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A paixão segundo G H

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PAGE 
26
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA III
PROFESSORA: MARILÚCIA
COMPONENTES DO GRUPO:
ÉLIN CUNHA LUIZ CARDOSO
FÁTIMA A . DE MENEZES
JANAÍNA DIAS DE SOUSA
LEIDE CARDOSO MAGALHÃES
MARIA ETERNA GONÇALVES PACÍFICO
ROSENAIDE ALMEIDA PORTO
STELA MELO DE BARROS
A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
 DE CLARICE LISPECTOR
GOIÂNIA
NOVEMBRO DE 1997
SUMÁRIO
pág.
CLARICE LISPECTOR - VIDA E OBRA 
3
A OBRA DE CLARICE LISPECTOR
4
A LINGUAGEM N’A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
7
O MÍSTICO EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
10
G.H. - PERSONAGEM E NARRADOR
12
A ESCRITURA EPIFÂNICA EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
15
TEMPO E ESPAÇO
18
INTROSPECÇÃO EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
21
FORTUNA CRÍTICA 
23
BIBLIOGRAFIA
26
CLARICE LISPECTOR - VIDA E OBRA
Clarice Lispector nasceu na cidade de Tcgetchlnik na Ucrânia, U.R.S.S. no ano de 1926. Recém-nascida, veio para o Brasil com os pais, que se estabeleceram no Recife. Em 1934 a família transferiu-se para o Rio de Janeiro onde Clarice fez o curso ginasial e os preparatórios. Adolescente, lê Graciliano, Herman Hesse, Julien Green. Em 1943, aluna da Faculdade de Direito, escreve o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, que é recusado pela editora José Olympio. Publica-o, no ano seguinte, pela editora A Noite e recebe o Prêmio Graça Aranha. Ainda em 1944 vai com o marido para Nápoles onde trabalha num hospital da Força Expedicionária Brasileira. Voltando para o Brasil, escreve O Lustre, que sai em 1946. Depois de longas estadas na Suíça (Berna) e nos Estados Unidos, a escritora fixa-no no Rio onde viveu até a morte (1977).
Outras Obras: 
A Cidade Sitiada - 1949
Alguns Contos - 1952
Laços de Família (contos) - 1960
A Maçã no Escuro - 1961
A Legião Estrangeira (contos e crônicas) - 1964
A Paixão Segundo G.H. - 1964
Uma Aprendizagem ou o Livros dos Prazeres - 1969
Felicidade Clandestina - 1971
A Imitação da Rosa - 1973
Água Viva - 1973
Onde Estiveste de Noite? - 1974
A Hora da Estrela - 1977
Para não Esquecer - 1978
Um Sopro de Vida - 1978
A Bela e a Fera - 1979
A OBRA DE CLARICE LISPECTOR
A obra de Clarice Lispector apresenta vários aspectos que a diferencia dos demais autores modernistas brasileiros: possui uma tendência intimista; apresenta como eixo principal o questionamento do ser, o “estar no mundo”, a pesquisa do ser humano, resultando no chamado romance introspectivo, a negação do compromisso com a narrativa referencial, em detrimento da narrativa centrada na crise do próprio indivíduo, sua consciência e inconsciência; o espaço exterior passa para segundo plano e a narrativa centra-se no espaço mental dos personagens, realçando-lhes as características psicológicas em detrimento das características físicas.
Certos temas importantes de sua ficção inserem-se no contexto da filosofia da existência, com um caráter pré-reflexivo, individual e dramático da “existência humana”, tratando de problemas como a angústia, o nada, o fracasso, a linguagem, a comunicação das consciências.
No campo literário, é notória a influência recebida de escritores estrangeiros, como : Kafka, Joyce, Virginia Woolf, Katherine Mensfield e outros.
Sua literatura é simbólica, o texto é o instaurador de seus próprios referentes e não se externiza em refletir o mundo exterior através de um trabalho mimético.
A Paixão Segundo G.H. é um romance singular pela introspecção, que condiciona o ato de contá-la, transformando em empate da narradora com a linguagem, levada a domínios que ultrapassam os limites da expressão verbal. 
G.H., personagem solitária designada pelas iniciais de seu nome ignorado. Mulher de vida ordenada, independente, mundana, pratica escultura e mora num apartamento de cobertura - localização privilegiada na hierarquia social.
Certa manhã, entra no quarto da empregada: arrumaria na ausência de sua ocupante, que se despedira, esse cubículo desolado.
É lá que vê o inseto, emergindo do fundo do guarda-roupa, bruscamente bate em cima dele a porta do móvel e olha sua vítima verme, esmagada, antes de dar-lhe o golpe de misericórdia.
Sob o fantástico repugnante da barata que morta, num assomo de cólera, tomada por um espasmo de náusea seca - ela acabará pondo na boca a massa branca extravasada do inseto - G.H. experimenta o arrebatamento de prolongado êxtase.
A desorganização de sua existência arrumada, o transtorno de sua individualidade própria, conseqüente a esse estado de alheamento, a dificuldade para voltar a si mesma e a impotência as personagem para narrar o sucedido - eis todo o enredo desse romance, se é que de enredo ainda se pode falar.
A época em que esse primeiro romance foi publicado, essa perspectiva representou um desvio estético relativamente aos padrões dominantes da prosa modernista em 1922 e da ficção de recorte neo- naturalista dos anos 30, desvio que vinculou a autora, por afinidade, e Marcel Proust, Virginia Woolf e James Joyce, os ficcionistas da corrente da consciência ou da duração interior.
A leitura de Clarice Lispector tem o poder de fazer o leitor penetrar o mais fundo de si mesmo na busca da essência do homem, um ser que traz as marcas do seu tempo.
É extremamente crítica e reflexiva sobre a própria escritura.
A literatura moderna opera com uma realidade complexa impossível de ser representada pela linguagem discursiva, linear, no encalço de uma trilha seqüencial, entrelaçando personagens, tempo, espaço, ação.
A escritora incorpora as inquietações características de um universo multifacetado que se assenta no campo da desconstrução e do sescentramento, e sua obra assume essas marcas da modernidade, ou seja, mostra-se de natureza essencialmente flutuante, oscilante entre vários pólos. Ela influencia e é influenciada por essa realidade mutante, cuja noção de perspectiva é algo diverso da clássica visão de linearidade.
A escritura encara uma nova relação com a realidade passa a ser sua recriação.
A obra de Clarice Lispector insere-se nesse contexto em face de o material ficcional aí tecido expressar tão bem essa flutuação da realidade e incorporar não só a temática de modernidade, mas também o modo de tratamento desses temas.
Prevalecer o simbólico e o imagístico na caracterização da linguagem literária, material que vai moldar a realidade da obra.
A relação significante/significado vai muito além da relação palavra/objeto para instaurar o novo, o insólito, aquilo que existe pela primeira vez e de modo inusitado.
As frases, algumas soltas, sem anteparo e sem conexão lógica, são jogadas de choque e ficam martelando a cada leitura que se sucede; não são frases acabadas, comuns, que contenham verdades estabelecidas, mas incertas, inquietações que conduzem à reflexão.
Suas obras ultrapassam os limites espaço-temporais para atingir o universal.
Segundo Benedito Nunes, “os bichos constituem, na obra de Clarice Lispector, um simbologia do ser” e o ser fica exposto à sua condição de animal. Não há a intenção de mostrar o ser zoomorfizado, numa posição inferior. Quando o homem é bicho, aí é que ele se aproxima desse espaço vital, primordial, resgatando desejos e necessidades que a civilização, dita avançada, reprime e condena. O ser humano, na sua pele de animal, guarda uma relação mais forte com a realidade que o criou.
A escritura de Clarice Lispector é essencialmente datada, marcada por um enorme peso do seu tempo, cumprindo assim um papel fundamental de mapeamento da realidade através da revelação de costumes, de gestos, enfim, de traços culturais. Ao mesmo tempo em que se revela como valor artístico, afirma-se enquanto valor histórico; representa o LOCUS, atingindo o universal.
A obra põe o dedo na ferida aberta, mas o sofrimento e o preço que se paga pelo aguçamento da consciência e ao mesmo tempo é o caminho para o suprimo prazer só experimentado por aqueles que, sem medo, se deixaram tocar por uma estranha melodia anunciadora da remissão necessária. 
A LINGUAGEM N’A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
O texto lispectoriano gera um sentimento de indagaçãoe estranhamento diante da realidade, desfazendo-se de uma lógica objetiva e deixando transitar o intuitivo e o imaginário. Esse posicionamento filosófico-existencial da autora implica, necessariamente, na utilização de uma linguagem insólita como forma de representação desse mundo poético, de livre associação. Efetivamente, o papel da linguagem é o de servir de mediadora entre o homem e o mundo. A linguagem de Clarice Lispector registra, claramente, a intencionalidade da autora de tornar a realidade um objeto de ficção, propondo a ruptura com os referentes comuns de tempo e espaço e possibilitando uma penetração na intimidade das coisas.
Ao se insurgir contra o real, diante do estranhamento que o mundo lhe provoca, Clarice Lispector se insurge também contra as normas do sistema lingüístico convencional, direto, exato, preciso. “Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando... Pois nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom gosto; escrevi “vagalhões de nudez”, (...) terei enfim perdido todo um sistema de bom gosto? Mas será este o meu ganho único? (...)”(pág. 16). Assim, no plano lingüístico, há uma transgressão de toda elementação natural, provocando o reconhecimento e a declaração insistente da autora da difícil tarefa de comandar o ato estético, para a recriação de uma realidade onde ocorra a fusão do real e do sobrenatural.
A imposição de uma linguagem complexa se justifica pela complexidade estrutural das relações entre os homens e entre os homens e as coisas - “(...) o que parece falta de sentido - é o sentido. (...)” (pág. 31). As afirmações aparentemente caóticas, inconexas, corresponde uma lógica estrutural, reveladora da coerência interna do texto e de sua natureza poemática. A ruptura com o processo lógico de verbalização, para instauração do lírico, denuncia a intencionalidade de rejeição e de fuga do mundo físico considerado igualmente ilógico pela escritora.
A linguagem artística é, para Clarice Lispector, o lugar onde ela se cria e obtém a sua autonomia. Mas, para obtenção desta liberdade lírica, há, necessariamente, o enfrentamento obrigatório do entrechoque: REAL/IDEAL. Na descoberta desta liberdade interior, abstração que se concretiza no texto pela palavra, ferem-se, inevitavelmente, a escritora e a linguagem.
A busca obsessiva do insólito justifica-se pelo desencanto com a realidade. Daí o reconhecimento da poeticidade existente no INDIZÍVEL e o mergulho num isolacionismo mítico, alcançado pela rejeição do mundo - “(...) Viver não é vivível (...)” e da palavra - “(...) viver não é relatável. (...)” (pág. 17).
A palavra é o instrumento necessário ao ato de escrever; mas, ao mesmo tempo, a dolorosa constatação de que viver não é vivível e nem relatável provoca um ensimesmamento do EU lírico e a Mudez resulta numa destituição inevitável do real. “Ah, falar comigo e contigo está sendo mudo. Falar com o Deus é o que de mais mudo existe. Falar com as coisas, é mudo. Eu sei que isto te soa triste, e a mim também, pois ainda estou viciada pelo condimento da palavra. E é por isso que a mudez está me doendo como uma destituição.” (pág. 156).
A linguagem de Clarice Lispector nega, pela utilização de uma forma aberta, a definitude estática e inequívoca da linguagem clássica. O processo de significação das palavras, centralizado no pensamento enfatiza o fazer inventivo da palavra no texto, sugerindo, pela plurissignificação da estrutura lingüística conotativa, uma dilatação do espaço e do tempo. O signo lispectoriano é revelador de uma literatura que se faz de dentro para fora, confirmando o caráter intimista e bastante complexo dos textos de Clarice Lispector.
Este intimismo revelado não se restringe, portanto, ao EU criador ou ao protagonista criado, atingindo, também, o EU do fruidor, impondo-lhe um trabalho de interpretação da palavra lírica, para captação da mensagem lispectoriana. A decodificação implica num envolvimento simultâneo do raciocínio e da sensibilidade do leitor das obras de Clarice Lispector.
Enfim, o código lispectoriano resulta num constante estímulo à ativação da intuição e da sensibilidade do intérprete, confirmando o “poder emocional das palavras”.
“(...) Falarei nessa linguagem sonâmbula que se eu estivesse acordada não seria linguagem.
Até criar a verdade do que me aconteceu. Ah, será mais um grafismo que uma escrita, pois tento mais uma reprodução do que uma expressão. (...)”. (pág. 17)
O texto de Clarice Lispector proposto como uma nova reprodução do real implica necessariamente, na recorrência do pensar e sentir que ultrapassa uma expressão simplista do mundo, concretizada na palavra dita. 
Alfredo Bosi situa A Paixão Segundo G.H. em nível do metafísico, como um salto do psicológico, salto plenamente amadurecido na consciência da narradora.
“Além do mais a “psicologia” nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só traspassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico”. (pág. 26)
Nessa “obra aberta” de educação existencial, como Bosi caracteriza A Paixão Segundo G.H., esgotam-se os recursos habituais do romance psicológico. O monólogo de G.H., entrecortado de apelos a um ser ausente, a obra sem começo definido, sem epílogo repousante, não exprimem etapas de um drama psicológico, mas o contínuo existencial, que busca a comunhão do ser com o ser.
O itinerário que traça em A Paixão Segundo G.H. indica que a escritora recupera, pela renúncia à linguagem, a imersão nas coisas, o abraço sensorial do ser.
G.H. procura a comunhão com a barata. Devorando este signo vivo de toda a matéria do mundo, ligado as raízes ancestrais do existir, talvez ela pense solucionar o enigma: superar a tentação da linguagem, substituí-la pela ícone repugnante do ser inteiriço, que não se deixa soletrar.
Enfim, no nível da linguagem há uma grande preocupação com a revalorização das palavras, dando-lhes uma roupagem nova, explorando os limites do significado, ao mesmo tempo que trabalha metáforas e aliterações. Há inclusive uma preocupação muito grande com aquilo que está escrito sem o uso da palavra, ou seja, o que está nas entrelinhas.
O MÍSTICO EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
Clarice Lispector anuncia uma escritura na esfera da ficção introspectiva. A obra toda é um romance de educação existencial. Há na gênese dos seus romances tal exacerbação do momento interior que a própria subjetividade entra em crise. O sujeito só “se salva” aceitando o objeto como tal; como alma que, para todas as religiões, deve reconhecer a existência de um Ser que a transcende para beber nas fontes da sua própria existência. Essa é a resposta para o questionamento do espírito perdido no labirinto da memória e da auto-análise: “Que se fará pela recuperação do objeto?”
há um contínuo denso de experiência existencial. O percurso narrativo e também o discurso de memória e declaração de amor, no plano ontológico vai daí o encontro de uma consciência. Este encontro com o outro faz-se por um desdobramento múltiplo de enigmas, que se correspondem, porque identificam-se entre si: representam, cada uma, a projeção de um eu, no interior mais subterrâneo, no exterior mais superficial. A destruição do outro é uma verdade ao mesmo tempo maravilhosa e terrível.
Alfredo Bosi chama de termo místico, ou que parece místico, pois tem o selo da iluminação religiosa aquele reconhecimento súbito de uma verdade que despoja o eu das ilusões cotidianas e o entrega a esse novo sentido da realidade. Há um despojamento catastrófico. Seria a paixão (pathos) o sofrimento do ser que pensa. O ser que esgota-se até a última gota de sumo vital, até morrer de amor e sobreviver renascendo, deve atravessar até o âmago a náusea do contato.
Neste sentido, vemos os dois aspectos do amor: Agape, que é amor de caridade, só se realiza baixando ao humilde. A história de G.H. também pode ser a paixão mítico-religiosa do Cristo que, pela via crucis, passa pela dor e pelo prazer de redimir a humanidade e reintegrá-la atodas as coisas e a Deus. O outro aspecto dessa paixão seria o Eros, que é basicamente amor ou desejo carnal, que se inflama só quando ascende à fruição do que é belo. Seria isso os pólos dessa paixão, um em atrito com o outro. G.H. ultrapassa a repugnância que vem de si mesma com o inseto. Atinge então, o amor Agape e a união total do ser, sendo um só.
Talvez por isso o livro seja mostrado aos homens tal como um evangelho, agora segundo G.H. Afinal, este texto também é, entre tantos discursos, uma parábola. Clarice Lispector dirige-se a seus “possíveis leitores”, preferencialmente aos “de alma já formada”, que aceitem o convite de percorrer este via-sacra para ir descobrindo, vagarosamente a paixão, para que vendo, vejam. E ouvindo, entendam e assim, passam a atingir um Ser de que um e outro participam.
G.H. - PERSONAGEM E NARRADOR
Recriar o homem, recontruí-lo desde a raiz, desde a essência é o propósito de Clarice Lispector em sua obra que culmina com A Paixão Segundo G.H..
Em A Paixão Segundo G.H., o nome do personagem é abolido em favor do simples G.H. denotando, assim, a degradação por que passa o Gênero Humano, a perda de identidade do homem moderno. Há nos personagens de Clarice Lispector um descapeamento progressivo, eles se desnudam de tal forma que enriquecem-se como seres humanos. Esses personagens, assim como G.H., deseroízam-se para humanizarem-se.
“A deseroização de mim mesma está mimando subterraneamente o meu edifício, cumprindo-se à minha revelia como uma vocação ignorada. Até que me seja enfim revelado que a vida em mim não tem o meu nome”.
“A deseroização é o grande fracasso de uma vida. Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair - só posso ter a despersonalidade da nudez se eu tiver antes construído toda uma voz”. 
G.H. é uma mulher de classe média alta, intelectual, requintada , independente, escultora, mas solitária e torturada por fracassos amorosos e um aborto culpado.
G.H. se espelha no apartamento que mora, uma cobertura localizada no topo da hierarquia social.
“O apartamento me reflete. É no último andar, o que é considerado uma elegância. Pessoas do meu ambiente procuram morar na chamada “cobertura”(...) como eu, o apartamento tem penumbras e luzes úmidas...”.
G.H. faz referências a pobreza vivenciada na infância associando-a à barata e a Janair.
“A lembrança de minha pobreza em criança, com percevejos, goteiras, baratas e ratos, era de como um meu passado pré-histórico, eu já havia vivido com os primeiros bichos da terra”.
“E agora eu entendia que a barata e Janair eram os verdadeiros habitantes do quarto”.
Enquanto narrador-personagem, G.H. se definirá através da individualidade de sua voz narrativa e indefinir-se-á, por outro lado, como ser que busca. Para o narrador personagem a dúvida existencial é um de seus sustentáculos narrativo porque a dúvida é, para os existencialistas, um motivo gerador da existência. Quando a personagem questiona como iniciar e estruturar a narrativa, ela a contrói enquanto tal. Ao questionar seu eu, ela se vivifica, embora indefinida, isto é, indefinida enquanto não disseca sua existência.
G.H. diz que viver não é relatável. O eu narrador diz isto com relação à impossibilidade de narrar, de contar sua experiência, e, por isso mesmo, sua narrativa progride à proporção que narra a impossibilidade de relatar o visível.
Ao entrar no quarto da empregada, matar a barata e colocar na boca a massa do inseto, G.H. experimenta o arrebatamento do prolongado êxtase de se anular como pessoa, nivelando-se à barata. Este é o fato que é relatado por G.H. no dia posterior ao do acontecido. Mas toda a primeira parte de A Paixão Segundo G.H. é feita de adiamento, para a aceitação do informe, uma busca e uma constatação do problema e das dificuldades de falar sobre ele. Somente no segundo capítulo que temos o relato da primeira cena:
“Ontem de manhã - quando saí da sala para o quarto da empregada - nada fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império. A um passo de mim”. 
A visão transtornante da personagem narradora ;e inseparável do ato de contá-la, como tentativa sua para reapossar-se do momento de iluminação estática, anterior ao começo da narração e que a desapossou de si mesma. Só enquanto lembrança, na ordem sucessiva do discurso, poderá a narrativa substituir a subteneidade do transe visionário. E restituindo-o, devolve ao novo eu toda enunciação, a identidade cuja perda constitui o cerne de sua história.
Percebe-se que a personagem está dividida entre a perda e a reconquista, entre o presente e o passado. Ela não tem nenhuma certeza quanto ao que viveu e lhe terá sucedido; é um relato “dificultoso” e será menos um relato que uma construção do acontecimento:
“Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação (...) Precisarei com esforço traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço e sem querer entender para que valem os sinais (...) até criar a verdade que me aconteceu. Ah, será mais um grafismo que uma escrita pois tanto mais uma reprodução do que uma expressão”.
A narrativa recria aquilo que se quis reproduzir. E como reproduzir o instante de êxtase, mudo, sem palavras, que remonta a um mundo não verbalizável?
Em A Paixão Segundo G.H., a consciência da linguagem, enquanto simbolização do que não pode ser inteiramente verbalizado, incorpora-se à ficção regida pelo movimento da escrita, que arrasta consigo os vestígios do mundo pré-verbal e as marcas “arqueológicas” do imaginário até onde desceu. G.H. tenta dizer a coisa sem nome, descortinada no instante do êxtase.
O eu-narrador emerge, em A Paixão Segundo G.H., numa narrativa que, segundo Benedito Nunes, é um monólogo quase diálogo no qual G.H. confessa em primeira pessoa e ao mesmo tempo se dirige a um leitor que segura sua mão.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando minha mão”.
O leitor ficionalizado de G.H. ocupa lugar privilegiado na construção da narrativa:
“... Por eu te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu não falar eu me perderei, e por eu me perder eu te perderia”.
Na penúltima parte de A Paixão Segundo G.H. convida o leitor a buscar a sua essência, voltar às origens como ela fez.
“Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chagará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor”. 
O ser se fez, em A paixão Segundo G.H., ao desfazer sua psedo-humanizadade e reconstitui-se através da linguagem. G.H. passou a ser seu próprio criador, fazendo sua história e contando-a com a própria voz.
G.H. busca atingir a inexpressividade do ser, resgatar o nada, o neutro e consegue mediante o domínio da palavra. A palavra é, portanto, a vida, à medida que G.H. atinge o inexpressivo do ser e se vivifica.
“A despersonalização como a destituição do individual inútil - a perda de tudo que se passa perder e ainda, ser”. 
A ESCRITURA EPIFÂNICA EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
O termo epifania vem do grego epi = sobre e phaino = aparecer, brilhar; epipháneia significa manifestação, aparição.
Segundo o Dicionário de Teologia Bíblica de Johannes Bauer, epifania é um conceito central do mundo hebreu, que mostra somente algumas coincidências exteriores com fenômenos semelhantes do mundo pagão ambiente.
Ainda segundo o mesmo verbete deste Dicionário, nas religiões pagãs existem epifanias indiretas, isto é, teofanias: divindades que se manifestam por meio de sinais. Na teologia bíblica, porém, se faz clara a distinção entre epifania e milagre. O ponto alto das teofanias do Antigo Testamento é o acontecimento do Sinai, com manifestações extraordinárias, relâmpagos e trovões.
O Novo Testamento focaliza as aparições de Cristo,preparadas por aparições de Anjos (anjelofanias) ou por elas confirmadas.
A epifania constitui, portanto, uma realidade complexa, perceptível aos sentidos, sobretudo aos olhos (visão), ouvidos (vozes) e até ao tato.
Neste caso, as acepções religiosa e mística do termo são importantes, porque têm reflexos no sentido literário, concretamente, no uso que desses processos fez Clarice Lispector. 
Tentaremos mostrar, como a epifania, extrapolando de sua origem bíblica, será transformada, por Clarice, em técnica literária, contribuindo, desta forma, para matizar os acontecimentos cotidianos e transfigurá-los em efetiva descoberta do real. A “escritura epifânica” de Clarice Lispector, nos seus melhores momentos, é procedimento do seu romance metafísico. Esse aspecto foi formulado por Benedito Nunes, desde o seu primeiro ensaio.
“A existência universal, cósmica nivela tudo quanto existe. Não há no mundo de Clarice Lispector, senão uma hierarquia provisória. As grandezas são aparentes, tudo existe por demais. Mesmo aquilo que é pequeno, insignificante ou vil, pode ser objeto de uma visão penetrante, que se estende além da aparência. As coisas representam fisionomia dupla: o comum, exterior, produto do hábito, e a interna profunda, da qual a primeira se torna símbolo”.
Em 1970, sem usar o termo epifania, Massaud Moisés refere-se ao “instante existencial”, em que as personagens clariceanas jogam seus destinos, evidenciando-se “por súbita revelação interior que dura um segundo fugaz, como a iluminação instantânea de um farol nas trevas, e que, por isso mesmo, recusa ser apreendida pela palavra”. 
Esse momento privilegiado não precisa ser excepcional ou chocante; basta que seja revelador, definitivo, determinante. Atinge assim a escritora o anelo de todo ficcionista: o momento da lucidez plena, em que o ser descortina a realidade íntima das coisas e de si próprio.
Clarice privilegia este momento em suas obras, mas jamais usa o termo epifania e se tem consciência deste processo, não o demonstra explicitamente.
Em Clarice Lispector o sentido de epifania se perfaz em todos os níveis; a revelação é o que autenticamente se narra. Revelação a partir de experiências rotineiras como uma visita ao zoológico, a visão de um cego na rua ou até mesmo a visão de uma barata dentro de casa. Assim, seus momentos epifânicos não são necessariamente transfigurações do banal em beleza. Existe também em Clarice uma gana de epifanias críticas e corrosivas, epifanias do mole e das percepções decepcionantes, seguidas de náusea ou tédio. Um exemplo claro disso no livro A Paixão Segundo G.H. é a visão da barata que se apresenta como uma massa informe de matéria viva.
A epifania construída por Clarice Lispector em A Paixão Segundo G.H. obedece o seguinte processo: 
1o. colocação do personagem numa determinada situação: G.H. fica sozinha em casa e resolve visitar o quarto da ex-empregada.
2o. preparação de um evento ou incidente discretamente pressentido: ela resolve limpar o guarda-roupa e sentido a escuridão e o odor abafado que vinha de dentro do móvel, não consegue enxergar nada dizendo: “Então, antes de entender, meu coração embranquecer como cabelos embranquecem”.
3o. ocorrência do incidente ou evento: é o momento em que G.H. consegue enxergar, no meio da escuridão, uma barata grossa mover-se bem próximo a seus olhos. 
4o. desfecho em que se mostra ou se considera a situação do personagem após o evento ou incidente: terminada a experiência iniciada através de um gesto rotineiro, G.H. encontra o seu próprio eu. Ela diz: 
Ontem de manhã - quando saí da sala para o quarto da empregada - nada me fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império. A um passo de mim. Minha luta mais primária pela vida mais primária ia-se abrir com a tranqüila ferocidade devoradora dos animais do deserto. Eu ia me defrontar em mim com um grau de vida tão primeiro que estava próximo do inanimado. No entanto, nenhum gesto meu era indicativo de que eu, com os lábios secos pela sede, ia existir. (pág. 19)
Como dissemos anteriormente em Clarice a palavra epifânica não aparece, mas toda a atmosfera se circunscreve por outros vocábulos e pelo ritual da própria escrita. Em A paixão Segundo G.H. alguns vocábulos surgem explicitando o campo semântico da revelação: nojo, horror, descobrisse, morto, repugnara, são termos referenciadores da epifania.
Considerada a narrativa de A paixão Segundo G.H. como uma epifania, localiza-se melhor a problemática da escrita enquanto um rito que se cumpre como forma de submissão ao processo. Esse rito que envolve a personagem surge como uma atividade involuntária, como realização daquilo que a ficcionista chama de “processo”. 
TEMPO E ESPAÇO 
A Paixão Segundo GH é um mergulho no interior da personagem-narrador, e não há propriamente história, GH busca, em si mesma, pela introspecção radical, sua identidade e as razões de viver, sentir e amar. A obra nem começa nem termina: ela continua. 
Clarice Lispector mostra uma “iluminação”, um instante em que a pessoa vence a alienação e “vê”, toma consciência de sua situação e modifica sua existência. Podemos observar o 1o parágrafo do livro, que começa com seis travessões para indicar que o fluxo da narrativa tem uma parte anterior. O livro também termina com seis travessões, indicando que o fluxo da narrativa continua. 
Em A Paixão Segundo GH, assim como em Perto do Coração Selvagem, Clarice rejeita a forma tradicional do romance com começo, meio e fim. 
Clarice Lispector foi chamada por Massaud Moisés “a ficcionista do tempo por excelência”. Para ela a grande preocupação do romance reside no criar o tempo, criá-lo aglutinado às personagens. Por isso correspondem suas narrativas a reconstruções do mundo não em termos de espaço mas de tempo, como se, captando o fluxo temporal, pudessem surpreender a face oculta e imutável da Humanidade e de paisagem circundante. Para comprovar basta observar como o tempo e a estrutura do romance formam uma só unidade no livro A Paixão Segundo GH.
Não é difícil situar em sua obra as características com que ela concretiza o tempo interior, dependente de estados subjetivos, relativo e irregular. O tempo das emoções é sempre maior que o tempo paralisado do relógio.
Pode se dizer que o livro é dividido em duas partes: uma formada por uma série de instantãneos em torno de GH, explora o tempo psicológico de várias formas.E outra parte em que adquire uma certa ordenação.
Utilizam-se dois planos dinâmicos no transcurso da história: o do presente e o do passado da personagem.
O processo para trazer o passado à superficie é o do associacionismo involuntário; cenas do presente e do passado se alternam conforme o próprio fluxo dos acontecimentos e das lembranças despertas associativamente.
TEMPO - Psicológico : É o nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem determinado pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens, isto é, altera a ordem natural dos acontecimentos. Uma das técnicas mais conhecidas, utilizadas nas narrativas a serviço do tempo psicológico, é o flashback que consiste em voltar no tempo. 
Essa forma de tempo ignora a marcação do relógio. Tempo interior, imerso no labirinto mental de cada um apenas cronometrado pelas sensações, idéias, pensamentos, pelas “vivências”, como sabemos não têm idade.
“Tempo da nossa consciência e da nossa memória, completamente fora de qualquer medida e sempre avançando em ondas interiores no indivíduo, ao contrário do tempo na natureza, ou matemático, que é mensurável e linear.” pg.121 ( M.Moisés)
A consciência e as convenções impõem uma ordem externa aos fatos obrigando-nos a rotulá-los com data marcada, quando sabemos que a verdade psicológica, mesmo para nós mesmos é sem limites ou quando muito circular. As sensações vão bastando o ato de lembrá-las para o confirmar.
O romance de tempo psicológico se baseia na exploração do fluxo da consciência, isto é, na exploração das camadas preverbiais da consciência como propósito básico de revelar o ser psíquico das personangens. (pg.93 PSGH)
Contrariamente ao romance de tempo linear, em que o enredo, as persongens e o espaço desfrutam de uma objetividade facilmente vista pelo leitor. A Paixão Segundo GH identifica-se como romance de introspecção e da criação dum universo por assim dizer mágico. Tem-se a impressão que a narrativa transcorre num plano sobrenatural, ou pelo menos colocado “atrás” da superficie visível das pessoas e das relações sociais.
A autora escreve o ‘hoje’ sob o impacto da experiência do ‘ontem’, portanto não há mais de 24 horas entre o ‘viver’ e o ‘escrever’. Divisão em capítulos, sem títulos e sempre retomados a partir da última frase.
ESPAÇO: É por definição, o lugar onde se passa a ação numa narrativa. Se a ação for concentrada (como o enredo ser psicológico), haverá menos variedade de espaços. O espaço tem como função principal estabelecer entre o personagem e suas ações uma interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções quer sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens. 
No romance de tempo psicológico, o espaço ocupa papel secundário, visto que tudo ocorre num tempo puro, livre de qualquer relacionamento com o espaço. O espaço torna-se categoria mental, situa-se ‘dentro’ e não ‘fora’ da personagem ou do romancista. A tal ponto que a descrição cede vez a uma espécie de início de processo introspectivo, como se o romancista começasse a descrever para imediatamente penetrar na intimidade do objeto descrito, o que significa desprezar-lhe a carapaça externa para vê-lo melhor por dentro. 
Na obra o espaço único e extremamente exíguo, por se constituir no andar de baixo- quarto de empregada- uma espécie de alicerce. Esse espaço não é isento de uma rede de relações entre os objetos e sim o espaço detectado a partir do eu que se coloca como ponto da espacialidade.
Todo o primeiro capítulo é feito de adiamento, para a aceitação do informe, do risco; uma busca e uma constatação do problema e das dificuldades do dizer. No segundo capítulo temos a primeira cena. GH reflete sobre si mesma.(pág. 19. PSGH)
 Não é casual a aproximação do apartamento com GH , pois ela se espelha nele. (pág. 26. PSGH) O leitor logo percebe que GH é de classe média alta, intelectual, requintada, independente, mas uma mulher torturada por fracassos amorosos.
INTROSPECÇÃO EM A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
A ruptura com a verdade lógica tem, pois, coerência interna no texto. O mundo em movimento constante, a realidade perecível dos seres exige da Autora/Narradora atos de inserção de si mesma (anulação do real) e conseqüente invenção, para superação da verdade comum.
E, assim, para entrada nesse reino do “mito da verdade”, o sujeito lírico necessita de uma depuração física, de uma desarticulação com o real.
“(...) não tenha medo da desarticulação que vir. Essa desarticulação é necessária para que se veja aquilo que, se fosse articulado e harmonioso, não seria visto, seria tomado como óbvio. Na desarticulação haverá um choque entre você e a realidade, (...)”.
A alegria resultante do estado de poeticidade é reveladora da contraditória situação do artista no mundo: o divino, plano onírico em que é inserido o EU lírico, e o diabólico, marca do estranhamento e não aceitação do real circundante. Esta situação antiestética gera o reconhecimento poético do “duro peso da alegria”, pois o ato de transcender exige a neutralização do concreto. 
“Foi assim que fui dando os primeiros passos no nada. Meus primeiros passos hesistantes em direção à vida e abandonando a minha vida. O pé pisou no ar, e entrei no paraíso ou no inferno: no núcleo”. 
A oscilação - concreto (pé)/abstrato (“ar”) - revela a contradição inerente ao processo transcendental: o diabólico (desligamento necessário do real) e o divino (entrada gloriosa no reino mítico).
É como se todo artista sofresse a predestinação fatídica por um “anjo torto”(como diz carlos Drummond de Andrade no Poema de Sete Faces) de ser um EU em descompasso como mundo. A marca do demoníaco é reveladora deste desencontro doloroso como real empírico, necessário para o mergulho no transcendental.
“O inferno é o meu máximo”. 
O código lispectoriano registra as flutuações da identidade problemática da Autora/Narradora, pela recorrência das ações, “ir” e “voltar”, confirmando a disritimia existencial (idealidade/realidade).
“(...) Vou embora.
Voltei (...)”.
O verbo “ir” usado recorrentemente no texto lispectoriano expressa o desligamento do real e a conseqüente necessidade de reconstrução poética do mundo. Efetivamente, por uma neutralização da realidade empírica, o EU lírico se lança num novo espaço, mas, impossibilitando de perpetuar-se no transcendental, obriga-se a um reconhecimento da sua condição concreta de vida e a volta ao mundo externo é inevitável, justificando-se as oscilações conflitantes de uma identidade física em desacordo com a identidade poética, ambas presentes na complexidade comportamental de Clarice Lispector.
FORTUNA CRÍTICA
CLARICE LISPECTOR
Por Alfredo Bosi
Quando apareceu Perto do Coração Selvagem, romance de uma jovem de dezessete anos, a crítica mais responsável, pela voz de Álvaro Lins, logo apontou-lhe a filiação: “nosso primeiro romance dentro do espírito e da técnica de Joyce e Virginia Woolf”. E poderia ter acrescentado o nome de Falkner.
Clarice Lispector se manteria fiel às suas primeiras conquistas formais. O uso intensivo da metáfora insólita, entrega ao fluxo de consciência, a ruptura com o enredo factual têm sido constantes do seu estilo de narrar que, na sua manifesta heterodoxia, lembra o modelo batizado por Humberto Eco de “opera aperta”. Modelo que já aparece, material e semanticamente, nos últimos romances, A Paixão Segundo G.H. e Uma Aprendizagem ou O Livros dos Prazeres.
Os analistas à caça de estruturas não deixarão tão cedo em paz os textos complexos e abstratos de Clarice Lispector que parecem às vezes escritos adrede para provocar esse gênero de deleitação crítica. Limito-me aqui a ensaiar algumas idéias sobre o que me parece ser o significado da sua obra no contexto da nova literatura brasileira.
Há na gênese de seus contos e romances tal exacerbação do momento interior que, a certa altura do seu itinerário, a própria subjetividade entra em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da auto-análise, reclama um novo equilíbrio. Que se fará pela recuperação do objeto. Não mais na esfera convencional de algo-que-existe-para-o-eu (nível psicológico), mas na esfera da sua própria e irredutível realidade. O sujeito só “se salva” aceitando o objeto como tal, como a alma que, para todas as religiões, deve reconhecer a existência de um Ser que a transcende para beber nas fontes da sua própria existência. Trata-se de uma salto do psicológico para o metafísico, salto plenamente amadurecido ma consciência da narradora:
Além do mais a “psicologia” nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só traspassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico (Paixão..., p. 26).
Abre-se a Paixão Segundo G.H. e lêem-se, em epígrafe, estas palavras de Bernard Bereson:
Uma vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não-eu que não haverá mais um eu para morrer.
E a obra toda é um romance de educação existencial. Nos livros anteriores Clarice Lispector se abeirava do mundo exterior como quem macera a afetividade e afia a atenção: para colher atmosferas e buscar significações raras, mas ainda numa tentativa de absorver o mundo pelo eu. O monólogo de G.H., entrecortado de apelos a um ser ausente, é o fim dos recursos habituais do romance psicológico. Nele não há propriamente etapas de um drama, pois cada pensamento envolve todo o drama: logo, não há um começo definido no tempo nem um epílogo repousante (nesse sentido é uma obra aberta, como aberta ao passado da memória e ao futuro do desejo é a corrente da consciência). Há um contínuodenso de experiência existencial. E, no plano ontológico, há o encontro de uma consciência, G.H., com um corpo em estado de neutra materialidade, a massa da barata. A paixão (pathos) do ser que pensa é necessariamente sofrimento, na medida em que deve atravessar até o âmago a náusea do contato, assim como Agapé, que é amor de caridade, só se realiza baixando ao humilde, o objeto-abjeto, para assumi-lo e compreendê-lo. Contrariamente a Eros, que se inflama só quando acendo à fruição do que é belo. G.H. ultrapassa a repugnância que vem de um eu demasiado humano; e atinge a comunhão de si mesma com o inseto: então não há mais eu e mundo, mas um Ser de que um e outro participam.
O antropólogo Lévy-Bruhl propôs, nos seus últimos Carnets, a diferença entre a mente primitiva e a civilizada exatamente em termos de participação da primeira e distância para a segunda. Nesta, o outro é sempre objeto de desejo ou de medo, de conhecimento ou de mistério. Naquela, ao contrário, há sempre uma integração dos pólos. Ora, numa romancista ocidental e culta (o que não quer dizer “sofisticada”), a integração nunca poderia ser um dado, mas um projeto, uma árdua conquista. Basta ler as obras que precederam A Paixão para acompanhar a lenta redução operada: dos fragmentos em que se estilhaçava a intuição da escritora à unidade da consciência que se esforça por transmitir os momentos da sai iluminação. Termo que parecerá místico, mas que é justo empregar aqui, pois tem o selo da iluminação religiosa aquele reconhecimento súbito de uma verdade que despoja o eu das ilusões cotidianas e o entrega a um novo sentida da realidade.
Perdi alguma coisa que me era essencial, que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável (Paixão...).
A terceira perna é o supérfluo que parece essencial: tudo aquilo que impede o espírito de caminhar com as forças nuas do próprio ser. E a “paixão”, o contato da mulher com o inseto esmagado consumam o sacrifício de todo entulho psicológico.
A palavra neutra de Clarice Lispector articula essa experiência metafísica radical valendo-se do verbo “ser” e de construções sintáticas anômalas que obrigam o leitor a repensar as relações convencionais praticadas pela sua própria linguagem:
Eu estava agora tão maior que não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longe. Eu era ao longe. (...) como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é longa. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. Então adoro (Paixão, in fine).
eu sou tua e tu é meu, e nós é um (Uma Aprendizagem).
São exemplos que têm lição vária como sintomas de uma crise de amplo espectro: crise dapersonagem-ego, cujas contradições já não se resolvem no casulo intimista, mas na procura consciente do supra-individual; crise da fala narrativa, afetada agora por um estilo ensaístico, indagador; crise da velha função documental da prosa romanesca.
Enfim, o que a escritura de Clarice Lispector anuncia na esfera da ficção introspectiva dá-se também na do romance voltado para o horizonte social. Serão as vicissitudes do regionalismo em nossos dias.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, ALFREDO. História concisa da literatura brasileira. 33a. ed. Cultrix. São Paulo, 1994.
EXPRESSÃO: revista do Departamento de Letras - UFPI. Ano 2, no. 02 - 1995. 
LITERATURA E SOCIEDADE 1 - Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. 5a. edição. Scipione. São Paulo, 1992.
SÁ, Olga de. A escritura de Clarice Lispector. Petrópolis: Vozes; Lorena: Faculdades Integradas Tereza D’Ávila, 1979.
TREVISAN, Zini. A reta artística de Clarice Lispector. Pamartz; São Paulo, 1987.

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