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1 A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O LOBBY DO BATOM1 Caroline Araújo Florêncio de Lima2 RESUMO: O presente artigo propõe-se a analisar e discutir os principais aspectos da participação das mulheres na elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como foco principal o movimento político conhecido como “Lobby do Batom”. O referido lobby, criado a partir do Conselho Nacional de Direitos da Mulher- CDMN tinha como composição a união do movimento feminino, de ativistas feministas e deputadas (bancada feminina), regia-se pelo lema: “Constituinte pra valer tem que ter Palavra de Mulher”, e sua principal finalidade era garantir a inserção das demandas femininas nos dispositivos da nova Carta Magna. O escopo do ensaio é, portanto, resgatar, e propor reflexões acerca do lobby do batom no processo constituinte 1987/1988, identificando os avanços conquistados, seus desdobramentos, bem como os limites e obstáculos que ainda permeiam a efetivação da Constituição da República de 1988 quanto aos direitos das mulheres. Para esse intento, a metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, com fundamento na doutrina que trata o tema, além de artigos científicos e teses. Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, participação das mulheres, processo constituinte, “Lobby do Batom”. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O DIREITO DAS MULHERES E A CONSTITUIÇÃO DE 1988. 2.1 DIREITO DAS MULHERES. 2.2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. 2.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS FEMININOS 3. CONSTITUINTE PRA VALER TEM QUE TER PALAVRA DE MULHER: O LOBBY DO BATOM. 4. AVANCOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO: IMPACTO DO LOBBY DO BATOM 5. CONSIDERAÇOES FINAIS. REFERÊNCIAS. 1 INTRODUÇÃO Historicamente a sociedade impôs às mulheres uma posição de inferioridade, de subordinação, e negação de direitos fundamentais, essa imposição determinava-se além de outros fatores, pelas próprias legislações que detinham caráter discriminatório e exclusivista, e ao invés de combater e enfrentar corroborava com o tratamento desigual destinado as mulheres. 1Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito - CERES - UFRN como requisito para a obtenção do grau de Bacharela em Direito sob a orientação do Prof. Esp. Saulo de Medeiros Torres. 2 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 2 Com o intuito de romper as discriminações a que eram submetidas, ao longo da história as mulheres lutaram e reivindicaram pelo fim da desigualdade de gênero, bem como pela garantia e efetivação de seus direitos, e reconhecimento como cidadãs e sujeitos de direitos. No caso do Brasil não foi diferente, os movimentos das mulheres se agruparam para cobrar do Estado a garantia e proteção de seus direitos, seja o direito do voto, de participação no espaço público, igualdade salarial, igualdade de gênero, entre outros. No presente estudo será abordado, portanto, um dos marcos do movimento no Brasil- o “lobby do batom”, articulação de cunho inédito na história brasileira, o lobby do batom foi um movimento político – jurídico formado pela união do Conselho Nacional de Direitos da Mulher - CNDM, ativistas feministas, o movimento feminino, e deputadas, que detinha como escopo principal proporcionar a participação das mulheres na elaboração da Constituição de 1988, e assim, garantir que suas demandas fossem recepcionadas na nova Carta. Dessa forma, tem-se como objetivo principal do trabalho apresentar e assim resgatar a história do lobby do batom, destacando seu legado não somente para os direitos das mulheres brasileiras, mas, também para a sociedade como um todo. Bem como identificar os desdobramentos advindos no processo constituinte; avaliar o seu papel como instrumento para a consolidação de seus direitos das mulheres como normas constitucionais. Além, de analisar os avanços proporcionados com a promulgação da Constituição Federal de 1988 no que tange o direito feminino, e o que ainda precisa ser conquistado e efetivado. Para a melhor análise do tema foi realizado um estudo acerca da evolução dos direitos das mulheres, considerando todas as Constituições brasileiras, desde a primeira de1824 até o advento da Constituição de 1988. Posteriormente, realizou-se uma análise da Carta Cidadã, destacando-se os artigos específicos que tratam os direitos das mulheres, por exemplo, o artigo 5° inciso I, que prevê a igualdade de gênero, uma das principais lutas do movimento feminino e reivindicações do lobby do batom. Por fim, o último capítulo tem como escopo realizar uma pesquisa acerca das consequências e efetivos avanços conquistados com o lobby do batom, analisando as propostas elencadas na “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, sem deixar de enfrentar os limites e as barreiras que ainda permeiam a sociedade brasileira quanto à discriminação de gênero, identificando possíveis soluções para seu enfrentamento. Durante a realização do estudo, e da busca bibliográfica constatou-se o pouco conhecimento que se tem sobre o tema, isto é, poucos são os registros nos livros jurídicos, nos 3 livros de Direito Constitucional, nas discussões ou debates nas salas de aula da graduação. Essa ausência ao invés de me afastar do tema, realizou uma profunda necessidade de fazê-lo, pois, por ser um momento marcante para a história da luta das mulheres, e consequentemente para a história do país, deve ser reconhecido pela nova geração de estudantes de direito, e da própria sociedade brasileira. Portanto, a escolha do tema deu-se justamente com o intuito de resgatar a histórica participação das mulheres através do lobby do batom no processo constituinte de 1988. E assim, desenvolver um assunto ainda visto com “reservas” pela sociedade e pela própria academia, desconhecido tanto pelos docentes como pelos discentes. Manter viva a memória deste momento fundamental da vida política do Brasil. E acima de tudo promover um convite para a reflexão sobre a condição e os direitos das mulheres na sociedade atual, suscitando o debate, pois um país só será realmente desenvolvido e democrático com a inclusão das mulheres, no espaço público e privado. 2 O DIREITO DAS MULHERES E A CONSTITUIÇÃO DE 1988. 2.1 DIREITO DAS MULHERES. Ao longo da história das civilizações à mulher foi relegado um papel secundário, tratada como figura inferior em relação ao homem, não apenas na vida doméstica, no âmbito familiar, mas também no espaço público, já que se demonstrava restrito aos homens. Ressalta- se que desde a primeira infância, homens e mulheres absorvem, os conceitos culturais que determinam as características e as atribuições para cada gênero na sociedade. E essa fixação de papéis delimita o gênero masculino e o feminino, “incutindo valores e normas sociais que tendem a colocar as mulheres em posição hierarquicamente inferior aos homens. ” 3 Para se compreender a subordinação imposta é necessário entender que a mesma é fruto da forma como a mulher foi/é construída socialmente, e tendo a concepção de que aquilo que é construído pode ser desconstruído, as reivindicações feministas focaram suas lutas para a igualdade no exercício dos direitos, questionando, as raízes culturais de tais disparidades.4 Essa negação e a ausência de direitos, e a discriminação a que eram submetidas, fomentou o surgimento do feminismo. Deduz-se que seu surgimento ocorre exatamente 3 HIRAO, Denise. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, p. 754. In. PIOVESAN, Flávia, IKAWA, Daniela(Coords). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Curitiba: Juruá, 2009, vol. 2, p. 754 4 MACHADO, Érica Babini Lapa do Amaral et al. Sentenças de medida socioeducativa de internação e gênero: o olhar dos magistrados em Pernambuco sobre as adolescentes em conflito com a lei. Revista da Faculdade de Direito. UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 2, maio/ago.2016. Disponível em: http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/42294/29063. Acesso em: 25 out. 2016, p. 177. http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/42294/29063 4 quando as primeiras feministas perceberam que as relações sociais eram historicamente marcadas pela subordinação da mulher e pela sua exclusão dos espaços sociais e de poder. Nessa perspectiva a autora Salete Maria Silva5 acrescenta que: As mulheres perceberam que a sua história era a história da ausência de direitos. O binômio feminismo/direito, portanto, se entrelaça desde a origem das primeiras lutas das mulheres por um lugar social. A compreensão de que havia uma exclusão histórica que submetia, em menor ou maior grau, as mulheres e que esta submissão era legitimada, por vários instrumentos dentre os quais leis e discursos jurídicos, justificadores e mantenedores desta segregação, obrigou as feministas a entender que a sua ação não poderia prescindir da defesa de leis que as incluíssem e as reconhecessem como sujeitos de direitos. É imprescindível destacar os conceitos acerca dos movimentos das mulheres, sendo constituído como uma das modalidades dos chamados novos movimentos sociais, segundo Salete Maria da Silva considerado um movimento que congrega tantos grupos feministas propriamente ditos como movimentos femininos - como clubes de mães, associações de bairro e grupos de mulheres articulados em sindicatos, partidos políticos, entidades religiosas, dentre outras agremiações. Por sua vez o movimento feminista, congrega mulheres, (homens também) e possui como escopo a defesa de mudanças nas relações sociais de gênero, liberando as mulheres do jugo das hierarquias e desigualdades entre os sexos. Tendo um “caráter assumidamente político se preocupa com a teorização de suas ações e proposições, visando conquistar a equidade dos gêneros, especialmente através da participação feminina em todos os espaços sociais”.6 Dessa forma, diante da submissão e exclusão legitimada o movimento feminista, compreende a importância da luta pela igualdade de gênero, por participação no espaço público, bem como, estabelece como questão primordial de suas ações promover a garantia e reprodução de seus direitos e reivindicações nas legislações dos seus países, pois entende o importante papel da legislação na construção da cidadania de grupos que são historicamente excluídos, postos à margem da sociedade, como por exemplo, as mulheres.7 5 SILVA, Salete Maria da. O Legado Jus-Político do Lobby do Batom vinte anos depois: a participação das mulheres na elaboração da Constituição Federal. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê? 2008, p. 05. Disponível em: http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD3_files/Salete_Maria_SILVA_2.pdf. Acesso em: 24 out. 2016. 6 SILVA, Salete Maria da. A carta que elas escreveram: a participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Salvador, 2012. Tese de Doutorado em Direito, 322 f. UFBA p. 53. Disponível em: http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/handle/ri/7298. Acesso em: 24 out. 2016. 7 Ibidem, p. 65. http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD3_files/Salete_Maria_SILVA_2.pdf 5 Nessa linha cita-se a figura de Olimpe de Gouges8 que em 1791 escreveu a pouco conhecida “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã”9 um documento que explicitamente contrapunha a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Posteriormente no âmbito internacional surgiram instrumentos que visavam proteger os grupos chamados “minoritários”, entre eles as mulheres, destacando-se nesse aspecto a Carta da ONU de 1945, primeiro documento internacional a incluir a igualdade de direitos de homens e mulheres. Outros tratados internacionais também estabeleceram em suas linhas os princípios da igualdade e a proibição a discriminação baseada no sexo, como por exemplo, a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) e o Pacto de Direitos Civis e Políticos.10 A Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953); Conferência Mundial dos Direitos Humanos em Viena (1993), a IV Conferência Mundial da Mulher (1995) em Pequim, na China; a Convenção Interamericana sobre a Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher- conhecida como Convenção do Pará. Partindo dessa análise da influência internacional na garantia e proteção dos direitos das mulheres, ressalta-se a decretação da década da mulher (1975-1985) instituída pela Organização das Nações Unidas – ONU, bem como o ano de 1975 decretado como o Ano Internacional da Mulher também pelas Nações Unidas. Nesse contexto Salete Maria da Silva 11 define nos seguintes termos que: No ano de 1975, as mulheres deram um grande passo ao conseguir que a ONU decretasse como o Ano Internacional da Mulher. Tal reconhecimento refletiu amplamente e revigorou as ações do movimento feminista da época. A partir de então, esta década e, principalmente, as duas seguintes, foram cheias de pesquisas sobre a condição da mulher. Desde então, os encontros políticos e a criação ou modificação de leis têm sido focos do movimento feminista, com objetivos à ampliação e segurança de direitos. Ainda no âmbito dos frutos advindos com a referida Década da Mulher, destaca-se o ano 1979, a criação da Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher- CEDAW, primeiro instrumento internacional a tratar e buscar de forma mais específica a questão da igualdade de gênero, o CEDAW concedeu uma proteção especial a situação da mulher que passou a ser tutelada. 8 Revolucionária e escritora francesa (1748-1793). 9Art.1° da Declaração, “A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em seus direitos. ” 10 HIRAO (2009), op. cit., p.754. 11 SILVA, Luisa Stella de Oliveira Coutinho. Direitos das mulheres e organização no plano internacional moderno: uma revisão histórica da participação das mulheres nas relações internacionais. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 65, p. 513/547 jul./dez. 2014. Disponível em: http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article. Acesso em: 24 out. 2016, p. 537. http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article 6 A Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher traz como um dos pontos mais importantes, o reconhecimento da discriminação da mulher e de sua tipificação.12De acordo com a autora o CEDAW foi o primeiro mecanismo internacional a tratar de uma forma mais específica a busca da igualdade da mulher, considerando-a como sujeito de proteção especial, combatendo a discriminação contra a mulher nas suas mais variadas formas: na educação, política, saúde, família, buscando assim um empowerment.13 Diante do exposto, é possível compreender que as Convenções Internacionais e regionais contribuíram sobremaneira e foram de suma importância para reforçar e incentivar o exercício pleno dos direitos políticos pelas mulheres, e também instituem em suas linhas medidas destinadas a aumentar a participação das mulheres nos três poderes.14 No que concerne o Brasil tem-se como um de seus pontos primordiais a promulgação da Constituição da República de 1988. A referida Carta Magna significou no âmbito do plano jurídico nacional um grande marco legislativo no tocante aosdireitos das mulheres e à ampliação de sua cidadania, pois possibilitou que históricas demandas femininas fossem convertidas em normas constitucionais.15 É imprescindível, entretanto, para compreender a importância e evolução da Constituição Federal de 1988 no âmbito do direito das mulheres no Brasil, a realização de uma análise das constituições anteriores, através de um breve histórico desde a de 1824 a promulgação da Constituição Cidadã. 2.2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. Ao longo de sua história o Brasil teve 8(oito) Constituições, duas delas outorgadas (impostas). A primeira Constituição, outorgada no período imperial em 25 de março de 1824 foi a de mais longa duração- 65 anos, tendo sido marcada por forte centralismo administrativo e político, e pelo absolutismo, em decorrência da figura do Poder Moderador. 12 SALGADO, Gisele Mascarelli. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas e Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e seu Protocolo Facultativo: impacto no Direito brasileiro, p. 766, In: PIOVESAN, Flávia, IKAWA, Daniela (Coords). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Curitiba: Juruá, 2009, vol. 2. 13 Traduzida como empoderamento. Frase utilizada pelos movimentos feministas para enfatizar a luta da mulher pelo poder, pela igualdade de gênero. 14 ALMEIDA. Cecília Beatriz Soares. A afirmação dos Direitos da Mulher e a efetividade Jurídica nas Relações Familiares. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP, 2007, p. 64. Acesso em: 24/10/2016. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs 15 SILVA (2012), op. cit., p.42. 7 No que tange os direitos da mulher, a Carta do Império, como era conhecida, foi marcada pela inexistência de normas constitucionais reconhecedoras da cidadania feminina, pois considerava como cidadão, com plenos direitos, somente o homem, branco e proprietário.16 Em 1891 foi promulgada a primeira Constituição da República do Brasil, a segunda do constitucionalismo pátrio, e como a sua antecessora também não reconhecia a mulher como cidadã de direitos, permanecendo a exclusão da condição de eleitoras. Já a Constituição de 1934, por sua vez, previa a situação jurídica da Mulher, no Título II- Da Declaração de Direitos, Capítulo II- Dos Direitos e das Garantias Individuais, no artigo 113, § 1º proibia quaisquer privilégios ou distinções por motivo de sexo. “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprios ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas” Destaca-se que a Constituição de 1934, incorporou ao seu texto normativo a previsão do voto feminino, fruto das inúmeras articulações políticas do movimento sufragista da época. Seguindo a trilha do Código Eleitoral de 1932, definiu no seu artigo 108 previa: “São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei. '' essa expressão outro sexo, referia-se a mulher, já que o homem era considerado o paradigma/modelo a ser seguido, enquanto a mulher era o “outro” 17 A Constituição de 1937, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada no Estado Novo, período ditatorial de Getúlio Vargas, foi apelidada de “Polaca” pela influência da Constituição polonesa, por sua vez, ao tratar os direitos e garantias individuais suprimiu a expressão igualdade jurídica entre os sexos, conforme previa a Carta anterior. Estabelecendo somente em seu art. 122, I: “Todos são iguais perante a lei”. Repetiu-se acerca do direito ao voto, no “Art. 117: “São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei. ” Quanto a Carta de 1946, promulgada em 18 de setembro, considerada uma das mais progressistas até então, segundo Salete Maria da Silva “limitou-se a reproduzir o texto da Constituição anterior, não avançando em absolutamente nada no que respeita às questões femininas. ” 18 No regime militar, duas foram as Constituições, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, ressalta-se que ocorreram sem a experiência de Assembleias 16 Ibidem, p. 40. 17 Ibidem, p. 41. 18 Ibidem, p.41. 8 Constituintes, e quanto aos direitos das mulheres também não demonstraram inovações, tendo, contudo, fixado a igualdade de todos sem distinção de sexo, já que foram elaboradas após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que o Brasil era subscritor.19 Diante do exposto, observa-se distinções ente as Constituições quanto à igualdade, posto que as Constituições de 1824, 1891, 1937 e 1946 consagraram o princípio da igualdade de forma geral, sem estabelecer distinções quanto ao sexo. Diferentemente das Cartas de 1934, 1988 e a Constituição de 1967/Emenda de 1969 que estabeleceram a expressão “sem distinção de sexo”, reveladora da preocupação com a isonomia ente os gêneros. E no que tange o direito do voto, tanto a Constituição de 1824, como a de 1891 não admitiam o direito ao voto para a mulher. Apenas na Constituição de 1934 que foi concedido à mulher o direito ao voto, utilizando-se a expressão “de um e outro sexo”, bem como a obrigatoriedade do alistamento e voto para os homens e as mulheres20. 2.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS FEMININOS. Até a promulgação da vigente Constituição Federal, em 1988, “as constituições brasileiras sempre tiveram um caráter flagrantemente machista, reforçando preconceitos e gerando exclusão e discriminações contra a mulher, tanto no âmbito da vida privada quanto na vida pública. ” 21 Diante do exposto, reforça-se a importância da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 conhecida como Constituição Cidadã, que após décadas na escuridão da ditadura militar (1964-1985), surge como uma luz, uma esperança ao povo brasileiro inaugurando uma nova ordem constitucional, uma nova era, considerada a mais democrática, humanista e liberal de todas as Constituições brasileiras. No dia 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição cidadã, um dos documentos jurídicos de maior relevância para a história brasileira, garantindo direitos sociais, fundamentais, individuais e coletivos jamais contemplados em outras Constituições. A relevância e destaque para o ordenamento jurídico brasileiro da Constituição de 1988, pode ser observado desde o preâmbulo da Carta, pois assegurava o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a 19 ALMEIDA. Cecília Beatriz Soares. A afirmação dos Direitos da Mulher e a efetividade Jurídica nas Relações Familiares. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP, 2007, p. 55. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs. Acesso em: 24 out. 2016. 20 Ibidem, p. 55 21SILVA (2012), op. cit., p 42. http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs 9 igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.22 A Constituição foi inovadora já que voltou as suas atenções para a proteção dos sujeitos mais vulneráveis, as minorias, instituindo dispositivos voltados à defesa de grupos como as mulheres, consumidores, crianças e adolescentes, idosos, indígenas, afrodescendentes, pessoas com deficiência e presidiários.23 Essa mudança advinda com a nova Carta pode ser observada nas palavras do autor Dirley da Cunha Jr.24: Erauma tarde de quarta-feira, um dia ansiado por todos os brasileiros, ávidos por um novo Brasil e uma nova sociedade, plural e aberta, na qual todos, depois de anos de sombra e escuridão, pudessem nascer, viver e conviver livres e iguais em dignidade e direitos. Às 16:00 horas dia 05 de outubro de 1988, um dia diferente e especial para o Brasil e todos os brasileiros, promulgou-se a nova Constituição do País, a Constituição da esperança, da democracia, da felicidade, do ser humano: a Constituição cidadã, como assim intitulada por quem presidia a tão emocionada e histórica Sessão da Assembleia Nacional Constituinte. Nessa linha de inovações e avanços em defesa de grupos em situação de maior vulnerabilidade analisamos mais de perto quanto aos direitos das mulheres, o objeto do presente artigo. Demonstra-se que a Constituição de 1988 foi sem sombra de dúvidas um documento jurídico de real importância para o direito das mulheres, já que se deu a ampliação constitucional de direitos de cidadania feminina. Dessa forma, além de restaurar a democracia no Brasil, a Carta Magna também é um marco na defesa de direitos igualitários para as mulheres, nunca antes vivenciado. Para ressaltar esse avanço citamos os artigos da CRFB/1988 quanto aos direitos das mulheres: inicialmente cita-se o artigo 3°, IV que determina que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Destaca-se também a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério 22 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 23 SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988: a Assembleia Constituinte de 1987/1988 e a Experiência Constitucional Brasileira sob a Carta de 1988. DPU Nº 30 – Nov-Dez/2009, p. 31. Disponível em: http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667. Acesso em: 27 nov. 2016. 24 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. Salvador: Jus Podium, 2014, p. 412. http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667 10 de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7°, XXX); a igualdade nas relações de família (art. 226, §5°); o planejamento familiar como livre decisão do casal (art. 226, § 7°). Na gama desses direitos introduzidos na Carta Política, um dos principais artigos presentes na Constituição Federal de 1988 quanto aos direitos das mulheres é o dispositivo do artigo 5°, que dispõe: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. ” 25 O primeiro inciso deste artigo estabelece a igualdade entre gêneros, ou seja, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição, conclui-se que o intuito é proporcionar uma igualdade mais justa que a do caput do referido dispositivo, ou seja, busca-se um tratamento isonômico para igualar os desiguais, conforme célebre frase de Rui Barbosa influenciada pela visão Aristotélica, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Outros artigos da Constituição Federal de 1988 que tratam acerca das mulheres são: às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5°, L); licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (art. 7°, XVIII); as mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir (art. 143, § 2°); é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições, I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal (art. 201, §7°, I e II) 25 Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 11 3 CONSTITUINTE PRA VALER TEM QUE TER PALAVRA DE MULHER: O LOBBY DO BATOM. A política se constitui como um campo estratégico de atuação do movimento feminista, uma vez que a ascensão das questões femininas no meio público proporciona uma maior visibilidade para as mulheres e para os movimentos engendrados por elas.26 Nesse aspecto, tem-se a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher- CNDM criado pela lei nº 7.353, de 29 de agosto de 1985, vinculado ao Ministério da Justiça em 1985, de iniciativa do presidente José Sarney. Inicialmente é imprescindível salientar que foi fundamental para a sua criação a influência internacional que o Brasil sofreu, através da efervescência da Década da Mulher, bem como a pressão exercida pelos movimentos feministas. Este caracterizou-se como um espaço de caráter público em que se podia deliberar, articular e promover debates, discussões acerca das questões femininas, auxiliando na promoção dos direitos das mulheres. Um espaço de vigilância do exercício pleno da cidadania, proporcionando o agenciamento de mulheres e o diálogo com os diversos movimentos sociais do país. 27 O CNDM foi de suma importância para a promoção dos direitos das mulheres, assegurando a igualdade de condições perante os homens no que tange a participação na vida política, e ainda afirma que: Constituído em seu quadro por mulheres de classe média, vinculadas a movimentos de mulheres ou a política, como a socióloga Jacqueline Pitanguy De Romani, e a deputada estadual Ruth Escobar (PMDB), o CNDM encabeçou e promoveu a participação das mulheres no debate Constituinte, realizando encontros, palestras, reuniões, que tratassem da questão, visando à constituição de uma plataforma política que olhasse para as reivindicações femininas, fazendo com que essas pudessem ser amplamente discutidas. As mulheres das camadas populares também tiveram uma atuação significativa no movimento.28 Dessa forma, é possível aduzir que a referida politização das questões femininas permitiu “um olhar mais de perto” acerca do processo de redemocratização da sociedade, bem como uma participação mais efetiva no debate Constituinte e na elaboração da nova Carta 26 AMÂNCIO, Kerley Cristina Braz. “Lobby do Batom”: uma mobilização por direitos das mulheres. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, nº5 jul.-dez, 2013.p.75. Disponível em: http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/viewFile/444/244. Acesso em: 24 out. 2016. 27 Ibidem, p.75. 28 Ibidem, p.75. 12 Magna, sendo uma peça relevante no desenvolvimento da luta por direitos das mulheres, atuando como mediador entre os movimentos de mulheres e os parlamentares constituintes. 29 A atuação do CNDM consolidou-se na Campanha “Mulher e Constituinte” com o slogan “Constituinte Pra Valer Tem Que Ter Palavra De Mulher”, o foco primordial da campanha era a elaboração de uma carta contendo as propostas e demandas femininas e entregá-la aos deputados na Assembleia Constituinte, para efetivar a sua inclusão na nova Constituição, a referida carta foi denominada Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. Esse movimento foi denominado delobby do batom30e teve como seu escopo principal, inserir na nova Constituição (enquanto fundamento jurídico do Estado), os preceitos legais que permitissem mudanças nas relações entre mulheres e homens, igualando-os em direitos e obrigações, garantindo assim, a cidadania plena das mulheres, o reconhecimento como cidadãs, construindo um novo paradigma social, ou seja, garantir às suas reivindicações um status constitucional, configurando como um compromisso estatal.31 O movimento feminino almejava a igualdade de direitos entre homens e mulheres, garantir seu espaço no ambiente público, deixando de ser expectadora para ser protagonista. O lobby do batom foi um desses exemplos de protagonismo feminino. Criado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher- CNDM foi intitulado de lobby do batom32, quanto a essa alcunha é necessário afirmar que não pode ser lembrado apenas como um apelido cunhado pela imprensa para, à época, retratar com desdém, a mais um dos inúmeros grupos que circulavam no âmbito do Congresso Nacional durante a elaboração da atual Constituição Federal brasileira. O lobby do batom era composto pelo CNDM, o movimento feminino, ativistas feministas e 26 (vinte e seis) deputadas eleitas- a chamada bancada feminina, o objetivo fundamental era promover à participação das mulheres no processo constituinte 1987/1988, e promover consequentemente a adesão de suas reivindicações. Tal movimento político-jurídico 29 Ibidem, p. 74. 30Quanto ao nome que lhe foi dado - lobby do batom salienta-se que “não pode ser lembrado apenas como um apelido cunhado pela imprensa para, à época, em princípio, se referir, com desdém, a mais um dos inúmeros grupos que circulavam no âmbito do Congresso Nacional durante a elaboração da atual Constituição Federal brasileira. ” (SILVA, 2012) 31 SALETE Maria. A carta que elas escreveram: a participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Salvador/BA, 2011. Tese (Doutorado em Direito), 322 f. UFBA, p. 42. Disponível em: http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/handle/ri/7298. Acesso em: 24 out. 2016. 32 Segundo Comba Marques Porto, apud SILVA (2012, p. 194) “A expressão, em verdade, surgiu na imprensa, mais exatamente no Jornal do Brasil, com o qual tínhamos contato e passávamos as informações que queríamos ver difundidas. Achamos a expressão interessante e a incorporamos” http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/handle/ri/7298 13 foi uma articulação inédita na história brasileira, um verdadeiro marco que possibilitou a criação de um documento constitucional mais igualitário. A sua atuação se deu paralelamente aos parlamentares constituintes, e a proposta era entregar a Carta na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e assim, ocorreu, no dia 26 de março de 1987 fora entregue ao Congresso Nacional nas mãos do então presidente da ANC, o deputado Ulisses Guimarães. Nesse contexto vale mister salientar a composição da Assembleia Constituinte para se compreender a real necessidade de formação de um grupo de pressão para que os direitos das mulheres fossem incorporados, pois vejamos, no total formado de 559 membros – 487 deputados federais e 72 senadores, apenas 26(vinte e seis) eram mulheres, a chamada “bancada feminina”. 33 A composição da ANC detinha claramente características patriarcais, formada majoritária e hegemonicamente por homens, como sustenta Sarmento34 “as mulheres estavam absolutamente sub-representadas na Assembleia Constituinte, contando com apenas 26 congressistas (4,6 % do total). ” Pode-se perceber que em termos de representação de gênero uma enorme desigualdade35: Em um universo de mais de cinco centenas de parlamentares, menos de 5% eram mulheres, tal desigualdade, em termos de gênero, era traduzida pela pífia representação feminina neste espaço de poder - levando-se em conta que as mulheres, nas eleições de 1986, constituíam 54% da população e 52% do eleitorado nacional - confirma a tese do patriarcado, segundo a qual, historicamente, o poder e a política se articularam como privilégio dos homens, restando às mulheres as atividades da esfera privada e suas funções correlatas. Dessa forma, o papel do lobby do batom foi imprescindível exigindo como salientou Salete Maria da Silva afirma um trabalho mais intenso, criando estratégias de ação voltadas para a apresentação de demandas, fortalecer e intensificar os diálogos e pressões sobre os congressistas, bem como fiscalizar e monitorar as fases da Constituinte, sempre com o intuito de garantir a constitucionalização de suas bandeiras históricas. 33De acordo com SILVA (2008) até 1986, apenas uma mulher havia sido eleita deputada constituinte: a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz, que em 1934 atuou junto ao parlamento nacional na elaboração da Lei Maior. Na realidade eram 25 deputadas eleitas presentes na ANC, pois foram eleitas 26, mas a deputada Beth Mendes se licenciou para ocupar a Secretaria de Cultura da prefeitura de São Paulo. 34 SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988: a Assembleia Constituinte de 1987/1988 e a Experiência Constitucional Brasileira sob a Carta de 1988. DPU Nº 30 – Nov. Dez/2009, p. 15. Disponível em: http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667. Acesso em: 27 out. de 2016. 35 SILVA (2012), op. cit., p 167. http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667.%20Acesso 14 4 AVANCOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO: IMPACTO DO LOBBY DO BATOM No que tange os avanços adquiridos às mulheres, é necessário desmistificar a ideia de que os direitos das mulheres conquistados, como os da Constituição de 1988 foram outorgados pelos grandes homens ou surgidos da boa vontade ou elevada capacidade racional do legislador, e sim através das lutas e resistências das próprias mulheres. Omite-se a importância da mulher como partícipe da sua própria história.36 O papel do CNDM juntamente com o lobby do batom foi crucial na inclusão de direitos das mulheres na nova Constituição, tornando-se um marco significativo na trajetória da conquista de direitos das mulheres, bem como promoveu a democracia participativa. Sendo um divisor de águas na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, o lobby do batom, teve um papel fundamental para que reivindicações concernentes as mulheres reunidas na Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes (entregue na Assembleia Constituinte) fossem convertidas em normas constitucionais, introduzidas na Constituição Federal de 1988, e também teve um papel importante, já que seu trabalho de articulação possibilitou a promoção de discussões e debates em todo o país, permitindo a dissipação e reconhecimento da luta feminina. Entretanto, apesar dos inúmeros avanços conquistados nas últimas décadas, muito ainda precisa ser feito para que a sociedade seja efetivamente igualitária, conforme prevê a Constituição, em seu art. 5°. Ainda não é possível afirmar que existe uma igualdade de condições entre homem e a mulher. É imprescindível, todavia, enfrentar a realidade que a existência de um direito positivado, não é suficiente, pois exige-se a contrapartida, qual seja, a efetivação desses direitos por parte do Estado. Pois, apesar de seus direitos estarem protegidos na legislação nacional, muitas vezes essa proteção não encontra reflexos na sociedade. Salienta-se queexiste uma “clara distinção do que já está exposto na legislação e o que existe na realidade, ocasionado um grande abismo entre o jus e o fato, ente o dever-ser e o ser”.37 36 Como assevera SILVA (2012, p. 45) a prova inconteste da referida invisibilidade (para não dizer omissão total!) da presença das mulheres enquanto partícipes ativas do processoconstituinte e, consequentemente coautoras da Carta Magna, emerge das diversas obras utilizadas nos cursos jurídicos e políticos do país, bem como das variadas pesquisas, acadêmicas ou não, dedicadas especificamente ao estudo do processo constituinte e da história constitucional do Brasil, cujos jurídicos e políticos do país, bem como das variadas pesquisas, acadêmicas ou não, dedicadas especificamente ao estudo do processo constituinte e da história constitucional do Brasil, cujos conteúdos são coincidentes no quesito “ausência” (quiçá ignorância?) da atuação feminina, seja como deputadas, seja como ativistas, no âmbito do processo de elaboração da Lei Maior. 37 SALGADO, Gisele Mascarelli. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas e Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e seu Protocolo Facultativo: impacto no Direito brasileiro, p. 765-773, In: 15 É necessário tornar a história da luta das mulheres, dos movimentos como o lobby do batom mais presente nos debates e discussões das salas de aulas nas escolas e universidades, nas ruas, para que a sociedade brasileira possa conhecer a sua própria história, as personagens e as lutas, e as conquistas e avanços conseguidos. Assim tomar a história como sua e passar a defendê-la, impedindo a negação e o retrocesso dos direitos garantidos. No que tange os mecanismos de enfrentamento determina-se, dentre outras possibilidades, a promoção e elaboração de políticas públicas e programas governamentais direcionados aos direitos da Mulher. Tomar como base e incentivo, programas como o desenvolvido pela ONU Mulheres, “Planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, em que se estabelece com compromissos concretos para se construir um mundo igualitário, sem distinções de gênero. Pode-se citar também a criação de programas para erradicar a violência contra mulheres e meninas, incentivando a participação das mulheres na tomada de decisão, promover o investimento em planos de ação para a igualdade de gênero, bem como a criação campanhas de educação pública para promover a igualdade de gênero. Nessa análise Luisa Stella de Oliveira Coutinho Silva38 aduz: Agora, aos poucos, é que vão sendo introduzidos nas Escolas de Direito disciplinas de estudo do direito das mulheres, de gênero, história e das minorias. As organizações internacionais e as manifestações das mulheres provam que a luta não foi infrutífera. Entretanto, o avanço é tímido. O que há poucos anos vem sendo construído, é uma pequena atuação diante de centenas de anos de subjugação das mulheres. O caminho certo a ser seguido para efetivar e possibilitar o cumprimento dos direitos constitucionais garantidos é promover a ação de políticas públicas, bem como programas que fomentem a igualdade de gênero, por exemplo, nas escolas, com disciplinas específicas acerca do tema: Mulheres e seus Direitos. É dever dos três poderes: do poder legislativo, Executivo, e Judiciário, bem como da própria sociedade civil garantir a inclusão e garantir a cidadania plena de todos.39 PIOVESAN, Flávia, IKAWA, Daniela (Coords). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Curitiba: Juruá, 2009, vol. II, p. 771 38 SILVA, Luisa Stella de Oliveira Coutinho. Direitos das mulheres e organização no plano internacional moderno: uma revisão histórica da participação das mulheres nas relações internacionais. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 65, pp. 513 - 547, jul./dez. 2014, p. 542. 39 Nessa perspectiva ALMEIDA (2014, p. 17) afirma: “Diante do fato de que aproximadamente metade da população mundial é composta de mulheres, negar-lhes direitos fundamentais corresponde ao não- reconhecimento dos direitos humanos à “metade dos humanos”, para utilizar a feliz expressão de Boutros Ghali”. Boutros-Boutros Ghali foi ex-Secretário da ONU 16 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi um marco significativo na história do país, voltada para a construção de um Estado Democrático, ficou conhecida como Constituição cidadã, em razão da ampla participação da sociedade civil brasileira em sua elaboração. Nesse estudo destaca-se a participação das mulheres no processo constituinte de 1987/1988, através do movimento político intitulado lobby do batom, formado pelo movimento feminino, ativistas feministas e pela bancada feminina, conseguiu proporcionar uma participação mais ativa e efetiva tanto no debate Constituinte, bem como na elaboração da Carta Constitucional. É imprescindível destacar a importância do grupo quanto a inserção dos direitos das mulheres na Constituição de 1988, o lobby do batom elaborou uma “Carta” contendo as reivindicações que deveriam ser reproduzidas na nova Constituição, o documento continha propostas relacionadas à educação (enfatizando na igualdade de gênero), à saúde feminina, a fundamentação da família, ou seja, pontos visando eliminar discriminações. Os avanços conquistados no que tange o direito das mulheres e hoje asseguradas em lei, como por exemplo, o artigo 5°, inciso I da Constituição de 1988 ocorreram por meio de lutas e resistências do movimento feminino, de ativistas feministas. E um desses exemplos foi o próprio lobby do batom, alvo do estudo, em que de forma inédita e organizadamente se deu a participação das mulheres no processo constituinte. Os resultados e a importância são incontestes. No entanto, o que ocorre, de fato, é a praticamente ausência de informações sobre o tema, o que as ativistas denominam de androcentrismo. Por fim, a conclusão é que apesar de ser um movimento de suma importância para a história não somente das mulheres, mas também do próprio Brasil, ainda faltam pesquisas mais específicas, com dados e elementos mais detalhados, é necessário realizar uma reflexão acerca da escassez de estudos e pesquisas acerca do tema do lobby do batom, apesar deste ser um movimento marcante e inédito e de grande relevância na história do constitucionalismo brasileiro. Dessa forma, o intuito do presente trabalho, é resgatar e apresentar o tema, sem esgotá-lo, levando-o ao conhecimento da nova geração de mulheres, bem como o seu reconhecimento nas salas de aulas das escolas e universidades, ou seja, proporcionar ao 17 movimento do lobby do batom e acima de tudo a luta feminina a importância e o destaque que merecem, pois não existe um país realmente desenvolvido, sem que os direitos das mulheres sejam reconhecidos e garantidos nas suas legislações e efetivados. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Cecília Beatriz Soares. A afirmação dos Direitos da Mulher e a efetividade jurídica nas Relações Familiares. Tese de Mestrado em Direito- PUC-SP, 2007. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs>. Acesso em: 24 out. 2016. AMÂNCIO, Kerley Cristina Braz “Lobby do Batom”: uma mobilização por direitos das mulheres. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, nº5 jul.-dez, 2013.p.72-85. Disponível em: <http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/viewFile/444/244. Acesso em: 24 out. 2016. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. Salvador: Jus Podium, 2014. HIRAO, Denise. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher p. 753-764, In: PIOVESAN, Flávia, IKAWA, Daniela (Coords). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Perspectivas e Desafios Contemporâneos. Vol. II. Curitiba: Juruá, 2009, vol. II. MACHADO, Érica Babini Lapa do Amaral et al. Sentenças de medida socioeducativa de internação e gênero: o olhar dos magistrados em Pernambuco sobre as adolescentes em conflito com a lei. Revista da Faculdade de Direito. <disponível em: http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/42294/29063>.Acesso em: 25 out. 2016. SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988: a Assembleia Constituinte de 1987/1988 e a Experiência Constitucional Brasileira sob a Carta de 1988. DPU Nº 30 – nov. Dez/2009. Disponível em: <http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667>. Acesso em: 27 out. 2016. SALGADO, Gisele Mascarelli. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas e Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e seu Protocolo Facultativo: impacto no Direito brasileiro, p. 765-773, In: PIOVESAN, Flávia, IKAWA, Daniela (Coords). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Curitiba: Juruá, 2009, vol. II. SILVA, Luisa Stella de Oliveira Coutinho. Direitos das mulheres e organização no plano internacional moderno: uma revisão histórica da participação das mulheres nas relações internacionais. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 65, pp. 513 - 547, jul. /dez. 2014. <Disponível em: http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article>. Acesso em: 25 out. 2016. http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/viewFile/444/244 http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/42294/29063 http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/667 http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article 18 SILVA, Salete Maria da. A carta que elas escreveram: a participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Salvador, 2012. Tese de Doutorado em Direito. UFBA. 322. Disponível em: <http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/handle/ri/7298>. Acesso em: 24 out. 2016. _______________________. O Legado Jus-Político do Lobby do Batom vinte anos depois: a participação das mulheres na elaboração da Constituição Federal. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê? 2008. Disponível em: <http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD3_files/Salete_Maria_SILVA_2.pdf>. Acesso em: 24 out. 2016.
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