Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AT 1 POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIAIS 2 3 S U M Á R IO 3 UNIDADE 1 - Introdução 6 UNIDADE 2 - Políticas públicas x políticas sociais 8 UNIDADE 3 - Mobilidade urbana sustentável e a gestão integrada 8 3.1 Sustentabilidade e políticas públicas 11 3.2 A política nacional de mobilidade urbana 13 3.3 Os instrumentos de gestão para a política de mobilidade 15 UNIDADE 4 - Política de mobilidade articulada com política de desenvolvimento urbano 15 4.1 A gestão integrada de políticas públicas urbanas 16 4.2 Habitação 20 4.3 Saneamento ambiental 22 UNIDADE 5 - Seguridade social 22 5.1 Saúde 24 5.2 Assistência social 25 5.3 Previdência social 27 UNIDADE 6 - Cultura, esporte e lazer 29 UNIDADE 7 - Educação 32 UNIDADE 8 - Política agrícola e reforma agrária 35 UNIDADE 9 - Segurança 38 REFERÊNCIAS 2 2 3 1- Um exemplo são os evangélicos, no Brasil. Até cerca de dez anos atrás, eles existiam, mas não tinham efetivo peso político. Hoje são uma parcela importante do eleitorado, com uma bancada própria no Congresso. No caso dos Estados Unidos, um novo ator político, que emergiu em torno da década de setenta, foram os homossexu- ais, que formaram poderosas associações. 2- No caso brasileiro, um exemplo é a reforma agrária. O Estatuto da Terra tem mais de trinta anos de idade, o assunto foi votado na Constituinte, aprovou se mais tarde a Lei Agrária e ainda hoje o problema da reforma agrária não se encontra resolvido. 1 UNIDADE 1 - Introdução Desenhar políticas públicas que aten- dam às várias demandas nos mais varia- dos setores da sociedade é algo que tem se tornado difícil de equalizar nas últimas décadas e os fatores são muitos, dentre eles, a restrição de gastos que vem do- minando a agenda da maioria dos países, principalmente aqueles em desenvolvi- mento como o Brasil. O ajuste fiscal que busca equilibrar re- ceitas e despesas também acaba impon- do restrições à intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais. Um terceiro fator apontado por Souza (2006), mais diretamente relacionado aos países em desenvolvimento e de demo- cracia recente ou recém-democratizados, é que, na maioria desses países, em espe- cial os da América Latina, ainda não se con- seguiu formar coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econô- mico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população. Respostas a este desafio não são fáceis nem claras ou consensuais. Elas dependem de muitos fatores externos e internos. No entanto, o desenho das políticas públicas e as re- gras que regem suas decisões, elaboração e implementação, também influenciam os resultados dos conflitos inerentes às de- cisões sobre política pública. Quanto às demandas, Rua (1997) nos lembra que podem ser de três tipos: as de- mandas novas, as demandas recorrentes e as demandas reprimidas. a) As demandas novas são aquelas que resultam do surgimento de novos atores políticos ou de novos problemas. Novos atores são aqueles que já existiam antes, mas não eram organizados; quando pas- sam a se organizar para pressionar o sis- tema político, aparecem como novos ato- res políticos . Novos problemas, por sua vez, são pro- blemas que ou não existiam efetivamen- te antes – como a AIDS, por exemplo – ou que existiam apenas como “estados de coisas”, pois não chegavam a pressionar o sistema e se apresentar como problemas políticos a exigirem solução. Um exemplo é a questão ambiental. b) As demandas recorrentes são aque- las que expressam problemas não resolvi- dos ou mal resolvidos, e que estão sempre voltando a aparecer no debate político e na agenda governamental . Quando se acumulam as demandas e o sistema não consegue encaminhar solu- ções aceitáveis, ocorre o que se denomi- na “sobrecarga de demandas”: uma crise que ameaça a estabilidade do sistema. Dependendo da sua gravidade e da sua duração, pode levar até mesmo à ruptura institucional. Mesmo que isto não ocorra, o sistema passa a lidar com crises de go- vernabilidade: pressões resultantes da combinação do excesso ou complexidade de demandas – novas ou recorrentes – com withinputs contraditórios e redução 2 3 4 5 do apoio ou suporte. c) As demandas reprimidas são aquelas constituídas por “estados de coisas” ou por não decisões. A não decisão não se refere à ausên- cia de decisão sobre uma questão que foi incluída na agenda política. Isso seria, mais propriamente, resultado do emper- ramento do processo decisório. Não deci- são significa que determinadas temáticas que ameaçam fortes interesses, ou que contrariam os códigos de valores de uma sociedade (e, da mesma forma, ameaçam interesses) encontram obstáculos diver- sos e de variada intensidade à sua trans- formação de um estado de coisas em um problema político – e, portanto, à sua in- clusão na agenda governamental. Um estado de coisas geralmente se transforma em problema político quando mobiliza ação política . Para que uma situ- ação ou estado de coisas se torne um pro- blema político e passe a figurar como um item prioritário da agenda governamental é necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características: c.1) mobilize ação política – seja ação coletiva de grandes grupos, seja ação co- letiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, seja ação de atores individuais estrategicamente situ- ados; c.2) constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não resolver o problema seja maior que o ônus de resolvê lo; c.3) constitua uma situação de opor- tunidade, ou seja, haja vantagens, ante- vistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele pro- blema. Ao deixar de ser um estado de coisas e se transformar em um problema polí- tico, uma questão ou demanda, torna se um input, passando a incluir se na agenda governamental. A partir desse momento, inicia se o momento de formulação das al- ternativas (RUA, 1997). Pois bem, ao longo deste módulo, va- mos discutir políticas públicas e sociais e o que foi e vem sendo proposto no Brasil nas últimas décadas, ressaltando ser um grande desafio governar com a socieda- de, uma vez que esta tem se mostrado o melhor caminho para obter efetividade das políticas públicas, afinal de contas, o grande beneficiário é justamente a popu- lação. A participação do cidadão e o estabele- cimento de parcerias ajudam, e muito, na transformação da cultura da desconfian- ça e do curto prazo em uma cultura de co- laboração e de longo prazo. O valor público não é mais fornecido apenas pelo governo, mas sim pela cola- boração. Compartilhar o conhecimento a partir da abertura do processo de cons- trução e de aplicação desse conhecimen- to, assim como a construção de novas relações e parcerias na prestação de ser- viços, são as bases do governo do século XXI. E, mais do que isso, os governos de- vem ser capazes de transformar o conhe- cimento coletivo em inteligência a partir, por exemplo, da avaliação e da análise semântica da discussão sobre elaboração e aplicação de políticas públicas por faci- litadores, experts e sistemas inteligentes (ANGELIS, 2015). 3-Pode corresponder à ação de coletividades, como aconteceu na década de sessenta com o movimento negro e com o movimento feminista. Ou pode ser ação de atores estratégicos, como vem ocor- rendo com a questão ecológica. Ou podem ser as duas coisas jun- tas, como aconteceu com o movimento pelas Diretas Já. Em geral, é a percepção de um “mal público”, além de situações como crises e catástrofes, que frequentemente desencadeia a ação em tomo de um estado de coisas, transformando o em problema político. 3 4 5 Aosnovos gestores, cabe ainda lem- brar que o processo de humanização bus- ca transformar servidores públicos egoís- tas em pessoas capazes de pensar e agir como um ser humano em busca do inte- resse público num contexto global, e não simplesmente como pertencente a um “seleto grupo” de dependentes da máqui- na pública. Ressaltamos em primeiro lugar que em- bora a escrita acadêmica tenha como pre- missa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clás- sicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o cará- ter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de re- ferências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora so- mente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgi- rem ao longo dos estudos. 6 7 UNIDADE 2 - Políticas públicas x políticas sociais Passamos já por vários módulos apre- sentando conceitos, definições, atores, tipologias e o ciclo de políticas públicas, mas ainda cabe outras assertivas e co- mentos antes de falarmos propriamente dos campos em que elas atuam. Estamos falando especificamente de políticas públicas e políticas sociais. Denomina-se política, a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado. Em um Estado democrático, essa gover- nabilidade é exercida pelo poder público, via representantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente, pelo povo (MA- CHADO; KYOSEN, 2000). Assim, a política tem como objetivo es- tabelecer os princípios que se mostrem in- dispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, quanto seja o desejo de conduzir o Estado ao cumprimento de suas precípuas finalidades, isto é, em me- lhor proveito dos governados. A política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis, ao bom governo de um povo, dentro das quais devem ser estabe- lecidas as normas jurídicas necessárias ao bom funcionamento das instituições ad- ministrativas do Estado. Quando o Estado busca, em suas rea- lizações, o atendimento a necessidades sociais básicas da população, seja através de garantias e ações concernentes à as- sistência social, saúde, educação, segu- rança, entre outras, verifica-se a imple- mentação e efetivação da política social por parte daquele. Apesar de surgir como uma concepção universalista, por exemplo, na França, pós-revolução de 1789, com o passar do tempo vai ganhando uma conotação mais focalizada – destinada aos mais “desfavo- recidos”, como políticas compensatórias promovidas pelo Estado para minimizar a “questão social” (a forma como as elites político-econômicas chamavam as epi- demias, os enormes contingentes de de- sempregados, a violência urbana e as ma- nifestações populares contra a pobreza e a exploração fabril). Somente no século XX, em especial na Europa Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial, é que ressurge a ideia de política pública como um direito que todo cidadão possui, independente da sua condição social. Assim, as políticas públicas sociais são um dos principais instrumentos de inte- gração entre Estado, governos e socie- dade, e, por isso, torna-se indispensável entender os fatores históricos, políticos, culturais e ideológicos, bem como os mo- vimentos sociais que desencadearam os construtos político-sociais do Estado como promotor de bens e serviços públi- cos, percebendo seu papel dentro do qua- dro das ideias neoliberais apresentadas pela dinâmica do Estado contemporâneo no qual nos situamos hoje, compreenden- do a importância das políticas públicas sociais como instrumento de desenvolvi- mento e inclusão social (PEREIRA; SILVA, 2014). Guarde... Política Pública é um conceito muito utilizado no discurso dos gestores e das 6 6 7 lideranças da sociedade civil, mas dificil- mente paramos para pensar em seu sig- nificado. Sua caracterização foi necessá- ria quando, em dado momento da história moderna, as pessoas perceberam que a burocracia estatal não deveria apenas ga- rantir a ordem e a segurança social, mas também prover serviços destinados a di- minuir as desigualdades sociais e promo- ver o crescimento econômico. Portanto, política pública compreende o conjunto de intervenções e ações do Estado orienta- das para a geração de impactos nas rela- ções sociais, sendo as mais conhecidas, as políticas de educação, saúde, assistência social, transporte e habitação, entre ou- tras (SANTOS, 2009). A expressão “política social” refere- -se às políticas consideradas do ponto de vista setorial, ou de uma questão pública em particular da sociedade. Entre elas, incluem-se as de educação, saúde, trans- portes, entre tantas outras (HEIDEMANN, 2010). Pode-se dizer que toda política social é uma política pública, no entanto, nem toda política pública é uma política social, ou seja, as políticas sociais se configuram em um subconjunto de um conjunto maior que denominamos políticas públicas. As- sim, as políticas sociais são direcionadas a aspectos particulares da sociedade e por isso são consideradas políticas setoriais. 7 8 9 UNIDADE 3 - Mobilidade urbana sustentá- vel e a gestão integrada 8 A política de mobilidade urbana se relaciona intimamente com a sustentabilidade, possibilitando-nos caminhar em direção a um futuro que privilegie o bem-estar das pessoas, um dos direitos fundamentais do ser humano. Como afirmam Gomide e Carvalho (2016), a mobilidade urbana é fator fundamental para que as pessoas realizem as atividades indispensáveis a seu pleno desenvolvimento humano, além de imprescindível para o desenvolvimento econômico das cidades. Portanto, a existência de uma rede de serviços de transportes coletivos é a forma mais eficaz e sustentável de se garantir a sustentabilidade socioeconômica e ambiental das cidades. A mobilidade também faz parte de uma gestão integrada, visto as profundas transformações urbanas que se apresentam ao longo das últimas décadas. Déficit habitacional, acesso precário da população de baixa renda aos equipamentos e serviços públicos, degradação ambiental que acompanha o desenvolvimento urbano e essa precariedade do sistema de mobilidade, que afeta todos os cidadãos e de forma especial os moradores mais carentes, localizados na periferia das grandes cidades, são alguns dos grandes e emergentes problemas enfrentados pela população e que merecem atenção do poder público, vias políticas específicas. Com isso queremos justificar a inserção de várias vertentes das políticas públicas nesta unidade, como a habitacional, saneamento e meio ambiente. 3.1 Sustentabilidade e polí- ticas públicas A palavra sustentabilidade surgiu em 1987, mais precisamente derivando de “desenvolvimento sustentável” quando houve a publicação do Relatório Brundtland, o qual destacou o fato de que os atuais padrões de consumo de 8 99 recursos e degradação ambiental não poderia continuar como estavam, e para reduzir o problema que nos deparavam, a sociedade deveria agir como um todo. O Relatório Brundtland salientou o fato de que o desenvolvimento sustentável deve ser empregado para garantir os recursos da terra, assim, melhorar o bem-estar social e criando uma melhor qualidade de vida para as gerações futuras. Foi o primeiro relatório a usar o termo “desenvolvimento sustentável” e definiu-o como: “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras desatisfazerem suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1987 apud GARCIA, 2009). Renovado interesse público nas questões ambientais foi associado com um aumento significativo na regulamentação ambiental, através dos Programas de Ação da Comunidade Europeia. Segundo o Instituto Ethos, o Brasil vem buscando, por meio de políticas públicas claras, incentivar a criação de instrumentos que promovam o envolvimento de empresas e da sociedade no trabalho de constituição de um sistema sustentável, principalmente do ponto de vista das mudanças de atitude. Muito disso é resultado das necessidades indicadas pela iniciativa privada. Um exemplo de medida eficiente é transformar em regras as boas práticas empresariais, nas suas diversas searas – seja no modo de produção, seja na substituição de recursos naturais –, consolidando-as como padrão geral. E os meios que podem ser utilizados para transformar boas práticas em normas são a regulamentação pública e a autorregulação setorial, muitas vezes utilizadas conjuntamente. Nesse sentido, a indução de políticas públicas utilizaria as organizações já comprometidas com pelo menos parte das mudanças necessárias como apoio ao engajamento do mercado em que estão inseridas, provocando ações estruturais que resultariam em alterações relevantes nos perfis da produção, do consumo e da distribuição de renda. Considerando um objetivo mais abrangente, a adoção de políticas públicas representa ampliar o leque contributivo das ferramentas já criadas pelas próprias empresas para promover avanços concretos na implantação de uma nova economia, equilibrando o patamar das práticas de Responsabilidade Social Empresarial. Além disso, as políticas públicas devem prever que práticas voltadas para o desenvolvimento sustentável, que já produzem algum resultado, devem ser identificadas e reconhecidas, de forma que o ciclo de investimentos e de desenvolvimento de ações positivas permaneça sempre em atividade (INSTITUTO ETHOS, 2016). Nessa direção, podemos fazer algumas analogias e inferir que a sustentabilidade está relacionada ao bem-estar social, econômico e ambiental, bem como se relaciona à qualidade de vida das pessoas e às condições dos equipamentos e serviços públicos oferecidos. Nesse sentido, as condições de acesso e dos serviços de transportes, ou seja, as condições 10 11 da mobilidade urbana apresentam-se como um elemento importante para o desenvolvimento sustentável das cidades. Sendo assim, a gestão de transportes deve contemplar o contexto socioeconômico da cidade, visando proporcionar acesso aos bens e serviços de forma eficiente para todos, mantendo ou melhorando a qualidade de vida da população atual, sem comprometer as futuras gerações (CAMPOS, 2006). Por esse motivo, as intervenções no sistema de transportes devem ter o objetivo de diminuir os impactos ambientais e promover o seu funcionamento de modo mais eficiente, buscando soluções para os problemas enfrentados pelo trânsito nas áreas urbanas e permitindo que as cidades se desenvolvam garantindo-se às gerações futuras o direito à acessibilidade universal, como pressuposto do direito à cidadania e à equidade (SILVA, 2004). Desta forma, surge a necessidade de políticas públicas de mobilidade urbana integradas com as diversas áreas de planejamento urbano, que busquem soluções efetivas para as condições de deslocamento, não apenas para remediar problemas atuais, mas que possam ser reproduzidas futuramente e que surtam efeitos a médio e longo prazo, permitindo o desenvolvimento social, econômico e ambientalmente sustentável das cidades. Entretanto, o planejamento de transportes apresenta-se como um desafio para os gestores de mobilidade urbana nas cidades brasileiras. O modelo de urbanização brasileiro construiu cidades caracterizadas pela fragmentação do espaço e pela exclusão social e territorial, que resultou num espaço desigual que reforça a injustiça social nas cidades e diminui a qualidade de vida das pessoas (BOARETO, 2008). A reversão do quadro crítico das condições de transporte exige a coordenação de ações governamentais de forma a assumir a política urbana e superar a cultura de fragmentação da gestão, que separa as políticas (habitação, saneamento ambiental, mobilidade), gerando desperdício de recursos, ineficiência e reprodução das desigualdades sócio-espaciais nas cidades brasileiras (MCIDADES, 2004). É nesse caminho que podemos ver as políticas públicas de Mobilidade Urbana Sustentável buscando soluções para os problemas de transportes, considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais da sociedade envolvida. Tal abordagem torna-se muito complexa, uma vez que para trazer contribuição efetiva, as políticas públicas de mobilidade urbana enfrentam sérios desafios na sua implementação, que precisam ser ultrapassados com o envolvimento de toda a sociedade e com a boa vontade política na implementação de medidas que tragam resultados positivos para os problemas de mobilidade urbana (SIQUEIRA; LIMA, 2015). Guarde... O conceito de sustentabilidade relaciona-se com a capacidade de manter algo constante, ou estável, por longo período. A sustentabilidade ambiental das cidades pode ser entendida como a sua capacidade de manter o meio ambiente interno e externo de forma constante ou estável por um determinado 10 11 período de tempo. Além de ambiental, a sustentabilidade também pode ser informacional (REZENDE; OLIVEIRA, 2004). 3.2 A política nacional de mobilidade urbana Em 03 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.587, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, com vistas a contribuir na instituição de diretrizes e dotar os municípios de instrumentos para melhorar as condições de mobilidade nas cidades brasileiras. Foram 17 anos tramitando no Congresso Nacional! Iniciando com projetos de lei, como as PL nº 694/1995 PL nº 1.687/2007 passando pelo Estatuto das Cidades (a Lei 10.257/2001), pelas Diretrizes Gerais e Instrumentos da Política Urbana (Obrigatoriedade de Plano de Transporte Integrado para municípios com mais de 500 mil habitantes) e pela criação do Ministério das Cidades – Conselho das Cidades, em 2003. São princípios desta política: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável; equidade no acesso ao transporte público coletivo; eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte e na circulação urbana; segurança nos deslocamentos; justa distribuição dos benefícios e ônus no uso dos diferentes modos; equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros. Importante ressaltar que a lei prioriza: não motorizados sobre motorizados; transporte público coletivo sobre individual motorizado. A Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável (PNMUS), como resultado do processo de construção do conceito de mobilidade sustentável no Brasil, traz a ideia de que o desenvolvimento urbano deve ser centrado nas pessoas que transitam, buscando construir cidades justas, que respeitem o direito à cidadania e a satisfação individual e coletiva em alcançar os destinos desejados. Abaixo temos uma ilustração da hierarquia segundo a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Quanto às atribuições dos entes federativos, ou seja, União, Estados e Municípios, o quadro abaixo apresenta de maneira concisa essas atribuições: 12 13 Mas, o que é mesmo “mobilidade urbana”? A mobilidade urbana é o resultado da interação dos fluxos de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, contemplando tanto os fluxos motorizados quanto os não motorizados. Ela é, portanto, umatributo da cidade e é determinada, principalmente, pelo desenvolvimento socioeconômico, pela apropriação do espaço e pela evolução tecnológica, enquanto o transporte urbano refere-se estritamente aos serviços e modos de transportes utilizados nos deslocamentos dentro do espaço urbano. A promoção da mobilidade urbana compreende a construção de um sistema que garanta e facilite aos cidadãos – hoje e no futuro – o acesso físico às oportunidades e às funções econômicas e sociais das cidades. Trata-se de um sistema estruturado e organizado que compreende os vários modos e infraestruturas de transporte e circulação e que mantém fortes relações com outros sistemas e políticas urbanas. A ideia de mobilidade é centrada nas pessoas que transitam e requer que seja possibilitada a todos a satisfação individual e coletiva de atingir os destinos desejados, as necessidades e prazeres cotidianos. Passa-se agora a valorizar, no desenvolvimento urbano, as demandas de mobilidade peculiares dos usuários em geral e particularmente as necessidades dos usuários mais frágeis do sistema, como as crianças, as pessoas com deficiência e os idosos (BERGMAN; RABI, 2005, p. 11). A promoção da mobilidade urbana requer a ênfase no transporte público coletivo e não no transporte individual, o que significa, ao mesmo tempo, uma orientação de inclusão social, de racionalidade de investimentos públicos e de redução de congestionamentos, Fonte: Martorelli (2013). 12 13 poluição e acidentes. Os equipamentos e infraestruturas de transporte, circulação e distribuição – tanto de objetos quanto de pessoas – fazem da mobilidade urbana um elemento decisivo na conformação das possibilidades de desenvolvimento de uma cidade. As cidades que implementam políticas sustentáveis de mobilidade oferecem um maior dinamismo das funções urbanas, numa maior e melhor circulação de pessoas, bens e mercadorias, que se traduzem na valorização do espaço público, na sustentabilidade e no desenvolvimento econômico e social. Do ponto de vista da gestão pública, é preciso deixar claras as prioridades e tomar atitudes coerentes com essas prioridades estabelecidas. Assim, por exemplo, se a prioridade é o incentivo ao transporte público eficiente e a melhoria da circulação no centro, poderá ser necessário o desestímulo à circulação de automóveis em áreas centrais (BERGMAN; RABI, 2005, p. 11). 3.3 Os instrumentos de ges- tão para a política de mobi- lidade Os planos de mobilidade são instrumentos de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012), cabendo aos gestores municipais a responsabilidade por sua elaboração, implementação e avaliação em conformidade com os princípios, objetivos e diretrizes promulgadas pela Lei n° 12.587/2012. Esta estabelece que os municípios acima de 20 mil habitantes e todos aqueles obrigados, pelo Estatuto da Cidade, terão que elaborar seus planos de mobilidade urbana integrados ao plano diretor dos municípios. Além disso, os planos de mobilidade devem contemplar um conteúdo mínimo a ser observado por meio de um conjunto de elementos (Art.24 – itens I a XI) para sua elaboração (DE CASTRO; BALASSIANO, 2015). Como a finalidade dos planos de mobilidade urbana nos municípios é promover a melhoria da mobilidade, é importante traduzir os objetivos desses planos em metas a serem alcançadas no curto, médio e longo prazo por meio de ações estratégicas. Será na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) que os gestores municipais encontrarão um conjunto de instrumentos que podem ser utilizados na gestão da mobilidade. O principal deles é o Plano Municipal de Mobilidade Urbana, e estes devem integrar o planejamento urbano, transporte e uso do solo, observando os princípios de sustentabilidade e equidade social para desestimular o uso do transporte individual motorizado (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2015). Na prática, são instrumentos de gestão no tocante à mobilidade urbana: faixas exclusivas de ônibus, ciclovias e ciclofaixas; restrição e controle de acesso de veículos motorizados; estipulação de padrões, monitoramento e controle de emissão de poluentes, podendo haver controle de acesso de veículos motorizados; pedágio urbano, com aplicação exclusiva da receita em infraestrutura urbana de transporte público coletivo, não motorizados e financiamento do subsídio 14 1514 público da tarifa; política de estacionamentos de uso público e privado, com e sem pagamento; controle da circulação e operação do transporte de carga. Certo é que a melhoria da oferta de serviços de transporte coletivo e das condições de acessibilidade urbana da população tem papel importante para a efetividade das políticas sociais, pois elas contribuem para o acesso das pessoas aos equipamentos básicos e para a igualdade de oportunidades (por exemplo, não adianta oferecer atendimento de saúde gratuito se uma pessoa não tem o transporte para chegar ao hospital) (GOMIDE, 2006). No mesmo caminho, frise-se que as políticas públicas relacionadas às cidades, como espaço de vivência e convivência, precisam considerar a mobilidade como um fator para o acesso democrático a todas as atividades oferecidas aos seus habitantes. Diante dessa proposição, Modin-Gomide (2006) considera indispensáveis as condições de acessibilidade do cidadão brasileiro a bens sociais que significam participação democrática e exercício da cidadania. Compreende-se, então que a mobilidade, no espaço urbano deve ser garantida a todos pelo sistema de transporte. 14 1515 UNIDADE 4 - Política de mobilidade articula- da com política de desenvolvimento urbano 4.1 A gestão integrada de políticas públicas urbanas Segundo Bergman e Rabi (2005), a im- plementação da política de mobilidade, além da articulação intergovernamental, baseia-se na articulação e na integração de diversos setores da administração lo- cal e supralocal que normalmente agem e se fortalecem de forma independente: urbano, ambiental, social, obras e servi- ços públicos, entre outros. Para lograr a sustentabilidade, novas formas institu- cionais ou procedimentos operacionais deverão ser postos em prática para in- cluir, além dos trabalhos de integração, a participação dos usuários nas decisões e na gestão dos sistemas para assegurar o atendimento às demandas e a qualidade dos serviços. Na gestão das cidades, especialmente nas Regiões Metropolitanas e aglomera- dos, à ocupação desordenada dos espaços urbanos e ao crescimento das demandas por locomoção, acrescenta-se a deficiên- cia ou a falta de instituições capazes de planejar e de articular efetivamente polí- ticas que constituem as partes do siste- ma de mobilidade. Os seguintes aspectos devem ser considerados na construção de uma gestão integrada da política: a promoção de formas de raciona- lização, integração e complementaridade de ações entre entes federados na orga- nização do espaço urbano e dos sistemas integrados de transporte; o fortalecimento institucional, do planejamento e da gestão local da mobili- dade urbana; o reconhecimento da importância de uma gestão democrática e participati- va das cidades propiciando formas de in- clusão social; a garantia de maior nível de inte- gração e compromisso entre as políticas de transporte, circulação, habitação, sa- neamento ambiental e uso do solo; a promoção de condições para a realização de parcerias entre os setores público e privado que possam responder pelos investimentos necessários para su- prir as carências existentes nos sistemas de transportes e pactuar mecanismos que assegurem a própria melhoria da qualida- de urbana; a priorização de ações que contri- buam para oaumento da inclusão social, da qualidade de vida e da solidariedade nas cidades brasileiras; a construção de indicadores de mo- bilidade adequados, que consigam captar a complexidade dos sistemas de mobilida- de e os fatores que determinam as esco- lhas de mobilidade pelos indivíduos e, ao mesmo tempo, se constituam em instru- mentos de facilitação da comunicação do estado com a sociedade. Além disso, para a implementação de uma política de mobilidade urbana sus- tentável, é fundamental que as políticas de transporte, circulação, acessibilidade e trânsito estejam articuladas com a polí- tica de desenvolvimento urbano e com a implementação de políticas urbanas es- pecíficas, como a política ambiental, habi- tacional, de recuperação de áreas urbanas centrais, além das interfaces já examina- das com as políticas e leis relativas ao or- 16 17 denamento territorial (BERGMAN; RABI, 2005). 4.2 Habitação A década de 1930 (período do governo Vargas) pode ser considerada um mar- co para as mudanças que começariam a acontecer em relação à moradia no Bra- sil. Como diz Bonduki (1994), tratava-se do momento em que o Estado brasileiro passaria a intervir tanto no processo de produção como no mercado de aluguel, abandonando a postura de deixar a ques- tão da construção, comercialização, fi- nanciamento e locação habitacional às “li- vres forças do mercado”, que vigorou até então. Essa nova postura do Estado brasi- leiro na questão da habitação seria parte integrante de uma estratégia muito mais ampla, colocada em prática pelo governo Vargas, de impulsionar a formação e for- talecimento de uma sociedade de cunho urbano-industrial, capitalista, mediante uma forte intervenção estatal em todos os âmbitos da atividade econômica. Entre as medidas mais importantes im- plementadas pelo governo no que diz res- peito à questão habitacional, estiveram o decreto-lei do inquilinato, em 1942, que, congelando os aluguéis, passou a regula- mentar as relações entre locadores e in- quilinos, a criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Previ- dência e da Fundação da Casa Popular que deram início à produção estatal de mora- dias subsidiadas e, em parte, viabilizaram o financiamento da promoção imobiliária, e o Decreto-Lei n° 58 que regulamentou a venda de lotes urbanos a prestações. De acordo com Rolnik (1981), fiel ao li- beralismo predominante, o Estado privile- giava a produção privada e recusava a in- tervenção direta no âmbito da construção de casas para os trabalhadores. Assim, suas iniciativas restringiam-se à repres- são às situações mais graves de insalubri- dade, via legislação sanitária e ação poli- cial, e à concessão de isenções fiscais que beneficiavam basicamente os proprietá- rios de casas de locação, ampliando sua rentabilidade. Para Bonduki (1994), a produção da moradia operária no período de implanta- ção e consolidação das relações de produ- ção capitalistas e de criação do mercado de trabalho livre, que corresponde aos pri- mórdios do regime republicano, era uma atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na cons- trução ou aquisição de casas de aluguel. A estrutura da economia brasileira es- tava centrada nas atividades agroexpor- tadoras, havendo nas cidades forte pre- domínio do comércio sobre a produção e ocupando a indústria um papel subordi- nado e secundário. Dada a reduzida ca- pacidade de a indústria absorver novos e crescentes investimentos, o “negócio” de possuir casas de aluguel era uma segura e excelente forma de rentabilizar poupan- ças e recursos disponíveis na economia urbana, fortemente aquecida pela expan- são da atividade agrário-exportadora. Conforme Langenbuch (1971); Melo (1992 apud BONDUKI, 1994), num mo- mento de enorme crescimento das cida- des brasileiras, principalmente na região Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro, que recebiam forte contin- gente populacional egresso da imigração estrangeira, a valorização imobiliária era acentuada e se constituía numa impor- 16 17 tante opção de investimento para reserva de valor, na ausência de um mercado de ca- pitais. Sinteticamente, pode-se dizer que a re- volução de 1930 marcou um ponto de rup- tura na forma de intervenção do Estado na economia e na regulamentação das relações capital/trabalho. A partir da destruição das regras do jogo que faziam do poder público um mero representante dos interesses da economia agroexportadora, vai-se desen- volver, depois de 1930, um longo processo de criação das novas condições que passam a fazer das atividades urbano-industriais as centrais na nossa economia. A base de sus- tentação política do novo regime teve de ser modificada através da incorporação de novos setores sociais emergentes — entre os quais se destacam as massas populares urbanas (OLIVEIRA, 1971). A necessidade de Vargas em legitimar seu poder a partir de 1930 e o surgimento das massas populares acabou servindo de base para formular uma política econômica e social que, embora contraditória e descon- tínua, apresenta certas características bem definidas. Por volta de 1940, a grande maioria dos trabalhadores e da classe média eram inqui- linos, o aluguel representava uma parcela fixa de grande peso a ser despendida men- salmente, e quando veio a crise pós-1948, o congelamento teve forte impacto para as massas urbanas. É difícil estimar o total de famílias des- pejadas durante o período mais agudo da crise de habitação, entre 1945 e 1948. Uma estimativa aproximada calcula que cerca de 10% da população paulistana foi despeja- da neste período. Essa imensa dimensão dos despejos é explicada pelos mecanismos formais e informais que passaram a reger o mercado de locação (BANDUKI, 1994, p. 722). O decreto de 1942 congelou por dois anos todos os aluguéis pelos valores de dezembro de 1941. Os proprietários passaram, assim, a ter rendimentos reais declinantes, sendo fortemente penalizados numa economia crescentemente inflacionada. Sem instru- mentos legais para aumentar os aluguéis, o jeito passou a ser despejar os inquilinos para, na nova situação, elevar os valores lo- cativos, alterar a destinação dos imóveis ou mesmo renovar a construção. Como as novas construções eram insufi- cientes para atender uma demanda crescen- te, o proprietário que tivesse sua casa deso- cupada poderia alugá-la a um preço muitas vezes superior ao valor congelado. Além dis- so, frente à cada vez mais grave falta de mo- radia, os locatários passam a só alugar suas moradias mediante o pagamento antecipa- do de uma quantia fixa, a título de luvas. As- sim, despejar o inquilino antigo passa a ser um excelente negócio, pelo menos a curto prazo, pois com o tempo novamente os alu- guéis tendiam a se desvalorizar. De acordo com Melo (1991) e Aureliano e Azevedo (1980), era preciso então uma ação articulada entre os vários órgãos e ministé- rios que de alguma maneira interferissem na questão. Assim, no governo Dutra, em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular, uma resposta do Estado à crise de moradia no pós-guerra, é, contraditoriamente, o me- lhor exemplo desta ausência de política. Vamos fazer dois saltos no tempo. Um nas décadas de 60 para relembrarmos o famoso BNH e outro na década de 80. Foi no período do regime militar a criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Banco Nacional de Habitação (BNH), pela Lei 4.380 de 21 de março de 1964, que bus- 18 19 cou produzir habitação em massa para ga- rantir a expansão e o crescimento da econo- mia. A intenção principal com o surgimento do BNH era incentivar a indústria de cons- trução civil, na crença de que seus efeitos refletissem positivamente nos demaisseto- res da economia, que se encontravam bas- tante estagnados. Além disso, o surgimen- to do BNH era apoiado pelas classes e pelos setores populares, pois, teoricamente, seria o órgão que lhes financiaria moradias e, ao mesmo tempo, indiretamente, criaria novas alternativas de emprego (SILVA, 1989). O BNH foi concebido como um sistema único e centralizava todas as ações do setor, controlando todas as instituições públicas e privadas e norteando a política habitacional do país. A verba responsável por manter o BNH e financiar os imóveis advinha da ar- recadação do FGTS, criado em 1966. Com esses recursos, representados pelos depó- sitos referentes à parcela de 8% do salário mensal dos trabalhadores, o governo trans- formava, administrativamente, em capital imobiliário, mediante repasses do BNH aos agentes financeiros do setor imobiliário e urbanístico. A partir do final dos anos 80, com a extin- ção do BNH e a tentativa da implantação do modelo de gestão pública participativa e de- mocrática, a política habitacional incorporou a tendência da descentralização, tornando-se responsa- bilidade dos estados e municípios. A partir disso, o papel das instâncias de poder local foi fortalecido e as decisões e alocação dos recursos descentralizados. Dentro dessa nova perspectiva, o progra- ma de construção de moradias para popu- lação de baixa renda deveria considerar as potencialidades locais quanto aos insumos para a construção, a tecnologia disponível e os recursos humanos qualificados como forma de proporcionar o desenvolvimento regional. De acordo com Silva e Shimbo (2004), o Municipalismo e a produção pública da habi- tação, dissociada da ação estatal na esfera federal, têm sido pautados pela ausência de políticas estruturais. O Estado fica à margem de provisão de políticas públicas de habita- ção social, estando essa competência aos municípios. Algumas prefeituras municipais tomam iniciativa na formulação de propos- tas alternativas de ação pública e planeja- mento estratégico, atuando principalmente na urbanização de favelas, em programas especiais nas áreas de risco, na produção de novas moradias por empreiteiras e mu- tirões, na regularização e urbanização de loteamentos irregulares e incrementando o discurso de participação cidadã e geração de renda. Segundo Silva e Shimbo (2004), apesar de algumas experiências inovadoras nas po- líticas habitacionais locais, o que se observa na maioria dos municípios brasileiros é que tais experiências (mutirão, autoconstrução, geração de trabalho e renda, entre outras) têm tido pouco apoio do poder público, e quando o faz compactua com a iniciativa pri- vada, reafirmando interesses do mercado. Dessa forma, as obras de habitação ficam 4- A ação do Banco Nacional de Habitação (BNH) não se limitou apenas à habitação; atuou, também, no setor de desenvolvimento urbano, sendo considerado como um dos mais expressivos agentes financeiros do processo de desenvolvimento urbano. Esse banco financiou obras de infraestrutura urbana: melhorou o sistema viá- rio e pavimentou cidades; bem como aperfeiçoou a rede de energia elétrica, de transportes e de comunicação, incentivou a educação e a cultura, melhorou os serviços públicos, dentre outros. Podemos, então, afirmar que o BNH foi um dos importantes promotores das transformações urbanas no Brasil. O Sistema Financeiro de Habitação – SFH –, gerenciado pelo BNH, foi de fato um instrumento oficial através do qual se estabelece- ram as condições para a capitalização das empresas ligadas à construção civil, além de permitir a estruturação de uma rede de agentes financeiros privados, realizando, assim, o financiamento da produção. 4 18 19 restritas aos modelos propostos por órgãos financiadores, configurando – principalmen- te ao pequeno município – um papel limita- do, na espera por políticas assistencialistas, sem o esforço na elaboração de um projeto coletivo. Arretche (1996) observa que embora te- nham ocorrido importantes iniciativas no sentido de descentralização das políticas públicas, no campo da habitação, pouco se observam movimentos no sentido de alte- ração das bases centralizadas de tomada de decisões. Existe um esforço por parte dos governos estaduais e/ou prefeituras no sentido da constituição de mecanismos locais de formulação e implementação de programas sociais de habitação, ficando tal esforço restringido e obstacularizado pela manutenção da dependência financeira. Em 2003, vimos a criação do Ministério das Cidades que teve como competência tratar da política de desenvolvimento ur- bano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urba- no e trânsito. Nesse mesmo ano ocorreu a Conferência Nacional das Cidades. Em 2004, aconteceu o Conselho das Cidades e a for- mação das Câmaras Técnicas do Conselho das Cidades. Em 2005, foi instituída a Lei nº 11.124/05, junto com a criação do Sistema e do Fundo Nacional de Habitação de Interes- se Social. Aconteceu também a II Conferên- cia Nacional das Cidades. A reorganização institucional e legal do setor de habitação foi feita de modo a re- estruturar o mercado privado de habitação, melhorar o ambiente regulatório, ampliar as formas de captação de recursos para o se- tor, estimular a inclusão de novos agentes, facilitar a promoção imobiliária para atendi- mento de famílias de renda média, ampliar a oferta de crédito imobiliário, estabelecer medidas de incentivo à concessão de finan- ciamento para imóveis de mais baixo valor à taxa de juros menores e apoiar com o incen- tivo tributário brasileiro. Em 2009, é lançado pelo governo federal, o programa “Minha casa minha vida” (PM- CMV), para permitir o acesso à casa própria para famílias de baixa renda. Além do ob- jetivo social, o programa gerou emprego e renda, nos últimos anos, por meio do incre- mento da cadeia produtiva do setor da cons- trução civil. Inicialmente, o PMCMV subsidiou a aqui- sição da casa/apartamento próprio para fa- mílias com renda até R$ 1,6 mil e, facilita as condições de acesso ao imóvel para famílias com renda até R$ 5 mil. As obras do PMCMV estimulam a cadeia produtiva da indústria da construção civil com a geração empregos e renda para mi- lhares de trabalhadores, além de ganhos significativos em escala para o comércio e a indústria nacional. Na política municipal de desenvolvimento urbano, a política de mobilidade se encontra com a política habitacional, que requer que o planejamento e a legislação de uso, ocupa- ção e parcelamento do solo contribuam para viabilizar o acesso ao solo urbanizado para a população de baixa renda (BERGMAN; RABI, 2005). O Ministério das Cidades, em seu Cader- no sobre a Política Nacional de Habitação, publicado em 2004, apontou as seguintes recomendações específicas para a integra- ção entre as políticas de Habitação, Desen- volvimento Urbano e Mobilidade (MCidades, 2004, V.4, pg.51): a) promoção de uma política habitacio- nal voltada para a consolidação das áreas já ocupadas, sobretudo daquelas já providas de infraestrutura de transporte e próximas 20 21 aos locais de atração de viagens; b) promoção de uma política habitacional que incentive a ocupação de vazios urbanos; c) elaboração de projetos de unidades habitacionais e conjunto de moradias que considerem as necessidades especiais de locomoção das pessoas com deficiências; d) elaboração e implantação de projetos de novas unidades habitacionais que pre- vejam o acesso dos moradores a bens, ser- viços e equipamentos nas proximidades, diminuindo a necessidade de viagens moto- rizadas; e) elaboração e implantação de projetos habitacionais que tenham como prioridade o transporte público e coletivo como meca- nismo para assegurar os deslocamentosque serão gerados; f) elaboração e implantação de projetos habitacionais que considerem o desloca- mento do pedestre, incentivando sua práti- ca no sentido de retomada e valorização do espaço público. 4.3 Saneamento ambiental Em conjunto, a Lei 11.445/2007 – mar- co regulatório do saneamento básico; a Lei 11.107/2005 – Lei de Consórcios Públicos; e a Lei 12.305/2010 – que trata do manejo dos resíduos sólidos, sinalizam horizontes de novos avanços para os serviços de sane- amento básico no país (BRASIL, 2014). A Política Nacional de Saneamento Am- biental, Lei nº 11.445/07, evidentemente, é uma política pública e social e institui o Plano Municipal de Saneamento ambiental como instrumento indispensável para a im- plementação de uma política municipal de saneamento que supere a abordagem seto- rial e estanque, tradicional no planejamento e na gestão dos serviços de saneamento. A Lei Federal de Saneamento Básico defi- ne a obrigatoriedade da participação da po- pulação e o controle social em todo o proces- so de formulação da Política, como também na elaboração do Plano, desde a concepção do mesmo. Os administradores e gestores públicos são, dentro de suas prerrogativas constitucionais, os responsáveis pela for- mulação da Política Pública e pelo desenvol- vimento do Plano Municipal de Saneamento Básico (BRASIL, 2014). As propostas de gestão associada para prestação de serviços públicos, previstas na Lei nº 11.107, 06/04/05, dos Consórcios, têm nas áreas temáticas de saneamento ambiental, transporte e trânsito os princi- pais campos de cooperação entre os muni- cípios e entre municípios e os demais entes da Federação (Estado, Distrito Federal e União). São nessas áreas onde são mais sen- tidas as consequências negativas da falta de articulação e integração das políticas pú- blicas, especialmente nos casos de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. A implementação de uma política muni- cipal de saneamento requer não apenas a integração das temáticas do saneamento ambiental (abastecimento de água, esgota- mento sanitário, manejo das águas pluviais e gestão de resíduos sólidos) entre si, mas também com as demais políticas públicas, em especial com as de saúde, meio ambien- te, recursos hídricos, desenvolvimento ur- bano e rural, habitação e desenvolvimento regional (MCIDADES, 2004, V5). A integração com a Política de Mobilida- de se dá no âmbito da implementação da Política de Desenvolvimento Urbano, espe- cialmente na definição da expansão urbana e na implementação de ações coordenadas de urbanização, assim como na articulação de ações para a criação de condições para a moradia como no caso de urbanização de as- 20 21 sentamentos precários, por exemplo. Muitas outras associações entre mobili- dade e saneamento poderiam também ser citadas, como a de localização de equipa- mentos públicos e as diversas inter-relações possíveis entre a implementação de infra- estrutura de saneamento e a de mobilidade. As infraestruturas de mobilidade caracteri- zam-se por ser elementos de estruturação do espaço urbano e, ao propiciar o acesso a novas áreas, de indução do desenvolvi- mento e expansão urbanas. As estruturas de saneamento por sua vez, consolidam as- sentamentos e integram as áreas ocupadas (BERGMAN; RABI, 2005). Guarde... As ações de saneamento ambiental se constituem em uma meta social diante de sua essencialidade à vida humana e à prote- ção ambiental, o que evidencia o seu caráter público e o dever do Estado na sua promo- ção, constituindo-se em ações integrantes de políticas públicas e sociais (MORAES; BORJA, 2005). 22 2322 UNIDADE 5 - Seguridade social Foi na Constituição Federal de 1988, o momento de se usar pela primeira vez no Brasil, o termo “seguridade social”, com- posto pelo tripé: saúde, como direito de todos, previdência, de caráter contributi- vo, e assistência social, para os que dela necessitar. A CF/88 estabelece em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me¬diante políticas so- ciais e econômicas que visem à re- dução do risco de doença e de ou- tros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recu- peração (...) O que vem ampliar o conceito de saú- de firmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa ampliação é um resultado de vários fatores determinan- tes e condicionantes como alimentação, moradia, saneamento básico, meio am- biente, trabalho, renda, educação, trans- porte, lazer, acesso a bens e serviços es- senciais. Por isso, as gestões municipais do SUS – em articulação com as demais esferas de governo – devem desenvolver ações conjuntas com outros setores go- vernamentais, como meio ambiente, edu- cação, urbanismo, entre outros, que pos- sam contribuir, direta ou indire¬tamente, para a promoção de melhores condições de vida e da saúde para a população (BRA- SIL, 2001). Lembremos que, genericamente, as políticas públicas são as decisões de um governo em diversas áreas, que influen- ciam a vida de um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos que tais ações ou a au- sência destas provocam na sociedade. Vejamos um pouco desse tripé. 5.1 Saúde Em termos de saúde, uma política so- cial seria o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e institui- ções públicas federais, estaduais e muni- cipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Pú- blico. Consiste de um conjunto normativo, institucional e técnico que materializa a grande política de saúde desenhada para o país a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 2001). Embora integrando o campo das ações sociais, orientadas para melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes naturais, social e do trabalho, especificamente em relação à política pública para saúde, podemos dizer que ela organiza as funções públicas gover- namentais, ou seja, promove, protege e recupera a saúde dos cidadãos e da cole- tividade. Na área da saúde, ocorreu maior a des- centralização, em uma política deliberada, resultado de um processo social dinâmico, partindo de experiências concretas, que propiciaram as diretrizes básicas para o modelo implantado em todo o país – o SUS. Apesar de todo o processo de partici- pação, permanecem alguns elementos 22 2323 centralizadores: a aprovação e análise técnica de programas e projetos para re- passe de recursos; fixação e centralização de fiscalização de tarifas no Ministério. A burocracia central mantém grande parce- la de poder, permanecendo a influência clientelista no repasse de recursos. Segundo Teixeira (2002), apesar de sua fragilidade, a existência de mais de 3 mil Conselhos Municipais de Saúde indica a possibilidade de uma ação mais ofensiva e consequente diante da situação. As políticas públicas no Brasil se orien- tam pelos princípios da universalidade e equidade no acesso às ações e serviços e pelas diretrizes de descentralização da gestão, de integralidade do atendimento e de participação da comunidade, na orga- nização de um sistema único de saúde no território nacional (LUCCHESE, 2004). Uma vez que elas se materializam através de ações concretas envolvendo sujeitos e atividades institucionais, em determinado contexto e condicionando resultados, elas precisam de acompanha- mento e avaliação permanentes. Aconte- cem através dos programas, definido no glossário temático referente ao sistema de Planejamento, Monitoramento e Ava- liação das Ações em Saúde, lançado pelo Ministério da Saúde em 2006, como ins- trumento de organização da ação gover- namental com vistas ao enfrentamento de um problema e à concretização dosobjetivos pretendidos, sendo mensurado por indicadores. Piscitelli et al. (2004) explicam que o programa representa o elo de ligação e integração entre o planejamento e o or- çamento público (funções/ subfunções do planejamento x programas do orçamen- to). Articula um conjunto de ações que con- correm para um objetivo comum prees- tabelecido, mensurado por indicadores estabelecidos no Plano Plurianual (PPA), visando à solução de um problema ou o atendimento de uma necessidade ou de- manda da sociedade. Os programas são compostos por ativi- dades, projetos e uma nova categoria de programação denominada operações es- peciais: atividade – é um instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam de modo contínuo e permanente, das quais resulta um produto necessário à manutenção da ação de governo; projeto – é um instrumento de pro- gramação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam num período limitado de tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou o aperfeiçoamento da ação de governo; operação especial – são ações que não contribuem para a manutenção das ações de governo, das quais não resulta um produto e não geram contraprestação direta sob a forma de bens ou serviços. Representam, basicamente, o detalha- mento da função “Encargos Especiais”. Porém, um grupo importante de ações com a natureza de operações especiais quando associadas a programas finalísti- cos podem apresentar produtos associa- dos. 24 25 Toda a ação finalística do Governo Fe- deral deverá ser estruturada em progra- mas, orientados para consecução dos objetivos estratégicos definidos para o período no PPA. A ação finalística é a que proporciona bem ou serviço para atendi- mento direto às demandas da sociedade. São três os tipos de programas previstos: Programas Finalísticos - são pro- gramas que resultam em bens e serviços ofertados diretamente à sociedade. O in- dicador quantifica a situação que o pro- grama tenha por fim modificar, de modo a explicitar o impacto das ações sobre o público alvo; Programas de Gestão de Políti- cas Públicas - os Programas de Gestão de Políticas Públicas abrangem as ações de gestão de Governo e serão compostos de atividades de planejamento, orçamento, controle interno, sistemas de informação e diagnóstico de suporte à formulação, coordenação, supervisão, avaliação e di- vulgação de políticas públicas. As ativida- des deverão assumir as peculiaridades de cada órgão gestor setorial; Programas de Serviços ao Esta- do - Programas de Serviços ao Estado são os que resultam em bens e serviços ofer- tados diretamente ao Estado, por insti- tuições criadas para esse fim específico. Seus atributos básicos são denominação, objetivo, indicador(es), órgão(s), unida- des orçamentárias e unidade responsável pelo programa (PISCITELLI et al., 2004). 5.2 Assistência social A formulação de Assistência Social conseguiu superar a tradição de bene- merência e caridade, suportes do fisio- logismo e de clientelismo, embora estas práticas ainda dominem. O grande salto foi conceber a Assistência como direito de cidadania, política pública, prevendo ações de combate à pobreza e promoção do bem-estar social, articulada às outras políticas, inclusive a econômica. Na prá- tica, este compromisso entre o Estado e a sociedade para a criação de condições dignas de vida não vem se efetivando e a cultura da elite que tutela o carente ainda se mantém. O entendimento constitucional é defi- nido na LOAS – Lei Orgânica de Assistên- cia Social –, envolvendo ações destinadas à família, maternidade, infância, adoles- cência, velhice, portadores de deficiên- cias, inserção no mercado de trabalho. Seus princípios são da universalização, respeito à cidadania, igualdade de acesso aos serviços, transparência, descentra- lização, participação de organizações da sociedade civil na formulação das políti- cas e no controle das ações e a primazia da responsabilidade do Estado na condução das políticas (TEIXEIRA, 2002). A assistência social será prestada a quem dela necessitar (art. 203, CRFB/88), ou seja, àquelas pessoas que não pos- suem condições de manutenção própria. Assim como a saúde, independe de contri- buição direta do beneficiário. O requisito para o auxílio assistencial é a necessidade do assistido. A assistência social serve para preen- cher as lacunas deixadas pela Previdência 24 25 Social, que, devido sua natureza contribu- tiva, acaba por excluir os necessitados. Agora, a pessoa dotada de recursos para a sua manutenção, logicamente, não será destinatária das ações estatais na área assistencial, não sendo lícito a esta a obtenção de benefício assistencial pecu- niário. Naturalmente, outras ações assisten- ciais, não pecuniárias, direcionadas a pro- videnciar um melhor convívio do benefici- ário em sociedade, podem ser extensíveis a pessoas dotadas de recursos, pois aí o conceito de pessoa necessitada é mais elástico. A assistência social é regida por lei pró- pria (Lei nº 8.742/93 ), a qual traz defini- ção legal deste segmento da segurida- de social: “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada atra- vés de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. 5.3 Previdência social Ibrahim (2009) coloca a previdência como um seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes bá- sicos (RGPS e RPPS ), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. A Previdência Social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros so- ciais, devido a maior abrangência de prote- ção e a flexibilização da correspectividade individual entre contribuição e benefício. A solidariedade é mais forte nos sistemas atuais. A seguridade social, como última etapa ainda a ser plenamente alcançada, abrangendo a Previdência Social, busca a proteção máxima, a ser implementada de acordo com as possibilidades orçamentá- rias. Em um conceito restrito, os riscos so- ciais cobertos pelos regimes protetivos são as adversidades da vida a que qual- quer pessoa está submetida, como o ris- co de doença ou acidente, tanto quanto eventos previsíveis, como idade avançada – geradores de impedimento para o segu- rado providenciar sua manutenção. Todavia, é interessante observar que o conceito de risco social não é tão limitado como possa parecer, pois abrange outras situações estranhas à ideia de infortúnio, como a maternidade. Daí alguns criticarem a concepção de “riscos sociais”, sugerindo adotar-se o termo necessidade social (AS- SIS, s.d. apud IBRAHIM, 2009). Da mesma forma, Paul Durand (1991 apud IBRAHIM, 2009) afirma que o qualifi- cativo de risco pode ser utilizado também para acontecimentos venturosos. Dessa forma, devemos interpretar risco social como todo evento coberto pelo sistema protetivo, com o intuito de fornecer ao segurado algum rendimento substituidor de sua remuneração, como indenização por sequelas ou em razão de encargos fa- miliares. A previdência brasileira comporta dois regimes básicos, que são o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os Regimes 5-Vários artigos com redação dada pela Lei nº 12.435/2011. 6-Regime Geral de Previdência Social e Regime Próprio de Previ- dência Social. 5 6 26 2726 Próprios de Previdência de Servidores Pú- blicos (RPPS), este último para servidores ocupantes de cargos efetivos e militares. Em paralelo aos regimesbásicos, há o complementar. Embora o RGPS, administrado pelo INSS, seja somente um dos componentes da previdência brasileira, é frequente- mente utilizado como sinônimo da Previ- dência Social brasileira, devido à sua im- portância por atender à grande maioria da população. Guarde... A Previdência Social é política pública de Estado e redistributiva, significando que ela é considerada como um direito à cidadania, por prever ações de combate à pobreza e promoção do bem-estar social, principalmente da população idosa, arti- culada às outras políticas, como a de de- senvolvimento socioeconômico dos mu- nicípios, na medida em que se considera o impacto destes benefícios na renda da população (SILVA; COSTA; SILVA, 2014). 26 2727 UNIDADE 6 - Cultura, esporte e lazer Apesar de não ser corriqueiro falar em um tripé que inclua cultura, lazer e espor- te, podemos usar essa expressão para de- finir esses direitos que estão apostos na nossa Constituição Federal. O lazer aparece na Constituição brasi- leira de 1988 em três momentos, das se- guintes formas: no artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdên- cia Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Aparece ainda no terceiro parágrafo do artigo 217: “O poder público incentivará o lazer como forma de promoção social” e no artigo sétimo como uma das “necessi- dades vitais básicas” à qual o salário mí¬- nimo deve ser capaz de atender. Encontramos respaldo nas seguintes leis: a Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 1991, mais conhecida como Lei Rouanet) e a Lei de Incentivo ao Espor- te (Lei nº 11.438 de 2006, regulamenta- da pelo Decreto nº 6.180 de 2007), bem como a contribui¬ção compulsória des- tinada à manutenção do “Sistema S”, ou mesmo as políticas focalistas de ação di- reta de governos locais, das ONGs, das en- tidades privadas que se tornam parceiras dos projetos e programas de lazer em âm- bito federal. Segundo a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o esporte e o la- zer constituem dimensões da vida social que, especialmente durante o século XX, foram gradativamente incorporadas ao cotidiano da população e assumidas como temas de interesse e responsabilidade do poder público. Ao longo das duas últimas décadas, ampliou-se, no Brasil, o entendimento de que a vivência de atividades que possibi- litem a prática de exercícios físicos, a so- cialização e a fruição de atividades lúdicas contribuem para o bem-estar coletivo e constituem direitos dos cidadãos. Assim, o Estado brasileiro incorporou o esporte e o lazer como direitos sociais, tendo como eixo norteador a democratização do aces- so a essas vivências. Para garantir tais direitos, o Estado tem buscado efetivar políticas públicas que assegurem o acesso da população a ativi- dades de esporte e lazer, bem como a sua permanência nessas atividades, atenden- do à demanda por infraestrutura e servi- ços. Destaca-se, ainda, que esses setores demandam regulamentação, por estarem inseridos em um contexto de pluralidade de interesses — mercadológicos, políticos e sociais —, fato que também justifica a in- tervenção do Estado. (http://politicaspu- blicas.almg.gov.br/temas/esporte_lazer/ entenda/informacoes_gerais.html?tag- Nivel1=253&tagAtual=253). Segundo o Guia de Orientações para o Municípios (Sistema Nacional de Cultura, 2012), os direitos culturais, diferente- mente dos direitos sociais, ainda são pou- co conhecidos e praticados. São eles: Direito à identidade e à diversidade cul- tural (ou direito ao patrimônio cultural). Direito à participação na vida cultural, que compreende: a) direito à livre cria- ção; b) direito ao livre acesso; c) direito à livre difusão; d) direito à livre participação nas decisões de política cultural; e) direito 28 2928 autoral; f) direito ao intercâmbio cultural (nacional e internacional). A Política Nacional considera a Cultura em três dimensões: simbólica, cidadã e econômica. a) A dimensão simbólica fundamenta- -se na ideia de que é inerente aos seres humanos a capacidade de simbolizar, que se expressa por meio de diversas línguas, valores, crenças e práticas. Nessa pers- pectiva, também chamada antropológica, a cultura humana é o conjunto de modos de viver, os quais variam de tal forma que só é possível falar em culturas humanas, no plural. Adotar a dimensão simbólica possibilita superar a tradicional separação entre políticas de fomento à cultura (ge- ralmente destinadas às artes) e de prote- ção do patrimônio cultural, pois ambas se referem ao conjunto da produção simbóli- ca da sociedade. b) A dimensão cidadã fundamenta-se no princípio de que os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e de- vem constituir-se como plataforma de sustentação das políticas culturais. Essa dimensão está garantida na Constituição Brasileira. c) A dimensão econômica compreende que a cultura, progressivamente, vem se transformando num dos segmentos mais dinâmicos das economias de todos os pa- íses, gerando trabalho e riqueza. Mais do que isso, a cultura, hoje, é considerada elemento estratégico da chamada nova economia ou economia do conhecimento, que se baseia na informação e na criativi- dade, impulsionadas pelos investimentos em educação e cultura (BRASIL, 2012). 28 2929 UNIDADE 7 - Educação No capítulo II da Constituição Federal de 1988, encontramos no artigo 6º que fazem parte dos direitos sociais, a edu- cação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Especificamente para a educação, a CF reserva a partir do artigo 205 os desejos, direitos e deveres para sua promoção, com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa. Não há dúvidas de que é dever do Es- tado implementar políticas públicas capa- zes de garantir sua qualidade social, bem como o acesso e permanência de todos e de todas; construir espaços de participa- ção direta, indireta e representativa, nos quais a sociedade civil possa atuar efeti- vamente na definição, gestão, execução e avaliação de políticas públicas educa- cionais. É necessário que os governos ga- rantam prioridade de recursos financeiros para a educação pública, pois o compro- misso com a qualidade é também compro- misso financeiro com a educação (FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO). Também se constitui tarefa de todos acreditarem no direito à educação e exi- gir que o Estado efetive políticas públicas para a educação de qualidade, conceben- do-a não como simples acesso às cadeiras escolares e sim à garantia ao conhecimen- to historicamente construído. Como subeixos das políticas públicas para educação, podemos enumerar: 1. Organizar a educação através de planos e diretrizes. 2. Definir as políticas para infância e juventude; para a diversidade étnico-ra- cial; para a educação inclusiva, para edu- cação infantil, ensino fundamental, ensi- no médio, educação de jovens e adultos, pós-médio profissionalizante; para o ensi- no superior; para a educação a distância; para a inclusão digital; para a educação não-formal. 3. Erradicar o analfabetismo. 4. Ampliar as universidades públicas. 5. Promover avaliação educacional e institucional e o compromisso social. 6. Favorecer e incentivar a gestão de- mocrática, direta, participativa e repre- sentativa. 7. Valorizar os profissionais da educa- ção, dentre outras mais específicas. O movimento de descentralização tam- bém vale para a educação, transferindo para os municípios uma série de respon- sabilidades e expectativas, cuja maioria das localidades por faltade infraestrutura física e financeira, tem encontrado sérias dificuldades em atender, mesmo com o re- passe de recursos financeiros. Segundo Martins (2007), educação é na prática o que possibilita instrumenta- lizar o indivíduo para o desenvolvimento de potencialidades, habilidades e apro- priação de conhecimentos que lhe possi- bilitam alcançar níveis cada vez mais ele- vados de crítica, criatividade e autonomia, reconhecendo seu valor e capacidade de agir e transformar a realidade, com vistas à melhoria da sua qualidade de vida e da sociedade. Numa analogia em se tratando de polí- ticas públicas, Hofling (2001) assinala que 30 31 sua definição para uma sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos fei- tos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo. Um dos elementos impor- tantes deste processo – hoje insistente- mente incorporado na análise das polí- ticas públicas – diz respeito aos fatores culturais, àqueles que historicamente vão construindo processos diferenciados de representações, de aceitação, de rejei- ção, de incorporação das conquistas so- ciais por parte de determinada sociedade. Com frequência, localiza-se aí procedente explicação quanto ao sucesso ou fracasso de uma política ou programas elaborados; e também quanto às diferentes soluções e padrão adotados para ações públicas de intervenção. Segundo Hofling (2001), a relação en- tre sociedade e Estado, o grau de distan- ciamento ou aproximação, as formas de utilização ou não de canais de comunica- ção entre os diferentes grupos da socie- dade e os órgãos públicos – que refletem e incorporam fatores culturais, como aci- ma referidos – estabelecem contornos próprios para as políticas pensadas para uma sociedade. Indiscutivelmente, as for- mas de organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento e rei- vindicação de demandas são fatores fun- damentais na conquista de novos e mais amplos direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania. Em um Estado de inspiração neoliberal, como vive o Brasil atualmente, as ações e estratégias sociais governamentais in- cidem essencialmente em políticas com- pensatórias, em programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e escolhas individuais”, não usufruem do progresso social. A presença do Neoliberalismo na edu- cação e os compromissos assumidos pelo governo brasileiro com as determinações das agências internacionais, no traçado das políticas educacionais é o retrato da situação atual. Para Dourado (2002, p. 239), “o Banco Mundial, o Banco Interamericano de De- senvolvimento (BID) e agências da Orga- nização das Nações Unidas (ONU) configu- ram-se como importantes interlocutores multilaterais da agência brasileira” fican- do visível, a partir da década de 80, o pa- pel do Banco Mundial, ou seja, sua orien- tação no sentido de articular educação e produção de conhecimento, por meio do binômio privatização X mercantilização da educação. De acordo com Hofling (2001), ao nos reportarmos para a política educacional, ações pontuais voltadas para maior efici- ência e eficácia do processo de aprendiza- gem, da gestão escolar e da aplicação de recursos são insuficientes para caracteri- zar uma alteração da função política des- te setor. Enquanto não se ampliar efetiva- mente a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução da política educacional, estare- mos alcançando índices positivos quanto à avaliação dos resultados de programas da política educacional, mas não quanto à avaliação política da educação. Numa sociedade extremamente desi- gual e heterogênea como a brasileira, a política educacional deve desempenhar importante papel ao mesmo tempo em re- lação à democratização da estrutura ocu- pacional que se estabeleceu e à formação do cidadão, do sujeito em termos mais sig- 30 31 nificativos do que torná-lo “competitivo frente à ordem mundial globalizada”. Fato é que necessitamos de uma pos- tura firme do governo federal em adotar políticas educacionais eficazes para au- mentar e melhorar o aprendizado. Essa postura tem grandes chances de levar qualidade para as escolas, situação es- sencial para aumentar a competitividade e a produtividade da economia brasileira. 32 3332 UNIDADE 8 - Política agrícola e reforma agrária A Lei que instituiu o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) já passa de meio sécu- lo, por ela, a Reforma agrária seria (ainda é) o conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção. Quanto à política agrícola (Lei nº 8.171/91), um tanto mais nova, define, do ponto de vista formal, os princípios fundamentais, objetivos e competências institucionais, prevê recursos, estabelece ações e instrumentos. Não se deve confundir reforma agrária com política agrícola, na medida em que esta é a política que orienta, no interesse da economia rural, a atividade agropecu- ária, traçando planos, com a finalidade de harmonizá-la com o processo de indus- trialização do país e de melhorar a utiliza- ção da terra, implementando a produção, o aproveitamento da mão de obra rural e a colonização oficial e rural, atualizando a legislação e adaptando-a aos planos e programas de ação governamental, e ain- da, elevando o nível de vida rural. A política agrícola pode ser entendida como ação própria do Poder Público que consiste na escolha de meios adequados para influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de obter um ordenamento satisfatório da conduta das pessoas que delas participam ou a ela se vinculam, com o escopo de conseguir o desenvolvimento e o bem-estar da comunidade. A política fundiária, por sua vez, difere da política agrícola, sendo um capítulo, uma parte especial desta, tendo em vista o disciplinamento da posse da terra e de seu uso adequado (função social da pro- priedade). Nesse contexto, a política fun- diária deve visar e promover o acesso à terra daqueles que saibam produzir, den- tro de uma sistemática moderna, especia- lizada e profissionalizada (CRUZ, 2005). A lei de política agrícola (8.171 de 17.01.91) enfatiza a questão econômica (produtividade, incremento à produção, regularidade de abastecimento), enquan- to a Constituição tem por referência a fun- ção social da propriedade. Equiparar es- tas duas dimensões, em nossa estrutura agrária, significa uma opção pelo produti- vismo e pela tecnificação, independente de seus impactos sociais e ambientais. Segundo Teixeira (2002), a lei descen- traliza a execução dos serviços de apoio ao setor rural, mas centraliza a elaboração da política de desenvolvimento rural, pre- vendo ações de abrangência ampla, como planejamento, crédito, mecanização ou infraestrutura. Apesar da existência de um Conselho Nacional, as ações são da responsabilidade do Ministério, com dimi- nuta interferência do Conselho. Quanto aos recursos, prevê-se um Fundo Nacional de Desenvolvimento Rural, sem nenhuma determinação de repasse a municípios ou controle do Conselho. A agenda da questão agrícola e agrária impõe, além da reivindicação pela posse da terra, as questões de habitação, trans- porte e alimentação. Torna-se urgente, 32 3333 então, diante das especificidades locais e regionais, uma política agrícola de base municipal, que se desenharia a partir de alguns eixos: a) apoio à reforma agrária – dotar os assentamentos de infraestrutura social e produtiva, mediar o escoamento da pro- dução; b) desenvolvimento da agricultura fa- miliar; c)
Compartilhar