dividido por uma etapa “clássica”, outra dos “anos dourados” e, por fim, pelo capitalismo contemporâneo. RESUMO DO TÓPICO 1 147 Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno de Estudos. Bom trabalho! 1 Em quais estágios podemos separar a evolução do capitalismo antes da fase imperialista? Qual a principal característica de cada um deles? 2 Quando e em que contexto se organiza o estágio imperialista do capitalismo? 3 Uma característica central na formação do imperialismo está no desempenho do capital financeiro. Explique: 4 O que significa exportação de capitais, cuja dinâmica ganha relevância com o imperialismo? Quais as formas de exportação de capitais? 5 De que forma as empresas multinacionais realizam a partilha do mundo em regiões de interesse? 6 Quais são as três principais fases do estágio imperialista? Em quais períodos predominaram? 7 Marque V nas questões consideradas verdadeiras e F para aquelas consideradas falsas: ( ) A fusão entre monopólios capitalistas e bancários não refere-se ao específico estágio imperialista do capitalismo, mas ganha importância a exportação de capitais. ( ) Os objetivos das empresas multinacionais convergem à partilha do mundo em regiões de interesse por meio de acordos que não eliminam, necessariamente, a concorrência entre empresas. ( ) A mundialização do capitalismo, característica do imperialismo, induziu a uma divisão internacional do trabalho, resultando em nações especializando-se em determinados tipos de produção. ( ) Nos “anos dourados” do imperialismo diversos países entram numa profunda crise econômica devido ao baixo consumo da população. AUTOATIVIDADE 148 149 TÓPICO 2 OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO É possível distinguir três conformações mais específicas do desenvolvimento do capitalismo: uma etapa liberal, ao longo do século XIX; o capitalismo “organizado”, entre 1930 e 1980; e uma última etapa relativa ao período mais recente, cujos traços são demarcados pelos processos de globalização. A primeira etapa do desenvolvimento do capitalismo, o liberalismo econômico, contava com o Estado para garantir ampla e livre concorrência entre os agentes econômicos no mercado e um regime específico do mercado de trabalho. NOTA O mercado onde operam os agentes econômicos é o mercado de bens e serviços, o qual determina o nível de produção e de preços em um país. Por sua vez, no mercado de trabalho são definidos a taxa de salários e o nível geral de emprego. Ou seja, até início do século XX, os donos das empresas ou os detentores dos meios de produção conduziam o mercado de trabalho de forma livre e sem obstáculos regulatórios por parte do Estado, implicando, por exemplo, na proibição dos sindicatos de trabalhadores, uma vez que sua atuação contrariava a ideia da livre concorrência e do contrato diretamente entre os indivíduos (DOMINGUES, 1999). Ora, a barganha por aumentos salariais é mais eficaz quando os trabalhadores unem-se por meio de sindicatos, daí advém a necessidade de os contratos entre trabalhadores e empregadores serem realizados individualmente e não de forma coletiva. IMPORTANT E Liberalismo econômico: crença na autorregulação do mercado e defesa de um regime rígido do mercado de trabalho. 150 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO As constantes crises sofridas pelo sistema capitalista e a crescente organização das classes operárias entre o final do século XIX e o início do século XX acumularam certa desconfiança na capacidade do mercado regular-se de forma independente. A Grande Depressão de 1929, conhecida como Crise de 1929 [Figura 29], consolida uma nova etapa do desenvolvimento do capitalismo, cuja principal característica está na ampliação da intervenção direta do Estado na economia. NOTA A depressão econômica que iniciou com a queda drástica da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929 estendeu-se ao longo da década de 1930, causando redução dos níveis de produção e altas taxas de desemprego em diversos países. Nesta segunda etapa do desenvolvimento do capitalismo forma-se o chamado Estado de Bem-Estar Social (examinado com maior especificidade na Unidade 2), cuja dinâmica trouxe um conjunto de garantias sociais aos trabalhadores. Neste momento, diversas políticas a partir do Estado são formuladas e implementadas no sentido de orientar os rumos do desenvolvimento dali para a frente. Além disso, cabe dizer: neste momento a classe trabalhadora encontrava- se com razoável poder de compra, cujo terreno foi excelente para a implantação do sistema de produção fordista na maioria dos países capitalistas do mundo, iniciando, assim, a era do consumo de massa (DOMINGUES, 1999). NOTA O fordismo ou o sistema de produção fordista refere-se à produção em massa (em série) de produtos. Esta organização da produção no capitalismo foi idealizada por Henry Ford (fundador da Empresa Ford) em 1913, com o intuito de atender ao consumo de massa. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 151 FIGURA 28 - PRODUÇÃO EM MASSA DO MODELO A FONTE: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ford_Motor_ Company_assembly_line.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015. Este conjunto de fatores específicos do modo de produção capitalista permitiu que, entre 1930 e 1980, a acumulação de capital fosse constantemente crescente e, por isso, podemos caracterizar esta etapa como um período mais “organizado” do desenvolvimento do capitalismo, na qual o Estado exerce papel fundamental. IMPORTANT E A partir da década de1930 as ideias do liberalismo econômico dão lugar à intervenção direta do Estado nas relações econômicas e sociais, originando o Estado de Bem- Estar Social e a ascensão do fordismo. Na década de 1980 o cenário do desenvolvimento do capitalismo sofre certa inversão em direção ao esgotamento. Altos níveis de inflação dos preços em diversos países do mundo, não freados por meio da intervenção do Estado, abrem caminho às políticas conhecidas como neoliberais, as quais serão vistas nos itens a seguir. Ademais, a produção em massa, principal característica do sistema de produção fordista predominante até então, também entrou em crise: os produtos do tipo standard (em série) perdem espaço frente à diferenciação dos produtos e dos processos industriais mundiais. 152 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO Esta terceira e mais recente etapa do desenvolvimento do capitalismo carrega a ideologia neoliberal como forma de orientar politicamente os territórios, mas é caracterizada, também, por fenômenos como a terceirização, cujos determinantes são específicos do processo de globalização. Nesta etapa há uma ampliação dos fluxos econômicos para o nível mundial, tanto por meio das atividades industriais e comerciais quanto pelas financeiras, estas últimas possuem função primordial na dinâmica da globalização. Outro aspecto é a diluição das fronteiras nacionais num cenário global de comércio com a estruturação de blocos supranacionais, tais como a União Europeia, NAFTA (que compreende México, Estados Unidos e Canadá), e outros blocos em implantação, bem como a Aliança de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA). IMPORTANT E A terceira e mais recente etapa do desenvolvimento do capitalismo intensifica-se na década de 1980 e é conhecida como globalização. Contudo, é importante perceber que os processos de produção pós-fordistas possuem caráter plural no âmbito da organização econômica. Em países do centro do capitalismo as características são relativas à alta tecnologia e flexibilização das relações de trabalho (regime flexível do mercado de trabalho); nos países periféricos, subsistem formas de produção avançadas e atrasadas com exploração intensiva de força de trabalho (regime rígido do mercado de trabalho). Neste cenário o Estado tem, novamente, um importante e revalorizado papel: “O Estado é fundamental para todas as novas articulações do capitalismo contemporâneo, dependendo dele o próprio processo de ‘desregulamentação’ (e, parcialmente, nova ‘regulação’) do mercado” (DOMINGUES, 1999, p. 64-65). 2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA A fase dos “anos dourados” do capitalismo, relativa ao período entre 1930 e 1980, com resultados de crescimento econômico e taxas de lucro compensadoras, chega ao fim. As ondas longas expansivas são substituídas por ondas longas recessivas. A taxa de lucro começou a declinar rapidamente, conforme mostra a Tabela 1, a seguir. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 153 2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA TABELA 1 - TAXAS DE LUCRO EM PAÍSES SELECIONADOS País Taxa de lucro (%)1968 1973 Alemanha Ocidental 16,3 14,2 Grã-Bretanha 11,9 11,2 Itália 14,2 12,1 Estados Unidos 18,2 17,1 Japão 26,2 20,3 FONTE: Netto; Braz (2006, p. 213). O crescimento econômico também se reduziu: nenhum país capitalista central conseguiu manter as altas taxas observadas no período anterior (entre 1950 e 1970). Ademais, dois fatores anunciaram o esgotamento dos anos gloriosos do desenvolvimento do capitalismo. Primeiro, o colapso do ordenamento financeiro mundial, pela decisão norte-americana de romper com o padrão-ouro a partir do fim do acordo de Bretton Woods; e, o segundo fator, refere-se ao choque do petróleo, com a alta dos preços determinada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). NOTA As conferências de Bretton Woods estabeleceram, em julho de 1944, as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo, convencionando o ouro como lastro para o comércio internacional. Em face desta inversão da dinâmica do desenvolvimento do capitalismo mundial (que passou de uma condição de prosperidade para uma de prejuízos econômicos), os grandes monopólios passaram a formular e implementar um conjunto articulado de respostas para a profundidade da crise que se passava, o qual transformou largamente a cena mundial: mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais ocorreram e estão ocorrendo num ritmo extremamente veloz. Estas respostas podem ser descritas como a restauração do capital, sintetizadas como uma estratégia articulada sob o tripé: reestruturação produtiva, ideologia neoliberal, financeirização do capital. Todas as transformações implementadas pelos grandes monopólios capitalistas tiveram como objetivo reverter a queda da taxa de lucro. 154 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO IMPORTANT E O processo de restauração do capital a partir da década de 1980 pode ser descrito pelo tripé formado por (1) reestruturação produtiva, (2) a ideologia neoliberal e (3) a financeirização do capital. Um primeiro fator relativo à reestruturação produtiva refere-se ao violento ataque ao movimento sindical e diretamente aos sindicatos de trabalhadores de diversos setores e de diversos países do mundo. Cabe lembrar, a formação dos sindicatos de trabalhadores foi um dos suportes do sistema de regulação social conduzido pelo Estado de Bem-Estar Social. Desta forma, os capitalistas atribuíam às conquistas do movimento sindical a responsabilidade pelos gastos públicos com as garantias sociais, bem como atribuíam a queda das taxas de lucro às suas demandas por aumentos salariais. FIGURA 29 - MOVIMENTO SINDICAL DE TRABALHADORES NO FINAL DA DÉCADA DE 1970 FONTE: Disponível em: <http://www.spbancarios.com.br/Uploads/ckfinder/ userfiles/images/capa_pagina1.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015. Ao fim da década de 1970, esses ataques ocorrem por meio de medidas legais restritivas, as quais reduzem o poder de intervenção do movimento sindical de trabalhadores; nos anos oitenta, o assalto do patronato (classe dos patrões) toma formas claramente repressivas, os exemplos são as ações dos governos Thatcher, da Inglaterra, e Reagan, nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, começam a ser introduzidas alterações nos circuitos produtivos do mundo inteiro, que deslocam aquele padrão das relações de trabalho predominante nos “anos dourados”. Isto é, a modalidade de acumulação TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 155 denominada por rígida, própria do período do modelo fordista de produção, começa a ser substituída pela modalidade de acumulação flexível. IMPORTANT E Na reestruturação produtiva esgota-se a modalidade rígida das relações de trabalho, a qual passa a ser substituída pelo regime de acumulação flexível. A acumulação flexível se refere à flexibilidade dos processos de trabalho e de produção, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Neste momento, passam a formarem-se setores inteiramente novos, fornecimento de serviços financeiros novos, mercados novos e, ainda, intensifica-se a inovação comercial, tecnológica e organizacional. Um exemplo é o método “just in time” de produção, no qual os produtos somente são fabricados no momento exato em que forem necessários, ou quando já forem vendidos. Da mesma forma, ocorre com as matérias-primas necessárias para a produção, as quais apenas são adquiridas no momento em que forem ser utilizadas, reduzindo ao mínimo os estoques de matérias-primas e de produtos. Este método pôde ser difundido amplamente pelo mundo devido ao avanço das tecnologias da informação, que permitiram comunicação rápida e eficiente de fornecedores. A reestruturação produtiva opera na base da acumulação flexível. Pois, a produção “rígida” é substituída por um tipo diferenciado de produção. Nesta nova modalidade, a produção em massa, já referida anteriormente,tem a característica de produção em larga escala mantida, mas procura romper com a “standartização” (produtos iguais e padronizados). Desta forma, passa a destinar-se a mercados específicos, buscando atender variabilidades culturais e regionais, bem como as especificidades de cada grupo de consumidores. Por outro lado, a reestruturação produtiva resultou numa dinâmica de desconcentração industrial, cuja principal característica está na desterritorialização da produção. Neste processo, unidades produtivas (completas ou desmembradas) são deslocadas para novos espaços territoriais, especialmente países subdesenvolvidos e periféricos, nos quais a exploração da força de trabalho pode ser mais intensa, seja pelo baixo preço da mão de obra, seja pela ausência de legislação protetora do trabalho e de tradições de luta sindical. Este movimento de desterritorialização da produção permite o controle da produção por um grande monopólio, o qual, na verdade, não produz um só produto. Exemplo disto é a empresa Nike. Em 1996, não era produzido nem mesmo um cadarço na sede da empresa, mesmo assim, empregava 9.000 funcionários nos setores de organização estratégica, desenvolvimento de produtos e subcontratação 156 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO de serviços. Entretanto, juntas, as empresas que terceirizavam suas atividades de produção, espalhadas pelo mundo, somavam 75 mil empregados. (NETTO BRAZ, 2006). IMPORTANT E Na reestruturação produtiva ocorre uma intensa desterritorialização da produção por meio da terceirização das etapas do processo de produção das grandes empresas, para outras menores, situadas em diversos países do mundo, na maioria das vezes, países mais pobres. Um elemento essencial à reestruturação produtiva se trata de uma intensiva incorporação na produção de tecnologias resultantes de avanços técnico-científicos. Assim, o desenvolvimento da produção de um modo geral ocorre de tal forma que reduz enormemente a demanda por força de trabalho. Ou seja, ocorre um aumento na produção, mas uma redução no nível de pessoas empregadas, uma vez que há uma substituição de homens e mulheres por máquinas no momento da fabricação dos produtos. FIGURA 30 - INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/cfeWxhTuWR0/VJm8zuG2wJI/ AAAAAAAACg8/AXBOzgi45lY/s1600/MB-robot.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 157 A introdução da microeletrônica e dos recursos informáticos e robóticos na esfera da produção vem alterando os processos de trabalho e afetando fortemente o contingente dos trabalhadores ligados à produção. Talvez esta dinâmica possa ser vista até como uma terceira Revolução Industrial ou uma Revolução Informacional. O fato é que a base produtiva vem se deslocando rapidamente dos suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos (NETTO; BRAZ, 2006). Quanto às implicações resultantes desta específica organização do modo de produção capitalista ao trabalhador, uma delas se refere às exigências que são postas à força de trabalho. Pois, devido a estas alterações, se requer aos trabalhadores envolvidos na produção uma qualificação mais alta e, ao mesmo tempo, a capacidade para participar de atividades múltiplas. Isto é, os trabalhadores devem ser qualificados e polivalentes para estarem inclusos nos empregos ofertados sob este novo cenário proporcionado pela reestruturação produtiva. Contudo, ainda assim, cabe observar certo paradoxo: enquanto os processos de produção passam a exigir certa mão de obra altamente qualificada, noutros setores muitas atividades são desqualificadas, de forma a empregar trabalhadores substituíveis a qualquer momento. Portanto, de um lado, se encontram trabalhadores extremamente qualificados, mas com pouca segurança no emprego, os quais formam um pequeno núcleo; de outro lado, uma grande parcela de pessoas trabalhando em atividades precarizadas, com alta rotatividade (isto é, também com pouca segurança no emprego), salários baixos e, normalmente, em empresas terceirizadas vinculadas àquelas do pequeno núcleo qualificado (NETTO; BRAZ, 2006). DICAS Um movimento de reação a este processo ocorreu recentemente na Argentina, por meio da recuperação de empresas que precisaram ser fechadas. O videodocumentário “Ocupar, resistir, produzir”, produzido pelo Canal Futura, está disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=U6qh_PT_kuk> Outra implicação ao conjunto dos trabalhadores relaciona-se à gestão da força de trabalho. Sem um regime rígido das relações de trabalho, a organização da produção também sofre alterações: o controle da força de trabalho pelo sistema capitalista ocorre por meio da “participação” e do “envolvimento” dos funcionários, os quais, agora, tornam-se “colaboradores”, “cooperados” ou “associados”, valorizando a comunicação e a redução de hierarquias mediante a utilização de “equipes de trabalho” que buscam constantemente atingir metas e resultados. Em outras palavras, esta configuração reformulada do processo produtivo busca quebrar a consciência de classe dos trabalhadores, utilizando-se de um discurso “de que a empresa é sua casa” e vinculando diretamente o êxito pessoal com o da empresa, para garantir que o trabalhador não se sinta explorado. 158 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO A Figura 32, a seguir, procura mostrar as possíveis alterações nas relações de trabalho, isto é, a relação entre empregados e empregadores. No eixo vertical estão as possibilidades externas do regime de trabalho e do contrato salarial, do mais “rígido” para o mais “flexível”. No eixo horizontal, as variações internas, ou seja, as formas de organização e cooperação no interior das firmas: do “controle direto” para uma “autonomia responsável” ou “participação”. No interior deste cenário encontram-se diferentes formas das relações do mercado de trabalho, tal como a brasileira, que se encontra na condição de um fordismo periférico: com maior flexibilidade do contrato salarial, mas com controle direto do mercado interno de trabalho (LIPIETZ, 1991). FIGURA 31 - RELAÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO FONTE: Adaptado de Lipietz (1991) O que se passa é que esta nova relação entre empregadores e empregados no mundo do trabalho, a flexibilização, resultou em ônus que recaíram fortemente sobre os trabalhadores, como a redução salarial (entre 1973 e 1992, o preço da hora de trabalho daqueles envolvidos com a produção, nos Estados Unidos, caiu de US$ 10,37 para US$ 8,80) e a precarização dos empregos. Formas precárias são observadas quando, por exemplo, passam a existir poucas garantias de continuidade no emprego e pela implementação do emprego em tempo parcial (também frequentemente sem garantias) (NETTO; BRAZ, 2006). A Tabela 2, a seguir, revela alguns dados estatísticos com relação ao desemprego em países selecionados. Uma das informações relevantes refere que entre 1991 e 2000 a maioria dos indicadores revela aumento do desemprego, seja em países mais ricos ou nos mais pobres. Nos anos seguintes é possível perceber os países que foram mais ou menos atingidos pela crise financeira de 2008, impactando no aumento do nível de desemprego. Destaque para a Espanha, com maior índice de desemprego em 2013, 26,6%. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 159 FIGURA 31 - RELAÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO TABELA 2 - TAXA DE DESEMPREGO EM PAÍSES SELECIONADOS (% DO TOTAL DA FORÇA DE TRABALHO) País / Região 1991 1995 2000 2005 2010 2011 2012 2013 Argentina 5,8 18,8 15,0 10,6 7,7 7,2 7,2 7,5 Austrália 9,6 8,5 6,3 5,0 5,2 5,1 5,2 5,7 Bolívia 2,9 5,0 4,8 5,4 3,3 2,7 2,7 2,6 Brasil 6,9 6,0 9,5 9,3 7,9 6,7 6,1 5,9 Canadá 10,3 9,5 6,8 6,7 8,0 7,4 7,2 7,1 Chile 8,2 7,3 9,2 8,0 8,1 7,1 6,4 6,0 China 4,9 4,5 4,5 4,1 4,2 4,3 4,5 4,6 Alemanha 5,6 8,1 7,7 11,1 7,1 5,9 5,4 5,3 Leste Asiático & Pacífico 4,7 4,2 4,7 4,7 4,4 4,3 4,4 4,5 Europa & Ásia Central 9,4 10,0 9,7 8,8 9,3 9,0 9,3 9,6Espanha 16,4 23,1 14,2 9,3 20,2 21,7 25,2 26,6 União Europeia 8,8 10,8 9,2 8,9 9,6 9,6 10,5 10,9 França 9,1 11,8 10,2 8,9 9,3 9,2 9,9 10,4 Reino Unido 8,5 8,7 5,6 4,8 7,9 7,8 8,0 7,5 Japão 2,1 3,2 4,8 4,4 5,0 4,5 4,3 4,0 América Latina & Caribe 6,9 8,1 8,8 8,0 7,3 6,7 6,3 6,2 Federação Russa 12,2 9,4 10,6 7,1 7,3 6,5 5,5 5,6 Uruguai 7,6 10,4 10,3 9,0 7,2 6,3 6,5 6,6 Estados Unidos 6,9 5,7 4,1 5,2 9,7 9,0 8,2 7,4 FONTE: Banco Mundial DICAS Assista ao videoentrevista com o prof. Ricardo Antunes, da Unicamp. Por meio desse material é possível entender o perfil da classe trabalhadora no Brasil. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pcY8bXrxslg> (Quem é a classe trabalhadora no Brasil? Em três blocos). Outros indicadores permitem perceber que a precarização das relações de trabalho trouxe de volta formas de exploração próprias do passado, tais como aumento das jornadas de trabalho, trabalho infantil, salários diferenciados entre homens e mulheres, trabalho semiescravo. O Quadro 10, a seguir, mostra, por exemplo, os dados relativos aos grupos ocupacionais e aos estratos sociais ocupados pelos trabalhadores no Brasil, para o ano de 2007 e, ainda, a posição ocupada pelas mulheres. 160 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO QUADRO 10 - GRUPOS OCUPACIONAIS E ESTRATOS SOCIAIS OCUPADOS POR MULHERES, BRASIL, 2007 Grupo ocupacional Estrato social % mulheres Empregadores 1,2,3 26,0 4,5 33,1 Total 26,5 Colarinhos-brancos 1,2,3 44,5 4,5 58,8 Total 49,1 Trabalhadores não agrícolas 1,2,3 23,3 4,5 52,1 Total 41,0 Trabalhadores agrícolas 1,2,3 8,60 4,5 12,9 Total 12,0 Não remunerados não agrícolas 1,2,3 54,5 4,5 59,8 Total 59,5 Não remunerados agrícolas 1,2,3 60,1 4,5 57,7 Total 57,8 Total 1,2,3 33,8 4,5 49,5 Total 42,3 FONTE: Adaptado de Quadros; Maia (2010) Os Estratos sociais referem-se à renda total dos indivíduos: 1, 2 e 3 são relativos aos salários acima de R$ 500,00; os estratos 4 e 5, abaixo de R$ 500,00. Desta forma, é possível perceber, primeiramente, que, no geral, as mulheres estão presentes em apenas 33,8% dos estratos que recebem maior remuneração. Ao focarmos nos dados sobre a classe dos empregadores, vê-se que apenas 26,5% destes postos de trabalho são ocupados por mulheres. E, ainda, a maioria delas (33,1%) encontra-se no estrato social que recebe menor remuneração. No estrato social com maior remuneração, apenas 26% dos postos de trabalho são ocupados por mulheres. Existem dois grupos ocupacionais em que as mulheres são predominantes: justamente os dois grupos não remunerados não agrícolas (59,5% são mulheres) e agrícolas (57,7% são mulheres). Ademais, em todos os grupos ocupacionais da pesquisa as mulheres estão mais presentes naqueles estratos sociais com menor remuneração. Portanto, estes dados buscam ilustrar parte da realidade das relações de trabalho em pleno século XXI. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 161 DICAS Para entender ainda mais sobre o processo de reestruturação produtiva e o mundo do trabalho no Brasil, não deixe de ler o artigo do prof. Ricardo Antunes, da Unicamp, “A nova morfologia do trabalho no Brasil. Reestruturação e precariedade”, publicado em 2012, na Revista Nueva Sociedad. Disponível em: <http://www.nuso.org/upload/articulos/3859_1.pdf>. 3 NEOLIBERALISMO Vimos que na terceira fase do desenvolvimento do capitalismo, a etapa do capitalismo contemporâneo, também conhecida por globalização, houve diversas mudanças relativas ao mundo do trabalho: a dinâmica denominada reestruturação produtiva. Tais alterações são fruto de uma forma específica de orientar o desenvolvimento dos países, isto é, uma forma específica de política, chamada de neoliberalismo. Uma das peculiaridades do capitalismo contemporâneo é que a partir da década de 1980, aquelas garantias sociais e de trabalho conquistadas anteriormente estão, pouco a pouco, sendo destruídas pelas políticas neoliberais. A desmontagem total ou parcial dos diversos tipos de Estado de Bem-Estar Social é o exemplo emblemático da estratégia neoliberal na atualidade. Por meio de políticas tipicamente neoliberais prioriza-se a supressão de direitos sociais conquistados arduamente, os quais, pela perspectiva neoliberal, tratam-se de privilégios dos trabalhadores (e não direitos), e liquida-se com as garantias ao trabalho em nome da flexibilização das relações de trabalho. O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia da natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de mercado) (NETTO; BRAZ, 2006, p. 226, grifos do autor). A ideologia neoliberal tem papel de legitimar o projeto de romper com as restrições e regulamentações sociopolíticas que limitam a liberdade de movimento das forças do mercado. Ou seja, o objetivo de orientar o desenvolvimento por meio de políticas neoliberais está na inteira desregulamentação das atividades econômicas para que se obtenha um máximo de liberdade nas relações econômicas. Uma primeira frente do projeto neoliberal diz respeito à intervenção do Estado na economia. Aí, o Estado é visto como um empecilho para o desenvolvimento das forças produtivas, que deve ser reformado urgentemente. Contudo, esta reforma trata-se, na verdade, de uma contrarreforma, ou seja, trata- se da supressão da participação e intervenção do Estado na economia e da redução de direitos e garantias sociais. 162 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO Mas, é importante salientar: uma economia, mesmo que voltada somente para o crescimento econômico, não pode funcionar sem a intervenção estatal. Desta forma, o Estado não deixa de existir, nem mesmo deixa de intervir nas relações econômicas e sociais, mas recebe novos papéis, tais como: proteção dos mercados consumidores, garantia de acesso privilegiado a contratos públicos em setores estratégicos de alta tecnologia, oferta de incentivos fiscais e investimentos em ciência e tecnologia. Na Tabela 3, a seguir, é possível perceber os dispêndios realizados com investimento em ciência e tecnologia pelo Governo Federal do Brasil entre 2000 e 2010. Tanto os dados da esfera federal quanto os da esfera estadual apresentam constantemente crescimento ao longo dos anos. Os resultados, portanto, dão ideia das novas formas apresentadas pelas políticas de desenvolvimento implementadas pelo Estado brasileiro, os quais podem ser aplicados e dizem respeito à realidade de diversos outros países. TABELA 3 - INVESTIMENTOS EM C&T NO BRASIL (EM MILHÕES CORRENTES) Ano PúblicosFederais Estaduais Total 2000 5.795,4 2.854,3 8.649,7 2001 6.266,0 3.287,1 9.553,1 2002 6.522,1 3.473,3 9.995,4 2003 7.392,5 3.705,7 11.098,2 2004 8.688,2 3.900,5 12.588,6 2005 9.570,1 4.027,3 13.597,4 2006 11.476,6 4.282,1 15.758,6 2007 14.083,5 5.687,4 19.770,9 2008 15.974,5 7.138,0 23.112,5 2009 18.475,2 8.424,8 26.900,0 2010 22.577,0 10.201,8 32.778,7 FONTE: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Aliado a este processo de desregulamentação das relações de trabalho (a já referida flexibilização), outra reforma importante no que diz respeito à atuação do Estado na economia foi o processo de privatização, pelo qual o Estado repassa ao campo privado setores que anteriormente eram de administração pública. Desta forma, torna-se possível a exploração privada e lucrativa de complexos industriais inteiros, como a siderurgia, a indústria naval e automotiva, também a indústria petroquímica, além de serviços de grande importância, relativos à distribuição de energia, transportes, telecomunicações, saneamento básico, bancos e seguros. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 163 TABELA 3 - INVESTIMENTOS EM C&T NO BRASIL (EM MILHÕES CORRENTES) NOTA O movimentode privatização de setores públicos é uma característica principal do capitalismo contemporâneo e das políticas neoliberais de condução da economia. A transferência da administração pública para a privada também significou uma profunda desnacionalização da economia, isto é, setores nacionais na economia passaram a ser operados e controlados por empresas estrangeiras. Pois, uma vez que certa empresa que assume, por exemplo, a administração de uma empresa siderúrgica estatal no Brasil, aquela empresa pode não possuir sede no país. Na Tabela 4, a seguir, encontra-se o número de empresas desnacionalizadas, isto é, a quantidade de empresas nacionais adquiridas por empresas estrangeiras entre 2004 e 2012, e a variação percentual entre um ano e outro. TABELA 4 - EMPRESAS DESNACIONALIZADAS, BRASIL, 2004-2012 Ano Quantidade de empresas desnacionalizadas Variação (%) 2004 69 - 2005 89 28,99 2006 115 29,21 2007 143 24,35 2008 110 -23,08 2009 91 -17,27 2010 175 92,31 2011 208 18,86 2012 296 42,31 FONTE: Adaptado de Lopes (2013) Durante toda a série somam-se 1.296 empresas nacionais que passaram para o controle estrangeiro, com significativo aumento a cada ano; o último período, 2012, se revela com maior número de desnacionalizações, 296, contra as 69 observadas em 2004. Apenas nos anos de 2008 e 2009 não se observou crescimento deste indicador (claros indícios da crise financeira de 2008). Contudo, no ano subsequente, em 2010, o crescimento foi de 92,31%, o mais alto registrado. Algumas consequências do movimento de desnacionalização da economia: • Aumento das remessas de lucros para fora do país: entre 2004 e 2011, as remessas totais para o exterior elevaram-se 238,4%. • Aumento das importações: entre 2004 e 2011 houve aumento de 260% do total das importações, passou de US$ 62,835 bilhões para US$ 226,233 bilhões. Este dado revela que as multinacionais importam grande quantidade de bens 164 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO intermediários para a produção de bens finais, enfraquecendo a dinâmica interna da economia; ou importam os próprios bens finais produzidos nas matrizes estrangeiras utilizando as filiais somente para venda final. • Estagnação tecnológica: pois, as inovações tecnológicas (ou o investimentos em pesquisa e desenvolvimento) são realizadas no interior das matrizes estrangeiras e não em suas filiais em outros países, gerando um atraso competitivo para a economia interna e, consequentemente, uma estagnação do crescimento econômico. FONTE: Lopes (2013) Com relação à última consequência da desnacionalização da economia brasileira, o indicador de registro de patentes junto ao United States Patent and Trademark Office (USPTO) contribui no esclarecimento do grau de inovação tecnológica nos diferentes países. No Brasil, o número de patentes concedidas (inovações tecnológicas) cresceu 6,3% entre 1981 e 2009, contudo, considerando números bem baixos na década de 1980, o Brasil, em comparação com outros países, não tem motivos para comemorar. Em 2009, por exemplo, os Estados Unidos registraram 82 mil patentes; o Japão, mais de 35 mil; a Coreia do Sul, 8.762; e o Brasil, apenas 103 patentes (THEIS, 2014). Embora o investimento em ciência e tecnologia esteja crescendo constantemente (como se viu), poucas são empresas nacionais que decidem inovar, e este cenário é agravado pela referida desnacionalização propiciada pelo neoliberalismo. DICAS Para saber mais sobre a história das privatizações e consequente desnacionalização no Brasil, assista ao documentário “Privatizações: a distopia do capital”, dirigido por Silvio Tendler, em 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=A8As8mFaRGU>. 4 FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL Caro(a) aluno(a), primeiramente, cabe lembrar, rapidamente, do que vimos até este momento no Tópico 2. Para compreendermos a formação da sociedade contemporânea, o desenvolvimento do capitalismo foi dividido em três grandes etapas: 1) O liberalismo econômico, que tem auge durante o século XIX com a crença no livre mercado como melhor ajuste da economia, e perdura até a década de 1930, cujo fim é demarcado pela crise econômica de 1929. 2) A partir daí surge uma segunda etapa, cuja intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais é fundamental para seu entendimento; este período se alonga desde 1930 até o início da década de 1980. É o período no qual muitos países implementam políticas específicas para orientar o desenvolvimento. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 165 4 FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL 3) Por fim, viu-se uma última etapa, do capitalismo contemporâneo, que se estende desde 1980 até os dias de hoje, a qual é reconhecida na mídia em geral por globalização. Em nossos estudos vimos, também, que o capitalismo contemporâneo (a globalização) representa a restauração do capital, por motivo da profunda crise econômica em que se encontrava. No Brasil, por exemplo, os índices de inflação foram os mais altos da história durante este período. Mas, ainda, é importante não perder de vista que a restauração do capital pode ser entendida por meio do tripé: reestruturação produtiva – neoliberalismo – financeirização do capital. O item que será visto a partir de agora tratará da última parte deste tripé: a financeirização do capital. A Figura 32 ilustra a organização da dinâmica da restauração do capital. FIGURA 32 - TRIPÉ DO PROCESSO DE RESTAURAÇÃO DO CAPITAL FONTE: O autor A possibilidade dos fluxos econômicos alcançarem um nível de circulação mundial sempre foi uma marca do capitalismo, ampliada ainda mais no capitalismo contemporâneo. Contudo, existem particularidades no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo que vão além de sua grande expansão. Antes de estudarmos, de fato, a financeirização do capitalismo, vejamos outras características do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. Um primeiro elemento diz respeito à forma das transações econômicas mundiais. As interações comerciais intensificaram-se especialmente entre os países mais ricos (centrais). Estas transações tornaram-se muito mais importantes e significativas do que aquelas entre os países centrais e periféricos (pobres). A chamada Tríade (Estados Unidos, União Europeia e Japão) realiza entre si a maior parte das transações econômicas e comerciais mundiais, as quais são operadas por grandes monopólios e processadas nas matrizes e filiais. Outro fator diferencial das relações econômicas mundiais do capitalismo contemporâneo é a estruturação de blocos supranacionais que passam a constituir espaços geoeconômicos regionais, com normas próprias para suas transações e 166 UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO promovendo a integração de investimentos e mercados, os quais favorecerão, fundamentalmente, os grandes monopólios que passaram a comandar estes processos (NETTO; BRAZ, 2006). NOTA Blocos supranacionais são acordos econômicos e comerciais realizados entre um grupo específico de países e/ou regiões. Os blocos podem ser classificados em: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica ou monetária. Vejamos a formação de alguns destes blocos. • União Europeia: tem origem na Comunidade Econômica Europeia, formada na década de 1950, sendo instituída com o atual nome em 1993. Possui 28 países- membros independentes. O objetivo é assegurar trânsito livre para pessoas, bens, serviços e comércio. FIGURA 33 - PAÍSES MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:UE-EU-ISO_3166-1. png>. Acesso em: 23 jan. 2015. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO 167 FIGURA 33 - PAÍSES MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA • NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio): envolve México, Estados Unidos e Canadá, tendo o Chile como associado. O objetivo é garantir livre comércio entre os três países, com custo reduzido para troca de mercadorias. O NAFTA entrou em vigor a partir de 1994. (NAFTANOW, 2015).
Compartilhar