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Movimentando: a sala de aula como espaço de desenvolvimento Unidade 1 - A importância do movimento na aprendizagem Professora: Mariana Barbosa Ament Realização: Secretaria Geral de Educação a Distância da Universidade Federal de São Carlos 1. Introdução. Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, estudaremos a importância do movimento na aprendizagem. Falaremos, portanto, de estética da aprendizagem sob a ótica da percepção corporal, da disposição ao aprender. Pode ser que lhe pareça um assunto filosófico ou até mesmo romântico. De fato, pode ser, mas vai além! Ao perceber a forma com que um corpo se comporta, se apresenta em sala de aula, podemos “ler” nosso aluno e, de maneira estética, compreender as necessidades de aprendizagem do mesmo, de modo a auxiliá-lo em sua ação de aprender. 2. A aprendizagem como experiência estética. “Cézanne quer pintar a matéria em vias de se formar” (MERLEAU-PONTY, 1966/2004, p. 128, apud NÓBREGA, 2008, p. 143). Você compreendeu essa frase do grande filósofo da fenomenologia? Bom, partindo do princípio, estamos falando da formação do ser enquanto fenômeno, enquanto percepção, em que a nossa presença corporal é também uma presença cognitiva. Ou seja, se meu corpo expressa sonolência, quer dizer que não estou prestando muita atenção na ação que me é proposta, seja ela o estudo teórico ou prático de determinado conteúdo. E ainda há uma percepção/leitura do professor mediador sobre mim. É um processo dialógico que Merleau-Ponty traz: a arte (movimento) com a ciência (conhecimento) e as relações entre elas. Nesse processo dialógico é que o mestre da Educação Paulo Freire também embasa nossa ótica. De acordo com Freire, somos seres que anseiam por liberdade, portanto, sociais, e sempre em movimento. Movimento este que transcende o físico, mas que, no físico significa a mente, no “tempo próprio do ser”, como meio de ação e expressão (FREIRE, 2005). A experiência estética do aprender na ótica corporal ultrapassa o racionalismo. Maturana e Varela (1995), biólogos chilenos contemporâneos, consideram a interação entre organismo e meio. Em um conceito mais específico, os autores tratam de autopoiésis que, em suma, se refere à emergência que ocorre em nosso corpo em todos os níveis de experiências. Ou seja, somos mais que estímulo e reposta. Nosso corpo percebe, experimenta. [...] o próprio organismo, através do movimento, participa da reorganização da estrutura do ser. Nesse sentido, o conceito de emergência é fundamental para compreender o corpo em movimento, relacionando organismo e entorno (NÓBREGA, 2008, p. 145). Na concepção tradicional, temos “Estímulo”, “Resposta” e “Movimento” de forma sequencial. Veja a imagem que fiz para melhor compreensão: Figura 1: Concepção tradicional do movimento. Fonte: NÓBREGA, 2008, p. 145. Temos então, na concepção de autopoiésis, uma relação circular, autônoma do próprio ser em desenvolvimento. Podemos entendê-lo também como um processo de pertencimento cultural. Para melhor compreensão, criei uma imagem para compreendermos a concepção de movimento (autopoiésis), segundo Nóbrega (2008): Figura 2: Concepção do movimento (autopoiésis). Fonte: NÓBREGA, 2008, p. 145. Movimento Respostas Estímulos O movimento, por si só, pode gerar diferentes possibilidades de respostas, por isso o plural: estímulos e respostas, também chamados, na biologia, de sistemas aferentes e eferentes. Considerar o corpo em movimento como um sistema autopoiético é reconhecê-lo como fenômeno que não se reduz à causalidade linear; é considerar ainda que o ser humano não seja um ser determinado, mas uma criação contínua. É, por fim, uma tentativa de abordar a corporeidade não como algo abstrato, é recusar as dicotomias, é ensaiar atitudes complexas para compreender o humano e sua condição de ser corpóreo em incessante movimento, admitindo diferentes interpretações, pautadas na circularidade ou recursividade dos fenômenos (NÓBREGA, 2008, p. 145). Retomando então a frase de Merleau-Ponty, “Cézanne quer pintar a matéria em vias de se formar”, o pintor pós-impressionista Cézanne retrará a estética de modo a criticar sua própria percepção e pensamento. As cores são expressão do pintor e o expresso é a arte, o conhecimento que ele gerou (MERLEAU-PONTY, 1966/2004, p. 128, apud NÓBREGA, 2008, p. 143). Somado ao processo cultural, quando nos expressamos, agimos em decorrência de um conjunto social. Na educação física, a terminologia utilizada seria “cultura corporal”. Esse termo une a corporeidade e o movimento como respostas e contribuições à cultura daquele indivíduo, tornando-o sujeito ativo. É um "amplo e riquíssimo campo da cultura que abrange a produção de práticas expressivo-comunicativas, essencialmente subjetivas que, como tal, externalizam-se pela expressão corporal" (ESCOBAR, 1995, p. 94). O nosso maior objetivo, enquanto educadores, é a formação humana como um todo. Portanto, pensemos, qual é o veículo pelo qual conduzimos nossas práticas formadoras em sala de aula? O movimento está presente nele? Pequenas atitudes, como relaxamento, atividades iniciais para interação e socialização por meio do movimento e atividades relacionadas a conteúdos disciplinares fora da carteira e da cadeira são ótimas iniciativas que você, professor(a), poderá tomar para que sua aula promova um melhor aprendizado. Para tanto, uma reeducação do movimento precisa acontecer, primeiramente em nós, professores, para que utilizemos o corpo e o movimento com propriedade. Bertazzo (1998), afirma que a prática do exercício físico é um momento em que reforça-se tudo o que o corpo já “pensa” e “sabe” e desperta sua “memória”, podendo assim, através do movimento, restituir e reencontrar a si mesmo e a sua estrutura. Quando nos colocamos a disposição fisicamente para o movimento e o iniciamos, há como se fosse um fio condutor que o corpo reencontra, logo em seguida reconhece, depois aprova e recupera (BARRETO, 2014, p. 13). É necessário se reconectar com o próprio corpo e realizar um movimento transdisciplinar entre mente, corpo e conhecimento. Rudolf Laban criou um estudo sobre o (do) movimento humano, pois percebeu uma alienação do corpo causada pelos movimentos mecânicos e pela pressão social. Arruda (1988) afirma que Laban conseguindo sintetizar a linguagem do movimento, contribuiu para uma nova visão, de expressão do corpo que também pressiona, talha, soca, sacode, pontua, desliza. Percebeu a alienação causada pelo movimento mecânico e apontou um caminho liberador através da consciência do corpo e do movimento natural (ARRUDA, 1988, p. 6). Na área de música, chamamos a união do movimento, da cultura e da percepção estética de “música ativa” ou “método ativo”. Por método ativo entende-se uma educação musical pautada na experiência de vida, na vivência prática, que aproxima a música e o educando, diferenciando-se, assim, da prática tradicional do ensino de música, em que o contato do aluno com a música se dá por meio da teoria e da técnica, com ênfase na compreensão racional de conceitos, apartada da vivência musical (MANTOVANI, 2009, p. 39). É nessa concepção integral que o corpo se expressa, vivenciando o que escuta e o que toca, dentro de uma determinada cultura, modificando-a. 3. Considerações finais. Acredito que, com o estudo desta unidade, você já compreendeu o movimento em linhas mais gerais, não é mesmo? Não estamos falando de movimentos coreografados, de dança, mas do corpo que fala, que pode, por ele mesmo, estimular a mente e se desenvolver por meio de propostas pedagógicas práticas, contextualizadas. Na segunda unidade, trataremos da arte como proposta estética ao processo artístico autônomo de desenvolvimento do saber que auxilia nessa formação integral. 4. Referências. ARRUDA, S. Arte domovimento: as descobertas de Rudolf Laban na dança e ação humana. São Paulo: PW Gráficos e Editores Associados, 1988. BARRETO, M. S. G. Ivaldo Bertazzo: além do movimento. 2014. 56 f. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Educação Física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 2014. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/131789>. Acesso em: jul. 2018. ESCOBAR, M. O. Cultura corporal na escola: tarefas da Educação Física. Revista Motrivivência, ano XI, n. 13, Nov./1999. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/131789 MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Editorial Psy II, 1995. MANTOVANI, M. O movimento corporal na educação musical: influências de Émile Jaques-Dalcroze. 2009. 126 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2009. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/95169>. Acesso em: jul. 2018. NÓBREGA, T. P. Corpo, percepção e conhecimento em Merleau-Ponty. Estudos de Psicologia, Natal, v. 13, n. 2, 2008, 13(2), 141-148, maio/ago. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v13n2/06.pdf>. Acesso em: abr. 2018. 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