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DISCIPLINA: QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL AULA 01 Prof.ª Valdirene da Rocha Pires 2 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina Questão Social e Serviço Social! O objetivo desta disciplina é trabalhar a questão social enquanto fenômeno histórico característico da expansão do capitalismo, bem como explanar a relação do Serviço Social com as demandas sociais inerentes ao desenvolvimento desse sistema. Nesta aula, com base nos estudos de autores (as) clássicos do Serviço Social, (Marilda Iamamoto, Potyara A. Pereira e Maria Lúcia Martinelli), vamos trabalhar alguns conceitos de questão social e, também, uma discussão acerca do surgimento de demandas por políticas sociais produzidas pela contradição entre capital e trabalho. CONTEXTUALIZANDO Para compreender a relação do Serviço Social com a Questão Social, faz- se necessário um resgate histórico que busque a articulação do Serviço Social com fenômenos sociais e econômicos que são considerados inerentes ao desenvolvimento do sistema capitalista. A Questão social é compreendida como o amplo conjunto de adversidades sociais provocadas pela concentração dos meios de produção em uma pequena parcela da sociedade e pela ausência de distribuição dos bens socialmente produzidos, fatores estes que são típicos do modo de produção capitalista. No caso brasileiro, a questão social está intrinsicamente relacionada ao processo de desenvolvimento urbano/industrial do país. Tema que veremos nas próximas aulas. 3 TEMA 1 - CONTEXTUALIZANDO A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A revolução Industrial (inicialmente na Inglaterra, no século XVIII e na Alemanha no início do século XIX) é considerada um dos fenômenos históricos que transformou o modo como os homens se organizam em sociedade, produziu grandes transformações no âmbito econômico, social e político em contexto mundial. Com a substituição do modo de produção manufatureiro1 pelo industrial, aumentou-se a demanda por força de trabalho e, por consequência, a necessidade de movimentação dos trabalhadores do campo para cidades, indispensável para a acumulação de capital e ampliação do mercado. (MARITNELLI, 2010, p. 55) Nesse período, muitos trabalhadores rurais foram atraídos para as cidades em função da abertura de novos campos de trabalho nas indústrias. A migração de agricultores do campo para as cidades transformou os camponeses em assalariados industriais, fator esse que trouxe mudanças significativas para suas vidas e para as relações sociais. Um dos fenômenos mais agravantes da expansão da indústria diz respeito às condições de trabalho, extremamente precária e insalubre, que colocavam em risco a vida e a saúde dos trabalhadores, visto que no início as jornadas de trabalho eram de doze a dezesseis horas por dia. Os baixos salários pagos pelas indústrias também são outro fator que trazia dificuldades para a qualidade de vida dos trabalhadores. 1 Manufatura é um sistema de fabricação de grande quantidade de produtos de forma padronizada. Neste processo são usadas apenas as ferramentas (como era feito antes da Revolução Industrial) A Revolução Industrial significou uma grande transformação no processo de produção de bens. O trabalho exclusivamente manual foi substituído pelo uso de máquinas, resultando na produção de maior quantidade de produtos em tempo menor. 4 TEMA 2 - O SURGIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA No contexto das mudanças sociais, com o surgimento da revolução industrial, surge também a classe trabalhadora, ou seja; trabalhadores manufatureiros que antes eram donos de teares, pequenos agricultores, sapateiros, que realizavam seus trabalhos em parcerias com suas famílias, passaram a ser operários submetidos aos interesses de capitalistas (donos dos meios de produção). A falta de condições aos trabalhadores para a manutenção da vida na cidade acarretou sérios problemas sociais, que geraram um enorme descontentamento da classe perante o Estado e a burguesia. Entre os problemas gerados por esse “novo” meio de produção aos trabalhadores, além das desgastantes condições de trabalho, estão: a falta de moradia, saúde fragilizada, dificuldade de acesso à alimentação, dificuldades para sustentar a família, entre outros. No entanto, não apenas os baixos salários eram um fator que gerava ausência de recursos para os trabalhadores, além disso, o desemprego também foi um dos males gerados pelo novo modo de produção, visto que, como já foi apontado, diversas famílias migraram para a cidade em busca de trabalhos ofertados em função da produção industrial, fato este que acarretou em grande concentração populacional nas cidades, mas nem todas conseguiam emprego. Diante do exposto, podemos verificar que a revolução industrial trouxe grandes mudanças no contexto social e econômico de ordem mundial, e, ainda que estejamos falando do final do século XVIII e início do século XIX, já podemos fazer algumas associações das mazelas existente nesse período com os problemas sociais que nos deparamos hoje. Por exemplo: a escassez de moradia, ou moradias precárias para a classe trabalhadora, famílias com dificuldade de acesso à alimentação adequada, entre outros males que vamos apontar no decorrer das aulas. Para melhor compreender como o Estado e a sociedade se posicionavam diante das penúrias sociais desse período, no próximo tema abordaremos algumas das principais ações voltadas ao enfrentamento dessas questões. 5 TEMA 3 - A REFORMULAÇÃO DA LEI DOS POBRES (POOR LAW) Os estudos de Potyara Pereira (2015) relatam que a Lei dos Pobres tem início, no século XIV, na Inglaterra, com uma série de medidas criadas pelo Estado como forma de responder aos “problemas” sociais, como a miséria, famílias desabrigadas e epidemias daquele período. De acordo com a autora, essa forma de tratar os problemas existentes consistia mais em medidas punitivas do que protetivas, pois a “vagabundagem”, como eram tratados os pedintes, andarilhos e desempregados, era castigada com surras, mutilações e queimaduras pelo corpo. No final do século XVI (1597), uma das medidas da Lei dos Pobres consistia no abrigamento dos assistidos pelo Estado em locais destinados a recolher os “desocupados” ou incapacitados para o trabalho, como idosos inválidos, pessoa com deficiência e os pobres desempregados. A pobreza era considerada um problema de caráter dos sujeitos e os assistidos eram obrigados a realizar trabalhos não remunerados como forma de pagamento por receber auxílio. Iniciamos esse tema discorrendo um pouco sobre como os pobres eram tratados no período pré-industrial para, com isso, situá-los em relação às formas de enfrentamento das expressões da questão social no período pós-revolução industrial. Então, vamos lá? No início do Séc. XIX, os trabalhadores ingleses conquistaram o direito à associação, fato que fortaleceu seus movimentos reivindicatórios. No mesmo período, a Lei dos Pobres foi reformulada e a casa de correção tornou-se casa de trabalho (workhouses), e também foram criadas as Caixas dos Pobres, uma espécie de reserva para concessão de auxílio àqueles que não conseguiam se inserir na dinâmica da produção capitalista. De acordo com Potyara (2015), aceitar ser acolhido nas casas de trabalho era requisito fundamental para receber assistência pública, pois, caso os sujeitos ou as famílias se recusassem permanecer nas casas de trabalho, ficariam “à margem de qualquer socorro público”. Isso significa que as famílias que necessitavam de assistência pública, obrigatoriamente teriam que procurar as casas de trabalho, mesmo “sabendo que, no seu interior, teriam sua liberdade 6 cerceada eos laços familiares rompidos: os maridos seriam separados de suas mulheres e ambos de seus filhos” (POTYARA, 2015, p. 78). Segundo Martinelli (2015), para que os trabalhadores acessassem tanto a casa de trabalho, quanto os auxílios, tinham que passar por rigorosa inspeção de sua vida pessoal e familiar, pois, o atendimento implicava assumir-se como dependente de poder público e, portanto, preso a uma vida controlada por normas e regulamentos. Dessa forma, mesmo livrando-se através de novo texto legal, de viver enquistado em um local específico, os pobres não conseguiam libertar-se do jugo do poder burguês. (MARTINELLI, 2010, p.58) Era realizada uma rigorosa fiscalização das condições de vida daqueles que necessitassem de atendimento da assistência pública. Manter a ordem social era primordial para a burguesia, por isso da necessidade de criar mecanismos de controle social, de modo que contivessem as manifestações operárias e os problemas sociais associados à pobreza. Nesse sentido, concordamos com Martinelli, quando a autora discorre que: a busca de racionalização da prática social desejada pela burguesia tinha objetivos muito claros, relacionando-se diretamente ao seu projeto hegemônico de domínio de classe. [...] significava transformá-la em um instrumento auxiliar do processo de consolidação capitalista, em uma ilusão necessária à eterna reprodução das relações capitalistas de produção. (MARTINELLI, 2010, p. 63) TEMA 4 - CONCEITOS DE QUESTÃO SOCIAL Tratamos até agora de questões relacionadas às raízes da questão social. Mas qual é o conceito utilizado pelos teóricos do Serviço Social para definir esse termo? Este é um termo que será usado durante todas as aulas dessa disciplina, por isso, na sequência, será apresentado o entendimento de questão social pela autora Maria Lúcia Martinelli, em seu livro: “Serviço Social: identidade e alienação”. Então vejam: “[...] por questão social entende-se o amplo espectro de problemas sociais que decorrem da instauração e da expansão da industrialização capitalista. É a ‘expressão concreta das contradições entre o capital e o trabalho no interior do processo de industrialização capitalista’.” (MARTINELLI, 2010, p. 63). 7 Outro conceito de questão social é apontado pela autora Marilda Iamamoto como: “o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura [...]” (IAMAMOTO, 2010, p. 27). Vejam que, nas duas formas de interpretar a questão social, o capitalismo aparece como o causador do conjunto das desigualdades que compõe o conceito. Por isso é importante que, cada vez que ouvirmos falar em questão social fazer logo uma associação com as disparidades sociais causadas por esse sistema. TEMA 5 - A QUESTÃO SOCIAL NO SÉCULO XX Durante o século XIX, os trabalhadores, por meio da pressão sobre o Estado, conquistaram importantes espaços de organização, por exemplo: as associações, os sindicatos e a militância em partidos políticos. Assim, a luta dos trabalhadores passa a ser vista com seriedade, pois tornou-se visível a influência do movimento operário nos partidos políticos. As três primeiras décadas do século XX foram marcadas por uma crescente crise de ordem mundial, mais conhecida como a crise de 1929. O quadro social nesse período era alarmante, com crescente índice de desemprego e pobreza. Foi também nesse período que ocorreu a Primeira Guerra Mundial, (1914-1918), que além de gerar diversos problemas sociais, também contribuiu para desencadear a crise econômica mundial. Nesse cenário de crise, o Estado passa a intervir com investimentos para recuperar a economia e reestabelecer o capitalismo, para isso foi necessária uma aliança com a burguesia. À medida que cresce o capitalismo, também cresce a pobreza e a pauperização dos trabalhadores. Lembrando que esse cenário se trata da Europa, principalmente a Inglaterra, país considerado o berço do capitalismo. Sobre a questão social que se apresentava nesse cenário, Martinelli (2010) explica que foi necessário um novo olhar, uma “nova” forma para o enfrentamento da questão social, uma estratégia de atendimento social que considerasse a atuação e a força das duas classes, a operária e a burguesa, ambas defendendo seus interesses. 8 NA PRÁTICA Para melhor compreender a discussão acerca da questão social tratada nesta aula, vamos pensar num exemplo que possamos associar com a realidade. Mas antes disso, vamos retomar o conceito de questão social apontado pelas autoras Marica Lúcia Martinelli (2010) e Marilda Iamamoto (2010). Nos apontamentos das duas autoras a questão social é tratada como um conjunto de expressões das desigualdades sociais produzidas pelo capitalismo. Certo? E também foi abordado que uma das expressões da questão social é a escassez de moradia, ou moradias precárias para a classe trabalhadora. Agora vamos pensar: qual a relação da escassez de moradia com o capitalismo? Por que algumas famílias não conseguem acessar a moradia adequada e acabam, muitas vezes, ocupando áreas de risco físico e social como alternativa de moradia na cidade? Pense nisso fazendo uma mediação com o conteúdo abordado na aula! Pois bem! Pensou na problemática indicada? Então agora vamos refletir! É importante lembrar que uma das causas da falta de moradias adequadas aos trabalhadores foi a migração do campo para a cidade (êxodo rural) e, por consequência, o rápido e desordenado crescimento das cidades. A escassez de moradias, ou a dificuldade de acesso, aos trabalhadores é uma das expressões mais gritantes da questão social, pois as más condições de moradia acarretam em vários outros fatores que também compõem o conjunto de expressões da desigualdade social, (por exemplo: uma família que, por falta de condições, ocupou e construiu sua casa na beira de um rio, local sem saneamento ambiental, água canalizada, sem energia elétrica, sem coleta de lixo e carente de vários outros serviços urbanos), a fragilidade dessa família não está apenas na questão da unidade habitacional, e sim em todos os outros elementos que são necessários para a manutenção de sua vida com dignidade! SÍNTESE Nesta aula, tratamos da temática que relaciona o seguimento e expansão do sistema capitalista com a questão social. Contextualizamos que com o advento da revolução industrial surge a classe trabalhadora, inserida num processo de extrema precarização das condições e de vida. 9 Também pontuamos algumas ações do Estado voltadas a atender demandas sociais geradas pelo novo modo de produção, bem como a forma como eram tratadas as famílias e sujeitos que necessitavam de atendimento público, como o abrigamento das casas de trabalho e nas casas de correção. Compreender isso se faz importante para que, no momento de atuação profissional, o assistente social possa realizar uma leitura cítrica da realidade, sempre mediando com fatores históricos e sociais que culminaram no objeto de intervenção profissional, ou seja: a questão social, temática que, na próxima, aula será tratada sob o aspecto da vinculação com constituição do serviço social como profissão institucionalizada. REFERÊNCIAS MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo. Cortez, 2010. PEREIRA, P. A. Política Social: temas e questões. Editora Cortez, São Paulo, 2015. IMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2010.
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