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ebook_quarentena_1ed_2020

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Prévia do material em texto

ORGANIZADORES
 ANJULI TOSTES HUGO MELO 
FILHO
ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Dandelion, de Carlo Giambarresi
Ilustrador italiano (Sardenha), é formado pelo Instituto de Design 
e pela Escola Massana, ambos de Barcelona. 
O seu trabalho pode ser visto em https://www.carlogiambarresi.com/
https://www.carlogiambarresi.com/
1ª edição 2020 | Bauru, SP
Projeto Editorial Praxis é um selo da Canal 6 Editora e o projeto editorial da RET – Rede de 
Estudos do Trabalho (www.estudosdotrabalho.org), dedicado a livros na área de Trabalho e 
Economia Política da Globalização.
Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2020
Coordenador do Projeto Editorial Praxis
Prof. Dr. Giovanni Alves
Conselho Editorial Nacional
Dr. Ariovaldo Santos (UEL)
Dr. André Luis Vizzaccaro (UEL)
Dr. Bruno Chapadeiro (UFTM)
Dr. Edilson Graciolli (UFU)
Dr. Francisco Luis Corsi (UNESP)
Dr. Giovanni Alves (UNESP)
Dr. Gaudêncio Frigotto (UERJ)
Dr. José Meneleu Neto (UECE)
Dr. José Dari Krein (UNICAMP)
Dr. José dos Santos Sousa (UFRRJ)
Dr. Marco Aurélio Santana (UFRJ)
Dr. Márcio Pochmann (UNICAMP)
Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP)
Dr. Roberto Leme Batista (UNESPAR)
Dr. Ricardo Lara (UFSC)
Dr. Renan Araújo (UNESPAR)
Dra. Vera Navarro (USP)
Dr. Domingos Leite Lima Filho (UFTPR)
Conselho Editorial Internacional
Dra. Ursula Huws (University of London - Reino Unido)
Dr. Elisio Estanque (Universidade de Coimbra/CES - Portugal)
Dr. Enrique de la Garza (UAM- México)
Dra. Adrian Sotelo Valencia (UNAM - México)
Dr. Júlio César Neffa (CONICET/Argentina)
Dra. Claudia Figari (Universidade de Luján - Argentina)
Dra. Íside Gjergji (CES - Portugal)
Projeto Editorial Praxis
Free Press is Underground Press
www.editorapraxis.com.br
Impresso no Brasil/Printed in Brazil
2020
Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois / Anjuli Tostes, 
Hugo Melo Filho; ilustração de Carlo Giambarresi. – 1.ed. –
Bauru: Canal 6, 2020.
Recurso digital. – (Projeto Editorial Praxis)
Formato: PDF
Requisitos do sistema: Adobe Acrobat
Modo de acesso: Word wide web
ISBN: 978-65-86030-14-3
1. Pandemia. 2. Capitalismo. 3. Crise econômica. 4. Políticas 
públicas. I. Melo Filho, Hugo. II. Giambarresi, Carlo. III. Título.
 
CDD 614
Q25
1.ed.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129
Índice para catálogo sistemático:
1. Pandemia: capitalismo
2. Crise econômica
3. Políticas públicas
7
SUMÁRIO
11 Apresentação
Organizadores Anjuli Tostes e Hugo Melo Filho
15 RENDA BÁSICA UNIVERSAL: 
UM DEBATE NECESSÁRIO
Ananda T. Isoni 
31 PANDEMIA, POPULISMO E 
NOVA ORDEM SOCIAL
Anjuli Tostes
45 VÍRUS: TUDO O QUE É SÓLIDO 
DESMANCHA NO AR
Boaventura de Sousa Santos
51 NADA MAIS SERÁ COMO ANTES
Ciro Gomes
61 A ECONOMIA DO DESEJO E A COVID-19
Eduardo Moreira
8
65 CORONAVÍRUS E FASCISMO: 
PATOLOGIAS QUE DESAFIAM O BRASIL
Flávio Dino
71 DE BRETTON WOODS A WUHAN E ALÉM
Hugo Cavalcanti Melo Filho
89 POR QUE A COVID-19 SE ALASTRA NOS EUA E 
O QUE PODE SER FEITO 
Jeffrey D. Sachs
97 WHY AMERICA HAS THE WORLD’S MOST 
CONFIRMED COVID-19 CASES
Jeffrey D. Sachs
105 ATORMENTADOS PELO TRUMPISMO
Joseph E. Stiglitz
109 PLAGUED BY TRUMPISM
Joseph E. Stiglitz
113 ALÉM DO CORONA VÍRUS
Ladislau Dowbor
121 A FINANÇA E O CORONAVÍRUS
Luiz Gonzaga Belluzzo
9
135 SOBRE O PAPEL DO ESTADO 
NA ECONOMIA E COVID-19
Marcio Pochmann
147 “GRIPEZINHA”O NEOFASCISTA BOLSONARO 
DIANTE DA EPIDEMIA
Michael Löwy
151 CAPITALISMO SELVAGEM E 
A SOBREVIVÊNCIA DA HUMANIDADE
Noam Chomsky
161 SAVAGE CAPITALISM AND 
THE SURVIVAL OF HUMANITY 
Noam Chomsky
171 PRESENTE E FUTUROSETE APONTAMENTOS
Pedro Otoni
181 O VILIPÊNDIO DO CORONAVIRUS E 
O IMPERATIVO DE REINVENTAR O MUNDO 
Ricardo Antunes
189 O COMPROMISSO EM SAMARA: 
UM NOVO USO PARA ALGUMAS PIADAS ANTIGAS
Slavoj Žižek
10
203 THE APPOINTMENT IN SAMARA: 
A NEW USE FOR SOME OLD JOKES
Slavoj Žižek
215 O MEDO DO FUTURO INCERTO
Tarso Genro
219 SOBRE A COVID-19 E AS NOSSAS ESCOLHAS
Valdete Souto Severo
227 BEM-VINDO AO ESTADO SUICIDÁRIO
Vladimir Safatle
235 METEORO
Wilson Ramos Filho
241 CRISE É OPORTUNIDADE
Wilton Cardoso
11
APRESENTAÇÃO
Organizadores 
Anjuli Tostes e Hugo Melo Filho
Final de 2019. Tudo corria normalmente: políticas de austeridade gerando desigualdade social abissal, ameaçando o liberalismo 
democrático e propiciando a vitória de políticos de extrema direita 
em vários países; Estados Unidos e China em guerra híbrida; pro-
telações regulares de providências para deter as extremas agressões 
ao meio ambiente; guerras simultâneas em vários pontos do pla-
neta; refugiados em massa aportando nos países europeus e sendo 
barrados pelo muro de Trump.
Eis que na cidade de Wuhan surge o coronavírus SARS-CoV-2 
e a China anuncia um surto, em 31 de dezembro. No início, pouca 
gente levou a sério, afinal a Covid-19, doença causada pelo novo 
vírus, vinha se somar a zoonoses precedentes, como o SARS-CoV 
(2002), a gripe aviária por H5N1 (2005), a gripe A por H1N1 (2009), 
o MERS-CoV (2012) e o Ebola (2014). Seria, mais uma vez, um pro-
blema localizado, “coisa de chinês que toma sopa de morcego (ou 
de pangolim!)”.
A rapidez com que o vírus se espalha é impressionante. Muitos 
países não estão preparados para detê-lo, ou mesmo frear a pro-
pagação e evitar o colapso do sistema de saúde. Após as primeiras 
mortes, dezenas, centenas, milhares de pessoas morrem a cada dia. 
12
Instala-se a crise internacionalmente. Em 11 de março de 2020, a 
Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de Covid-19.
Países fecham suas fronteiras, limitam a locomoção interna dos 
cidadãos, decretam isolamento social – e, em casos extremos, o 
lockdown. Os governantes que retardam tais providências, preocu-
pados, antes, com os reflexos econômicos da pandemia, amargam 
recordes de contaminação e mortalidade. Enquanto uns Estados 
praticam a solidariedade, enviando recursos humanos e materiais 
para ajudar povos, outros vedam a exportação de insumos médicos 
e chegam a praticar atos de pirataria para se apoderarem de respi-
radores e máquinas. No momento em que escrevemos esta apresen-
tação, mais de dois milhões e seiscentos mil casos foram confirma-
dos em todo o planeta, resultando em mais de cento e oitenta e três 
mil mortos.
Anuncia-se uma crise econômica mundial de escalas apocalíp-
ticas e uma brutal mudança de comportamento, que trarão conse-
quências relevantes para “o depois” da Covid19. Em isolamento, as 
pessoas refletem sobre tudo o que está ocorrendo e procuram ante-
ver o que virá. Milhares de lives são gravadas todo dia, sobre todos 
os assuntos. Pensadores de renome manifestam suas opiniões, em 
jornais, revistas e blogs. 
Imediatamente nos ocorreu a ideia de organizar um livro com 
artigos de pensadores brasileiros e estrangeiros, com percepções 
sobre o momento que atravessamos e opiniões sobre o pós-pande-
mia. Em suma, uma fotografia desse período importante de refle-
xões sobre o mundo, a vida e a sociedade.
Para nossa alegria, o projeto de um e-book, para distribuição 
gratuita, foi calorosamente acolhido pelos convidados, que nos 
brindam com seus textos nesta obra coletiva. A maioria dos textos 
foi elaborada especialmente para esta edição. O de Noam Chomsky 
é a adaptação de entrevista recente. Alguns convidados autoriza-
ram a reprodução de textos anteriormente publicados no Brasil 
ou no exterior, como Tarso Genro, Joseph Stiglitz e Jeffrey Sachs. 
13
O artista italiano Carlo Giambarresi cedeu, gentilmente, a bela 
ilustração que estampa a capa do livro. Optamos por publicar, além 
do texto traduzido, a versão original dos textos escritos em inglês. 
E assim, com entusiasmo, apresentamos este Quarentena: refle-
xões sobre a pandemia e depois, elaboradas no calor do momento em 
que tudo acontece, por gente experiente e preparada para analisar a 
conjuntura e projetar os efeitos desta crise mundial nos campos da 
política, da economia, da sociologia, do direito e da filosofia.
Boa leitura!
15
RENDA BÁSICA UNIVERSAL:UM DEBATE NECESSÁRIO
Ananda T. Isoni1 
“I am now convinced that the simplest approach 
will prove to be the most effective – 
the solution to poverty is to abolish it directly 
by a now widely discussed measure: 
the guaranteed income”.
Martin Luther King Jr.
Where do We Go from Here: Chaos or Community (1967)
Em março de 2020, Juan Pablo Bohoslavsky, especialista in-dependente da Organização das Nações Unidas (ONU), re-
comendou aos governos que considerassem a introdução de uma 
renda básica universal de emergência, em razão da pandemia da 
COVID-192. O conceito não é novo, mas o cenário de crise genera-
lizada que coloca em situação de vulnerabilidade pessoas de dife-
rentes classes sociais e contextos de vida contribui para superar ou 
ao menos mitigar a resistência quanto à entrega de dinheiro sem 
1 Juíza do Trabalho do Tribunal Regional da 15ª Região.
2 RELATOR DA ONU PEDE QUE PAÍSES ADOTEM RENDA BÁSICA UNIVERSAL DIANTE 
DA PANDEMIA, 2020. Disponível em: https://nacoesunidas.org/relator-da-onu-
-pede-que-paises-adotem-renda-basica-universal-diante-da-pandemia/ Acesso 
em 22/4/2020.
16
contraprestação. Há razão para o alerta de Bohoslavsky. Boletim 
divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em abril 
de 2020, apontou ser essa a pior crise econômica desde a Grande 
Depressão (1929), com contração estimada em 3% e risco substan-
cial de agravamento do cenário.3
Crises demandam ações incisivas e provocam mudanças estru-
turais – isso já está posto. O que segue em aberto são as escolhas a 
serem tomadas, cujos efeitos serão sentidos não apenas agora, mas 
nos anos que virão. Não surpreende que a renda básica universal 
tenha ocupado repentinamente um espaço privilegiado nas conver-
sas e nos jornais: uma sociedade em crise é convidada a repensar 
as necessidades que deseja priorizar. Em um mundo que mede o 
sucesso de um país pelo Produto Interno Bruto (PIB), esse processo 
não é fácil, mas urgente. 
Compreender do que se trata a renda básica universal, explo-
rar suas motivações, sua viabilidade e seu impacto no trabalho, na 
educação, na saúde e na construção de um mundo menos desigual 
são alguns dos passos que se pretendeu dar neste artigo. A análise 
de estudos que retratam os desafios econômicos e sociais a serem 
enfrentados soma-se à dos resultados de experimentos pilotos ao 
redor do mundo. Esses dados, quando não fornecem respostas, 
ajudam a formular novas perguntas relevantes ao debate.
O conceito de renda básica e os limites dos auxílios 
emergenciais
As restrições impostas pelo confinamento desencadearam a 
instituição e expansão de programas de auxílio em países como 
3 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, World Economic Outlook – Chapter 1 – The 
Great Lockdown, 2020.
17
Canadá, Alemanha, Itália, Espanha, Índia e Brasil4. Nenhuma das 
medidas, contudo, observa a rigor o conceito de renda básica uni-
versal. Em sua versão clássica, ela é definida como a transferência 
de dinheiro a todas as pessoas, em valor suficiente ao custeio de 
necessidades básicas, por tempo ilimitado. Não é, portanto, con-
dicionada ao atendimento de requisitos, sejam eles relacionados a 
características como sexo, idade e condição econômica ou ao cum-
primento de exigências.
No Brasil, a renda básica da cidadania foi criada em 2004 como 
direito de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país há 
pelo menos cinco anos. A Lei nº 10.835, instituidora do benefício, 
não o restringe à condição econômica do destinatário, embora sua 
implementação gradual deva priorizar os mais necessitados. Seu 
valor deve ser igual para todos e suficiente para atender às despesas 
mínimas com alimentação, educação e saúde, cabendo ao Poder 
Executivo sua definição. Passados mais de quinze anos, ainda se 
aguarda a regulamentação do benefício. 
A pandemia reacendeu o tema da renda básica de cidadania, 
uma das medidas reivindicadas por 26 governadores ao presidente 
de República no dia 25 de março de 2020. Não foi o que prevaleceu. 
Em abril foi aprovado auxílio emergencial mais restritivo, instituí-
do pela Lei nº 13.982/2020, no valor de R$ 600,00, pelo período de 
três meses. O benefício é destinado a trabalhadores e trabalhadoras 
que atendam cumulativamente aos requisitos legais, regulamenta-
dos pelo Decreto nº 10.316/2020. 
As condições abrangem critérios etários e econômicos, além de 
excluir pessoas que sejam titulares de benefício previdenciário ou 
assistencial ou possuam empregos formais. Um trabalhador com 
16 anos cuja atividade tenha sido suspensa durante a quarentena, 
por exemplo, não terá direito ao auxílio. Tampouco terá acesso 
4 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Social Protection responses to the 
Covid-19 crisis, 2020; FMI, op. cit., 2020
18
ao benefício uma pessoa cuja remuneração tenha superado R$ 
28.559,70 em 2018 (em média R$ 2.379,97 ao mês), ainda que sua 
renda tenha sido inferior no período subsequente.
Aos trabalhadores formais com remuneração afetada durante 
o estado de calamidade pública, foi assegurado benefício distin-
to, instituído pela Medida Provisória nº 936/2020. É também essa 
norma que autoriza a suspensão de contratos por até sessenta dias 
e a redução de jornada e salários por até 70%, durante o período 
máximo de noventa dias5. Ser impactado por alguma dessas medi-
das é condição para o pagamento do auxílio, com duração restrita 
à vigência da alteração contratual. Sua base de cálculo corresponde 
ao valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria 
direito, em valor proporcional à perda remuneratória. Em razão 
dessas características, o benefício tampouco se aproxima do con-
ceito de renda básica universal. 
O debate sobre renda garantida, embora intensificado no con-
texto da pandemia, lhe é muito anterior. Em Utopia, obra publicada 
em 1516, Thomas More deu voz à ideia, então debatida entre filó-
sofos iluministas por meio do personagem Raphael Hitlodeu. Ele a 
defendeu como uma forma justa de se evitar a prática de crimes por 
quem não encontrou outro meio de sobrevivência6. Desde então, 
experimentos pilotos foram conduzidos em países como Canadá, 
Estados Unidos, Itália, Holanda, Finlândia e Quênia, parte deles 
ainda em andamento. 
5 Contrariamente ao disposto no artigo 7º, VI e XIII, da Constituição da República, 
a MP nº 936/2020 dispensa a negociação coletiva para implementação das me-
didas. Questionada sua constitucionalidade, por meio da ADI 6.363, o ministro 
relator Ricardo Lewandowski, deferiu em parte a cautelar para dar interpretação 
conforme à Constituição Federal, estabelecendo a exigência de comunicação à 
entidade sindical para possibilitar a deflagração de negociação coletiva. A limi-
nar foi, contudo, derrubada em 17/4/2020 pelo Plenário do STF, que por maioria 
concluiu pela constitucionalidade da norma.
6 MORE, Thomas. A Utopia. São Paulo: Martin Claret, 2002.
19
A dificuldade de implementação de modelos de teste que adotem 
a renda básica universal com todas as suas características está, so-
bretudo, no custo. Os pilotos, ora financiados pelo Estado, ora por 
organizações independentes, sofrem limitações que vão desde o 
valor transferido à duração do experimento. Tais circunstâncias 
não devem desmotivar. Como se verá, evidências obtidas por meio 
dessas iniciativas contribuem na busca de respostas sobre o impac-
to da adoção de uma renda básica universal efetiva. 
Trabalho: dever ou direito?
Do ponto de vista jurídico-filosófico, a renda garantida ampa-
ra-se na dignidade e no valor humano reconhecidos na Carta das 
Nações Unidas e na Declaração Universal de Direitos Humanos 
(DUDH). Não se trata de defendê-la como direito natural, mas de 
compreendê-la como meio de efetivação de direitos e liberdades 
declarados universais. Essa visão é por vezes confrontada com o 
argumento de que é o trabalho, e não a transferência de renda, que 
deve ser garantido para uma existência digna. O provérbio “O tra-
balho dignifica o homem” bem traduz esse pensamento.
Não há, contudo, antagonismo entrea renda básica e o direi-
to ao trabalho quando este é compreendido em sua plenitude. Ele 
contempla, segundo o artigo 23 da DUDH, o direito à livre esco-
lha do trabalho, em condições equitativas e satisfatórias, à proteção 
contra o desemprego e a uma remuneração digna. O dispositivo 
menciona, ainda, sua complementação por outros meios de prote-
ção social, quando possível. 
Inexiste óbice ético ou jurídico ao pagamento de renda sem 
labor. Ao contrário. O direito ao trabalho apenas pode ser exerci-
do em todas suas dimensões, quando dele não dependa a pessoa 
trabalhadora para garantir sua sobrevivência. A vulnerabilidade 
financeira é condição que acentua o desequilíbrio na relação de 
20
trabalho, assimetria agravada com o desmonte das entidades sin-
dicais, cujo impacto nos salários já se demonstrou7. Por vezes, não 
resta à pessoa trabalhadora alternativa senão a de se submeter a 
condições a ela impostas para a contratação ou continuidade do 
vínculo, sejam elas dignas ou não. 
A promoção do emprego pleno produtivo e do trabalho digno 
para todos é o oitavo dos 17 objetivos da Agenda 2030 das Nações 
Unidas para o desenvolvimento sustentável8. Dados consolidados 
pela Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho ajudam a di-
mensionar o problema: antes de 2030 é preciso criar 344 milhões de 
empregos; 190 milhões de pessoas estão desempregadas, das quais 
64,8 milhões são jovens; 2 bilhões de pessoas baseiam seu sustento 
na economia informal; 300 milhões de trabalhadores vivem em si-
tuação de extrema pobreza (<1,90 dólar/dia); e a remuneração rece-
bida pelas mulheres é cerca de 20% inferior à dos homens9.
Defender a renda básica universal não implica esmaecer os es-
forços empreendidos contra o desemprego e pela efetivação do di-
reito a um trabalho digno. A importância do trabalho vai além de 
seu papel como meio de sobrevivência. Quando provido de sentido, 
o trabalho promove o desenvolvimento e o senso de realização do 
indivíduo. Isso explica, em alguma medida, inexistirem evidên-
cias de que transferências de recursos desencorajem as pessoas a 
trabalhar,10 a despeito de ser esse um argumento recorrente entre 
7 WORLD INEQUALITY LAB, WORLD INEQUALITY REPORT, 2018; BANERJEE, A.; 
IEHAUS, P.; SURI, T. Universal Basic Income in the Developing World. National 
Bureau of Economic Research, Cambrige, 2019.
8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 
2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em: https://nacoesu-
nidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em 22/4/2020.
9 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, Trabajar para um futuro más pro-
metedor, 2019.
10 BANERJEE, A. V.; KREINDLER, G; OLKEN, B. Debunking the Stereotype of the Lazy 
Welfare Recipient: Evidence from Cash Transfer Programs. The World Bank Research 
Observer, 2017.
21
opositores da renda básica universal. Experimentos pilotos condu-
zidos no Canadá, na Índia e na Namíbia não revelaram efeitos sig-
nificativos quanto ao nível de emprego e no Irã parte dos destinatá-
rios do benefício passou a trabalhar mais.11 Também no programa 
desenvolvido na Finlândia não foram constatadas diferenças de 
comportamento em relação a trabalho entre os participantes que 
receberam o benefício e o grupo de controle.12
Essa constatação não pretende – e nem poderia – esvaziar o 
debate envolvendo a dialética capital e trabalho. Tampouco se 
ignora o achatamento de salários como possível desdobramento da 
implementação de uma renda básica universal, caso ela seja trata-
da como subsídio salarial. Por outro lado, parece ser mais factível 
conjecturar o incremento de salários como efeito da superação do 
temor da miséria. O aumento do poder de barganha impactaria, 
sobretudo, a prestação de serviços em condições precárias, hoje 
realizados por pessoas a quem não resta alternativa. Os limites dos 
pilotos que pretenderam garantir o pagamento de renda mínima 
não permitem, por ora, conclusões definitivas em um ou outro 
sentido.
Futuro do trabalho, desigualdade e polarização
O impacto da tecnologia no mercado de trabalho também tem 
sido apontado como um dos fatores que justificariam a adoção 
da renda básica universal.13 Isso em parte explica sua defesa por 
expoentes do Vale do Silício, onde foi gestado um dos estudos 
11 ORTIZ, I. et al. Universal Basic Income proposals in light of ILO standards: Key issues 
and global costing, Geneva, 2018.
12 KANGAS, O. et al. The basic income experiment 2017–2018 in Finland. Preliminary 
results. Ministry of Social Affairs and Health, 2019.
13 LOWREY, Annie. Give People Money – How a Universal Basic Income Would End 
Poverty, Revolutionize Work and Remake The World. Nova York: Crown, 2018.
22
randomizados em andamento, o Y Combinator Research.14 A essa 
preocupação possivelmente se soma à de que o aumento da pro-
dutividade viabilizado pela automação não gere o correspondente 
aumento de riqueza às empresas de tecnologia, se o desemprego 
massivo comprometer o poder de compra dos indivíduos.
As previsões de Keynes para 2030 no ensaio “Possibilidades 
Econômicas para Nossos Netos” se revelaram otimistas. Os avanços 
científicos e tecnológicos de fato geraram aumento de produtivida-
de e riqueza, mas não foi essa “a solução para o problema econômi-
co da humanidade”. O crescimento da renda global desde 1980 foi 
capturado duas vezes mais pelo 1% de indivíduos mais ricos do que 
pelos 50% mais pobres15. Tampouco a jornada de trabalho média 
foi reduzida a 15 horas por semana, permitindo a destinação de 
mais tempo à cultura e ao lazer, como ele sugeriu. De outro modo, 
mais de um terço da mão de obra mundial possui carga de trabalho 
superior a 48 horas semanais.
Não há consenso quanto à extensão dos efeitos da tecnologia no 
trabalho. Com frequência, fatos se perdem em meio à propagação 
de uma visão fantasiosa do futuro. Um equívoco recorrente está em 
se pensar a quantidade de empregos como finita. A quantidade de 
postos de trabalho reduzidos e extintos é mais mensurada e valo-
rizada como informação, ao passo que nem sempre há clareza na 
estimativa de novas funções. No início do século XX seria impos-
sível prever a quantidade de novos empregos que surgiriam com a 
robótica e a internet. Funções como a de datilógrafo, projecionista 
14 SADOWSKI, Jathan. Why Silicon Valley is embracing universal basic income, 2016. 
Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2016/jun/22/silicon 
-valley-universal-basic-income-y-combinator Acesso em 22/4/2020; WINICK, 
Erin, Universal basic income had a rough 2018, MIT Technology Review, 2018, 
disponível em: https://www.technologyreview.com/2018/12/27/103611/uni 
versal-basic-income-had-a-rough-2018/ Acesso em 22/4/2020; Y COMBINATOR 
RESEARCH, The First Study of Basic Income in the United States Disponível em: 
https://basicincome.ycr.org/our-plan. Acesso em 22/4/2020.
15 WORD INEQUALITY LAB, op. cit., 2018.
23
de cinema e entregador de telegrama diminuíram ou deixaram de 
existir. Em contraposição, outras profissões surgiram para atender 
a novas necessidades, como webdesigners e desenvolvedores de 
software. 
Mudanças nas formas de trabalho são elementos comuns às 
revoluções industriais e a tecnologia tem sido prodigiosa na subs-
tituição de funções repetitivas e extenuantes. A redução do indi-
víduo ao papel de máquina já havia sido apontada por Durkheim 
como anomia do mundo moderno. Segundo ele, a repetição mo-
nótona de movimentos desconecta o trabalhador do sentido de sua 
função e impede seu aperfeiçoamento individual, constituindo um 
aviltamento da natureza humana16. 
Essas considerações não pretendem, contudo, subestimar uma 
das características marcantes da Quarta Revolução Industrial: a 
velocidade acentuada das transformações. Serão os trabalhadores 
capacitados em tempo hábil para responder às novas demandas? A 
renda básica garantida pode exercer papel decisivo nessa transição.
O Relatório Social Mundial de 2020 reporta que trabalhadores 
altamente qualificados são os maisbeneficiados com as novas tec-
nologias. Mudanças no trabalho, que por vezes levam à redução ou 
extinção de postos, afetam principalmente trabalhadores de baixa 
e média qualificação. Como resultado, a desigualdade salarial tem 
se intensificado desde a segunda metade do século XX.17 Contribui 
para essa polarização a insuficiência de renda para se investir em 
educação. O potencial da internet para a capacitação profissional 
está hoje restrito às 53,6% das famílias que a ela estão conectadas. 
O índice cai para 15% em países emergentes18.
16 DURKHEIM, Emile. Fato Social e Divisão do Trabalho. São Paulo: Editora Ática, 
2011.
17 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Word Social Report 2020 – Inequality in a 
Rapidly Changing World, 2020.
18 OIT, op. cit., 2019.
24
De forma concorrente ao papel do Estado e das instituições em 
promover educação, a transferência de renda permite ao indivíduo 
direcionar recursos diretamente à formação pretendida. Mesmo 
quando se trata de capacitação gratuita, jornadas extensas alijam 
trabalhadores do processo de atualização profissional. O temor da 
insegurança financeira por vezes os desencoraja a assumir novos 
desafios profissionais que demandam tempo, preparo e dinheiro. A 
renda básica pode ser, nesse sentido, importante instrumento para 
se reduzir a polarização no mercado de trabalho.
O destino da renda incondicionada 
Se há consenso quanto à relação direta entre educação e renda, 
por outro lado, são comuns as divergências sobre a necessidade 
de se condicionar a transferência de recursos ao atendimento de 
condições específicas. A eliminação de procedimentos burocráti-
cos para verificação de requisitos é um dos argumentos em defesa 
da renda básica universal. Estima-se que a população mais carente 
acabe não sendo alcançada por programas sociais pela impossibi-
lidade fática de comprovar o atendimento das condições exigidas. 
A crítica também está no custo de identificação, seleção e mo-
nitoramento de beneficiários, que poderia ser revertido para a am-
pliação do valor e alcance das transferências. Parece pouco, mas 
não é. Em um programa assistencial no México, de cada 100 pesos 
transferidos de forma condicionada a uma família, 10 são desti-
nados a gastos administrativos.19Por outro lado, argumenta-se que 
19 COADY, D.; PEREZ, R.; VERA-LLAMAS, H. Evaluating the Cost of Poverty Alleviation 
Transfer Programs: An Illustration Based on PROGRESA in Mexico, 2005. 
International Food Policy Research Institute. Disponível em: http://ebrary.ifpri.
org/utils/getfile/collection/p15738coll2/id/60365/filename/60318.pdf Acesso 
em 22/4/2020; BANERJEE, A. V.; DUFLO, E. Good Economics for Hard Times. Nova 
York: PublicAffairs, 2019.
25
os custos de implementação, que variam de acordo com as carac-
terísticas dos programas, poderiam ser reduzidos com a integra-
ção de sistemas de dados em cada país. De todo modo, remanesce 
a questão de fundo: as exigências de atendimento a requisitos se 
justificam? 
No experimento de Mincome, conduzido no Canadá entre 1974 
e 1978, os resultados revelaram que os adolescentes das famílias 
participantes do programa completaram um ano a mais de escola-
ridade. Também foi relatado o decréscimo da taxa de hospitaliza-
ção para 8,5%, com quedas expressivas nas admissões por acidentes 
e lesões e diagnósticos de adoecimento mental. No Zimbábue, as 
taxas de vacinação de crianças e frequência escolar aumentaram 
após um ano de transferências em dinheiro20. Já na Finlândia, 
em piloto conduzido de 2017 a 2018, os resultados demonstraram 
menor incidência de problemas relacionados a saúde, estresse e ca-
pacidade de concentração21. Em nenhum dos três casos as transfe-
rências estavam condicionadas ao atendimento de exigências.
Desde 2014, países em desenvolvimento criaram 119 programas 
assistenciais de transferência de renda, dos quais 67 não estipula-
vam condições ao recebimento. Ao todo, 1 bilhão de pessoas parti-
ciparam de pelo menos algum deles. Em nenhum dos experimen-
tos foram encontradas evidências de que pessoas pobres priorizem 
desejos em detrimento de necessidades. Os dados tampouco indi-
caram aumento em gastos com tabaco e álcool. De outro modo, 
houve ampliação do percentual de despesas destinadas à nutrição, 
educação e saúde22e incremento do empreendedorismo23.
20 ARNOLD, Carrie. The Anti-Poverty Experiment, Nature, vol. 557. Macmillan 
Publishers Limited, 2018.
21 KANGAS, op. cit., 2019.
22 BANERJEE; DUFLO, op. cit., 2019.
23 BANERJEE; NIEHAUS; SURI, op. cit., 2019.
26
Universalidade x Desigualdade 
A escassez de recursos conduz ao questionamento sobre a uni-
versalidade do pagamento de renda básica: seria esse um instru-
mento eficiente de combate à desigualdade? A depender da forma 
de sua implementação e custeio, os resultados obtidos podem ser 
antagônicos. 
Propostas que apresentem a renda garantida como panaceia dos 
males sociais devem ser examinadas com cautela. Dentre elas está a 
de que sua implementação deveria substituir toda sorte de progra-
mas e serviços sociais. O dever do Estado terminaria, então, com a 
transferência da renda e os cidadãos seriam reduzidos ao papel de 
consumidores. A eles caberia organizar o orçamento pessoal para 
dar conta de despesas com educação, saúde e seguridade e se pla-
nejar para momentos de maior vulnerabilidade, previsíveis ou não. 
Essa visão gera distorções e contribui para agravar a situação de 
pessoas mais vulneráveis. Um estudo realizado nos Estados Unidos 
evidenciou que o pagamento de uma renda módica em substituição 
aos programas sociais existentes direcionaria parcelas menores do 
orçamento para famílias com filhos, idosos ou deficientes. Além 
disso, pessoas de classe média seriam mais beneficiados do que os 
pobres24. Também a Organização Internacional do Trabalho (OIT) 
tratou dos efeitos da completa eliminação de programas públicos 
para implementação da renda garantida. Entre as consequências pre-
vistas estão o acentuamento das desigualdades de renda e gênero, o 
que contraria as normas de seguridade social da instituição.
Sabe-se que a implementação de uma renda universal suficiente 
para assegurar uma vida digna pode suprir parte das necessidades 
antes atendidas por meio de programas sociais. Em todo caso, essa 
análise deve ser feita de forma criteriosa e baseada em evidências, 
24 HOYNES, H; ROTHSTEIN, J. Universal Basic Income in the United States and 
Advanced Countries. Annual Review of Economics, 2019. 
27
sob pena de retrocesso social a um alto preço. Mudanças e cance-
lamentos de programas devem ser precedidos de amplo debate, em 
que tenham voz os cidadãos afetados pelas medidas, assim como 
instituições que os representam. Só assim é possível entender com 
profundidade as necessidades envolvidas e responder a elas de 
forma justa e eficiente no desenvolvimento de políticas públicas.
Outro caminho envolve a criação e majoração de impostos 
que contribuam para a redistribuição da riqueza. A concepção de 
que cortes tributários na camada mais rica da população geram 
crescimento econômico, embora comum na justificativa de polí-
ticas públicas, está praticamente superada entre economistas. Um 
estudo recente desenvolvido na Universidade de Chicago analisou 
os efeitos de trinta e uma reformas tributárias desde a guerra. Os 
resultados demonstraram que a redução de tributos beneficiando 
os 10% mais ricos não produziram crescimento na taxa de emprego 
e renda, enquanto cortes de impostos para os outros 90% da popu-
lação sim25. Impostos progressivos sobre a renda, assim como a tri-
butação da riqueza, podem exercer papel importante na construção 
de uma saída equânime e eficiente para a implementação da renda 
universal. Meios existem – as dificuldades estão na vontade política 
de implementá-los. No Brasil, o imposto sobre grandes fortunas, 
embora previsto na Constituição, nunca foi regulamentado.
Também outras soluções merecem ser estudadas. No Alaska, 
um fundo permanente financiado por parte das receitas estataiscom a produção de óleo tem gerado dividendos anuais aos residen-
tes desde 198226. O valor, pago anualmente, não é suficiente para o 
25 ZIDAR, O. Tax Cuts for Whom? Heterogeneous Effects of Income Tax Changes on 
Growth and Employment. Journal of Political Economy 127, nº 3, 2019. Disponível 
em: https://doi.org/10.1086/701424 Acesso em 22/4/2020; BANERJEE; DUFLO, 
op. cit., 2019.
26 PARIJS, P. V.; VANDERBORGHT, Y. Basic Income. A Radical Proposal for a Free Society 
and a Sane Economy. Londres: Harvard Univerty Press, 2017; STANDING, Guy. Basic 
Income and How We Can Make It Happen. Londres: Pelican Books, 2017.
28
custeio das despesas básicas do cidadão americano, mas é 
significativo: em média $ 1.200 por ano, cerca de 2% do PIB do 
estado. Na intenção de se evitar conflitos de interesse, 95% dos in-
vestimentos são realizados fora do Alaska27. Essa medida também 
previne que os resultados do fundo possam depender da economia 
local. Entre as críticas, está a de que a riqueza absorvida pelo fundo 
poderia ter outra destinação. Hoje seu valor total ultrapassa $ 60 
bilhões.28
Em relatório fiscal de 2017, o FMI apurou que a implementação 
de renda básica universal de R$ 1.266 por ano custaria o equiva-
lente a 4,6% do PIB nacional. Embora módico, o valor reduziria a 
pobreza em 11,6 pontos percentuais. Também geraria recuo de 0,05 
ponto no índice Gini de desigualdade (a escala varia de 0 a 1)29. O 
potencial da transferência de renda vai além do impacto positivo 
em indicadores sociais, de caráter prioritário. Seu efeito multiplica-
dor fomenta a economia, produzindo riqueza superior aos valores 
desembolsados. No programa Bolsa Família, por exemplo, estima-
-se que cada real adicional gasto gere um crescimento de R$ 1,78 no 
PIB nacional e de R$ 2,40 no consumo final das famílias30. 
O valor e a forma de custeio de uma renda universal e suficien-
te para atender às necessidades básicas dos indivíduos são temas 
controversos, mas que precisam ser enfrentados. A falta de clareza 
sobre esses pontos foi decisiva para que a Suíça rejeitasse a proposta 
27 GREGOR, Mattie. The Alaska Permanent Fund. Disponível em: https://www.swar 
thmore.edu/writing/alaska-permanent-fund Acesso em 22/4/2020.
28 OUR PERFORMANCE. Disponível em: https://apfc.org/our-performance/ Acesso 
em 22/4/2020.
29 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. Fiscal Monitor: Tackling Inequality, 2017. 
Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/FM/Issues/2017/10/05/fis 
cal-monitor-october-2017 Acesso em 22/4/2020.
30 IPEA. Programa Bolsa Família – uma década de inclusão e cidadania. Brasília, 2013. 
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_conten 
t&id=20408 Acesso em 22/4/2020.
29
de renda básica, no referendo realizado em 2016. Em uma pesquisa 
conduzida na semana seguinte à votação, mais de 2/3 responderam 
que esse era o início de uma longa conversa sobre renda básica, 
não seu fim31. Não existe caminho único e a construção de um 
projeto sustentável possivelmente envolve mais de uma das solu-
ções apresentadas. 
Considerações finais: crise, diálogo e mudança
O conceito de renda básica universal, de singeleza marcante, 
tem atraído ao longo da história defensores de diferentes grupos, de 
democratas a republicanos. Parte dessa diversidade se deve à sim-
plicidade de seus contornos. Eles permitem que sua adoção tome 
formas diferentes e, por consequência, produza efeitos diversos.
Na luta contra a pobreza e a desigualdade, a busca do consenso 
democrático não pode sucumbir a divergências que soem inconci-
liáveis. Não são. Aqui também vale comparar a crise da COVID-
19 com a Grande Depressão: foi o alinhamento de interesses de 
grupos distintos que tornou possível a aprovação de medidas de 
auxílio social e recuperação econômica. A superação da crise de 
1929 foi, então, seguida de um período de grande desenvolvimento 
social e prosperidade. 
Os efeitos sociais e econômicos da renda básica universal apenas 
poderão ser dimensionados com precisão quando ela for adotada 
com todas as suas características. Até lá, estudo, debate, planeja-
mento e implementação gradual são passos necessários, que de-
mandam atuação dialogada. Em tempos de crise e depois dela, que 
essa ideia antiga, mas inovadora, aponte para novos caminhos.
31 STANDING, op. cit., 2017.
31
PANDEMIA, POPULISMO 
E NOVA ORDEM SOCIAL
Anjuli Tostes32
“The rule is, jam to-morrow and jam yesterday – 
but never jam to-day.”
“It must come sometimes to ‘ jam to-day,’” Alice objected.
“No, it ca’n’t,” said the Queen. “It’s jam every other day: 
to-day isn’t any other day, you know”
Lewis Carroll, 
Through the Looking-Glass and What Alice Found There, 1871
O fenômeno do populismo já era estudado com interesse por cientistas políticos e sociais de todo o mundo. Um dos moti-
vos da atratividade que a questão representa para esses acadêmicos 
é comum também aos leigos: o caráter desafiador da retórica po-
pulista diante dos consensos da democracia liberal. A pandemia 
da Covid-19 surge nesse contexto, já bastante tensionado, a inserir 
mais um ingrediente de complexidade proporcionado pelo medo 
e pela incerteza. No entanto, o mais provável é que mesmo uma 
32 Advogada, Auditora da Controladoria-Geral da União, Bacharel em Relações 
Internacionais, Especialista em Gestão Pública e Doutoranda em Direito e 
Economia na Universidade de Lisboa (Portugal). Integrou as comissões de 
Direitos Humanos e Direito do Trabalho da OAB-DF (2017-2018). Autora de livros 
e artigos em temas relacionados a Direito, Economia e Democracia.
32
ruptura política não nos leve à nova ordem social ansiada pelos crí-
ticos do sistema.
Apesar de divergências sobre a natureza do populismo – se 
uma estratégia ou lógica política (LACLAU, 2005), um discurso 
(PANIZZA, 2005) ou uma “ideologia fina” (MUDDE, 2007, 2009; 
STANLEY, 2008; MUDDE et KALTWASSER, 2011, 2013), há ra-
zoável consenso na sua caracterização a partir da divisão da socie-
dade em dois campos antagônicos - o povo excluído e as elites que 
estão no poder – e de um forte sentido anti-establishment.
A sociedade contemporânea é marcada por uma clivagem social 
profunda entre os vencedores e os perdedores do processo de mo-
dernização. Uma underclass com empregos precários, baixos sa-
lários e pouca qualificação engrossa a multidão dos descontentes 
com um sistema que nunca a contemplou. 
Diante desse cenário, a rejeição do status quo é natural, bem 
como de tudo o que remete a ele: os partidos tradicionais, que se al-
ternam no poder sem trazer mudanças estruturais; a grande mídia, 
que reproduz o discurso dos poderosos e das corporações que a fi-
nanciam; as instituições, que nada fazem contra a reprodução deste 
estado de coisas, e mais servem para legitimá-la. 
No Brasil, a equivalência feita pela população entre as opções 
de um sistema partidário pouco responsivo propiciou terreno fértil 
para o florescimento do populismo, que explorou as inconsistên-
cias nesta ordem ao escancarar a oposição existente entre uma elite 
microscópica em número, mas gigante em poder, e a massa da po-
pulação com poder e influência marginais. 
A janela de oportunidade populista (ou “momento populista”, 
na definição de Mouffe, 2019) não aproveitada pela esquerda bra-
sileira proporcionou à extrema direita caminho livre para dar às 
inconsistências evidenciadas no status quo a explicação causal mais 
útil e de acordo com a sua ideologia. 
A tese vendida a essas massas com quem o populista se comu-
nica foi a de que o grande plano das elites por trás das instituições 
33
seria a instalação de um regime comunista no Brasil, a partir da 
destruição dos valores e da família tradicional. Contra isso, valeria 
tudo, até uma guerra civil. Metralhar a petralhada. Mandar para a 
ponta da praia. Matar 30 mil. 
O importante é eliminar o inimigo demonizado, culpado por 
levar o país a esse estado de coisas, “a esquerda no poder”, o PT, os 
comunistas, a própria síntese do mal - o que é muito bem explica-do por Freud ao tratar dos processos de coesão interna dos grupos 
sociais. A eficiência com que o populismo de extrema direita alcan-
çou as grandes massas no Brasil é digna de nota.
A pandemia é o elemento novo nesse já muito complexo e in-
trincado cenário. A escalada da doença causada pelo novo coro-
navírus, em uma magnitude não conhecida por esta geração, é 
efetivamente chocante. Mas não tem, por si só, o condão de ensejar 
mudanças realmente profundas. A Gripe Espanhola, outra pande-
mia de escala até superior, também não teve. O que tem capacidade 
de alterar o curso da história, a caracterizar uma efetiva ruptura da 
ordem política e econômica, são as transformações nos modos de 
reprodução da vida em sociedade. 
Foi a adoção da lógica “bárbara”, na verdade mais adaptável e 
mais coletivista, que levou ao fim do Império Romano e ao nas-
cimento do feudalismo. Foi o surgimento da burguesia e o ressur-
gimento das cidades que levou à Revolução Francesa e ao ocaso 
da Idade Moderna. Foi a escolha pelo modo de vida socialista que 
levou ao mundo bipolar. Mesmo catástrofes de grande magnitude 
humanamente provocadas, como a Primeira e a Segunda Grandes 
Guerras Mundiais, são incapazes de gerar mudanças estruturais no 
sistema econômico quando não alteram as bases do modo de re-
produção da vida em sociedade. 
Mas o novo coronavírus surge em um contexto em que o siste-
ma atual já se encontrava com uma legitimidade bastante fragiliza-
da, não só no Brasil, mas em várias partes do mundo. Para aqueles 
que têm como projeto uma nova ordem, o caos social, político e 
34
econômico gerado por uma pandemia proporciona a “tempestade 
perfeita” para uma possível transição.
E é de forma radicalmente política que o tema tem sido maneja-
do pelo governo Bolsonaro, mesclando negacionismo da pandemia, 
grandes conspirações da esquerda nacional e mundial, e o remédio 
milagroso da Cloroquina. A recalcitrância da mídia e das institui-
ções em divulgar o medicamento, ainda em fase de testes, como a 
solução definitiva da doença é que seria responsável pelas milhares 
de mortes – e não a campanha ostensiva do próprio Presidente da 
República contra o isolamento social. Novamente, o fio narrativo 
é o mesmo: tudo terá sido feito para criar as condições de instalar 
uma ditadura comunista no Brasil - inclusive o próprio vírus, sin-
tetizado em laboratório pelo governo chinês.
É antagonizando com a imprensa, com as instituições e com 
os partidos que Bolsonaro segue adotando a estratégia populista 
como método de governo, e alimentando sua base política entre os 
descontentes com a ordem. Se fizesse diferente, como muitos su-
punham que faria após a campanha, seria automaticamente iden-
tificado com o sistema e perderia o magnetismo que exerce junto a 
essas massas. 
Propostas de saída fora da ordem democrática liberal, como um 
autogolpe, se tornam cada vez mais fortes, mais presentes, mais 
ruidosas, a ponto de produzir buzinaços na frente de hospitais em 
que doentes de Covid-19 agonizam. O Brasil atual já era um barril 
de pólvora. A pandemia – que, tomada por si só, mudaria pouco - é 
a fagulha que faltava para fazê-lo explodir.
Mas, ainda que o autogolpe se concretize e consolide uma rup-
tura política, esta não levará à mudança esperada pela multidão 
de descontentes. Porque a ordem econômica capitalista não apenas 
permanecerá intacta em seus princípios estruturantes, como terá 
efeitos ainda mais gravosos sobre os perdedores do processo de 
modernização, a partir do aprofundamento da ideologia ultralibe-
ral. Não há alternativa no capitalismo porque a lógica deste sistema 
35
e a de uma sociabilidade sustentável e inclusiva são muito distintas. 
O objetivo do primeiro é a maximização do lucro. O da segun-
da, a coexistência solidária entre seres humanos e a preservação do 
planeta. 
É possível conciliá-las? Talvez em teoria - foi o que buscaram 
os economistas clássicos, com seus altíssimos níveis de abstração 
e excessos dedutivistas. Quanto mais egoístas forem os indivíduos, 
melhor para a coletividade, diziam eles. “It is not from the benev-
olence of the butcher, the brewer, or the baker that we expect our 
dinner, but from their regard to their own self-interest”33, asseverou 
Adam Smith, em um dos trechos mais célebres d’A Riqueza das 
Nações (An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of 
Nations, 1776), argumento repetido por escolas posteriores.
Mas, na prática, o que temos visto desse sistema são os seus efei-
tos devastadores em termos de aumento da poluição e do aqueci-
mento global, da cultura do descarte e do consumismo, das desi-
gualdades extremas, das centenas de milhões de vidas em absoluta 
pobreza, das famílias de refugiados fenecendo à deriva. E das pan-
demias e catástrofes evitáveis.
Uma proposta de ruptura em direção a uma sociedade mais so-
lidária será, essencialmente, uma proposta anticapitalista.
De fato, a história produz três tipos de mudanças na ordem 
social, a partir da dinâmica entre Estado e sociedade. As marginais, 
que envolvem um pequeno deslize ao longo do espectro Estado-
Mercado para algumas políticas. As conjunturais, que representam 
alterações na concepção do papel do Estado, em medida suficien-
te para que o próprio sistema não entre em colapso, e que podem 
durar algumas décadas; e as estruturais, que são transformações 
nas formas de reprodução da vida em sociedade. 
33 Em tradução livre: “Não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do 
padeiro que nós contamos com o nosso jantar, mas pela consideração do seu 
próprio interesse.”
36
Dentro do capitalismo não haverá mudanças profundas. No 
máximo, uma concepção Estado-mercado menos desumana, em 
que se atribua ao primeiro deste binômio maiores ferramentas para 
a proteção dos mais vulneráveis, em situações de pandemia ou fora 
delas. Naturalmente algo que não virá de graça, mas como respos-
ta para evitar um contramodelo que eventualmente ganhe força 
diante das sociedades.
É o que houve nos EUA após a crise de 1929. Naquele contexto 
histórico, havia um contraponto real ao modo de vida capitalista, 
o que fez com que os próprios mediadores deste sistema, em seus 
respectivos países, produzissem a resposta necessária para evitar “o 
mal maior” – a ruptura, a revolução, o socialismo – produzindo o 
que ficou conhecido como o Estado de Bem-Estar Social. 
Roosevelt não acordou um belo dia, após a crise de 1929, e re-
solveu editar o New Deal. Nem Bismarck lançou os fundamentos 
do Estado de Bem-Estar Social alemão, no final do século XIX, 
sem que isso representasse uma reação ao perigo de crescimento 
da ideologia socialista que ganhava corpo em seu país, a partir da 
edição do Manifesto Comunista em 1848 – ou mesmo como uma 
resposta aos social democratas, com quem disputava poder. 
Em ambos os casos, as melhoras trazidas à maioria da popu-
lação em termos de regras trabalhistas menos opressivas (ou uma 
suavização da exploração) e da garantia de um mínimo existencial 
responderam ao perigo ao sistema que representava a conversão de 
países ao socialismo – em última análise, o próprio fim do capita-
lismo para aqueles países. 
O Welfare State foi um rearranjo conjuntural em resposta à crise 
e à correlação de forças existentes naquele momento, até que as 
forças do próprio sistema pudessem se reorganizar para perseguir 
a lógica capitalista fundamental da maximização do lucro acima 
de tudo - o que só foi possível a partir da década de 70, com a dete-
rioração do regime soviético e a ascensão do paradigma neoliberal, 
com Reagan nos EUA e Tatcher no Reino Unido.
37
Não é isso o que está posto agora. As condições são muito di-
ferentes. Embora a China politicamente funcione em torno do 
Partido Comunista Chinês - PCC, no seio do qual a vida estatal 
acontece, no âmbito econômico vigora atualmente a economia so-
cialista de mercado, introduzida a partir das reformas levadas a 
cabo por Deng Xiaoping em 1978. 
Segundo a definição de Jiang Zemin, durante o 14ºCongresso 
Nacional do Partido Comunista Chinês em 1992, trata-se de um 
estágio preliminar do desenvolvimento socialista chinês - concep-
ção que se amolda à teoria marxista tradicional como uma etapa 
necessária ao desenvolvimento das forças produtivas rumo a uma 
sociedade socialista avançada.
A economia socialista de mercado chinesa se caracteriza pela 
combinação entre propriedade estatal e coletiva de empresas - com 
especial foco em setores estratégicos - e empresas privadas, ambas 
atuando a partir do mercado, mas orientadas a partir de um pla-
nejamento sistêmico. Uma “integração orgânica entre economia 
planificada e economia de mercado, com total uso das vantagens 
de ambos” (JIANG, 2006, p.203) para o processo de modernização 
chinesa.
Há maior controle macroeconômico do que nas social-democra-
cias ocidentais (CHUN, 2009), e forte intervencionismo estatal. Sob 
Xi Jinping34, os representantes do PCC têm atuado “como observa-
dores ou membros do conselho em empresas estatais e empresas pri-
vadas, a fim de verificar e promover a implementação dos segmentos 
relevantes do planejamento” (PELKMANS, 2018, p. 269).35 
No entanto, apesar de muito diversa do paradigma neoliberal, a 
“economia de socialista de mercado com características chinesas” 
34 Atual Presidente da República Popular da China e Secretário-Geral do Partido 
Comunista Chinês (PCC).
35 Segundo Pelkmans (2018), cerca de 150.000 empresas possuem membros do 
PCC em seus conselhos, com tendência a crescimento deste número.
38
não se diferencia hoje o suficiente para servir como um contrapon-
to ao capitalismo ocidental, como foi o modelo soviético, em espe-
cial no que se refere a um esquema de desenvolvimento produtivo 
combinado com um sistema avançado de proteção social. Situação 
que também pode mudar na medida em o país atinja o nível que 
espera em termos de “desenvolvimento”36 - é o que sugere o argu-
mento37 em torno da prioridade ao “direito ao desenvolvimento” 
pelos mandatários chineses como fundamento para o exercício 
material de outros direitos.
Em alguns aspectos, como a ênfase no direito ao desenvolvi-
mento e a comprovação fática de que medidas heterodoxas fun-
cionam - em contraste com as experiências fracassadas que repre-
sentaram as aplicações do Consenso de Washington aos países em 
desenvolvimento – pode se legitimar uma melhoria nas regras in-
ternacionais para países mais pobres. 
Mesmo sobre este último ponto há de se ter uma certa dose de 
ceticismo, em face do nível de desenvolvimento já alcançado pela 
China e sua recente aceitação de diversas das “regras do jogo” em 
nível internacional, algo perfeitamente explicado no livro Kicking 
Away the Ladder (2002), de Ha-Joon Chang. 
Não deveremos ver nada realmente substantivo em termos de 
ruptura com o sistema capitalista, ao menos não por agora, enquan-
to o processo socialista chinês não está consolidado. No máximo, 
a Covid-19 terá funcionado como um catalizador do processo de 
surgimento da China como o novo hegemon no sistema interna-
cional, de modo semelhante ao que a Segunda Guerra Mundial 
36 O termo desenvolvimento aqui é abordado de forma crítica, uma vez que reflete 
um caminho civilizatório que ignora outras formas de vida e visões de mundo 
mais adaptadas ao planeta, como a de diversos povos tradicionais.
37 O White Paper produzido pelo Gabinete de Informação do Conselho de Estado 
da República Popular da China, em dezembro de 2016, intitulado “The Right to 
Development: China’s Philosophy, Practice and Contribution” traz uma boa síntese 
deste argumento.
39
representou para o processo de conquista do poder hegemônico 
pelos EUA. 
O mais provável para os próximos anos é o cenário de “caos sis-
têmico”, definido por Arrighi e Silver (1999) na Teoria do Sistema-
Mundo, caracterizado pelo dissolvimento das estruturas de poder 
em torno da hegemonia decadente - que já não consegue apresentar 
seu interesse particular como universal - diante da emergência do 
novo paradigma político e econômico. 
Nesse contexto, o conflito entre EUA e China deve se radicalizar, 
com a proposição, pela última, de estruturas novas e concorrentes 
que precipitam as anteriores ao colapso. O projeto de desenvolvi-
mento e integração sinocêntrico denominado “Nova Rota da Seda” 
(Belt and Road Initiative - BRI) e o Banco Asiático de Investimento 
em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investiment Bank - AIIB), 
alternativo ao Banco Mundial, antecipam a natureza dessa disputa.
Em termos marginais à regulação geral do sistema, algumas ins-
tituições podem, sim, mudar. Por exemplo, o paradigma fiscalista, 
que escondia recursos urgentes para políticas públicas sob a justi-
ficativa de um supostamente necessário equilíbrio fiscal, pode ruir 
parcialmente. “There Is No Alternative”38 – TINA, slogan político 
de Tatcher para significar que não há alterativas às regras ditadas 
pelo capitalismo neoliberal, argumento semelhante ao que muitos 
governos utilizam para justificar o contingenciamento de tudo que 
não seja o pagamento de juros da dívida, mostrou ser o que sempre 
foi: um argumento político, não uma fatalidade econômica ou uma 
inexorabilidade jurídica.
Mas, mesmo neste último caso, tudo dependerá de uma even-
tual mudança na atual correlação de forças. Em uma economia 
altamente financeirizada e mais dependente das “regras do jogo” 
do que dos ganhos de produção da economia real, o cenário é 
pouco favorável até a alterações marginais que tenham o condão de 
38 Em tradução livre: “Não há alternativa.”
40
contrariar os interesses dos grandes investidores e conglomerados 
econômicos. Mais ainda quando o país é comandado por um 
governo de ideologia marcadamente ultraliberal.
Magicamente, os 40 bilhões de contingenciamento ”inevi-
tável” para o primeiro semestre no Brasil deixaram de existir. 
Magicamente, surgiram 600 a 1200 reais para garantia mínima de 
sobrevivência das famílias. Magicamente, surgiram recursos para 
a compra de dezenas de milhares de respiradores e para a criação 
de leitos de UTI e novos hospitais. Magicamente descobriu-se o 
óbvio: esses recursos sempre existiram, mas não eram utilizados 
graças a decisões políticas, cujas motivações são bastante duvido-
sas, para sermos generosos. Justificativas, não ciência, não “técni-
ca”, não algo que deva ser situado fora do contexto democrático, 
como muitas vezes se faz. 
Por outro lado, o povo é saqueado com a aprovação de leis e 
pacotes de resgate escandalosos que favorecem banqueiros, 
como a “PEC do Orçamento de Guerra”, PEC 10/2020, que auto-
riza a compra de títulos podres dos bancos privados pelo Banco 
Central, convertendo-os em dívida pública. Colocadas lado a lado, 
as “ajudas” têm dimensões incomparáveis. Mais uma vez, utiliza-
-se a crise para validar decisões com consequências permanen-
tes de favorecimento dos super-ricos, em prejuízo das massas de 
trabalhadores endividadas e precarizadas.
O suporte teórico de acadêmicos e think thanks muito bem 
pagos que contribui para conferir um lastro de legitimidade ao 
atual sistema também deve sofrer duro golpe.
Os preços negativos do petróleo atingidos em 20.04 – menos 40 
dólares o barril, no caso do West Texas Intermediate (WTI) - um 
dia antes do vencimento de seus contratos, escancaram o fato de 
que a racionalidade econômica dos agentes do mercado, em es-
pecial do financeiro, não é muito funcional diante de cenários de 
incerteza. 
41
Some-se a esse contexto a falência generalizada de empresas que 
deve se seguir, em especial das acostumadas a operar com capital 
de giro reduzido, das que abusaram (mais uma vez) na distribuição 
de lucros a acionistas e de bônus a CEOs, e das que integram se-
tores ligados ao turismo, como o aéreo e o hoteleiro. Essas, exceto 
quando vinculadas ao Estado ou quando deste receberem genero-
sos auxílios, tenderão a sucumbir. 
O sistema de saúde caríssimo e altamente privatizado dos EUA 
certamente jogou um papel central para transformar o país hoje no 
maior epicentro dapandemia. Uma doutrina que dispute a nova 
ortodoxia possuirá material farto para demonstrar que o Estado 
é mais necessário do que muitas teorias econômicas mainstream 
advogam. 
Citando outro famoso enunciado de Tatcher “There is no such 
thing as society. There are individual men and women and there are 
families”39, a disseminação da Covid-19 transversalmente a raças, 
nacionalidades e classes sociais mostrou à humanidade que ela está 
mais conectada do que pensava, ou, ao menos, do que a ideologia 
neoliberal ultraindividualista pretendia nos fazer pensar. Os super-
-ricos não estão tão protegidos quanto eles próprios imaginavam. 
Ao menos, esse legado positivo o coronavírus terá.
Conclusão
O sistema atual não é bom o suficiente, ao menos para uma 
larga parcela da população. A clivagem profunda existente em di-
versas das sociedades atuais reflete-se em um descontentamento 
com a ordem estabelecida que atinge patamares desafiadores. Não 
é por acaso que o populismo e seu caráter iconoclasta grassam no 
39 Em tradução livre: “Não existe tal coisa como a sociedade. Há indivíduos homens 
e mulheres e há famílias.”.
42
cenário atual. No Brasil, a combinação entre populismo e o caos 
temporário causado pela pandemia abre espaço para a tentativa 
de uma ruptura democrática que, no entanto, não representará a 
nova ordem que as massas de trabalhadores insatisfeitos esperam. 
Uma nova ordem que rompa com o capitalismo ou mesmo uma 
nova onda de Estados de Bem-Estar Social só será possível com a 
consolidação de um contramodelo em nível mundial, o que pode 
acontecer, futuramente, a partir da China. A mitigação do para-
digma fiscalista, a fragilização do suporte teórico ao ultraliberalis-
mo e a percepção de que os seres humanos estão mais conectados 
do que imaginavam podem ser legados positivos da crise do novo 
Coronavírus para as classes populares.
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45
VÍRUS: TUDO O QUE É SÓLIDO 
DESMANCHA NO AR
Boaventura de Sousa Santos40
Existe um debate nas ciências sociais sobre se a verdade e a qua-lidade das instituições de uma dada sociedade se conhecem 
melhor em situações de normalidade, de funcionamento corrente, 
ou em situações excepcionais, de crise. Talvez os dois tipos de situa-
ção sejam igualmente indutores de conhecimento, mas certamente 
permitem-nos conhecer ou relevar coisas diferentes. Que poten-
ciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus?
A normalidade da exceção. A atual pandemia não é uma situa-
ção de crise claramente contraposta a uma situação de normali-
dade. Desde a década de 1980 – à medida que o neoliberalismo se 
foi impondo como a versão dominante do capitalismo e este se foi 
sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro – o mundo tem 
vivido em permanente estado de crise. Uma situação duplamente 
anômala. Por um lado, a ideia de crise permanente é um oximoro, 
já que, no sentido etimológico, a crise é por natureza excepcional 
e passageira e constitui a oportunidade para ser superada e dar 
origem a um melhor estado de coisas. Por outro lado, quando a 
crise é passageira, ela deve ser explicada pelos fatores que a pro-
vocam. Mas quando se torna permanente, a crise transforma-se 
40 Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de 
Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. 
Director Emérito doCentro de Estudos Sociaisda Universidade de Coimbra e 
Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
https://www.ces.uc.pt/pt
46
na causa que explica tudo o resto. Por exemplo, a crise financeira 
permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas so-
ciais (saúde, educação, previdência social) ou a degradação dos 
salários. E assim impede que se pergunte pelas verdadeiras causas 
da crise. O objetivo da crise permanente é não ser resolvida. Mas 
qual é o objetivo deste objetivo? Basicamente, são dois os objeti-
vos: legitimar a escandalosa concentração de riqueza e impedir 
que se tomem medidas eficazes para impedir a iminente catástro-
fe ecológica. Assim temos vivido nos últimos quarenta anos. Por 
isso, a pandemia vem apenas agravar uma situação de crise a que 
a população mundial tem vindo a ser sujeita. Daí a sua específica 
periculosidade. Em muitos países, os serviços públicos de saúde 
estavam há dez ou vinte anos mais bem preparados para enfrentar 
a pandemia do que estão hoje.
A elasticidade do social. Em cada época histórica, os modos 
dominantes de viver (trabalho, consumo, lazer, convivência) e de 
antecipar ou adiar a morte são relativamente rígidos e parecem 
decorrer de regras escritas na pedra da natureza humana. É ver-
dade que eles se vão alterando paulatinamente, mas as mudanças 
passam quase sempre despercebidas. A irrupção de uma pan-
demia não se compagina com tal tipo de mudanças. Exige mu-
danças drásticas. E, de repente, elas tornam-se possíveis como se 
sempre o tivessem sido. Torna-se possível ficar em casa e voltar 
a ter tempo para ler um livro e passar mais tempo com os filhos, 
consumir menos, dispensar o vício de passar o tempo nos cen-
tros comerciais, olhando para o que está à venda e esquecendo 
tudo o que se quer mas só se pode obter por outros meios que 
não a compra. A ideia conservadora de que não há alternativa ao 
modo de vida imposto pelo hipercapitalismo em que vivemos cai 
por terra. Mostra-se que só não há alternativas porque o sistema 
político democrático foi levado a deixar de discutir as alternati-
vas. Como foram expulsas do sistema político, as alternativas irão 
entrar cada vez mais frequentemente na vida dos cidadãos pela47
porta dos fundos das crises pandêmicas, dos desastres ambien-
tais e dos colapsos financeiros. Ou seja, as alternativas voltarão da 
pior maneira possível.
A fragilidade do humano. A rigidez aparente das soluções so-
ciais cria nas classes que tiram mais proveito delas um estranho 
sentimento de segurança. É certo que sobra sempre alguma inse-
gurança, mas há meios e recursos para os minimizar, sejam eles 
os cuidados médicos, as apólices de seguro, os serviços de empre-
sas de segurança, a terapia psicológica, as academias de ginástica. 
Este sentimento de segurança combina-se com o de arrogância 
e até de condenação para com todos aqueles que se sentem viti-
mizados pelas mesmas soluções sociais. O surto viral interrompe 
este senso comum e evapora a segurança de um dia para o outro. 
Sabemos que a pandemia não é cega e tem alvos privilegiados, 
mas mesmo assim cria-se com ela uma consciência de comunhão 
planetária, de algum modo democrática. A etimologia do termo 
pandemia diz isso mesmo: todo o povo. A tragédia é que neste 
caso a melhor maneira de sermos solidários uns com os outros é 
isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer nos tocarmos. É uma 
estranha comunhão de destinos. Não serão possíveis outras?
Os fins não justificam os meios. O abrandamento da atividade 
econômica, sobretudo no maior e mais dinâmico país do mundo, 
tem óbvias consequências negativas. Mas tem, por outro lado, al-
gumas consequências positivas. Por exemplo, a diminuição da po-
luição atmosférica. Um especialista da qualidade do ar da agência 
especial dos EUA (NASA) afirmou que nunca se tinha visto uma 
quebra tão dramática da poluição numa área tão vasta. Quererá 
isto dizer que no início do século XXI a única maneira de evitar 
a cada vez mais iminente catástrofe ecológica é por via da des-
truição massiva de vida humana? Teremos perdido a imaginação 
preventiva e a capacidade política para a pôr em prática?
É também conhecido que, para controlar eficazmente a 
pandemia, a China acionou métodos de repressão e de vigilância 
48
particularmente rigorosos. É cada vez mais evidente que as 
medidas foram eficazes. Acontece que a China, por muitos 
méritos que tenha, não tem o de ser um país democrático. É 
muito questionável que tais medidas pudessem ser acionadas 
ou acionadas com igual eficácia num país democrático. Quer 
isto dizer que a democracia carece de capacidade política para 
responder a emergências? Pelo contrário, The Economistmostrava 
no início deste ano que as epidemias tendem a ser menos letais 
em países democráticos devido à livre circulação de informação. 
Mas como as democracias estão cada vez mais vulneráveis àsfake 
news,teremos de imaginar soluções democráticas assentes na 
democracia participativa ao nível dos bairros e das comunidades 
e na educação cívica orientada para a solidariedade e cooperação, 
e não para o empreendedorismo e competitividade a todo custo.
A guerra de que é feita a paz.O modo como foi inicialmente 
construída a narrativa da pandemia nas mídias ocidentais tornou 
evidente a vontade de demonizar a China. As más condições hi-
giênicas nos mercados chineses e os estranhos hábitos alimen-
tares dos chineses (primitivismo insinuado) estariam na origem 
do mal. Subliminarmente, o público mundial era alertado para 
o perigo de a China, hoje a segunda economia do mundo, vir a 
dominar o mundo. Se a China era incapaz de prevenir tamanho 
dano para a saúde mundial e, além disso, incapaz de o superar 
eficazmente, como confiar na tecnologia do futuro proposta pela 
China? Mas terá o vírus nascido na China? A verdade é que, se-
gundo a Organização Mundial de Saúde, a origem do vírus ainda 
não está determinada. É, por isso, irresponsável que os meios ofi-
ciais do EUA falem do “vírus estrangeiro” ou mesmo do “coro-
navírus chinês”, tanto mais que só em países com bons sistemas 
públicos de saúde (os EUA não são um deles) é possível fazer testes 
gratuitos e determinar com exatidão os tipos de influenza ocorri-
dos nos últimos meses. Do que sabemos com certeza é que, muito 
para além do coronavírus, há uma guerra comercial entre a China 
49
e os EUA, uma guerra sem quartel que, como tudo leva a crer, terá 
de terminar com um vencedor e um vencido. Do ponto de vista 
dos EUA, é urgente neutralizar a liderança da China em quatro 
áreas: a fabricação de celulares, as telecomunicações da quinta ge-
ração (a inteligência artificial), os automóveis elétricos e as ener-
gias renováveis.
A sociologia das ausências. Uma pandemia desta dimensão 
causa justificadamente comoção mundial. Apesar de se justificar 
a dramatização é bom ter sempre presente as sombras que a vi-
sibilidade vai criando. Por exemplo, os Médicos Sem Fronteiras 
alertam para a extrema vulnerabilidade ao vírus por parte dos 
muitos milhares de refugiados e imigrantes detidos nos campos de 
internamento na Grécia. Num desses campos (campo de Moria) 
há uma torneira de água para 1300 pessoas e falta sabão. Os in-
ternados não podem viver senão colados uns aos outros. Famílias 
de cinco ou seis pessoas dormem num espaço com menos de três 
metros quadrados. Isto também é Europa – a Europa invisível.
51
NADA MAIS SERÁ COMO ANTES
Ciro Gomes41
Vivemos hoje o impacto da maior crise sanitária desde a gripe espanhola, que se transformou, no Brasil, que já vinha sob o 
jugo de uma longa estagnação, na maior crise econômica de nossa 
história. No momento em que entrego esse texto para considera-
ção dos organizadores desse livro, ainda é cedo para estimar como 
vamos sair desse drama político, econômico e principalmente sani-
tário. Mas, como quer que saiamos, acredito que o Brasil e o mundo 
nunca mais serão os mesmos.
Essa pandemia materializou alguns dos piores temores que 
tenho abordado ao longo de minha militância nos últimos cinco 
anos. Neste texto, quero levar principalmente quatro conjuntos 
de considerações para vocês sobre a crise mundial e brasileira do 
COVID-19. Primeiro, as medidas sanitárias que devem ser toma-
das, de acordo com os especialistas, para diminuir o número de 
mortes, mas o que é minha seara, que medidas econômicas e ad-
ministrativas tem que ser adotadas em conjunto para viabilizar as 
sanitárias. Segundo, a evidenciação pela crise do que tenho defen-
dido há anos: a necessidade de termos um complexo industrial de 
saúde forte e soberano. Terceiro, a impotência do neoliberalismo 
diante de um quadro pandêmico. Quarto, a possibilidade de que 
essa crise gere uma mudança de hábitos e tomada de consciência 
41 Advogado. Professor de Direito Constitucional. Foi Prefeito de Fortaleza, 
Governador do Ceará, Deputado Federal e Ministro de Estado da Fazenda e da 
Integração Nacional. Candidato a Presidente da República em 1998, 2002 e 2018.
52
de uma parte maior da humanidade sobre a loucura do rumo que 
estamos tomando.
O que fazer agora?
Neste momento, é terrivelmente falso afirmar que “primeiro a 
gente cuida da vida das pessoas, depois da economia”, pois se a 
economia se desintegrar, a saúde e a vida das pessoas se desintegra-
rão juntos. Também é terrivelmente falso, e perverso, afirmar que 
a gente “tem que cuidar da economia primeiro senão vai ser pior 
para a vida dos pobres” porque se a saúde pública se desintegrar, a 
economia desintegra junto.
As medidas necessárias a serem tomadas são simultâneas no 
campo da saúde pública e da economia. Não só para salvar a maior 
quantidade de vidas humanas, como para garantir a menor desor-
ganização de nossa economia. 
A única opção moralmente responsável nesse cenário de incer-
teza é nos basearmos no melhor que a ciência tem a oferecer para 
tomar nossas decisões. E segundo ela, precisamos radicalizar a 
quarentena e o isolamento social, com testes maciços. 
Este livro terá especialistas muito mais gabaritados do que eu 
para abordar em detalhes esse problema. Mas não é difícil enten-
der que com um vírus que tem uma taxa de letalidade alta e uma 
transmissibilidade idem, o isolamento social de todos aqueles que 
não estãodiretamente envolvidos na manutenção de atividades es-
senciais cumpre o objetivo de distribuir ao longo do tempo o con-
tágio com o vírus e ganhar tempo para preparar os hospitais, testar 
medicamentos paliativos e diminuir a quantidade de doentes na 
rede de saúde.
A tragédia em Milão e em Nova York nos ensina bem o que 
acontece quando isso não é feito.
53
Só que para garantir o isolamento da maioria da população é 
preciso garantir sua sobrevivência, e isso só pode ser feito com po-
derosos pacotes fiscais para financiar a renda das pessoas e das em-
presas, salvando nossa economia. 
A rapidez de todas essas medidas é vital.
Mesmo o ministério da Saúde tem gerido terrivelmente a crise 
até o momento. Ainda sob o comando do Ex-ministro da Saúde 
Henrique Mandetta, passou dois meses sem efetuar qualquer con-
trole de entrada no país de cidadãos vindos da Itália e Espanha, 
assim como impediu o início do isolamento em Brasília quando 
surgiram os primeiros casos de transmissão comunitária na cidade. 
Com dois meses de dianteira para preparar o país para a falta de 
UTIs e respiradores, nada fez. Ainda hoje, o Brasil é o último colo-
cado no mundo em testes por população, que é o que nos poderia 
dar não só a exata dimensão da extensão da doença como o cami-
nho para uma flexibilização futura segura do confinamento.
Não podemos deixar de reconhecer, no entanto, que a maior 
responsabilidade por essa irresponsabilidade assassina com o povo 
brasileiro foi da personagem inqualificável que se encontra agora 
no mais alto cargo executivo brasileiro, um genocida que aposta 
no caos econômico e social por inconfessáveis interesses políticos.
O resultado dessa crise que tem alta possiblidade de previsibili-
dade seguindo os ditames da ciência e o valor da vida em primeiro 
lugar, se torna, na ausência disso, imprevisível.
As lideranças políticas brasileiras, que hoje se articulam ao redor 
do Congresso Nacional e dos governadores, assumiram a frente da 
resolução desses graves problemas. É a política, principalmente, 
que deverá proteger o país na crise, e implementar as profundas 
transformações que o Brasil precisará para sair dela.
Nesse momento, não resta opção, o Estado brasileiro terá que 
aumentar seu endividamento, e é isso o que estão fazendo todas as 
economias desenvolvidas do mundo.
54
O consenso em torno dessas pesadas políticas fiscais anticíclicas 
se formou rapidamente entre todos os economistas, mesmo conser-
vadores. É o esforço que está sendo feito e liderado no mundo todo 
pelos governos centrais. Menos no Brasil.
O dinheiro a ser liberado pelo governo para os cidadãos que fi-
caram sem fonte de renda tem que ser carimbado, em cartão espe-
cial da Caixa, só podendo ser gasto em empresas e estabelecimentos 
que aderirem a um termo de compromisso de não demitir durante 
o período. E o depósito compulsório só poderia ser liberado para 
bancos que se comprometam a não cobrar juros durante o período 
e a emprestar para as empresas que necessitam.
Há, no momento em que escrevo, R$1,35 TRILHÃO no caixa 
único do tesouro nacional e mais de 300 bilhões de dólares em 
nossas reservas. Parte disto está já liberado (o suficiente para três 
meses da renda mínima, pelo menos equivalente a R$ 100 bilhões). 
A outra parte está vinculada a fundos, exigibilidades financeiras, 
regra de ouro, teto de gastos, enfim, travas institucionais perfeita-
mente removíveis por ação legislativa do Congresso Nacional ou 
liminares judiciais praticáveis ante o estado de calamidade pública 
já declarado.
A conta desse aumento de endividamento, no entanto, vai 
chegar. E no momento em que ela chegar no segundo país mais 
desigual do mundo, o nosso conflito distributivo se tornará mais 
evidente e feroz.
O equilíbrio futuro de nossas contas pode ser facilmente alcan-
çado cobrando daqueles que sempre foram privilegiados na so-
ciedade semi-escravagista brasileira. Num país onde seis pessoas 
detém a mesma riqueza que a metade mais pobre da população, 
chegou a hora de pagarem a conta.
Deveríamos adotar o imposto progressivo sobre grandes fortu-
nas (que consta em nossa Constituição e nunca foi regulamentado), 
mesmo que, provisoriamente, cobrando algo entre 0,5% sobre pa-
trimônios superiores a R$22 milhões de reais, aumentar o imposto 
55
sobre heranças em caráter emergencial e o imposto de renda pro-
gressivo sobre lucros e dividendos empresariais, que juntos, arreca-
dariam, em um ano, ao redor de R$ 200 bilhões.
Temos que rever todas as renúncias fiscais hoje existentes no 
valor de R$320 bilhões por ano, além de promover um corte de 
saída de 20% nelas.
Essas medidas ajudariam a manter nossa dívida sob controle.
Porque o equilíbrio fiscal não é uma vaca sagrada, mas ele é 
desejável, uma vez que dinheiro nós podemos criar do nada, mas 
riqueza real não. E um país que mantém saúde fiscal é um país que 
controla a distribuição da riqueza real produzida.
Sem um pacote gigante para os cidadãos e as empresas sobrevi-
verem a essa situação inédita, assistiremos a uma destruição sem 
precedentes da já debilitada economia brasileira.
Infelizmente é para onde caminha o Brasil hoje sob a falta de 
comando de Guedes e Bolsonaro.
Haverá o tempo de cobrarmos as responsabilidades pelo que virá.
Mas no momento em que escrevo estas palavras essa ocasião 
ainda não chegou.
Ainda é tempo de pressionar para que nos unamos na defesa das 
vidas de nosso povo e da sobrevivência de nossas empresas.
A necessidade de um complexo industrial da saúde
A tragédia que se abateu sobre nós tornou mais evidente a ne-
cessidade soberana de termos um complexo industrial da saúde 
forte. Hoje estamos sofrendo não somente com a falta de determi-
nados bens primários de saúde, mas com a própria incapacidade 
de produzi-los rapidamente. De máscaras a respiradores, de roupas 
seguras a reagentes químicos, tudo falta neste país e o governo ge-
nocida ainda fabrica uma crise diplomática com a única nação que 
poderia fornecê-los neste momento para nós.
56
No Brasil todo ano a União importa desde produtos de tecnolo-
gia rudimentar, como camas de hospital, próteses, muletas, cadeiras 
de rodas, até produtos sofisticados, como aparelhos de ressonância 
magnética e de tomografia computadorizada. Segundo estimativa 
de Carlos Gadelha, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), cerca de 
80% dos medicamentos que importamos e dos componentes quí-
micos usados para produzi-los no Brasil se encontram com a pa-
tente vencida. Apenas a prostração ideológica pode justificar que 
essa área, que gera um déficit perene de cerca de US$6 bilhões só na 
conta de medicamentos (sem considerar outros produtos químicos e 
aparelhos hospitalares) e um custo adicional crescente no nosso sis-
tema público de saúde, não tenha até agora sido objeto de um grande 
esforço governamental de desenvolvimento industrial nacional.
O problema das patentes de medicamentos se tornou gravíssi-
mo no país. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), 
órgão público brasileiro responsável pela concessão de patentes, tem 
hoje cerca de 184 mil pedidos de patentes depositadas e não exami-
nadas em função de sua carência crônica de servidores. Essa econo-
mia de milhões de reais em pessoal que deixa de ser contratado gera 
um prejuízo anual de bilhões de reais ao Sistema Único de Saúde 
(SUS). Em 2015, o Ministério da Saúde gastou R$14,8 bilhões com 
medicamentos, 13,7% do seu orçamento total, o que representou um 
crescimento de gastos nessa conta de 74% em relação a 2008.
Esse é o principal componente do problema dos preços de me-
dicamentos no país, e agora, da falta deles. O Brasil hoje está em 
último lugar no ranking de testes de covid-19 por habitante. Em 
grande parte, porque não produz os reagentes necessários para fa-
bricá-los. Agora não é só mais o problema do custo de importação 
da química fina usada na fabricação deles, mas o fato de que todos 
que a podem exportar não podem dispor dela no momento.
Muitos, quando consideram este cenário

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