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1 UNIDADE 1 CIDADANIA E SOCIEDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender diferentes conceitos de democracia, ética, cidadania e socio- diversidade; • verificar os padrões de conduta moral ao longo do tempo e em diversas culturas; • identificar a importância da responsabilidade social e os três setores: pú- blico, privado e terceiro setor para uma sociedade equânime; • entender a importância da cultura e da arte no desenvolvimento da sociedade. Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA TÓPICO 2 – SOCIODIVERSIDADE E INCLUSÃO TÓPICO 3 – MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTO- LERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO TÓPICO 4 – RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRI- VADO E TERCEIRO SETOR TÓPICO 5 – CULTURA E ARTE 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 1 INTRODUÇÃO Entraremos no mundo do comportamento humano em sociedade e suas regras de conduta e participação social, política e econômica, no qual trabalharemos a questão da formação dos princípios morais e éticos dos homens que vivem e convivem em sociedade, além de abordarmos questões pertinentes à democracia e à cidadania. Esses conceitos estão previstos na Portaria INEP nº 493 de 6 de junho de 2017, em seu Art. 1º, que destaca: O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), tem como objetivo geral avaliar o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares, às habilidades e competências para atuação profissional e aos conhecimentos sobre a realidade brasileira e mundial, bem como sobre outras áreas do conhecimento (BRASIL, 2017, grifos nossos). A mesma portaria, em seu Art. 5º, indica como referência do perfil do concluinte, no âmbito da Formação Geral, as seguintes características: I. ético e comprometido com as questões sociais, culturais e ambientais; II. humanista e crítico, apoiado em conhecimentos científico, social e cultural, historicamente construídos, que transcendam o ambiente próprio de sua formação; III. protagonista do saber, com visão do mundo em sua diversidade para práticas de letramento, voltadas para o exercício pleno de cidadania; IV. proativo, solidário, autônomo e consciente na tomada de decisões pautadas pela análise contextualizada das evidências disponíveis; V. colaborativo e propositivo no trabalho em equipes, grupos e redes, atuando com respeito, cooperação, iniciativa e responsabilidade social. E no Art. 6º é indicado que a prova ENADE avaliará se o concluinte desenvolveu, no processo de formação, competências para: I. fazer escolhas éticas, responsabilizando-se por suas consequências; II. ler, interpretar e produzir textos com clareza e coerência; III. compreender as linguagens como veículos de comunicação e expressão, respeitando as diferentes manifestações étnico-culturais e a variação linguística; IV. interpretar diferentes representações simbólicas, gráficas e numéricas de um mesmo conceito; V. formular e articular argumentos consistentes em situações sociocomunicativas, expressando-se com clareza, coerência e precisão; VI. organizar, interpretar e sintetizar informações para tomada de decisões; VII. planejar e elaborar projetos de ação e intervenção a partir da análise de necessidades, de forma coerente, em diferentes contextos; UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 4 QUADRO 1 – FORMAS DE DEMOCRACIA FONTE: Adaptado de Pieritz (2013, p. 133) FORMAS DE DEMOCRACIA Democracia direta Na qual o povo decide diretamente, por meio de referendo/ plebiscito, se aceita ou não determinadas questões políticas e administrativas de sua localidade, Estado ou país. Democracia indireta Nesta, o povo participa democraticamente, por meio do voto, elegendo seu representante político, ou seja, uma pessoa que o represente nas diversas esferas governamentais, para tomar decisões cabíveis em nome do povo que o elegeu. VIII. buscar soluções viáveis e inovadoras na resolução de situações- problema; IX. trabalhar em equipe, promovendo a troca de informações e a participação coletiva, com autocontrole e flexibilidade; X. promover, em situações de conflito, diálogo e regras coletivas de convivência, integrando saberes e conhecimentos, compartilhando metas e objetivos coletivos. Para tanto, abordaremos a compreensão dos significados dos princípios norteadores da democracia, ética e cidadania, além de realizar uma reflexão e uma discussão sobre as questões ético-morais, na relação indivíduo e sociedade. 2 A DEMOCRACIA EM PAUTA Estamos vivendo em um país apresentado como democrático! Será que todos nós compreendemos o sentido real da democracia e seus reflexos na sociedade brasileira? Em outros termos, o que realmente é este Estado Democrático de Direito em que vivemos? Neste sentido, Moisés (2010, p. 277) expõe que “o significado mais usual da democracia se refere aos procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de governos através de eleições”, ou seja, a democracia é compreendida habitualmente somente como um processo de escolha dos nossos representantes legais em todas as esferas, tanto local, municipal, estadual quanto federal, no qual a população dessas esferas, por meio de seu voto, seleciona e elege o seu representante para legislar em nome dessa mesma população. Assim, “podemos considerar que a democracia nada mais é do que um sistema de governo, no qual o povo governa para sua própria sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 133, grifos do original). Deste modo, pode-se observar que a democracia pode ser exercida de duas formas distintas, pois ela pode ser direta ou indireta (Quadro 1). O conceito de democracia é notoriamente o entendimento de toda massa populacional brasileira nos dias de hoje, pois quando se indaga às pessoas com relação ao conceito de democracia, é este conceito de escolha de nossos representantes legais, por intermédio do voto popular, que aparece nos discursos da população de nosso país. TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 5 Cunha (2011, p. 105) expõe que a democracia pode ser compreendida como “método de organização social e política tendente à maior realização da liberdade e da igualdade. [é um] Sistema político em que o povo constitui e controla o governo, no interesse de todos”. Outro fator que não podemos esquecer é que, quando falamos em democracia, também falamos de Estado Democrático de Direito. Segundo Cunha (2011, p. 138), o “Estado de direito [é aquele] que se organiza e opera democraticamente”. Nossa Carta Magna de 1988, já em seu preâmbulo, instituiu um Estado Democrático de Direito, ou seja, a Constituição da República Federativa do Brasil se organizou e definiu suas normativas em prol de um Estado Democrático, no qual a democracia deverá ser a base fundamental da República Federativa do Brasil. Assim, segundo Pieritz (2013, p. 133), “este sistema de governo democrático possui formatos diferentes nas diversas sociedades, pois em cada uma existem regras e normas diferentes, e isto acontece por causa da constituição dos princípios ético-morais de cada localidade”. Vale salientar que a democracia vai muito além desse discurso sintético de representação e de voto, pois Moisés (2010, p. 277, grifos nossos) coloca-nos que: existem outras perspectivas que ampliam a compreensão do conceito, incluindo tanto as dimensões que se referem aos conteúdos da democracia, como também os seus resultados práticos esperadosno terreno da economia e da sociedade. Por uma parte, acompanhando a abordagem minimalista de Schumpeter (1950) e a procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de competição, participação e contestação pacífica do poder. Neste sentido, no que tange à conotação que a democracia tem de competição, participação e contestação pacífica do poder, pode-se expor que falar de democracia também está atrelado ao conceito do “jogo de poderes”, principalmente a disputa e concorrência de cargos em todas as esferas governamentais ou não, além da competição entre partidos políticos e outros grupos econômicos, políticos, culturais e sociais. Além disso, não podemos esquecer um elemento fundamental da democracia, que é a questão da “participação do povo”, em que cada cidadão brasileiro é elemento fundamental no processo democrático do Brasil, pois direta ou indiretamente é parte do processo democrático instaurado neste país. Ao proferir sua escolha, independentemente do que for ou de que escolha fora feita, torna-se automaticamente parte do Estado Democrático de Direito e integra-se ao sistema vigente de democracia daquele determinado Estado. Resumidamente, a Figura 1 apresenta o primeiro entendimento da definição e o significado da democracia e o Estado Democrático de Direito. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 6 FIGURA 1 – DEMOCRACIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO FONTE: Os autores Maciel (2012, p. 73, grifos do original) complementa expondo que a democracia “tornou-se uma aspiração universal, por ser o regime de governo mais propenso a garantir os direitos individuais, porém não se resume simplesmente ao ato de votar, sendo que o direito à participação tornou-se uma atividade importante diante da constituição da cidadania”. Por conseguinte, pode-se expor que democracia denota participação direta ou indireta da população em todos os espaços que necessitem do veredito do povo em prol de objetivos comuns a ele mesmo. Assim, Beethan (2003, p. 110 apud MACIEL, 2012, p. 73, grifos nossos) complementa expondo que: O direito à participação pode ser tanto reativo quanto proativo. Em sua forma reativa, a participação consiste na articulação coletiva de respostas a políticas de desenvolvimento. Na forma proativa, ela invoca a responsabilidade popular no desencadeamento da articulação de políticas de desenvolvimento. No primeiro caso, os governos propõem e os cidadãos reagem; no segundo, os cidadãos propõem e os governos reagem. Em ambas as formas, o direito de participação assume a lógica de colaborar com o desenvolvimento. “No coração da democracia repousa, assim, o direito do cidadão de opinar nos assuntos públicos e de exercer controle sobre o governo, em pé de igualdade com os demais”. Deste modo, pode-se expor que um dos elementos da democracia é a articulação coletiva do povo em prol de uma determinada demanda social, política, cultural ou econômica. Para que se possa debater coletivamente os prós e contras, no que tange aos assuntos pertinentes ao interesse coletivo, dando assim respostas a esta mesma demanda. Vale salientar que a não participação e a omissão também são formas de participação, pois retratam a sua alienação, indiferença, contestação ou o seu descontentamento em relação ao sistema vigente. Então, isto não quer dizer que aquele cidadão que se omitiu ou apenas não quis participar não fez parte do TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 7 QUADRO 2 – CONDIÇÕES BÁSICAS PARA O REGIME DEMOCRÁTICO FONTE: Adaptado de Moisés (2010, p. 277) Disponível em: <http:// rafaelsilva.over-blog.es/arti- cle-objetivo-democracia- -iv-124370354.html>. Direito dos cidadãos de ESCOLHEREM GOVERNOS por meio de eleições com a participação de todos os membros adultos da comunidade política. A isso se dá o nome de sufrágio universal (direito ao voto). ELEIÇÕES regulares, livres, competitivas, abertas e significativas. GARANTIA DE DIREITOS de expressão, reunião e organização, em especial, de partidos políticos para competir pelo poder. Acesso a fontes alternativas de INFORMAÇÃO sobre a ação de governos e a política em geral. Essas quatro condições mínimas para implantar um regime democrático são de fundamental importância para que haja a participação democrática de um povo em prol dos objetivos comuns do próprio povo, uma vez que a democracia vai muito além da simples representação e de voto, ela se efetiva e concretiza-se com a participação, com a competição e a contestação dos processos pacíficos da busca do poder no Estado Democrático de Direito. Sucintamente, a Figura 2 apresenta a ampliação da compreensão do entendimento do significado da democracia, ou seja, o seu conceito ampliado: FIGURA 2 – CONCEITO AMPLIADO DE DEMOCRACIA FONTE: Os autores processo democrático de um país, pelo contrário, todo cidadão tem o direito de participar ou não, mesmo que o voto no Brasil seja obrigatório, pois ao votar ele exprime a sua vontade, ou o seu desejo. Aqui fica claro que a população, ao exercer seu direito de participação de forma proativa, demonstra seus direitos e responsabilidades perante os efeitos da decisão coletiva. Entretanto, também existem quatro condições necessárias para que se possa instaurar um regime governamental pautado na democracia. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 8 3 A QUESTÃO DA ÉTICA O tema que abordaremos neste momento é relativo à questão da ética, a qual permeia constantemente nosso dia a dia, seja no âmbito familiar, social ou profissional. Aparentemente, compreendemos o seu significado e seus efeitos, mas será que realmente compreendemos o seu sentido real? Será que sabemos o que é certo ou errado para nós na sociedade em que vivemos? Neste sentido, Tomelin e Tomelin (2002, p. 89) expõem que “a ética é uma das áreas da filosofia que investiga sobre o agir humano na convivência com os outros [...]”. Em outros termos, as nossas ações perante a sociedade em que vivemos são orientadas por princípios éticos e morais, e esses princípios são norteadores de consciência moral do certo e do errado, do bem e do mal. De modo mais abrangente, a ética pode ser conceituada como a área da filosofia que investiga o agir humano, tanto aqueles com repercussão social, quanto aqueles sem maiores impactos na sociedade, ou seja, não somente os atos relativos à convivência com os outros, mas também consigo mesmo. Assim, no que tange a esta problemática relativa à ética, Pieritz (2013, p. 3) expõe que “a ética não é facilmente explicável, mas todos nós sabemos o que é, pois está diretamente relacionada aos nossos costumes e às ações em sociedade, ou seja, ao nosso comportamento, ao nosso modo de vida e de convivência com os outros integrantes da sociedade”. E que esses valores éticos são construídos historicamente pelos povos, de geração em geração. O que são valores? Pedro (2014, p. 490) faz um resgate etimológico da palavra Axiologia, de origem grega, que significa estudo dos valores ou ciência do valor, e aponta para um significado, o da vivência do valor, independentemente do valor que for, pois este é experienciado como um fenômeno que se apresenta à consciência como tal e como um acontecimento que nos é imediatamente dado. Para a filósofa húngara Agnes Heller (1972, p. 4), “valor é tudo aquilo que faz parte do ser genérico do homem e contribui, direta ou mediatamente para a explicação desse ser genérico”. Vejamos no Quadro 3 quais são os atributos dos valores humanos na perspectiva de Heller: QUADRO 3 – ATRIBUTOS DOS VALORES HUMANOS OBJETIVAÇÃO - que se expressa prioritariamente por intermédio do trabalho; - que proporciona sair do subjetivo e passar para o real e concreto. Caro acadêmico, para colaborar com seusestudos, veja que a junção das Figuras 1 e 2 proporciona o entendimento global do que é democracia. ATENCAO TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 9 FONTE: Adaptado de Bonetti et al. (2010, p. 23) FONTE: Os autores QUADRO 4 – EXEMPLOS DOS VALORES E VIRTUDES HUMANOS SOCIALIDADE - que se expressa com a convivência com o outro, em grupo; - aprendizagem com o outro; - assimilação de normas sociais. CONSCIÊNCIA - tomar ciência dos fatos ou de alguma coisa; - reconhecimento da realidade; - descoberta de algo; - capacidade de perceber as coisas. UNIVERSALIDADE - universal; - o todo; - fazer parte de um determinado grupo. LIBERDADE - livre-arbítrio. Portanto, os atributos dos valores humanos apresentados no Quadro 3 são os elementos constitutivos do ser humano, do ser social, que formam os nossos valores morais. Complementando, no Quadro 4 apresentamos mais exemplos dos valores e virtudes do ser humano, que vive e convive em sociedade. Amizade Justiça Obediência Respeito Simplicidade Lealdade Compreensão Sinceridade Pudor Generosidade Paciência Ordem Humildade Autoestima Liberdade Deste modo, podemos expor que “todos nós possuímos princípios e valores que foram e são constituídos por nossa sociedade. E, com relação a esses valores, cada um de nós possui uma visão do que é certo e errado, do que é o bem e o mal” (PIERITZ, 2012, p. 57). Não podemos nos esquecer de que “esta consciência moral é determinada por um consenso coletivo e social, ou seja, o conjunto da sociedade é que formula e compõe as normas de conduta que o regem. Como exemplo, temos a nossa Constituição Federal e outras regras e normas de nossa sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 4). São estas regras e normativas jurídicas e sociais que determinam o nosso agir em sociedade, e cada grupo social possui suas características, ou seja, não se pode dizer que todos nós somos iguais, que todas as nações e Estados são iguais, porque não somos, pois, independentemente do Estado, do país ou grupo social, fomos moldando nossos valores e princípios de forma diferente ao longo de nossa existência. Agora, acadêmico, raciocine o seguinte: se é um fato que nossa consciência moral é construída no seio de uma sociedade e com a influência do meio e das pessoas com as quais convivemos, há ainda outros fatores que concorrem para a constituição da consciência moral, e esse elemento é chamado de Lei natural UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 10 – pelos jusnaturalistas – e tem caráter universal, pois perpassa as sociedades políticas, é algo mais profundo que elas, constitui-se na própria natureza humana em sua universalidade (ROHLING, 2012). Segundo Valls (2003, p. 8): costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos: num, os problemas gerais e fundamentais (como liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros); e no segundo, os problemas específicos, de aplicação concreta, como os problemas da ética profissional, de ética política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética etc. Em outros termos, os problemas éticos permeiam todas as nossas ações em sociedade. Neste sentido, vale salientar que “cada sociedade possui suas normas de conduta comportamental e seus princípios morais, ou seja, cada grupo social constitui o que é certo e errado, o que é o bem e o mal para o seu povo, portanto, nem sempre o que é certo para nós pode ser certo para um outro grupo social e vice-versa” (PIERITZ, 2013, p. 4). Então, como desvelar esta situação? Como saber se estamos no caminho certo? Se estamos fazendo certo ou errado? Ou se realmente estamos fazendo o bem ou o mal a alguém? São muitas indagações! Para auxiliar a reflexão sobre essas questões, Finnis (filósofo e jurista australiano) identifica sete valores básicos, os quais são os seguintes: I) vida; II) o conhecimento; III) o jogo; IV) a experiência estética; V) a sociabilidade; VI) a razoabilidade prática; e, VII) a religião. Esses valores, contudo, não são os únicos, pois existem, evidentemente, muitos outros, os quais, segundo propõe o autor, são modos ou combinações de modos de buscar – embora nem sempre com sensatez – e de realizar – nem sempre exitosamente – uma das sete formas básicas de bem, ou alguma combinação delas (ROHLING, 2012, p. 163). Neste sentido, podemos observar ainda que: os problemas éticos se distinguem da moral pela sua característica genérica, enquanto que a moral se caracteriza pelos problemas da vida cotidiana. O que há de comum entre elas é fazer o homem pensar sobre a responsabilidade das consequências de suas ações. A ética faz pensar sobre as consequências universais, sempre priorizando a vida presente e futura, local e global. A moral faz pensar as consequências grupais, adverte para normas culturalmente formuladas ou pode estar fundamentada num princípio ético. A ética pode, desta forma, pautar o comportamento moral (TOMELIN; TOMELIN, 2002, p. 90). Podemos expor que deste ponto de vista existem diferenças nítidas entre ética e moral, sendo que a ética é generalista e a moral reflete o comportamento socialmente construído e legitimado pelo seu povo. Enfim, Tomelin e Tomelin (2002, p. 89, grifos do original) complementam expondo que “a palavra ética provém do grego ethos e significa hábitos, costumes, e se refere à morada de um povo ou sociedade. A palavra moral provém do latim moralis e significa costume, conduta”. Logo, conforme Pieritz (2012, p. 58, grifos nosso): TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 11 A principal função da ética é sugerir qual o melhor comportamento que cada pessoa ou grupo social tem ou venha a ter. Indicando o que é certo ou errado, o que é bom ou mal. Porém, este comportamento sempre partirá do ponto de vista dos princípios morais de cada sociedade, ou seja, seu grupo social. A ética auxilia no esclarecimento e na explicação da realidade cotidiana de cada povo, procurando sempre elaborar seus conceitos conforme o comportamento correspondente de cada grupo social. Por conseguinte, “o ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunidade” (VÁZQUEZ, 2005, p. 20), ou seja, a ética está para regular o nosso comportamento em sociedade. Complementando, Vázquez (2005, p. 21) coloca-nos que “a ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens [...]”, ou seja, “o valor de ética está naquilo que ela explica – o fato real daquilo que foi ou é –, e não no fato de recomendar uma ação ou uma atitude moral” (PIERITZ, 2013, p. 7, grifo nosso). Devemos compreender as diferenças conceituais de ética e moral, pois “podemos afirmar que a ética estuda e investiga o comportamento moral dos seres humanos. E esta moral é constituída pelos diferentes modos de viver e agir dos homens em sociedade, que é formada por suas diretrizes morais da vida cotidiana, transformando-se no decorrer dos tempos” (PIERITZ, 2013, p. 19). Todavia, o que é a moral? Segundo Aranha e Martins (2003, p. 301, grifos do original), “a MORAL vem do latim mos, moris, que significa ‘costume’, ‘maneira de se comportar regulada pelo uso’, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é ‘relativo aos costumes’”. Assim, a moral é compreendida como um conjunto de regras de condutas socialmente admitidas em determinadas épocas ou por um grupo de pessoas, ou seja, “a moralidade dos homens é um reflexo direto do modo de ser e conviver em sociedade, no qual o caráter, os sentimentos e os costumes determinam o seu comportamento individual e social, que foi ou está sendo perpetuado num espaço de tempo” (PIERITZ, 2013, p. 35). Ainda de acordo com Pieritz (2013, p. 38): A moral sugere, constantemente, a valorização de nossas ações e de nossos comportamentos em sociedade, mas é a moral que determinaquais são os nossos direitos e deveres perante a sociedade em que vivemos. Estes deveres são conectados ao nosso modo de ser e conviver em sociedade, gerando certas responsabilidades com relação a si próprio e aos outros, tais como: • sentimentos; • escolhas; • desejos; • atitudes; • posicionamentos diante da realidade; • juízo de valor; • senso moral; • consciência moral. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 12 Sob estas concepções de ética e moral, apresentamos as suas principais diferenças na Figura 3: FIGURA 3 – DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL FIGURA 4 – DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL FONTE: Adaptado de Tomelin e Tomelin (2002, p. 89-90) FONTE: Adaptado de Paulo Netto (apud BONETTI et al., 2010, p. 23) Assim, podemos observar que existem diferenças concretas entre estes dois conceitos, no entanto, ainda devemos compreender que: TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 13 Assim, concluímos que a moral: Vem se constituindo historicamente, mudando no decorrer da própria evolução do homem em sociedade. Em que seus hábitos e costumes são constituídos por esta relação social, em que a essência humana é pautada por estes princípios morais. E estes, por sua vez, constituem o ser social que somos. E a ética nesta questão chega para simplesmente regular e analisar estes preceitos morais (PIERITZ, 2013, p. 21). Por conseguinte, segundo Pieritz (2013, p. 21, grifo nosso), “a ética é precursora da TRANSFORMAÇÃO SOCIAL dos diversos sistemas ou estruturas sociais. Sistemas estes que imprimiam suas mudanças sociais, tais como: Capitalismo e Socialismo”. Por fim, Pieritz (2013, p. 21) expõe que “quando é constituída uma nova estrutura social, a ética, os valores e princípios morais são modificados para constituir assim esta nova concepção de sociedade”. Ou seja, historicamente, com as transformações sociais, políticas e econômicas de um povo, automaticamente o sistema de valores morais e éticos se transforma, para que assim seja possível constituir um novo padrão sócio-histórico daquele determinado grupo. Salientando ainda que nesse processo de transformação social devemos respeitar a permanência de alguns valores socialmente construídos, como a solidariedade, a igualdade e a fraternidade, para que todos possamos construir uma sociedade mais justa, ética, democrática e cidadã. 4 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CIDADANIA No que tange às questões pertinentes à cidadania, partiremos de sua concepção advinda do Título I – “Dos Princípios Fundamentais” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual assim expressa: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Neste sentido, podemos observar que um dos princípios fundamentais da Carta Magna brasileira é a cidadania, mas você sabe o seu significado? UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 14 Vejamos: cidadania “é um conjunto de direitos e deveres que denotam e fundamentam as condições do comportamento de cada indivíduo em relação à sociedade, ou seja, a cidadania designa normas de conduta para o convívio social, determinando nossas obrigações e direitos perante os outros integrantes da nossa sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 132). Neste sentido: Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade, para melhorar suas vidas e a de outras pessoas. Ser cidadão é nunca esquecer das pessoas que mais necessitam. A cidadania deve ser divulgada através de instituições de ensino e meios de comunicação, para o bem-estar e desenvolvimento da nação. A cidadania consiste desde o gesto de não jogar papel na rua, não pichar os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar os mais velhos (assim como todas as outras pessoas), não destruir telefones públicos, saber dizer obrigado, desculpe, por favor e bom dia quando necessário [...], até saber lidar com o abandono e a exclusão das pessoas necessitadas, o direito das crianças carentes e outros grandes problemas que enfrentamos em nosso país. ‘A revolta é o último dos direitos a que deve um povo livre para garantir os interesses coletivos: mas é também o mais imperioso dos deveres impostos aos cidadãos’. Juarez Távora - Militar e político brasileiro (WEB CIÊNCIA, 2009 apud PIERITZ, 2013, p. 132). Portanto, podemos observar que a cidadania possui três dimensões. QUADRO 5 – DIMENSÕES DA CIDADANIA FONTE: Adaptado de Pieritz (2013, p. 132-133) DIMENSÕES DA CIDADANIA Cidadania civil São aqueles direitos advindos da LIBERDADE de cada indivíduo, por exemplo: • o livre-arbítrio para expressar nossos pensamentos; • o direito de propriedade (venda e compra de um imóvel, um bem ou serviço); • entre outros. Cidadania política Podemos considerar que a cidadania política se legitima quando os homens exercem seu poder político de ELEGER e SER ELEITOS para o exercício do poder político, independentemente da instituição pública ou privada na qual venham exercer suas atribuições. Cidadania social Compreendida como o conjunto de direitos concernentes ao CONFORTO de cada cidadão, no que tange à sua vida econômica e social, ou seja, do seu bem-estar social. A cidadania expressa os direitos e deveres de todas as pessoas que vivem e convivem em sociedade, seja na esfera social, política ou civil, no que tange ao respeito a si, ao próximo e ao patrimônio público e privado. Além de que a cidadania é participação nos espaços públicos de discussão, a qual permeia as questões de democracia e ética de toda a população daquele determinado grupo social, político ou econômico. TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 15 Deste modo, Maciel (2012, p. 29) expõe que hoje em dia a cidadania é “sinônimo de participação que remete ao exercício da democracia para além das eleições. Somos ‘controladores’ da política, do orçamento, ou seja, das ações do Estado como um todo”. Cada cidadão tem o dever e o direito de participar de todos os espaços democráticos do seu município, Estado ou Federação. Nesse sentido, tem-se a participação como um mecanismo do exercício da cidadania, ou seja, “O conceito contemporâneo de cidadania transcende a simples lógica da garantia de direitos legais. Segundo a concepção de Dallari (2004), a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar da vida e do governo de seu povo” (MACIEL, 2012, p. 31). Portanto, a palavra de ordem é “participar”, fazer parte do processo democrático, pois, de acordo com Maciel (2012, p. 32), quem não exerce sua cidadania “está excluído da vida social e da tomada de decisões. A cidadania não significa apenas uma conquista legal de alguns direitos, mas sim a realização destes direitos. Ela é construída e conquistada a partir da nossa capacidade de organização, participação e intervenção social”. Vale salientar que a cidadania é conquistada pela nossa participação nos momentos das discussões e decisões coletivas, portanto a cidadania se dá pela participação ativa de nossa vida em sociedade e na vida pública. 16 Neste tópico, você aprendeu que: • A compreensão do significado mais usual da democracia denota que a democracia é compreendida como um sistema de governo, no qual o povo governa para sua própria sociedade. • A democracia pode ser exercida de duas formas distintas, pois ela pode ser direta ou indireta. • A democracia é compreendida popularmentecomo a escolha de nossos representantes legais, por intermédio do voto popular. • O Estado Democrático de direito, que é aquele Estado que se organiza e opera democraticamente. • A Constituição da República Federativa do Brasil se organizou e definiu suas normativas em prol de um Estado Democrático, no qual a democracia deverá ser a base fundamental da República Federativa do Brasil. • A democracia também está atrelada ao conceito do “jogo de poderes”, principalmente a disputa e concorrência de cargos em todas as esferas governamentais ou não. • É importante relembrar que o elemento fundamental da democracia é a “participação do povo”. • A ética é uma das áreas da filosofia que investiga o agir humano na convivência com os outros. • A ética está diretamente relacionada aos nossos costumes e às ações em sociedade, ou seja, ao nosso comportamento, ao nosso modo de vida e de convivência com os outros integrantes da sociedade. • Todos nós possuímos princípios e valores que foram e são constituídos por nossa sociedade. E, com relação a estes valores, cada um de nós possui uma visão do que é certo e errado, do que é o bem e o mal. • A consciência moral é determinada por um consenso coletivo e social, ou seja, o conjunto da sociedade é que formula e compõe as normas de conduta que o regem. • Os problemas éticos permeiam todas as nossas ações em sociedade. RESUMO DO TÓPICO 1 17 • Existem diferenças nítidas entre ética e moral, sendo que a ética regula a moral, a ética é generalista e a moral reflete o comportamento socialmente construído e legitimado pelo seu povo. • A principal função da ética é sugerir qual o melhor comportamento que cada pessoa ou grupo social tem ou venha a ter. Indicando o que é certo ou errado, o que é bom ou mal. • O valor da ética está naquilo que ela explica, o fato real daquilo que foi ou é, e não no fato de recomendar uma ação ou uma atitude moral. • Um dos princípios fundamentais da Carta Magna brasileira é a cidadania. • A cidadania designa normas de conduta para o convívio social, determinando nossas obrigações e direitos perante os outros integrantes da nossa sociedade. • A cidadania expressa os direitos e deveres de todas as pessoas que vivem e convivem em sociedade, seja na esfera social, política ou civil, no que tange ao respeito a si, ao próximo e ao patrimônio público e privado. • Cada cidadão tem o dever e o direito de participar de todos os espaços democráticos do seu município, Estado ou Federação. A participação é compreendida como um mecanismo do exercício da cidadania. 18 1 (ENADE-2010, Formação Geral, Questão 9) As seguintes acepções dos termos democracia e ética foram extraídas do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. democracia. POL. 1 governo do povo; governo em que o povo exerce a soberania 2 sistema político cujas ações atendem aos interesses populares 3 governo no qual o povo toma as decisões importantes a respeito das políticas públicas, não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade 4 sistema político comprometido com a igualdade ou com a distribuição equitativa de poder entre todos os cidadãos 5 governo que acata a vontade da maioria da população, embora respeitando os direitos e a livre expressão das minorias. ética. 1 parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social. 2 p.ext. conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Considerando as acepções acima, elabore um texto dissertativo, com até 15 linhas, acerca do seguinte tema: Comportamento ético nas sociedades democráticas. Em seu texto, aborde os seguintes aspectos: a) conceito de sociedade democrática; b) evidências de um comportamento não ético de um indivíduo; c) exemplo de um comportamento ético de um futuro profissional comprometido com a cidadania. 2 (ENADE-2010, Formação Geral, Questão 2) AUTOATIVIDADE 19 A charge acima representa um grupo de cidadãos pensando e agindo de modo diferenciado, frente a uma decisão cujo caminho exige um percurso ético. Considerando a imagem e as ideias que ela transmite, avalie as alternativas que seguem. I- A ética não se impõe imperativamente nem universalmente a cada cidadão; cada um terá que escolher por si mesmo os seus valores e ideias, isto é, praticar a autoética. II- A ética política supõe sujeito responsável por suas ações e pelo seu modo de agir na sociedade. III- A ética pode se reduzir ao político, do mesmo modo que o político pode se reduzir à ética, em um processo a serviço do sujeito responsável. IV- A ética prescinde de condições históricas e sociais, pois é no homem que se situa a decisão ética, quando ele escolhe os seus valores e as suas afinidades. V- A ética se dá de fora para dentro, como compreensão do mundo, na perspectiva do fortalecimento dos valores pessoais. Estão corretas: a) ( ) I e II. b) ( ) I e V. c) ( ) II e IV. d) ( ) III e IV. e) ( ) III e V. 20 21 TÓPICO 2 SOCIEDADE E A DIVERSIDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Vamos iniciar o nosso tópico apresentando algumas definições e conceitos a respeito dos problemas sociais ocasionados pela diversidade que gera diferenças entre coisas e seres, que por consequência geram os mais diversos preconceitos, desigualdades e conflitos sociais. Vamos reconhecer a necessidade e a essencialidade da inclusão como uma forma de democratização das relações sociais, principalmente na emancipação e na sutileza do trato com o outro, seja em relação aos “iguais” ou entre iguais e diferentes, o que significa apenas uma concepção criada para diferenciar pessoas ou grupos sociais que, de alguma forma, ainda não foram incluídos no contexto social. 2 CONCEITOS DE DIVERSIDADE CULTURAL E DESIGUALDADE SOCIAL A diversidade cultural e a desigualdade social, apesar de terem conceitos distintos, desempenham uma ampla relação entre seus termos, isto é, quanto maior for a diversidade cultural, maior será a desigualdade social. Neste sentido, Gomes (2012, p. 678) afirma que “a diversidade, entendida como construção histórica, social, cultural e política das diferenças, realiza-se em meio às relações de poder e ao crescimento das desigualdades e da crise econômica que se acentuam no contexto nacional e internacional”. A diversidade cultural brasileira se deu pelo processo de miscigenação entre brancos, índios e negros e foi marcada por uma série de crenças, hábitos, costumes e conceitos contraditórios, alimentando assim uma discussão permanente a respeito dos direitos e deveres dos seres humanos. Principalmente no combate aos preconceitos remanescentes e oriundos dessa relação, que perdurou por séculos, trazendo sérias consequências a uma imensa população de oprimidos, incluindo-se aí os negros, os índios, os pobres, os portadores de algum tipo de deficiência, tipos de preferências, relações e diferenças sexuais, doenças crônicas, dentre outras formas de relações consideradas por uma boa parte da sociedade como algo fora da normalidade e, por esse motivo, não aceitável. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 22 3 DIVERSIDADE CULTURAL E DESIGUALDADE SOCIAL A diversidade no contexto cultural significa uma grande quantidade de coisas, ações, pensamentos, ideias e pessoas que se diferenciam entre si dentro de grupos sociais ou dentro de uma mesma sociedade, e os mesmos são passíveis de discussão, apelos, protestos, discórdia e geralmenteacabam em conflitos, chegando até às desigualdades sociais. Por isso, a presença da diversidade no acontecer humano nem sempre garante um trato positivo dessa diversidade. Os diferentes contextos históricos, sociais e culturais, permeados por relações de poder e dominação, são acompanhados de uma maneira tensa e, por vezes, ambígua de lidar com o diverso. Nessa tensão, a diversidade pode ser tratada de maneira desigual e naturalizada (GOMES, 2007, p. 19). No entanto, existem pontos de vista convergentes e pontos de vista divergentes, ambos discriminatórios, um no sentido positivo e outro no sentido negativo, isto é, no primeiro caso, trata-se daquilo que já foi estipulado pela sociedade como regras relacionadas com bom senso; já no segundo caso, são ações que não condizem com a ordem preestabelecida através das leis, normas e regras que regulam e inibem o que podemos definir como procedimentos absurdos. Portanto, a desigualdade social tem os seus princípios pautados nas tendências e nas diferenças de cada indivíduo. Vejamos: A pobreza: é uma condição que faz parte de um determinado grupo de pessoas que vivem à margem da sociedade, que são carentes dos recursos existentes, como moradia, alimentação, situação financeira etc. O que, na visão de alguns autores, é a condição que mais degrada o ser humano e a que mais se aproxima e se identifica como um fator ou um elemento causal do desequilíbrio econômico e da desigualdade social. Raça: trata-se da discriminação social, o que é muito presente nos dias de hoje por alguns grupos inescrupulosos que agridem com palavras ou pela violência física pessoas que não são da mesma etnia, não têm a mesma cor da pele, ou são de diferentes religiões ou, até mesmo, por causa de seu comportamento sexual. A discriminação racial diz respeito à raça/cor/fenótipo, que é um fator inerente à pessoa. Tal discriminação é abominável, assim como a discriminação a deficientes físicos ou idosos, pois tratam-se de aspectos involuntários e que, ademais, revelam a riqueza multifacetada da ordem criada, da diversidade natural. Outro tipo de discriminação é a avaliação dos atos e comportamentos, seja na escolha de uma religião e suas práticas ou nas ações que envolvem a sexualidade, entre outros aspectos do comportamento humano, pois nesses casos não se trata de aspectos inerentes ou involuntários, mas de opções sobre as quais podemos [e devemos] fazer juízos morais. Do contrário, por que estaríamos discutindo isso? Será que o ser humano, com toda capacidade de raciocínio e reflexão sobre si mesmo, reconhece a riqueza da pessoa? Haveria alguma etnia “melhor” que outra? TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 23 Podemos citar como exemplo o que aconteceu com os judeus, conhecido como o holocausto, ou o caso da África do Sul, que teve repercussão mundial, também conhecido como segregação racial (Apartheid), que significa separação entre negros e os brancos das classes dominantes. DICAS Sugerimos que você assista ao filme Mandela, que fala sobre a vida do ex- presidente da África do Sul e líder da luta contra o Apartheid. O filme tem como diretor Justin Chadwick. Como podemos perceber, o preconceito, a discriminação e o descaso com algumas pessoas têm ocasionado uma série de sofrimento e dor, principalmente para aquelas que são rejeitadas por uma grande parte da sociedade, em que as mesmas são julgadas e condenadas ao mesmo tempo, após serem classificadas como diferentes, porém, diferentes no sentido tendencioso e pejorativo, e muitas vezes essas pessoas são taxadas e rotuladas como pervertidas, no caso dos homossexuais, e frágeis, no caso das mulheres. Vejamos: Mulher: infelizmente, as estatísticas comprovam que apesar das várias leis existentes, no caso específico da Lei Maria da Penha, instituída para a proteção da integridade da mulher brasileira contra casos de violência doméstica, ainda existem casos absurdos de desrespeito à dignidade humana, não discriminando raça, religião ou posição social. Homossexualidade: é o comportamento sexual entre pessoas do mesmo sexo, e para alguns indivíduos esse tipo de comportamento fere as normas de conduta universal. No entanto, já existem projetos no Congresso Nacional que criminalizam certas atitudes discriminatórias contra essa parcela da sociedade, o que significa um avanço na busca de um espaço alternativo, o que é perfeitamente compreensivo em uma sociedade cultural democrática. De acordo com Silva (2007, p. 133), “[...] os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla”. Assim, é fundamental que percebamos as diferenças e desigualdades não de forma natural, mas como uma construção histórica possível de ser desestabilizada em sua forma rígida, para ser transformada em algo que possa ser identificado e reconhecido como base para a construção de relações interpessoais mais democráticas dentro da sociedade, isto é, devemos pensar e repensar o seu conceito histórico e a sua trajetória futura, pois, de acordo com Gomes (2007, p. 22): UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 24 A diversidade cultural varia de contexto para contexto. Nem sempre aquilo que julgamos como diferença social, histórica e culturalmente construída recebe a mesma interpretação nas diferentes sociedades. Além disso, o modo de ser e de interpretar o mundo também é variado e diverso. Por isso, a diversidade precisa ser entendida em uma perspectiva relacional. Ou seja, as características, os atributos ou as formas ‘inventadas’ pela cultura para distinguir tanto o sujeito quanto o grupo a que ele pertence dependem do lugar por eles ocupado na sociedade e da relação que mantêm entre si e com os outros. Portanto, o caráter multicultural de nossas sociedades revela-se hoje temática quase obrigatória nas discussões sobre sociedade e sobre educação. Porém, refletir sobre a diversidade exige um posicionamento crítico diante de uma realidade cultural e racialmente miscigenada, assunto que, apesar de já ter sido discutido anteriormente, achamos prudente e viável inserir neste parágrafo outra opinião, que confirma as anteriores a respeito do processo de miscigenação. “Não podemos esquecer que a sociedade é construída em contextos históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de colonização e dominação. Estamos, portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças” (GOMES, 2007, p. 22). E ainda segundo Gomes (2003, p. 73): O reconhecimento dos diversos recortes dentro da ampla temática da diversidade cultural (negros, índios, mulheres, portadores de necessidades especiais, homossexuais, entre outros) coloca-nos frente a frente com a luta desses e outros grupos em prol do respeito à diferença. Coloca-nos também diante do desafio de implementar políticas públicas em que a história e a diferença de cada grupo social e cultural sejam respeitadas dentro das suas especificidades, sem perder o rumo do diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais. A luta pelo direito e pelo reconhecimento das diferenças não pode se dar de forma separada e isolada e nem resultar em práticas culturais, políticas e pedagógicas solidárias e excludentes. No entanto, a diversidade e a diferença dizem respeito não somente aos sinais que podem ser vistos a olho nu, mas também àqueles que são construídos socialmente ao longo de um processo histórico, tendo os seus pontos divergentes e convergentes, que são construídos através das relações sociais e, principalmente, nas relações de poder e de submissão, e para algumas pessoas, nem sempre esse posicionamento é entendido dessa forma. Como nos diz Carlos RodriguesBrandão (1986 apud GOMES, 2007, p. 25), “por diversas vezes, os grupos humanos tornam o outro diferente para fazê- lo inimigo”. Aprofundando essa reflexão, tomamos como exemplo a Constituição Federal de 1988, que trata no Artigo 5º dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 25 II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] (BRASIL, 1988, s.p.). Neste sentido, surgem algumas perguntas relacionadas à diversidade humana e seus direitos: se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, tendo reconhecidas suas individualidades de homem e mulher como cidadãos, por que tanto se discute sobre as “questões de gênero”? Será que essa ideologia propõe a valorização da pessoa humana? Ou está disposta a trazer divisão, confusão de ideias ou até mesmo a negação da ordem natural? Ao privilegiar determinados grupos em detrimento de outros, não estaria contrariando a própria Constituição? Acadêmico, são muitos os questionamentos, e conforme destacado na apresentação deste livro, “aprender a questionar é tão importante quanto buscar o saber”. Por isso, nosso propósito é estimular o seu raciocínio crítico sobre a realidade em que vivemos, em um tempo de profundas e rápidas mudanças culturais, um tempo de aumento do individualismo, da comunicação quase que exclusivamente on-line, em que pouco se ouve, vê, toca ou sente. O diálogo é o caminho que nos une, revela nossa capacidade de aprender com o próximo e permite que as diferenças favoreçam a complementariedade promotora da paz. Pensar na diversidade cultural é pensar em sociedade, que envolve pensamento, ideia, ação e mudanças, isto é, significa pensar não apenas no reconhecimento do outro, mas pensar na relação entre o eu e o outro, pois, quando consideramos o outro estamos também considerando a nossa história, o nosso grupo e o nosso povo, mas não apenas como um simples padrão de comparação, e sim em sua totalidade. FIGURA 5 – DIVERSIDADE CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://educacaobilingue.com/2010/01/17/indigena/>. Acesso em: 12 fev. 2014. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 26 Nessa perspectiva, percebemos que “somos todos iguais como seres humanos. Por isso devemos combater qualquer forma de discriminação e de arrogância, agindo solidariamente uns com os outros” (AQUINO et al., 2002, p. 16). O ser humano veio ao mundo não somente para compor ou contribuir para o povoamento da Terra, mas para ser útil, participativo, democrático, ético, moral e solidário para com os seus semelhantes. Essas são as diversas opções existentes, que além de motivadoras, também servem como estímulo na adaptação do ser humano, bem como no seu processo de desenvolvimento pessoal frente às diversidades existentes no universo, que poderíamos denominá-las como um conjunto de atos e fatos diferentes entre si que formam a sociedade como um todo. Para Saji (2005, p. 13), “o tema diversidade é bastante amplo. Sua abordagem vai desde definições restritas às questões de raça, etnia e gênero, até as mais abrangentes, que consideram como diversidade qualquer diferença individual entre as pessoas”. AUTOATIVIDADE Chegou a sua vez! Escreva o seu conceito para Diversidade. ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Assim, a diversidade faz parte da natureza das coisas existenciais, sendo elas a diversidade relacionada à situação socioeconômica, ou à diversidade cultural, em que as mesmas foram se transformando em essência no decorrer dos tempos, principalmente em se tratando das diferenças relacionadas às diferentes raças e suas manifestações culturais, incluindo-se aí a sua descendência, que, por consequência, deixam de fazer parte da cultura original e passam a fazer parte de outra cultura produzida para atender a uma demanda econômica. Como foi o caso da cultura da cana-de-açúcar, explorada pelos grandes latifundiários, gerando um longo período de uma relação conflitante e tumultuada entre o poder daqueles grupos de exploradores e a submissão dos negros, dos índios, das mulheres, das crianças e adolescentes. Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos, seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995, p. 120). TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 27 AUTOATIVIDADE Qual o seu conceito para desigualdade social? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Então, caro acadêmico, existe uma diversidade de coisas diferentes e uma diversidade de pessoas diferentes em todos os seus aspectos. A esse tipo de diversidade denominamos de diversidade cultural, o que significa, na prática, o relacionamento comunitário, ou melhor, o relacionamento em diferentes comunidades, podendo esse relacionamento contribuir significativamente no sentido cooperativo ou na geração de conflitos, que são chamados de conflitos sociais. Portanto, são essas diferenças que geram o princípio da desigualdade social, que vão além das características humanas, ultrapassando o bom senso, descaracterizando o princípio da igualdade e do amor ao próximo, modificando ou alterando outros princípios considerados de grande importância para as questões relacionadas com o respeito, a dignidade, a reciprocidade e as boas práticas das relações humanas no contexto social. Acadêmicos! É preciso que haja um basta nesta triste trajetória de descaso e discriminação entre os seres humanos, principalmente frear os impulsos daqueles mais exaltados, que ferem com palavras e atos e cada vez mais maculam a imagem e obscurecem a identidade do indivíduo como pessoa e como cidadão com direitos e deveres. Dessa forma, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social. Isso é cidadania, isso é respeito e é também uma forma de inclusão social. Assim, a desigualdade significa não só a diferença existente entre pessoas ou coisas que compõem o universo, mas significa também a diferença no tratamento e no respeito para com o outro. Nesse caso, estamos nos referindo à desigualdade humana, que na maioria das vezes está caracterizada pelo preconceito e pelos diversos tipos de violências e pelas suas relações conflitantes dentro do contexto social. Exemplo: a desigualdade socioeconômica, as desigualdades raciais, a falta de segurança, a falta de acesso à moradia, ao saneamento básico, dentre outras formas de exclusão social.Muitas vezes, essas diferenças são ocasionadas pela falta de oportunidade, excluindo até o mais digno do ser humano, o que não deixa de ser uma forma preconceituosa de relação e convivência social. Aquino et al. (2002, p. 34-35) afirmam que: Toda vez que julgamos uma pessoa, um grupo ou mesmo um povo sem conhecê-los, estamos usando de preconceito. [...]. O termo preconceito significa o conjunto de opiniões formadas antecipadamente sobre o outro, sem levar em conta suas qualidades ou suas capacidades. Os preconceituosos têm atitudes intolerantes com as pessoas que são diferentes deles. Julgam-se superiores e, por isso, desvalorizam e desrespeitam outras pessoas. Preconceito e intolerância andam sempre juntos. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 28 São atitudes que acontecem no dia a dia, por meio de atos, gestos ou palavras que tentam diminuir, rebaixar os modos de ser, agir e sentir dos outros. E, algumas vezes, elas ocorrem sem que as percebamos com clareza, até senti-las na própria pele – por exemplo, quando não somos aceitos por alguém ou por um grupo. Neste caso, somos vítimas de um preconceito aberto, direto e explícito. E isso já aconteceu com todos nós, de um modo ou de outro. Mas há também o preconceito indireto, implícito, como as piadas de mau gosto, que ofendem as pessoas só por causa de sua raça, nacionalidade, sexo e outras características. Ainda com relação aos preconceitos, segundo a denominação de inclusão e exclusão social, estas são pautadas e divididas em grupos ou classes sociais, que, por sua vez, são classificadas hierarquicamente de acordo com o seu poder aquisitivo, sua relação social, diferenças culturais, a cor da pele, sexualidade, etnia, deficiências físicas, idade, crenças etc. Portanto, a diversidade humana (pessoas diferentes) deveria ser um instrumento de unificação dos seres, diferentemente das desigualdades sociais, que significam que nem todos têm as mesmas oportunidades, o que em grande parte se deve às diversas formas de preconceito. Alguns deles, no modo de ver do seu praticante, lhe soam como se isso fosse uma espécie de elogio ao próximo. Exemplo: E aí, negão!? Essa expressão, que parece simples, é uma forma disfarçada de discriminação. “Algumas expressões corriqueiras que falamos sem pensar são carregadas de preconceito” (AQUINO et al., 2002, p. 44). Aquino et al. (2002, p. 44) trazem mais exemplos: “é o caso de determinadas expressões preconceituosas, como: os negros que têm ‘almas brancas’, os homossexuais que parecem ‘pessoas normais’, os idosos que parecem ‘jovens’, os obesos que são ‘engraçados’, as pessoas pobres que são ‘limpas’. E assim por diante”. Como sabemos, o descaso e as práticas discriminatórias em relação a essas pessoas, que fazem parte, assim como todos nós, de um mesmo espaço planetário, não deveriam existir, mesmo porque a diferença existente entre os seres de todas as espécies faz parte de um processo natural, ou melhor, da natureza das coisas existentes. E os seres humanos vão além das diferenças, pois nós somos dotados de raciocínio e discernimento para avaliar e distinguir o certo do errado, comportamento esse que deveria ser institucionalizado pelas tradições, pelos valores éticos e morais, sem a necessidade de uma imposição legal, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, parece que pouco têm efeito as leis que reprimem essas práticas discriminatórias, preconceituosas e racistas, visto que, infelizmente, parece existir uma autorrejeição por parte de algumas pessoas ou grupos que ainda mantêm certos padrões de comportamento que não mais condizem com a realidade dos padrões atuais e universais, dos direitos constituídos e com o processo democrático, com as leis de proteção às crianças, aos idosos, aos negros, às mulheres, aos indígenas, aos deficientes físicos, entre outros. São seres humanos que sofrem discriminação e negação de direitos que estão incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme citado no parágrafo acima. TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 29 Nesta perspectiva, não se desconsidera que as diferenças existam e estejam colocadas socialmente, porém, elas não significam, necessariamente, exclusão social. Por exemplo, a condição de raça, gênero, religião, entre outras, não seria elemento de exclusão, mas de diferenciação entre as pessoas, não as tornando ‘desiguais’. As pessoas são diferentes umas das outras e isto nada tem a ver com privilégios. Assim, racismos e preconceitos se fundamentam no entendimento da diferença/diversidade como desigualdade. Nestes termos, as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza (SANTOS, 2003 apud MARQUES, 2009, p. 68). Para que possamos entender e discursar sobre o conceito de diversidade não é tão fácil como parece, pois é preciso nos aprofundarmos sobre o seu real significado e a sua real importância no equilíbrio natural e social, na relação homem-natureza, e principalmente na relação entre seres humanos, tanto no que diz respeito à tolerância e ao respeito mútuo entre seres da mesma espécie, bem como a compreensão e o sentimento solidário, que são a base do princípio da igualdade. Sem diversidade não há estímulos para pensar diferente, não há estímulos para pensar no princípio da igualdade. Portanto, pensar diferente é o caminho para viver e compreender o sentimento solidário que devemos ter. Apesar de que, no dia a dia, relacionar-se com as inúmeras diferenças humanas e sociais do mundo atual nem sempre traz harmonia. Assim, seguindo o raciocínio de Aquino et al. (2002), o problema é o seguinte: se todas as pessoas são únicas e especiais a seu modo, quem haveria de ser “mais” ou “melhor” do que o outro? Em outras palavras, somos únicos como indivíduos, e por isso somos diferentes, somos iguais como seres humanos. A isso se dá o nome de equidade. Convém lembrar que ser igual não é ser idêntico. Ao contrário, somos semelhantes, embora diversos. Afinal de contas, em que nos diferenciamos uns dos outros? A resposta é óbvia: em praticamente tudo. A começar pela nossa história de vida, passando pelas características biológicas (raça, cor, sexo), até as de cunho social (escolaridade, condição econômica, opções políticas etc.). Mesmo sendo únicos, continuamos a pertencer à mesma espécie, à raça humana. Por essa razão, não há seres humanos “superiores” ou “inferiores”. Cada um é especial a seu modo. Só teremos um convívio democrático e pacífico se tratarmos o outro da mesma forma que gostaríamos de ser tratados. Todos esses conceitos fazem parte de uma cultura geral, ou seja, da construção e da desconstrução do processo de desenvolvimento humano, e da sua própria sobrevivência. A cultura é, pois, “o conteúdo da construção histórica da humanidade dos seres humanos, humanizando-os ou desumanizando- os” (SOUZA, 2002, p. 53). O principal objetivo do nosso estudo é justamente conscientizar os nossos acadêmicos rumo a uma reflexão mais humanista a respeito das nossas ações e na superação definitiva da desigualdade social, o que diz respeito ao cidadão e à relação com o meio em que ele vive, em que o respeito pelas diferenças forma o espírito da academia e a humanização social. Com base no que foi dito e analisado até aqui, nos parece que o ponto de partida para a solução, pelo menos de parte dos problemas raciais, das diferenças, da exclusão e da inclusão social, pode estar na educação de base, ou seja, se o UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 30 aluno tiver uma educação inicial que o motive a ultrapassar essas barreiras. A partir daí ele poderia formar uma base sólida para ingressar na faculdade melhorpreparado, o que sem dúvida é parte integrante para o seu desenvolvimento profissional e pessoal. Você quer descansar um pouco, sem deixar de refletir sobre o conteúdo? Assista ao filme “O Visitante”, ele contribuirá com seus estudos. Sinopse: Walter, solitário professor universitário, tem 62 anos e já não encontra prazer na vida. Ao viajar a Nova York para uma conferência, encontra o casal Tarek e Zainab, imigrantes sem documentos, morando em seu apartamento. Eles não têm para onde ir, e Walter acaba deixando que fiquem. Para retribuir, o talentoso Tarek ensina Walter a tocar o tambor africano e os dois ficam amigos. Quando a polícia prende o jovem e decide deportá-lo, Walter faz de tudo para ajudá-lo, com uma garra que há muito não sentia. Surge então a mãe de Tarek em busca do filho e um improvável romance tem início. FONTE: Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=1aSoTQbewiI>. Acesso em: 9 set. 2017. DICAS 4 INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL DA DIVERSIDADE Acadêmicos! Já compreendemos o caráter plural de nossas sociedades e as complexas relações estabelecidas socialmente. Diante disso, percebemos que vivemos em uma sociedade dividida em classes, em que a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais é constante. Nesse sentido, lutamos em favor da inclusão escolar, em favor de currículos mais inclusivos, abertos às diferenças sociais, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais e ideológicas, no intuito de respeitar o caráter plural da nossa sociedade, contribuindo para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos, aptos a compreender como as coisas são e por que são assim. O principal objetivo é a possibilidade da mudança, da construção de uma ordem social mais justa e menos excludente. Sendo isso um legado do presente para as gerações futuras, o que pode ser uma prática aprendida e reproduzida a partir da família e da escola, que são os agentes formadores de opinião, e que juntamente com a sociedade esses agentes irão definir o sucesso ou o fracasso no contexto social. TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 31 5 INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL DA DIVERSIDADE HUMANA Acadêmico! A inclusão escolar tem sido mal interpretada tanto por parte da escola, seja ela comum ou especial, quanto dos profissionais da educação. “O certo, porém, é que os alunos jamais deverão ser desvalorizados e inferiorizados pelas suas diferenças, seja nas escolas comuns, seja nas especiais” (MANTOAN, 2006, p. 190). Ainda com base nesse raciocínio, “[...] a educação escolar não pode ser pensada nem realizada senão a partir da ideia de uma formação integral do aluno – segundo suas capacidades e seus talentos – e de um ensino participativo, solidário, acolhedor” (MANTOAN, 2006, p. 9). Reverter o que historicamente foi construído é difícil, implica em construir alternativas que possibilitem a emancipação social dos diferentes sujeitos, fazendo uma clara opção política por um compromisso contra as discriminações, as desigualdades e o respeito à diversidade cultural. O que, de acordo com Mantoan (2006, p. 9, grifo do original), trata-se de um trabalho de “‘ressignificação’ do papel da escola com professores, pais e comunidades interessadas, bem como de adoção de formas mais solidárias e plurais de convivência. Para terem direito à escola, não são os alunos que devem mudar, mas a própria escola!”. E a autora continua: “O direito à educação é natural e indisponível. Por isso, não faço acordos quando me proponho a lutar por uma escola para todos, sem discriminações, sem ensino à parte para os mais e para os menos privilegiados”. Dessa forma, a escola pode fazer o anúncio da construção de novos tempos na educação, contribuindo para formar alunos não conformistas, e sim, questionadores, reagentes e competentes, aptos a rejeitar valores celebrados pela nova ordem mundial, como o egoísmo e o individualismo. Mantoan (2006, p. 14) nos coloca que, seja ou não “uma mudança radical, toda crise de paradigma é cercada de muita incerteza e insegurança, mas também de muita liberdade e ousadia para buscar outras alternativas, novas formas de interpretação e de conhecimento [...] para realizar a mudança”. Mudança essa que é direito expresso na Constituição Federal de 1988. A Constituição respalda em seu artigo 206, inciso I, que o ensino será ministrado em “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Portanto, temos que entender que: Ao garantir a todos o direito à educação e ao acesso à escola, a Constituição Federal não usa adjetivos. Por essa razão, toda escola deve atender aos princípios constitucionais sem excluir nenhuma pessoa em decorrência de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência. Apenas esses dispositivos já bastariam para que não se negasse a qualquer pessoa, com ou sem deficiência, o acesso à mesma sala de aula que qualquer outro aluno (MANTOAN, 2006, p. 26-27). Percebe-se então que os discursos precisam ser revistos, compreendendo a diversidade humana como algo positivo, liberto de olhares preconceituosos, possibilitando a valorização pela cultura do outro. Portanto, a inclusão: UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 32 [...] exige uma mudança de mentalidade e de valores nos modos de vida e é algo mais profundo do que simples recomendações técnicas, como se fossem receitas. Requer complexas reflexões de toda a comunidade escolar e humana para admitir que o princípio fundamental da educação inclusiva é a valorização da diversidade, presente numa comunidade humana (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 146). E na sequência os autores continuam afirmando que a escola: Foi e continua sendo um espaço de padronizações ao promover a construção de conhecimentos com pouco significado, formalizado, pronto, sem relação e sentido com a vida dos seres humanos que lá estão, sejam alunos ou docentes. Ela é construtora de pensamentos, ações e movimentos que denotam igualdade e repetição. É importante a escola oportunizar vivências capazes de desconstruir a realidade do igual, da repetição, para valorizar a diferença, acreditando na diversidade da vida, das cores, sabores e movimentos (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 148). Assim, falar sobre inclusão escolar e/ou social é falar sobre a conscientização humana na democratização das relações entre os povos e os demais indivíduos que fazem parte do contexto social como um todo, independentemente de credo, raça, poder aquisitivo ou posição social, visto que fazemos parte de uma mesma sociedade e as diferenças fazem parte integrante do equilíbrio social e da própria espécie humana. No entanto, fica aqui a indagação: quais as oportunidades que estão sendo oferecidas pelos agentes sociais a essa massa de desamparados e excluídos do sistema social? De acordo com texto publicado no livro “Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade”, desenvolvido pelo Ministério da Educação, a escola pode e deve ser um ponto de partida na formação de cidadão e cidadã comprometidos com a construção dos valores éticos e morais, tanto no contexto escolar, como no âmbito das relações sociais. Aprender a ser cidadão e cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não violência; aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na escola. Para que o(a)s estudantes possam assumir os princípios éticos, são necessários pelo menos dois fatores: - que os princípios se expressem em situações reais, nas quais o(a)s estudantes possam ter experiênciase conviver com a sua prática; - que haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia moral, isto é, da capacidade de analisar e eleger valores para si, consciente e livremente. Outro aspecto importante desse processo é o papel ativo dos sujeitos da aprendizagem, estudantes e docentes, que interpretam e conferem sentido aos conteúdos com que convivem na escola, a partir de seus valores previamente construídos e de seus sentimentos e emoções (LODI; ARAÚJO, 2006, p. 69). TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 33 Com relação aos agentes citados nos parágrafos anteriores, também concordamos que a partir da inclusão escolar, principalmente no tocante à educação básica, ela deveria ser um espaço voltado para a harmonização da convivência social e não simplesmente uma mera reprodução de saberes. Em que, na maioria das vezes, esses saberes são direcionados apenas para produzir agentes econômicos, dando pouca ou quase nenhuma ênfase às questões relacionadas à ética e às características comportamentais do ser humano como uma forma de equilíbrio no convívio das relações sociais, o que já é um processo discriminatório e de exclusão, ou, no mínimo, uma forma de omissão do próprio sistema de ensino, principalmente com relação aos índios e negros. A luta travada em torno da educação do campo, indígena, do negro, das comunidades remanescentes de quilombos, das pessoas com deficiência, tem desencadeado mudanças na legislação e na política educacional, revisão de propostas curriculares e dos processos de formação de professores. Também tem indagado a relação entre conhecimento escolar e o conhecimento produzido pelos movimentos sociais (GOMES, 2007, p. 32). E na continuação o autor chega às seguintes conclusões: A diversidade é muito mais do que o conjunto das diferenças. Ao entrarmos nesse campo, estamos lidando com a construção histórica, social e cultural das diferenças, a qual está ligada às relações de poder, aos processos de colonização e dominação. Portanto, ao falarmos sobre a diversidade (biológica e cultural) não podemos desconsiderar a construção das identidades, o contexto das desigualdades e das lutas sociais. A diversidade indaga o currículo, a escola, as suas lógicas, a sua organização espacial e temporal. No entanto, é importante destacar que as indagações aqui apresentadas e discutidas não são produtos de uma discussão interna à escola. São frutos da inter-relação entre escola, sociedade e cultura e, mais precisamente, da relação entre escola e movimentos sociais. Assumir a diversidade é posicionar-se contra as diversas formas de dominação, exclusão e discriminação. É entender a educação como um direito social e o respeito à diversidade no interior de um campo político (GOMES, 2007, p. 41). Assim, é através dos movimentos sociais que podemos melhorar o sistema educacional e corrigir as distorções sociais, que são frutos de um processo longo que vem se arrastando através dos tempos, em que pouco ou quase nada tem sido feito como forma de reparar ou pelo menos minimizar os seus efeitos negativos e na reparação dos erros cometidos. Portanto, é de extrema necessidade a inserção e a interação de todos os seres humanos, independentemente de suas características ou condições sociais. Para Stainback (1999), a total inclusão de todos os membros da humanidade, de quaisquer raças, religiões, nacionalidades, classes socioeconômicas, culturas ou capacidades, em ambientes de aprendizagem e comunidade, pode facilitar o desenvolvimento do respeito mútuo, do apoio mútuo e do aproveitamento dessas diferenças para melhorar nossa sociedade. É durante seus anos de formação que as crianças adquirem o entendimento das diferenças, o respeito e o apoio mútuos em ambientes educacionais que promovem e celebram a diversidade humana. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 34 A construção de sociedades e escolas inclusivas, abertas às diferenças e à igualdade de oportunidades para todas as pessoas, é um objetivo prioritário da educação nos dias atuais. Nesse sentido, o trabalho com as diversas formas de deficiências e uma ampla discussão sobre as exclusões geradas pelas diferenças social, econômica, psíquica, física, cultural, racial, de gênero e ideológica, devem ser foco de ação das escolas. Buscar estratégias que se traduzam em melhores condições de vida para a população, na igualdade de oportunidades para todos os seres humanos e na construção de valores éticos socialmente desejáveis por parte dos membros das comunidades escolares é uma maneira de enfrentar essas exclusões e um bom caminho para um trabalho que visa à democracia e à cidadania (ARAÚJO, 2007, p. 16-17). Portanto, as mudanças comportamentais e as inclusões sociais relacionadas com todos os povos não podem e não devem ser somente responsabilidade da família e das instituições de classes, mas também de responsabilidade das escolas inclusivas e dos seus agentes sociais. Neste sentido, reafirmamos que a inclusão escolar: Só será viável se o professor e toda a comunidade escolar mudarem seu jeito de lidar com a diferença, via aceitação de formas relacionais de afetividade, de escuta e de compreensão, suspendendo juízos de valores como pena, repulsa e descrença. Uma mudança como desejo interior, porque algo interior nos diz que vale a pena mudar (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 148). E quando falamos em mudanças, estamos nos referindo a uma mudança estrutural, em que todas as partes se relacionam, interagem e se complementam para a harmonização do todo, que por sua vez é parte de uma estrutura maior, que podemos chamar de estrutura social, que é composta, dentre outras, pela escola, família, igreja, governo com suas políticas públicas, instituições financeiras, jurídicas e organizações sociais propriamente ditas, as ONGs. Como podemos perceber, tudo isso constitui um grande desafio rumo a uma mudança significativa. E, por estas e outras razões, nos parece que a sociedade está caminhando no rumo certo. AUTOATIVIDADE Então, acadêmico, você acredita que ainda existe perspectiva e esperança de dias melhores? Como podem ser superadas as barreiras que afetam a harmonia entre os humanos? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 35 Vejamos o que nos propõem os autores Assmann e Sung (2000, p. 103): A esperança humana, da qual estamos falando, é um horizonte de futuro tecido com desejo. Não o desejo de um único indivíduo, nem o desejo de subir na ‘escada do sucesso’ segundo os parâmetros da eficiência do mercado regendo todos os aspectos da nossa vida, mas o desejo do reconhecimento mútuo e respeitoso entre pessoas e grupos sociais, o desejo de uma vida mais digna e prazerosa para todos\as. O desejo de um mundo onde caibam muitos e muitos mundos. E concluindo o seu pensamento: É esse horizonte de esperança que nos mostra, nos revela, a mesquinhez e a irracionalidade de uma sociedade centrada na exclusão e insensibilidade, e a desumanidade de uma vida humana voltada para negar a sua condição humana. Horizonte de esperança não é algo que se toma dentre as ofertas do mercado, nem pode ser produzido individualmente. Como todo horizonte de compreensão, ele deve ser tecido no diálogo, na construção de uma linguagem e esperanças comuns. Por isso, um horizonte de esperança que nos abra e nos interpele para a sensibilidade solidária só pode ser fruto de um desejo de dialogar com os\as que estão dentro e fora da sociedade, do nosso mundo (o mundo de cada um, o mundo decada grupo social). Diálogo que pressupõe o reconhecimento mútuo (ASSMANN; SUNG, 2000, p. 103). O que Assmann e Sung (2000) nos esclarecem é que o ser humano precisa, em primeiro lugar, conscientizar-se do seu papel na sociedade, e que isso não pode ser uma ação única, mas sim uma ação conjunta, como um grande suporte em prol da democratização solidária. Essa solidariedade deve trazer benefícios tanto para o indivíduo, quando analisado separadamente, quanto na sua convivência em sociedade, ou seja, a relação do indivíduo com ele mesmo ou no convívio social. E na sequência os autores analisam com muita propriedade o resultado ocasionado por esse processo de interação: Quando imergimos nesse horizonte, descobrimos algumas verdades humanas básicas. A descoberta da minha condição humana não se dá fora do reconhecimento da condição humana (da dignidade humana) dos que estão ‘dentro e fora’ da sociedade. Eu não posso me descobrir como pessoa humana se não ‘descobrir’ o\a outro\a, o\a diferente, como participante da mesma condição humana. É o reconhecimento do\a diferente como ‘igual’, isto é, coparticipante da mesma condição humana, que me possibilita encontrar comigo mesmo. Na década de 70 havia uma propaganda que mostrava um menino e uma menina, cada um olhando dentro do short de banho do\a outro\a. Acima do desenho, a frase: ‘Ah! Descobri a diferença!’ É a descoberta de que existe um sexo diferente na mesma espécie humana, que me faz descobrir que eu sou um ser sexuado, masculino ou feminino (ASSMANN; SUNG, 2000, p. 104). E para finalizar, os autores fazem um breve resumo a respeito das relações de convivência e de reciprocidade humana, principalmente para aqueles que possam ter algumas dificuldades para entender a complexidade a respeito da inclusão social e escolar da diversidade humana. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 36 Em resumo, tentar encontrar-se consigo mesmo e realizar-se como ser humano negando o\a outro\a que lhe revela e lhe lembra as suas angústias e medos inerentes à sua condição humana é um caminho trágico, no sentido grego desse conceito, isto é, não como destino, mas como tomada de consciência de um desafio radical que parte da nossa condição humana. A única forma de nos realizarmos como seres humanos é reconhecendo e assumindo a nossa condição humana. É isto que nos possibilita vivermos as alegrias da vida, mas também os momentos tristes e angustiantes. Esse assumir a nossa condição humana pressupõe o reconhecimento do(a) outro(a) que nos lembra das nossas inseguranças. Este reconhecimento mútuo só é possível se cultivarmos e vivermos a sensibilidade solidária e o horizonte de esperança. Educar para a esperança é uma das chaves para educar para a sensibilidade solidária (ASSMANN; SUNG, 2000, p. 104). Estamos nos referindo ao processo de educação e aprendizagem, e já ficou evidente que esse é o caminho. No entanto, é preciso levantar algumas bandeiras e eliminar algumas barreiras, principalmente as do descaso, da arrogância e da intolerância, que são ações que principiam e dão origem ao preconceito e à desigualdade social, que, pelo visto, parece povoar e circular por quase todas as fases da questão educacional. A começar pelas dificuldades de acesso à educação de base, ou pela falta de espaço adequado, não só em termos de locomoção e acesso, mas, principalmente, para aquelas pessoas com certo grau de dificuldades. Com relação às dificuldades de acesso, estas parecem não ser privilégio somente daqueles com alguma deficiência física, mas de todos aqueles motivados por razões circunstanciais, sejam elas pela distância, pelas condições de transporte ou, ainda, pelo descaso das autoridades, que deveriam ser os mentores, incentivando e facilitando o acesso às escolas da rede pública e privada, oferecendo escolas e ensino de qualidade, com professores qualificados e comprometidos com o processo educacional. Isso evitaria, pelo menos em parte, a desagregação, a degradação e o êxodo escolar, em que o abandono ou o afastamento de alunos das salas de aulas podem ter diversos motivos, muitos deles justificados pelas condições precárias de algumas escolas, bem como a falta de compromisso e atitude das autoridades, a improbidade administrativa, o desvio de verbas, dentre outras formas de descaso das autoridades públicas. Observe, acadêmico, que ainda existe uma série de problemas a serem resolvidos nas instituições escolares. De acordo com Prieto (2006, p. 33), “as instituições escolares, ao reproduzirem constantemente o modelo tradicional, não têm demonstrado condições de responder aos desafios da inclusão social e do acolhimento às diferenças, nem de promover aprendizagens necessárias à vida em sociedade [...]”. Acadêmicos, percebemos que os que mais sofrem com essa situação de penúria são os menos afortunados, os que não possuem as mínimas condições de frequentar uma escola particular, ou os deficientes físicos, que, muitas vezes, além das condições financeiras, também lhes faltam as condições principais ao acesso e permanência no âmbito escolar. TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 37 6 CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DO SABER APRENDIDO Assim, de acordo com o que foi aprendido até agora, podemos afirmar que a diversidade, as diferenças, a identidade, a exclusão e a inclusão, quando reparadas na sua desarmonia social, representam partes integrantes da vida em comunidade, em que são introduzidas as mudanças necessárias ao desenvolvimento social e, ao mesmo tempo, produzidas outras formas de relacionamentos, outras formas de diversidade, ou até mesmo outras maneiras e meios de abordagens no processo de interação do eu com o outro. Isso faz parte da natureza humana, ou seja, um estado em movimento, de renovação e de mudanças. Dessa maneira, a sociedade continuará a produzir saberes e realidades relativas, seja em relação à diversidade existente, seja em relação ao comportamento humano na convivência social, ou na interação da pessoa com ela mesma, com os outros, bem como as abordagens relacionadas aos contrastes da vida cotidiana, caracterizadas pelas desigualdades sociais. Portanto, essas verdades continuarão a ser questionadas, até que outras verdades as sobreponham. Assim, a exclusão e a inclusão social das diferenças são formas de construção e desconstrução de uma variedade de elementos históricos e atuais, distintos e circunstanciais e que, muitas vezes, vão além da nossa compreensão. Caros acadêmicos, de acordo com o que vimos, percebemos que uma das verdades absolutas é que: sempre haverá o eu e o outro, e esse outro será sempre diferente do eu, e essa diferença continuará sendo o fio condutor responsável pela diversidade cultural e pelos diversos tipos de conflitos sociais, seja no sentido negativo ou no sentido positivo. 38 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A diversidade, no contexto cultural, significa uma grande quantidade de coisas, ações, pensamentos, ideias e pessoas que se diferenciam entre si dentro de grupos sociais ou dentro de uma mesma sociedade, e os mesmos são passíveis de discussão, apelos, protestos, discórdia e geralmente acabam em conflitos, chegando até às desigualdades sociais. • É fundamental que percebamos as diferenças e desigualdades, não de forma natural, mas como uma construção histórica possível de ser desestabilizada em sua forma rígida, para ser transformada em algo que possa ser identificado e reconhecido como base para a construção de relações interpessoais mais democráticas dentro da sociedade, isto é, devemos pensar e repensar o seu conceito histórico e a sua trajetória futura. • A desigualdade significa não só a diferença existente entre pessoas ou coisas quecompõem o universo, mas significa também a diferença no tratamento e no respeito para com o outro. Nesse caso, estamos nos referindo à desigualdade humana, que na maioria das vezes está caracterizada pelo preconceito e pelos diversos tipos de violência e pelas suas relações conflitantes dentro do contexto social. • A diversidade humana (pessoas diferentes) deveria ser um instrumento de unificação dos seres, diferentemente das desigualdades sociais, que significam que nem todos têm as mesmas oportunidades, o que em grande parte se deve às diversas formas de preconceito, algumas delas no modo de ver do seu praticante. • Falar sobre inclusão escolar e/ou social é falar sobre a conscientização humana na democratização das relações entre os povos e os demais indivíduos que fazem parte do contexto social como um todo, independentemente de credo, raça, poder aquisitivo ou posição social, visto que fazemos parte de uma mesma sociedade e as diferenças fazem parte integrante do equilíbrio social e da própria espécie humana. 39 1 (ENADE-2014, Pedagogia) Da visão dos direitos humanos e do conceito da cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos decorre uma identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção de desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar. FONTE: BRASIL, MEC: Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008, p. 6 (adaptado). As questões sucintas no texto ratificam a necessidade de novas posturas docentes, de modo a atender à diversidade humana presente na escola. Nesse sentido, no que diz respeito ao seu fazer docente frente aos alunos, o professor deve: I- Desenvolver atividades que valorizem o conhecimento historicamente elaborado pela humanidade e aplicar avaliações criteriosas com o fim de aferir, em conceitos ou notas, o desempenho dos alunos. II- Instigar ou compartilhar as informações e a busca pelo conhecimento de forma coletiva, por meio de relações respeitosas aceitas pelos diversos posicionamentos dos alunos, promovendo o acesso às inovações tecnológicas. III- Planejar ações pedagógicas extracurriculares, visando ao convívio com a diversidade, selecionar e organizar os grupos, a fim de evitar conflitos. IV- Realizar práticas avaliativas que evidenciem as habilidades e competências dos alunos, instigando esforços individuais para que cada um possa melhorar o desempenho escolar. V- Utilizar recursos didáticos diversificados, que busquem atender às necessidades de todos e de cada um dos alunos, valorizando o respeito individual e coletivo. É correto apenas o que se afirma em: a) ( ) I e II. b) ( ) II e V. c) ( ) II, III e IV. d) ( ) I, II, IV e V. e) ( ) I, III, IV e V. 2 (IFC-2015) Sobre a Educação Inclusiva, marque V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas: ( ) Na Educação Inclusiva, os alunos com deficiência têm a chance de se prepararem para a vida em sociedade, os professores de melhorarem suas habilidades profissionais e a sociedade passa a valorizar a igualdade para todos. AUTOATIVIDADE 40 ( ) Na Educação Inclusiva, o aluno com deficiência tem a facilidade de construir conhecimento como os demais e de demonstrar a sua capacidade cognitiva, principalmente nas escolas que mantêm um modelo conservador de atuação e uma gestão autoritária e centralizadora. ( ) Na Educação Inclusiva, a escola se baseia na lógica do concreto e na repetição alienante e descontextualizada das atividades. ( ) A Educação Inclusiva requer que os sistemas educacionais modifiquem não apenas as suas atitudes e expectativas em relação aos alunos com deficiência, mas que se organizem para construir uma real escola para todos, onde o currículo leve em conta a diversidade e seja concebido com o objetivo de reduzir barreiras atitudinais e conceituais e se pautar por uma ressignificação do processo de aprendizagem na sua relação com o desenvolvimento humano. Assinale a alternativa com a sequência correta. a) ( ) V – F – F – V. b) ( ) F – F – V – V. c) ( ) V – V – F – V. d) ( ) F – V – V – F. 41 TÓPICO 3 MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, vamos trabalhar o conceito de multiculturalismo, enfatizando as origens do surgimento do movimento e os campos de conhecimento que acolhem os estudos multiculturais. Nesse sentido, temos como objetivo situar o multiculturalismo do ponto de vista político (movimentos sociais multiculturais e políticas públicas) e teórico (ciências multiculturalistas), visando oferecer conteúdo de base para a interpretação desse campo de estudos. No desenvolvimento deste tópico, também será abordado os temas tolerância/intolerância e relações de gênero, discutindo de modo reflexivo os conceitos de feminismo e ideologia de gênero. O objetivo é apresentar diferentes pontos de vista para os referidos conceitos, e conduzir o acadêmico a uma reflexão crítica da realidade, de modo que possa – com embasamento crítico e sempre que possível científico – compreender melhor esses temas. 2 CONCEITUANDO MULTICULTURALISMO Como a própria etimologia da palavra nos sugere, o termo “multi” significa vários; o termo “culturalismo” refere-se à cultura; e o sufixo “ismo” está associado às posições assumidas ou ideias aceitas sobre a possibilidade do conhecimento, ou seja, no caso do multiculturalismo significa uma posição assumida sobre as diferentes relações entre as várias culturas. O ‘multiculturalismo’ é um termo polissêmico e existem, pelo menos, dois sentidos diferentes em que este pode ser utilizado. Um primeiro sentido é descritivo e reporta a um fato da vida humana e social, que é a diversidade cultural étnica, religiosa que se pode observar no tecido social, ou seja, um certo cosmopolitismo que atualmente é fácil de ver em qualquer grande cidade da Europa e da América do Norte. Um segundo sentido é prescritivo e está associado às chamadas políticas de reconhecimento da identidade e/ou da diferença que os poderes públicos prosseguem, ou deveriam prosseguir, segundo os seus defensores, em nome dos grupos minoritários e/ou ‘subalternos’ (FERNANDES, 2011, p. 2, grifos do original). Dito de outra forma, multiculturalismo significa a existência de grupos de diversas culturas, assim como o embate político, econômico e social travado pelos 42 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE diferentes grupos sociais na luta pelo respeito à diversidade. Por isso, além de estudos teóricos e empíricos, o termo implica na conquista de reivindicações das chamadas minorias ou grupos marginalizados, como os negros, índios, mulheres, homossexuais e outros tantos que buscam assegurar seus direitos sociais através de políticas públicas de ação afirmativa. FIGURA 6 – MULTICULTURALISMO, DIVERSIDADE E DESAFIO DO HOMEM PARA O SÉCULO XXI FONTE: Disponível em: <http://fadivagrupo7.blogspot.com/>. Acesso em: 7 dez. 2017. O multiculturalismo é pluralista, porque as diferenças coexistem em um mesmo país ou região. Ali convivem diferentes culturas, valores e tradições. Há o diálogo e convivência pacífica entre as culturas diversas. No entanto, esta coexistência pacífica não significa negar as diferenças entre as culturas, nem homogeneizá-las, mas compreendê-las a partir de uma visão dialética sobre os termos igualdade e diferença, na medida em que não se pode falar em igualdade sem levar em conta as diferenças culturais, e não se poderelacionar a diferença como medida de valor. Nesse sentido, entendemos que igualdade e diferença não são termos opostos. Na verdade, a igualdade opõe-se à desigualdade, enquanto diferença opõe-se à padronização, à homogeneização, à produção em série. O que o multiculturalismo quer é lutar pela igualdade e pelo reconhecimento das diferenças. Por esse motivo, um dos temas centrais do multiculturalismo tem sido o Direito à Diferença e à Diminuição das Desigualdades, bandeira de luta de vários movimentos sociais contemporâneos espalhados pelo mundo inteiro. TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 43 3 SURGIMENTO DO MULTICULTURALISMO O termo multiculturalismo é relativamente recente e sua utilização ocorreu pela primeira vez na Inglaterra, entre as décadas de 1960 e 1970. De acordo com Fernandes (2006), o multiculturalismo surgiu na linguagem oficial do Canadá e na Austrália, para designar as políticas públicas com o objetivo de valorizar e/ou promover a diversidade cultural. Ainda nesse período, o autor destaca que outros países anglo-saxônicos, como o Reino Unido, a Nova Zelândia e os EUA, também iniciam políticas públicas qualificadas como multiculturais. NOTA Países anglo-saxônicos são países cujos descendentes são provenientes de povos germânicos (anglos, saxões e jutos). Esta denominação é resultado da fusão desses povos que se fixaram ao sul e leste da Grã-Bretanha, no século V. Tomando como base o caso dos Estados Unidos, o multiculturalismo surge como movimento organizado na década de 1960, a partir dos primeiros movimentos sociais, como: o negro, feminista, hippie, ambientalista, entre outros. No entanto, para entender o motivo pelo qual esses movimentos surgiram, devemos resgatar o aspecto da constituição histórica dos Estados Unidos, marcada por um longo processo de colonização, que teve como base a eliminação e a opressão das diversas tribos indígenas que ali estavam. Além disso, prezado acadêmico, devemos levar em conta o processo de escravidão que ocorreu no país, no qual os negros serviram como base para o desenvolvimento da nação. Essas posturas dos colonizadores norte-americanos foram influenciadas pelos valores religiosos de igrejas protestantes, comuns à maioria dos colonos de origem anglo-saxã. Esta influência permeou o pensamento e as atitudes dos colonizadores norte-americanos em relação aos demais grupos, desencadeando, mais tarde, uma série de movimentos pela busca de justiça social. O que queremos destacar neste momento é que, a exemplo do caso dos EUA, o movimento multiculturalista surgiu em grande escala nas sociedades nas quais o direito à diversidade cultural foi historicamente negado. Segundo Silva (2000), o multiculturalismo teve início em países em que a diversidade cultural era vista como um problema para a construção da unidade nacional. Muitas nações construíram suas identidades por intermédio de processos autoritários, pela imposição de uma cultura, dita superior, a todos os membros da sociedade. 44 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 4 ÁREAS DE CONHECIMENTO QUE ABRIGAM O MULTICULTURALISMO Já entendemos que o multiculturalismo é, ao mesmo tempo, uma rede de movimentos sociais em prol da afirmação dos grupos minoritários, historicamente excluídos pela sociedade. Neste sentido, podemos compreender que o multiculturalismo é um campo de estudos que aborda a problemática dos grupos de forma multidisciplinar. Portanto, vamos tratar agora de alguns aspectos sobre o caráter científico do multiculturalismo, que são os estudos multiculturais. Prezados acadêmicos, vocês sabiam que os estudos multiculturais são provenientes de várias áreas do conhecimento? Pois bem, entre as áreas de conhecimento podemos destacar os campos da Antropologia Cultural, Psicologia Social, História e Sociologia, que abordam diferentes problemas relativos ao multiculturalismo. Algumas áreas se ocupam do ponto de vista histórico do movimento, outras se ocupam da genealogia dos mesmos, outras se ocupam dos processos políticos e sociais que os movimentos promovem, e ainda, outras áreas se ocupam de aspectos epistemológicos do estudo dos movimentos. Enfim, há uma variedade de estudos sobre o tema nas mais diferentes áreas disciplinares. NOTA NOTA GENEALOGIA: estudo da origem das famílias. EPISTEMOLOGIA: estudo do grau de certeza do conhecimento científico em seus diversos ramos. Abordagem Interdisciplinar: refere-se ao trabalho e estudo de profissionais de diversas áreas do conhecimento ou especialidades sobre um determinado tema ou área de atuação, implicando necessariamente na integração dos mesmos para uma compreensão mais ampla do assunto. Portanto, o estudo do multiculturalismo requer uma compreensão interdisciplinar do contexto histórico, socioeconômico e cultural desses diferentes grupos sociais e da sua diversidade cultural construída conforme seu tempo e suas condições humanas e geográficas. TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 45 Daí a complexidade em se abordar a temática do multiculturalismo em todas as regiões do planeta, levando em consideração a diversidade e a história dos seus diversos povos em cada um dos cinco continentes e seus diferentes países. No entanto, o multiculturalismo já alcançou um elevado nível na discussão acadêmica. De acordo com Sidekum (2003, p. 9), “esse alcance é a marca principal das últimas décadas do século XX, consolidando-se, especialmente, pelos estudos comparados da cultura, desenvolvidos pela antropologia cultural e pela psicologia aplicada, também conhecida por psicologia social intercultural”. 5 ESTUDOS DE GÊNERO O surgimento dos estudos atuais sobre a condição feminina, o Estudo de Gênero só foi possível porque, ao longo do tempo, o movimento social de mulheres “fez muito barulho”, denunciando as situações de opressão, preconceito e dominação que sofreram. A amplitude do movimento feminista não pode e não deve ser reconhecida apenas como um dos movimentos de luta das mulheres, porque muitas mulheres com perfis e histórias diferentes participaram. Se hoje o gênero representa uma categoria de análise tão importante para as ciências humanas e sociais, é porque se fez legítimo pelas tantas batalhas dos movimentos feministas, tornando-se fundamental para a compreensão das relações humanas. 5.1 FEMINISMO O feminismo é um conceito múltiplo, ele possui uma dimensão política, que se refere aos movimentos de luta por direitos, e uma dimensão acadêmica, que se refere aos estudos da condição feminina. A dimensão acadêmica, ou seja, o campo de pesquisa e de conhecimento sobre as mulheres, pode ser considerada multidisciplinar, porque ocorre em diferentes campos disciplinares, como: Antropologia, História, Educação, Sociologia, Direito e vários outros. O principal objetivo do movimento feminista não foi alcançar a igualdade entre homens e mulheres, mas sim a equidade entre eles. Para assegurar a igualdade não deve ser necessário que as mulheres assumam posturas “masculinas”. Elas devem preservar suas identidades. Por isso a ideia de “equidade” e não igualdade. Com relação ao Movimento Feminista, ele surgiu no século XVIII, na Europa, especialmente na Inglaterra e França, mas logo repercutiu em outros países e se desenvolveu de diferentes formas e expressões até os dias atuais. Para dar uma ideia de totalidade ao movimento, ele foi dividido em três grandes momentos, que explicam as diferentes concepções e lutas do movimento. 46 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 5.2 A PRIMEIRA ONDA FEMINISTA FONTE: Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/09/14/historia-da- primeira-onda-feminista/>. Acesso em: 19 set. 2017. FONTE: Disponívelem: <http://igualdadedegeneroeraca.blogspot.com/2011/09/movimento- feminista>. Acesso em: 20 out. 2011. Esse primeiro momento do feminismo, chamado “Primeira Onda Feminista”, refere-se a um período extenso de atividade feminista ocorrido durante o século XIX e fim do século XX, no Reino Unido, na França e Estados Unidos, que tinha o foco originalmente na promoção da igualdade nos direitos contratuais e de propriedade para homens e mulheres, e na oposição de casamentos arranjados e da propriedade de mulheres casadas (e seus filhos) por seus maridos. No entanto, no fim do século XIX, o ativismo passou a se focar, principalmente, na conquista de poder político, especialmente o direito ao sufrágio (voto) por parte das mulheres. As ativistas femininas fizeram campanhas pelos direitos legais das mulheres (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelos direitos ao aborto e pelos direitos reprodutivos (incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela proteção de mulheres e garotas contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação. Ainda assim, muitas feministas já faziam campanhas pelos direitos sexuais, reprodutivos e econômicos das mulheres. Na França do século XVIII, envolvidas pelo ideal de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da Revolução Francesa, mulheres de todas as classes sociais juntaram-se ao movimento revolucionário. Elas acreditavam que, uma vez estabelecida a democracia, seus direitos ao voto, à vida pública, ao divórcio e à emancipação social (já que eram subordinadas ao pai ou marido) seriam assegurados. Muitas mulheres lutaram nos fronts de batalha na revolução, e algumas morreram guilhotinadas, por defenderem suas convicções depois que a Revolução se consolidou e lhes negou, de forma desleal, seus direitos. 5.3 A SEGUNDA ONDA FEMINISTA A Segunda Onda Feminista culminou com os movimentos sociais em andamento nos Estados Unidos, e o país foi, desta vez, a referência do movimento para o restante do mundo. A segunda onda se refere a um período da atividade feminista que teve início na década de 60 e durou até o fim da década de 80. TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 47 Uma das autoras mais importantes da segunda onda é Betty Friedan, com seu famoso livro A Mística Feminina (The Feminine Mystique, 1963). FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo>. Acesso em: 20 out. 2011. Disponível em: <http://www.veracruz.edu.br/palavradeprofes sor/2010/cinema1.htm>. No livro, Friedan levanta a hipótese de que as mulheres seriam vítimas de um sistema falso de crenças, que exige que elas encontrem identidade e significado em suas vidas através de seus maridos e filhos; esse sistema faz com que a mulher perca completamente a sua identidade para a de sua família. Friedan, especificamente, localiza esse sistema nas comunidades suburbanas de classe média pós-Segunda Guerra Mundial; ao mesmo tempo, o boom econômico pós-guerra nos Estados Unidos levou ao desenvolvimento de novas tecnologias que tornaram o trabalho das donas de casa menos difícil, mas que frequentemente tinham o resultado de tornar o trabalho das mulheres menos significante e menos valorizado. 48 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 5.4 A TERCEIRA ONDA FEMINISTA E O SURGIMENTO DOS ESTUDOS DE GÊNERO De acordo com Grossi (2010), o movimento feminista e o movimento gay merecem destaque como aqueles que de fato questionaram as relações “afetivo- sexuais” no espaço privado. A partir de então, esses questionamentos começaram a adentrar o espaço universitário e pesquisas passaram a ser desenvolvidas no interior de várias disciplinas. No Brasil, a partir dos anos 1970/80 começam a se desenvolver estudos sobre a condição feminina, em que basicamente se discutia a opressão das mulheres em uma sociedade patriarcal. Já a partir dos anos 1980 surgem os estudos sobre as mulheres, pois: “[...] se percebe que não é possível falar de uma única condição feminina no Brasil, uma vez que existem inúmeras diferenças, não apenas de classe, mas também regionais, de classes etárias, de ethos, entre as mulheres brasileiras” (GROSSI, 2010, p. 3-4). Nesse período, várias teses são desenvolvidas, porém, segundo Grossi (2010, p. 4), a referência utilizada para o reconhecimento das mulheres enquanto grupo está ainda associada a uma “unidade biológica (vagina, útero, seios)”. 6 CONCEITUANDO GÊNERO O conceito de gênero surge no Brasil através de pesquisadoras norte- americanas, que vão tratar as relações entre homens e mulheres de forma a negar as diferenças biológicas como constituidoras das identidades dos seres humanos, e introduzir a perspectiva de que somos construídos a partir de determinados mecanismos sociais. Uma das pensadoras responsáveis por essa nova perspectiva é a autora Joan Scott. No artigo intitulado “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, ela diz que: O gênero torna-se uma maneira de indicar ‘construções sociais’ – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1990, p. 7). Para a estudiosa Françoise Héritier (1996), o conceito de gênero é relacional, ou seja, se constrói na relação entre homens e mulheres, haja visto que ninguém vive só, pois todas as pessoas se relacionam desde que nascem, independente das regras sociais e culturais. Segundo Grossi (2010), papéis de gênero são as representações (tomadas como representações de uma personagem no teatro) de cada sexo, ou seja, papéis sexuais são as características atribuídas a cada sexo, de acordo com sua cultura. TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 49 São modelos do que é próprio e concernente a cada sexo. Sabe-se, através de relatos de historiadores, que os papéis de gênero podem ser alterados dentro de uma mesma sociedade, dependendo das situações. Com relação à identidade de gênero, ela se forma, segundo Grossi (2010), a partir da socialização de valores e comportamentos que são internalizados logo nas primeiras fases da infância. Esses valores e comportamentos que são repassados são diferentes para cada sexo e também variam de uma cultura para outra. Um dos estudos da autora clássica de Antropologia, Margaret Mead (1979), poderá ilustrar o que procuramos dizer até aqui. Essa autora procura nos fazer refletir como, nas diferentes sociedades, são construídos padrões de conduta, comportamento, culturas, atribuindo-se valores a algumas coisas e a outras não, como idade e sexo, ritmo de nascimento, maturação e velhice, a estrutura do parentesco consanguíneo. Em seu livro “Sexo e Temperamento”, essa antropóloga aborda três grupos diferentes em uma ilha da Nova Guiné: os montanheses Arapesh, os canibais Mundugumor e os caçadores de cabeças de Tchambuli. A autora faz o estudo com estes três grupos porque as diferenças de sexo fazem parte da organização sociocultural dos mesmos, ainda que estas diferenças sejam percebidas e dramatizadas de formas diferentes. A partir dessa observação, a autora constata: ainda que, de uma forma geral, as sociedades se organizem levando em conta as diferenças entre os sexos, não significa dizer que essa organização esteja baseadaem sistemas de oposição ou dominação. Na visão do escritor argentino Jorge Scala, especialmente em seu livro intitulado “Ideologia de Gênero: o neototalitarismo e a morte da família” (2011), bem como em uma entrevista sobre o tema (2012), o termo gênero é associado a uma ideologia e não a uma teoria ou hipótese, pelo seguinte motivo: Uma teoria é uma hipótese verificada experimentalmente. Uma ideologia é um corpo fechado de ideias, que parte de um pressuposto básico falso – que por isto deve impor-se evitando toda análise racional -, e então vão surgindo as consequências lógicas desse princípio falso. As ideologias se impõem utilizando o sistema educacional formal (escola e universidade) e não formal (meios de propaganda), como fizeram os nazistas e os marxistas (SCALA, 2012, s.p.). O autor argumenta ainda que o fundamento da ideologia de gênero é falso. Seu fundamento principal e falso é este: o sexo seria o aspecto biológico do ser humano, e o gênero seria a construção social ou cultural do sexo. Ou seja, que cada um seria absolutamente livre, sem condicionamento algum, nem sequer o biológico -, para determinar seu próprio gênero, dando-lhe o conteúdo que quiser e mudando de gênero quantas vezes quiser. Agora, se isso fosse verdade, não haveria diferenças entre 50 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE homem e mulher – exceto as biológicas -; qualquer tipo de união entre os sexos seria social e moralmente bom, e todas seriam matrimônio; cada tipo de matrimônio levaria a um novo tipo de família; o aborto seria um direito humano inalienável da mulher, já que somente ela é que fica grávida; etc. Tudo isso é tão absurdo, que só pode ser imposto com uma espécie de “lavagem cerebral” global (SCALA, 2012, s.p.). Para concluir sua explicação, Scala responde à seguinte pergunta: quais são, então, as consequências para nossos filhos, para a próxima geração, caso a ideologia de gênero seja incentivada nas escolas infantis? Eu respondo com um fato real. Dei uma palestra sobre esta ideologia, a todos os professores de uma cidade de 7.000 habitantes, numa área rural da minha província. Gente simples e trabalhadora. Ao concluí- la, uma professora comentou em voz alta: ‘Agora eu entendo porque há alguns dias meu filho de sete anos me perguntou: mamãe, eu sou menino ou menina …? As pessoas formadas e maduras estão imunes dessa ideologia, mas se a permitirmos penetrar nas crianças desde tenra idade – cinema, rádio, TV, escola, revistas -, em muitos casos, teremos que lamentar com o tempo tragédias de todo tipo (SCALA, 2012, s.p.). Vejamos o que nos apresenta o autor Dale O’Leary (1997, p. 1), em sua obra “A agenda de gênero”. Sem alarde ou debate, a palavra ‘sexo’ foi substituída pela palavra ‘gênero’. Nós costumávamos falar de ‘discriminação de sexo’, mas agora é ‘discriminação de gênero’. Com certeza parece bastante inocente. ‘Sexo’ possui um significado secundário, subentendendo relação sexual ou atividade sexual. ‘Gênero’ parece mais delicado e refinado. As militantes feministas aprenderam a partir de suas derrotas. Quando elas não puderam vender sua ideologia radical para as mulheres em geral, elas lhe deram uma nova roupagem. Agora elas são bastante cuidadosas em revelar seus verdadeiros objetivos. Elas pretendem alcançar seus fins não por uma confrontação direta, mas através de uma mudança no significado das palavras. No decorrer de seu texto, O’Leary (1997) faz menção à Conferência da ONU sobre População, realizada no Cairo, em 1994, e a Conferência sobre as Mulheres, realizada em Pequim, em 1995, em que foi incluída na plataforma de ação destas conferências a “perspectiva de gênero”. Sobre este tema, o autor faz os seguintes questionamentos: Qual é a relação entre a “perspectiva de gênero” e o fato de que os seus proponentes possuem uma extrema aversão a palavras como mãe, pai, marido e esposa? Por que os defensores da Agenda de Gênero referem-se ao casamento e à família em termos negativos? Por que um documento da ONU sobre as mulheres não tem quase nada de positivo a dizer sobre as mulheres que são mães de tempo integral? Por que a ONU não promove mais a “perspectiva da mulher”? (O’LEARY, 1997, p. 2). Caro acadêmico, agora é com você. Diante das discussões apresentadas até o momento, como você define gênero? O que você pensa sobre o assunto? Você considera que o objetivo da ideologia de gênero é promover a defesa da TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 51 mulher? Promover a defesa do homem? Defender a vida humana e as crianças? Lutar pela equidade entre homens e mulheres? São muitas as indagações que precisam ser feitas para elucidar seu pensamento, e para que de modo crítico e racional você possa chegar às suas próprias conclusões. DICAS Para complementar nossa conversa, leia atentamente a introdução do livro de Marilena Chauí sobre “O que é ideologia” e tire suas próprias conclusões sobre os fundamentos da “ideologia de gênero”. “Frequentemente, ouvimos expressões do tipo “partido político ideológico”, é preciso ter uma “ideologia”, “falsidade ideológica”. Essas expressões tomam a palavra ideologia para com ela significar “conjunto sistemático e encadeado de ideias”. Ou seja, confundem ideologia com ideário. Nossa tarefa, aqui, será desfazer a suposição de que a ideologia é um ideário qualquer ou qualquer conjunto encadeado de ideias e, ao contrário, mostrar que a ideologia é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade, e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política. FONTE: Chauí, M. O Que é Ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. Disponível em: <https://goo.gl/VMihTF>. Acesso em: 9 set. 2017. 7 ESTUDOS DE GÊNERO Especialmente nas três últimas décadas, os estudos de gênero passaram a se preocupar com várias questões relativas ao universo das relações sociais. Observar a realidade a partir da análise de gênero possibilitou novas interpretações sobre o comportamento humano e a observação das desigualdades de gênero. Vejamos, a seguir, alguns estudos de gênero e suas principais contribuições. A construção social da desigualdade de Gênero (Educação Diferenciada): Os estudos compreendem que há uma educação diferenciada para meninos e meninas desde o seu nascimento. Nessa educação, reproduzem-se idealizações e modelos de papéis destinados a homens e mulheres na sociedade. Por exemplo, os meninos brincam de bola e carrinho, enquanto as meninas brincam de boneca e casinha, deixando claro o espaço que cada um ocupará dentro da sociedade. Por este motivo é que se organizam papéis diferenciados para homens e mulheres. Papéis femininos ou Feminilidades: De acordo com os estudos, os modelos de feminino em nossa sociedade são criados a partir de símbolos antagônicos: Eva e Maria, bruxa e fada, mãe e madrasta. Sendo que essas definições propõem o que é bom para as mulheres e culpam-nas quando não correspondem a este padrão. A sociedade espera que as mulheres cuidem da casa, dos filhos e do marido, que 52 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE sejam as guardiãs da moral da família, que sejam meigas, atenciosas, maternais e frágeis. Outras expressões de feminino são marginalizadas. Papéis masculinos ou Masculinidades: Os estudos sobre masculinidade tratam da construção da identidade masculina e das diferentes masculinidades. Além disso, tratam do discurso sobre o masculino, a idealização dele e os padrões de masculinidade. O que a sociedade espera do papel desempenhado pelos homens é que sejam provedores, fortes e viris. Outras expressões de masculinidade também são consideradas desviantes. Violência de gênero: Os estudos apontam que a violência de gênero é demonstrada no exercício depoder dos homens (na forma de espancamentos, insultos, ameaças, estupros, assédio, assassinatos e outros) sobre as mulheres e demais pessoas consideradas "inferiores" (homossexuais, crianças, idosos etc.). Esses estudos demonstram uma série de situações em que as mulheres têm sido historicamente violentadas em seus direitos, tanto no aspecto físico, quanto psicológico. Famílias: Muitos estudos reconhecem que há uma visão tradicional de família que não reconhece a existência de núcleos familiares chefiados somente por mulheres ou a constituição de famílias compostas por "agrupamento". De igual forma, são abordadas aqui as questões relativas aos papéis tradicionais desempenhados por homens e mulheres dentro das estruturas familiares. A imagem das mulheres nos meios de comunicação: Os estudos demonstram que os meios de comunicação parecem dar às mulheres "visibilidade" e "espaço para discussão", mas que reforçam constantemente o seu papel de "objeto de consumo", de "utilidade pública" e "sexual". Por exemplo, nas propagandas de bebidas alcoólicas. A educação escolar: Os estudos reforçam que a educação escolar é transmissora de valores, atitudes e preconceitos, reprodutora das desigualdades de gênero e homofobia. Isso porque, no universo das instituições de ensino do nosso país, assuntos como Gênero e Sexualidade têm sido tratados historicamente como tabus. Quando se permite falar sobre esses temas, a escola tende a tratar a questão como uma dimensão da vida adulta, ligada à constituição da família e da reprodução, através de uma perspectiva biológica. Desta forma, tanto o exercício da sexualidade por si, quanto as orientações homoafetivas, neste espaço disciplinar, são negados. A escola tem assumido, entre outros, o papel de vigiar os limites entre as identidades e os papéis de gênero. Nesta função, de acordo com Louro (1997), a norma a ser mantida e reafirmada pela instituição valoriza, prioritariamente, o modelo tradicional dos papéis de gênero e o comportamento heterossexual, reafirmando os padrões da moral dominante vigente na sociedade, tomando por modelo as relações hierárquicas e desiguais entre os sexos e o homem e a mulher branca heterossexual de classe média urbana e cristã. Os que são diferentes deste modelo são considerados como tendo um comportamento "desviante". Louro (1997, p. 36) destaca que “ninguém é essencialmente diferente, TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 53 ninguém é essencialmente o outro; a diferença é sempre constituída a partir de um dado lugar que se toma como centro". No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Secretaria de Educação Continuada (SECAD/MEC) possuem a perspectiva de que os temas gênero, identidade de gênero e orientação sexual devem ser considerados pela política educacional como uma questão de direitos humanos. Por este motivo é que existe no Brasil uma agenda de enfrentamento ao sexismo e homofobia através do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e do Programa Brasil sem Homofobia (BSH). Por outro lado, a questão tornou-se tão polêmica a ponto de gerar a elaboração de um projeto de lei (Projeto de Lei 7382/2010), que prevê a penalização pela discriminação contra heterossexuais e determina que as medidas e políticas públicas antidiscriminatórias atentem para essa possibilidade, ou seja, pune a “heterofobia”. No momento, o projeto encontra-se em pedido de vista pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Público e Privado: Os estudos demonstram que, a partir da consolidação do capitalismo, consolida-se também a ideologia de que existe uma esfera pública e outra privada. Esfera privada: Lugar próprio das mulheres, do doméstico, da subjetividade, do cuidado, da honra. Esfera pública: Espaço dos homens, da objetividade, dos iguais, da liberdade e do direito. Desta maneira, convencionou-se nas sociedades ocidentais o espaço privado para a mulher, a casa, o cuidado com os filhos e marido; e o espaço público ao homem, relações sociais, políticas e de trabalho. Essa “ordem” social criou diferenças e justificou desigualdades sexuais ao longo da história, sendo que muitas ainda permanecem nos dias de hoje. A divisão sexual do trabalho: Os estudos demonstram que historicamente a divisão sexual do trabalho enfatiza para os homens a produção e a subsistência da família e para as mulheres a reprodução e a educação das crianças. Acadêmico, sobre esses temas, reflita as seguintes perguntas: O que você entende por viver sem preconceito de gênero? E sem preconceito de sexo? Existe diferença entre essas perguntas? Como você responderia cada uma delas? Você deve ter percebido que nos últimos cinco ou dez anos houve, no Brasil, uma evidente tendência ao uso do termo gênero – em referência aos papéis masculinos e femininos das pessoas – em substituição ao termo sexo – referente ao sexo biológico – em muitos sites governamentais e não governamentais, quando da necessidade de informar dados pessoais para cadastros. Já se deparou com isso? Apesar de serem conceitos diferentes (sexo e gênero), observe que são perguntas semelhantes, que nos remetem ao reconhecimento das diferenças entre homens e mulheres e ao respeito para com ambos. No entanto, até pouco tempo não se fazia esse questionamento, mesmo reconhecendo que há manifestações de comportamento afetivo ou sexual diferente do sexo de nascimento. Contudo, o momento delicado em que a sociedade vivencia esse debate não pode motivar violência e intolerância e, muito menos, a adoção do relativismo, teoria filosófica que admite que todo conhecimento é relativo. Pois se assim o fosse, perguntas 54 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE como “de onde vim?”, “o que sou?” e “para onde vou?” não seriam tão intrigantes quanto são para a única espécie capaz de raciocinar sobre si mesma, o Homo sapiens. Assim, o modo como o termo gênero vem sendo utilizado nos diversos meios de comunicação apresenta uma fragilidade. Por exemplo, se o gênero representa o comportamento social da pessoa e o sexo a determinação biológica, as duas perguntas deveriam ser feitas. Agora, se só existe uma espécie humana e nesta se manifestam apenas dois sexos (ou dois gêneros), estaria coerente discutir relações de gênero? O debate acerca do assunto é amplo, e para nós, brasileiros, a Constituição prevê, no Art. 3º, inciso IV, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, religião, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). Portanto, já estaria respaldado o reconhecimento da diversidade humana e o combate à discriminação de qualquer origem. A produção foi sempre mais valorizada do que a reprodução, por este motivo é que as atividades ditas reprodutivas, como as funções domésticas, são desvalorizadas. De acordo com Faria (1997), referindo-se ao trabalho das mulheres rurais no Brasil: Carpir no sertão nordestino era uma tarefa dos homens e era considerado um trabalho pesado. Carpir no brejo paraibano era tarefa das mulheres e era considerado trabalho leve. Como se vê, no cultivo da cana o que caracterizava um trabalho como leve ou pesado não era a força física necessária para realizá-lo, mas o valor social de quem o fazia (FARIA, 1997, p. 14). Nesse sentido, a desigualdade sexual não é refletida como um problema de gênero, ela é naturalizada. Essa postura é que mantém o padrão de desvalorização do trabalho feminino, e é o que explica porque muitas mulheres ainda ganham menos que os homens, mesmo ocupando cargos iguais. Por outro lado, após a expansão do capitalismo, quando as mulheres entram no mercado de trabalho permanecemainda com as atividades domésticas, o cuidado com a casa e com os filhos. De acordo com o IBGE (2005): O IBGE mostra que a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não reduziu a jornada delas com os afazeres domésticos. Pelo contrário, na faixa etária de 25 a 49 anos de idade, onde a inserção das mulheres nas atividades remuneradas é maior e que coincide com a presença de filhos menores, o trabalho doméstico ocupa 94% das mulheres. Aumentando o tempo de trabalho da mulher em função da dupla jornada de trabalho. FONTE: Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2012/anais/122f.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2015. TÓPICO 3 | MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO 55 A partir da segunda metade do século XX, com a expansão do capitalismo, as mulheres entraram definitivamente no mercado de trabalho. Fato que, por um lado, possibilitou a inserção da mulher no mundo do trabalho “produtivo” e no espaço público, e por outro, lhe manteve a condição de trabalhadora doméstica, pois ela continuou com a integralidade das atividades do lar. Ocorre, assim, o acúmulo de funções, chamado de dupla jornada de trabalho. Além disso, do ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo, a contratação de mulheres foi estrategicamente conveniente, pois a remuneração do trabalho feminino era mais baixa do que a masculina, dada a sua condição histórica de inferioridade. Por esse motivo, ainda nos dias de hoje, em alguns setores, o trabalho feminino é menos valorizado do que o masculino. Dupla Jornada de Trabalho: FONTE: Disponível em: <https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos14/20320175.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017. 56 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • O multiculturalismo significa a existência de grupos de diversas culturas, assim como: o embate político, econômico e social travado pelos diferentes grupos sociais na luta pelo respeito à diversidade. • O termo “multiculturalismo” é recente, e sua utilização ocorreu pela primeira vez na Inglaterra, entre as décadas de 1960 e 1970. • A ideia de que os estudos multiculturais são multidisciplinares, na medida em que são provenientes de diversos campos de conhecimento, como: Antropologia Cultural, Psicologia Social, História, Sociologia, entre outros. • O direito à diferença e a diminuição das desigualdades são temas centrais para o multiculturalismo, bandeira de luta de vários movimentos sociais contemporâneos espalhados pelo mundo inteiro. • O conceito de cultura corresponde ao conjunto das regras sociais aceitas como normas pela sociedade ou grupo que as compõe. • O etnocentrismo é a maneira de ver os “outros” com base nos nossos padrões culturais, com os nossos valores sociais, morais e éticos, e não os valores do outro. • O relativismo cultural significa uma perspectiva mais ampla sobre o outro, uma perspectiva que vê e compreende o outro a partir dos parâmetros e regras sociais do outro. • O feminismo como conceito múltiplo. Ele possui uma dimensão política, que se refere aos movimentos de luta por direitos, e uma dimensão acadêmica, que se refere aos estudos da condição feminina. • O Movimento Feminista surgiu no século XVIII, na Europa, e foi dividido em três grandes momentos, sendo a 1ª, a 2ª e a 3ª ondas feministas. • A primeira onda feminista se refere a um período extenso de atividade feminista, ocorrido durante o século XIX e início do século XX, na Europa. Sendo que o foco original do movimento se concentrou na promoção da igualdade, nos direitos contratuais e de propriedade para homens e mulheres. 57 • A segunda onda feminista tem como cenário de surgimento os Estados Unidos já no século XX, na década de 1960, na medida em que o processo de industrialização se acelera. O movimento feminista, neste momento histórico, luta por melhores condições de trabalho e renda, além de questionar as relações na família. • Com a terceira onda feminista – a partir da década de 1980 –, vem a introdução da discussão da desigualdade de gênero no meio acadêmico, momento em que surge o conceito de gênero. • O conceito de gênero surge no Brasil através de pesquisadoras norte- americanas, que vão tratar as relações entre homens e mulheres de forma a negar as diferenças biológicas como constituidoras das identidades dos seres humanos, e introduzir a perspectiva de que somos construídos a partir de determinados mecanismos sociais. • Existem pensamentos contrários à ideologia de gênero e outros favoráveis, a depender do autor que se leva em consideração. • Questionar é tão importante quanto buscar o saber, e que é preciso estimular o pensamento crítico diante dos problemas cotidianos, de modo a desenvolver a capacidade de propor soluções viáveis e sustentáveis. • Avaliar criticamente a realidade à luz dos conhecimentos científicos, éticos e morais contribui para o reconhecimento da diversidade e o respeito à dignidade humana. 58 1 As mulheres frequentam mais os bancos escolares que os homens, dividem seu tempo entre o trabalho e os cuidados com a casa, geram renda familiar, porém, continuam ganhando menos e trabalhando mais que os homens. As políticas de benefícios implementadas por empresas preocupadas em facilitar a vida das funcionárias que têm criança pequena em casa já estão chegando ao Brasil. Acordos de horários flexíveis, programas como auxílio-creche, auxílio- babá e auxílio-amamentação são alguns dos benefícios oferecidos. FONTE: Adaptado de <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 30 jul. 2013. JORNADA MÉDIA DE TRABALHO POR SEMANA NO BRASIL - (EM HORAS) AUTOATIVIDADE FONTE: Disponível em: <http://ipea.gov.br>. Acesso em: 30 jul. 2013. Considerando o texto e o gráfico, avalie as afirmações a seguir. I- O somatório do tempo dedicado pelas mulheres aos afazeres domésticos e ao trabalho remunerado é superior ao dedicado pelos homens, independentemente do formato da família. II- O fragmento do texto e dos dados do gráfico apontam para a necessidade de criação de políticas que promovam a igualdade entre os gêneros no que concerne a tempo médio dedicado ao trabalho e remuneração recebida. III- No fragmento de reportagem apresentado, ressalta-se a diferença entre o tempo dedicado por mulheres e homens ao trabalho remunerado, sem alusão aos afazeres domésticos. 59 É correto o que se afirma em: a) ( ) I, apenas. b) ( ) III, apenas. c) ( ) I e II, apenas. d) ( ) II e III apenas. e) ( ) I, II e III. 2 O conceito de feminismo possui uma perspectiva política, que se refere ao movimento social em prol de políticas de reconhecimento e uma perspectiva acadêmica, que se refere aos estudos feministas. Com relação ao conceito de feminismo e à atuação do movimento feminista, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) O feminismo é um movimento social e um campo de conhecimento que tem como objetivo defender a igualdade entre homens e mulheres, seja do ponto de vista jurídico, político ou econômico. ( ) O movimento feminista está dividido historicamente em três "ondas", sendo que a primeira onda refere-se ao feminismo do século XVIII, e tem como referências países como França e Inglaterra. ( ) Os estudos feministas têm como objetivo denunciar as desigualdades biológicas entre homens e mulheres, no sentido de garantir direitos apenas para as mulheres. ( ) Os estudos feministas podem ser classificados como multidisciplinares, pois são desenvolvidos a partir de várias áreas de estudos. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – V. b) ( ) F – V – F – F. c) ( ) F – F – V – F. d) ( ) F – V – F – V. 3 O feminismo é um movimento social e um campode estudos cujo objetivo é defender a igualdade entre os sexos. Na história do feminismo, convencionou- se dividir o movimento em três momentos: primeira, segunda e terceira onda feminista. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Uma das autoras mais importantes da Segunda Onda Feminista é Betty Friedan. Ela ficou conhecida por escrever o livro "A Mística Feminina". Nele, a autora enobrece a vida vazia das donas de casa de classe média nos Estados Unidos, destacando que a identidade da mulher deve ser exclusiva da família. ( ) Na Segunda Onda, a revolucionária Olímpia de Gouges, em 1791, escreveu uma declaração muito importante, argumentando que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos que os homens, podendo participar da vida política, governando e formulando leis. ( ) A Segunda Onda Feminista culminou com os movimentos sociais em andamento nos Estados Unidos. Esse momento do feminismo começa na década de 1960 e dura até o fim da década de 1980. 60 ( ) A Terceira Onda Feminista inicia na década de 1990, com o objetivo de compreender os problemas femininos de um ponto de vista mais amplo, e não apenas do ponto de vista das "mulheres brancas de classe média-alta", como fez a segunda onda. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – V. b) ( ) F – V – F – F. c) ( ) V – F – V – F. d) ( ) V – V – F – V. 4 (ENADE - 2017, FORMAÇÃO GERAL, questão 1). TEXTO 1 Em 2001, a incidência da sífilis congênita – transmitida da mulher para o feto durante a gravidez – era de um caso a cada mil bebês nascidos vivos. Havia uma meta da Organização Pan-Americana de Saúde e da Unicef de essa ocorrência diminuir no Brasil, chegando, em 2015, a cinco casos de sífilis congênita por 10 mil nascidos vivos. O país não atingiu esse objetivo, tendo se distanciado ainda mais dele, embora o tratamento para sífilis seja relativamente simples, à base de antibióticos. Trata-se de uma doença para a qual a medicina já encontrou a solução, mas a sociedade ainda não. FONTE: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 23 jul. 2017 (adaptado). TEXTO 2 O Ministério da Saúde anunciou que há uma epidemia de sífilis no Brasil. Nos últimos cinco anos, foram 230 mil novos casos, um aumento de 32% somente entre 2014 e 2015. Por que isso aconteceu? Primeiro, ampliou-se o diagnóstico com o teste rápido para sífilis realizado na unidade básica de saúde e cujo resultado sai em 30 minutos. Aí vem o segundo ponto, um dos mais negativos, que foi o desabastecimento, no país, da matéria-prima para a penicilina. O Ministério da Saúde importou essa penicilina, mas, por um bom tempo, não esteve disponível, e isso fez com que mais pessoas se infectassem. O terceiro ponto é a prevenção. Houve, nos últimos dez anos, uma redução do uso do preservativo, o que aumentou, e muito, a transmissão. A incidência de casos de sífilis, que, em 2010, era maior entre homens, hoje recai sobre as mulheres. Por que a vulnerabilidade neste grupo está aumentando? As mulheres ainda são as mais vulneráveis a doenças sexualmente transmissíveis (DST), de uma forma geral. Elas têm dificuldade de negociar o preservativo com o parceiro, por exemplo. Mas o acesso da mulher ao diagnóstico também é maior, por isso, é mais fácil contabilizar essa população. Quando um homem faz exame para a sífilis? Somente quando tem sintoma aparente ou outra doença. E a sífilis pode ser uma doença silenciosa. A mulher, 61 por outro lado, vai fazer o pré-natal e, automaticamente, faz o teste para a sífilis. No Brasil, estima-se que apenas 12% dos parceiros sexuais recebam tratamento para sífilis. FONTE: Entrevista com Ana Gabriela Travassos, presidente da regional baiana da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Disponível em: <http://www. agenciapatriciagalvao.org.br>. Acesso em: 25 jul. 2017 (adaptado). TEXTO 3 Vários estudos constatam que os homens, em geral, padecem mais de condições severas e crônicas de saúde que as mulheres e morrem mais que elas em razão de doenças que levam a óbito. Entretanto, apesar de as taxas de morbimortalidade masculinas assumirem um peso significativo, observa-se que a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é muito menor que a de mulheres. GOMES, R.; NASCIMENTO, E.; ARAUJO, F. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad. Saúde Pública [on-line], v. 23, n. 3, 2007 (adaptado). A partir das informações apresentadas, redija um texto acerca do tema: Epidemia de sífilis congênita no Brasil e relações de gênero Em seu texto, aborde os seguintes aspectos: • A vulnerabilidade das mulheres às DSTs e o papel social do homem em relação à prevenção dessas doenças. • Duas ações, especificamente voltadas para o público masculino, a serem adotadas no âmbito das políticas públicas de saúde ou de educação, para reduzir o problema. 5 (ENADE – 2017, FORMAÇÃO GERAL, questão 2). A pessoa trans precisa que alguém ateste, confirme e comprove que ela pode ser reconhecida pelo nome que escolheu. Não aceita que se autodeclare mulher ou homem. Exige que um profissional de saúde diga quem ela é. Sua declaração é o que menos conta na hora de solicitar, judicialmente, a mudança dos documentos. FONTE: Disponível em: <http://www.ebc.com.br>. Acesso em: 31 ago. 2017 (adaptado). No chão, a travesti morre Ninguém jamais saberá seu nome Nos jornais, fala-se de outra morte De tal homem que ninguém conheceu FONTE: Disponível em: <http://www.aminoapps.com>. Acesso em 31 ago. 2017 (adaptado). 62 Usava meu nome oficial, feminino, no currículo porque diziam que eu estava cometendo um crime, que era falsidade ideológica se eu usasse outro nome. Depois fui pesquisar e descobri que não é assim. Infelizmente, ainda existe muita desinformação sobre os direitos das pessoas trans. FONTE: Disponível em: <http://www.brasil.elpais.com>. Acesso em: 31 ago. 2017 (adaptado). Uma vez o segurança da balada achou que eu tinha, por engano, mostrado o RG do meu namorado. Isso quando insistem em não colocar meu nome social na minha ficha de consumação. FONTE: Disponível em: <http://www.brasil.elpais.com>. Acesso em: 31 ago. 2017 (adaptado). Com base nessas falas, discorra sobre a importância do nome para as pessoas transgêneras e, nesse contexto, proponha uma medida, no âmbito das políticas públicas, que tenha como objetivo facilitar o acesso dessas pessoas à cidadania. 63 TÓPICO 4 RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRIVADO E TERCEIRO SETOR UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Nosso tempo apresenta enormes desafios éticos que decorrem da diversidade cultural das sociedades contemporâneas, do consumismo, do individualismo, do hedonismo, do desprezo ao próximo e à natureza, gerando um quadro de crise que tem sérias implicações sobre a ética, sobre os valores e sobre a responsabilidade social. Podemos notar um triplo aspecto nesta crise: primeiro, o agravamento da desigualdade social, com crescente pobreza e miséria de uma parte considerável da população mundial. A desigualdade hoje se mostra tão grande que pode até levar à desumanização de uma parte considerável das pessoas, com os laços de cooperação e solidariedade atingindo níveis tão baixos como nunca vistos antes na história de nossa espécie. Em segundo lugar, vemos uma crise do sistema de trabalho, com o desemprego, a perda dos postos de trabalho para a automação, e a exclusão social, que colocam o problema ético de como construir uma sociedade que não gere destituídos dela. Em terceiro lugar, vemos a crise ecológica, com os níveis de consumo atuais esgotando os recursos naturais e degradando a natureza a ponto de comprometer a sobrevivênciados seres vivos, o que nos chama a atenção para a necessidade de uma nova ética em nossa relação com a natureza. 2 SETOR PRIVADO Toda a realidade relatada anteriormente vem acompanhada do entendimento de que cada setor da sociedade tem suas responsabilidades. O setor privado, por mais óbvio que seja, não deveria ter participação do setor público. Esse setor também é conhecido como ‘iniciativa privada’ e tem papel preponderante na economia e desenvolvimento de um país. 64 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 3 TERCEIRO SETOR Tradicionalmente, as organizações são pensadas e divididas a partir de uma lógica política administrativa que dirige a organização, partindo de dois pontos: de ordem pública ou de ordem privada. As organizações que estão fora desses dois grupos, que não apresentam objetivo meramente lucrativo ou não (apenas) desempenham funções públicas, são as organizações sociais, ou seja, todas as organizações residuais são definidas nesse guarda-chuva, o que abarca um conjunto muito heterogêneo de tipos e práticas. Não podemos aqui confundir com o terceiro setor do ponto de vista econômico, ou também conhecido como setor terciário, que se caracteriza por desenvolver as atividades de comércio da produção industrial, e por serviços, como transportes, telecomunicações e energia. “A expressão ‘terceiro setor’ pode considerar-se também adequada na medida em que sugere uma terceira forma de propriedade entre a privada e a estatal, mas se limita ao não estatal enquanto produção, não incluindo o não estatal enquanto controle” (BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999, p. 16). Pode-se notar que existe um problema de definição conceitual sobre o que abrange o terceiro setor. “[...] o conceito de terceiro setor descreve um espaço de participação e experimentação de novos modos de pensar e fazer sobre a realidade social. É um campo marcado por uma irredutível diversidade de atores e formas de organização” (CARDOSO, 1997 apud BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999, p. 37). É importante levar em conta que a Organização Social é um tipo específico de ator dentro do terceiro setor. Apesar disso, algumas características podem ser apontadas como típicas das Organizações Sociais (BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999), que aqui são listadas: • iniciativas privadas que buscam suprir uma utilidade de ordem pública, ou seja, seus fins são públicos; • constituído em grande parte por voluntários. Isso quer dizer que alguns membros devem trabalhar sem remuneração; • sem fins lucrativos (o que não quer dizer que não haverá salário para alguns membros, mas sim que o objetivo não é enriquecer); • deve ser formalmente constituída. Isso não significa que deve necessariamente ser uma instituição legalizada, mas sim possuir regras, procedimentos que assegurem a existência e atuação da organização; • a gestão é própria, não deve ser realizada por grupos externos; • passar por processo de regulamentação nesses últimos anos. Assim, pode-se afirmar que o terceiro setor não é público nem privado. Ele se situa num entremeio, preenchendo lacunas do Estado através de uma atuação na esfera privada. Assim, as organizações visam prestar serviços com fins de atender demandas sociais em áreas como saúde, educação, cultura etc. Seu formato típico não é da Organização Não Governamental (ONG), e sim do setor estatal e do setor privado, que visam suprir as falhas do Estado e do setor TÓPICO 4 | RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRIVADO E TERCEIRO SETOR 65 privado no atendimento às necessidades da população, numa relação conjunta. Entretanto, algumas organizações estão evitando tal denominação, motivos explicados por Fischer e Falconer (1998, p. 4): Esta característica pode ser observada quando se analisa a adoção do termo ONG – Organização Não Governamental – pelas entidades brasileiras. O termo foi adotado mais por influência dos financiadores internacionais do que por uma tendência espontânea das organizações brasileiras. Até, pelo contrário, muitas entidades atualmente não aceitam esta denominação por considerá-la restritiva, ou mesmo porque ela omite princípios e valores que lhe são mais caros do ponto de vista ideológico, ou que, na sua opinião, expressam com mais clareza sua missão institucional. De fato, a imagem das Organizações Sociais colou nas ONGs, mas elas são, na verdade, múltiplas e assumem vários formatos. Uma das críticas a essas organizações seria sobre uma atuação que serviria apenas a fins privados, não abrangendo a dimensão social da questão. Outro ponto seria sobre o enriquecimento de algumas organizações, que obtinham lucro irregularmente. Entretanto, as organizações sociais se apresentam como uma alternativa que, quando considerados todos os seus preceitos, funcionam efetivamente junto à população. 3.1 HISTÓRICO O surgimento das Organizações Sociais acontece no contexto de crise do último quarto do século XX, a partir da proposta de Estado mínimo nos anos 1980 pelo neoliberalismo, que significa a maior redução possível do Estado na economia, o que significou um corte nos programas destinados ao apoio da população. Na década de 1990 essa proposta começa a se mostrar irreal e se inicia um retorno do Estado a uma posição mais atuante. O contexto foi agravado pela abertura do capitalismo na década de 1990 e pela globalização. O processo de globalização e o fortalecimento das estruturas capitalistas no mundo, com o fracasso dos sistemas socialistas, aumentam a competitividade entre as empresas, que a partir deste momento não concorrem apenas com as nacionais, mas com aquelas situadas em outras partes do mundo. Assim, o Estado nacional teve dificuldade em proteger as empresas nacionais e os seus trabalhadores, o que levou à crise. “Esta crise levou o mundo a um generalizado processo de concentração de renda e a um aumento da violência sem precedentes, mas também incentivou a inovação social na resolução dos problemas coletivos e na própria reforma do Estado” (BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999, p. 15). Uma dessas inovações refere-se justamente ao fortalecimento do controle social através do público não estatal. Isso a tal ponto que se pode afirmar que 66 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE o século XXI é o momento em que o público não estatal torna-se chave para a manutenção da vida social. Outro ponto que fortalece é a visão dessas organizações como espaço possível para a prática da cidadania, tornando efetiva a democracia participativa. No Brasil, existem algumas particularidades sobre o histórico dessas organizações. Na verdade, desde o período militar, em meados do século XX, o Estado brasileiro realizou intervenção maciça na economia. Na década de 1990 esse modelo começou a ser criticado, algumas críticas em direção do desvio da função do papel do Estado, outras em direção do gasto gerado por essa atuação. Na década de 1990 surge, de fato, uma reação a essa conjuntura: “Só em meados dos anos 90 surge uma resposta consistente com o desafio de superação da crise: a ideia da reforma ou reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas conjuntamente com a sociedade” (BRASIL, 1997a, p. 8). Desta forma, o Estado inicia um processo de repensar o desenvolvimento. Ele toma para si outros papéis, o de promotor e regulador do desenvolvimento, deixando de se responsabilizar diretamente, como o fazia antigamente. Nesse sentido, por um lado, ele deixa a função de prestador direto de serviços sociais, principalmente saúde e educação, para assumir a sua regulação. Por outro lado, enquanto promotor, ele oferece subsídios a esses novos atores que assumirão essa atuação direta (BRASIL, 1997b). Nesse contexto, surgem asOrganizações Sociais, figura fundamental para o processo da reforma do Estado. O Estado, na verdade, fomenta esse novo ator. Ainda está em curso essa troca de atores, da saída do Estado para a ocupação das Organizações Sociais, que foi impulsionada pela regularização da sua atuação promovida na última década. 3.2 REALIDADE DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL Possuir um título de Organização Social no Brasil, atualmente, garante o recebimento de benefícios do Estado, que abrangem dotações orçamentárias, isenções fiscais, subsídios etc. Reiterando que as Organizações Sociais devem atender a uma demanda específica da comunidade. Elas se fazem presentes atualmente na gestão de hospitais, santas casas, museus, institutos de fomento à pesquisa, de projetos voltados a algumas áreas específicas (saúde e cultura, esporte, no caso de alguns estados), manutenção de grupos (como a Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). TÓPICO 4 | RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRIVADO E TERCEIRO SETOR 67 FIGURA 7 – OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO – ODM FONTE: Disponível em: <http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do- milenio>. Acesso em: 7 dez. 2017. Essas Organizações Sociais realizam a gestão do espaço público e querem melhorar a vida das pessoas, e, por consequência, a sociedade como um todo. O espaço continua sendo público, ou seja, do Estado, mas quem administra os recursos, os negócios e as pessoas? Isso significa dizer que a associação de um museu faz desde a gestão dos funcionários que ali trabalham até o controle da bilheteria, programação cultural, peças e curadoria das peças. O Estado de São Paulo foi pioneiro na implantação do sistema na área de saúde. A seleção envolve uma convocatória pública exigindo a experiência mínima na área de gerenciamento. Esse método visa garantir que entidades sólidas assumam a frente das instituições e o sucesso do modelo. O trabalho e o estudo são compreendidos como essenciais para humanizar o indivíduo. Além disso, o trabalho principal é aquele que provê os meios de vida. Já o estudo é responsável pelo desenvolvimento humano. São eles que transformam as pessoas e a sua realidade (SCHERER-WARREN, 2000). Nesse sentido, há um intenso investimento na educação dentro dos acampamentos, não financeiro, mas de conhecimento humano através de parcerias com universidades e capacitação constante dos professores. Assim, o Movimento Sem-Terra amplia sua dimensão de atuação: O objetivo material imediato (a terra) ‘não basta’, como dizem, deve vir acompanhado de lutas pelos direitos sociais (a cidadania plena) e em direção à construção de uma sociedade mais justa (a socialista). Para atingir este objetivo é que a educação, considerada como um direito essencial, deve se desenvolver como um processo que inclui educação formal (ensino fundamental) e informal (participação no movimento, nas mobilizações, em ações de solidariedade etc.), incluindo neste processo todas as gerações e gêneros (SCHERER-WARREN, 2000, p. 48). 68 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE Segundo avaliação da experiência de São Paulo pelo Banco Mundial em 2006 (apud CAMARGO et al., 2013), a solução gerou uma experiência de modernização positiva em relação ao modelo anterior, mais produtiva e barata. Entretanto, há muitas críticas na proposta, a primeira seria o desvio de função, com alta probabilidade de as organizações passarem a atuar para fins privados; segundo, que há pouca transparência na sua atuação em relação à disponibilidade de informações (CAMARGO et al., 2013). Isso não apenas por parte das organizações, como também a postura do próprio Estado. 4 AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS No Brasil, as Organizações Não Governamentais (as ONGs) surgem no país no contexto da entrada da sociedade civil de forma orgânica, quer dizer, da sua participação efetiva nos rumos do país através da política. Isso acontece nas últimas décadas do século XX, ou seja, pouco mais de 20 anos. Entretanto, qual seria de fato o espaço ocupado pelas ONGs em relação à sociedade civil na atualidade? Elas atuam politicamente? “[...] no Brasil, temas como direitos humanos, meio ambiente e fome têm tido como porta-voz, em grande parte, um conjunto de ONGs, que toma a iniciativa diante do Estado, propondo políticas diretamente ao Poder Executivo ou pressionando o Congresso Nacional para aprovações de leis” (PINTO, 2006, p. 654). Exercendo o papel de pressionar governantes, as ONGs tratam de temas relativos a grupos e questões não trabalhadas sistematicamente, entre outras formas de atuação política. Como exemplo, podemos citar a questão do meio ambiente. Dentro das plataformas dos partidos, recentemente a discussão surgiu, e mesmo assim algo ainda raso, que não compreende o problema de forma profunda. IMPORTANT E É interessante pensar que quem começa com as discussões ambientais são as ONGs. Na Amazônia, não se sabe ao certo o número de ONGs que atuam. As informações variam de 1.000 a 100.000. Abaixo, seguem os símbolos de algumas delas. TÓPICO 4 | RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRIVADO E TERCEIRO SETOR 69 Outros temas relativos a grupos minoritários no país, como sobre as mulheres, direitos homoafetivos, indígenas, moradores de rua, são sistematicamente trabalhados e elaborados pelas ONGs. É bom esclarecer que as vozes desses grupos não são substituídas pelas ONGs, mas elas servem como intermediadoras na realização de projetos e sistematização das demandas, já que possuem uma preocupação maior em termos de organização que os movimentos sociais (PINTO, 2006). Dentro das ONGs também atuam indivíduos pertencentes a essas minorias, não existe uma fronteira, mas uma integração. No que concerne às formas como as ONGs se movem no espaço público, vale chamar a atenção para o potencial de construção de redes, abrangendo os espaços locais, regionais e globais, como também as potencialidades de incluir, nessas redes, desde organizações internacionais, como as do sistema ONU e fundações financiadoras, até grupos semimarginalizados em bairros da periferia das grandes cidades. A noção de rede em relação às ONGs pode ser pensada de duas formas: uma é a rede entre ONGs incluindo também os movimentos sociais, na qual cada organização é ponto de transmissão para outras, maiores ou menores, locais ou globais. Outra forma de pensar a rede é como um espaço tridimensional onde as ONGs funcionam não apenas como pontos de transmissão, mas como pontos nodais, que acumulam e distribuem informações, acumulam poder, credenciam-se como representantes fazendo a ligação entre o Estado e a sociedade em geral (PINTO, 2006, p. 658). Dessa forma, as ONGs adquirem poder, conseguem estabelecer pontes entre diferentes grupos. Por um lado, isso é positivo, pois elas conseguem fazer ressoar as vozes daqueles que pouco seriam ouvidos e colocar suas demandas aos governos. Por outro lado, esse poder pode ser perigoso, quando as populações apoiadas por essas ONGs passam a depender de sua atuação, ou seja, as ONGs podem desenvolver territórios de domínio, não estimulando a prática da cidadania e a busca dos direitos por si mesmo, mas uma dependência de sua atuação. O fato é que as ONGs possuem na realidade brasileira contemporânea uma atuação política real e que conseguem pressionar o governo por uma atuação mais social. O espaço significa uma atuação política potencial, mas não existem limites das ações. Elas “não podem ser vistas de maneira simplista, como substitutas de partidos políticos, do Estado ou mesmo dos movimentos sociais. Suas ações têm limites, entre eles o fato de serem fragmentadas, atingirem o conjunto da sociedade de forma limitada e dependerem de financiamentos pontuais”(PINTO, 2006, p. 667). DICAS O diretor Sergio Bianchi desenvolve uma crítica sobre a atuação das ONGs no Brasil. Busque e assista! 70 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE O que se espera de uma sociedade que se vê desafiada pelos seus indivíduos é que ela seja capaz de: • orientar as pessoas e os recursos materiais e financeiros para a promoção humana; • manter uma atitude crítica frente às propostas políticas vigentes; • vivenciar o espírito de partilha e ajuda mútua na comunidade educativa; • realizar campanhas comunitárias diante das situações emergentes. A participação ativa e efetiva das pessoas na vida política e social é um grande desafio, pois tem como objetivo externar a cidadania que todos almejam. O que ainda vemos é que conceitos como cidadania, os direitos e deveres do cidadão, algo que deveria estar entranhado em nossas vidas, não são tão conhecidos, muito menos praticados em nossa sociedade. São só conceitos. 71 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • Tradicionalmente, as organizações são pensadas e divididas a partir de uma lógica política administrativa que dirige a organização, partindo de dois pontos: de ordem pública, ou de ordem privada. • O surgimento das Organizações Sociais acontece no contexto de crise do último quarto do século XX. • Exercendo um papel de pressão, as ONGs tratam de temas relativos a grupos e questões não trabalhadas sistematicamente, entre outras formas de atuação política. • A participação ativa e efetiva das pessoas na vida política e social é um grande desafio, como forma de externar a cidadania que todos almejam. 72 AUTOATIVIDADE 1 Os direitos humanos são compartilhados por todos os indivíduos, contudo, a charge mostra a violação deles em um período específico da história brasileira: a ditadura militar. A personagem, através de uma fala irônica, narra fatos que aconteceram na época. A partir desse contexto, analise as sentenças a seguir: I- A charge mostra a violação do direito à vida por conta das perseguições e mortes ocorridas. II- Segundo a charge, os direitos humanos são respeitados universalmente em todos os períodos da história. III- A charge mostra um contexto histórico de grandes liberdades para o indivíduo se expressar, apesar das perseguições narradas. IV- A charge mostra a violação do direito à liberdade, tanto pela perseguição aos indivíduos como pela censura da imprensa e intelectuais. FONTE: Disponível em: <http://historianovest.blogspot.com/2010/07/charges- declaracao-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 3 fev. 2014 Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a sentença IV está correta. b) ( ) As sentenças I e III estão corretas. c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas. d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas. 73 2 Com os protestos de junho de 2013, veio à tona a insatisfação popular quanto aos rumos como a política no Brasil está sendo gestada. Entretanto, deve-se ter conhecimento dos espaços e atores políticos para além do governo que aproximam a sociedade civil de uma ação mais contundente. Sobre o tema, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Conferências de Políticas Públicas. II- Organização Social. III- Organização Não Governamental (ONG). ( ) Cuidam de grande parte de temas referentes às minorias, ou seja, os indígenas, as mulheres, os homoafetivos. ( ) Debatem políticas públicas, sendo imprescindível a participação popular. ( ) Realizam a gestão de espaços públicos, como hospitais, museus. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) III - I - II. b) ( ) I - II - III. c) ( ) II - III - I. d) ( ) III - II - I. 74 75 TÓPICO 5 CULTURA E ARTE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A cultura e a arte são áreas que interagem entre si e com as demais áreas de conhecimento. Estudar, pesquisar e refletir sobre as diferentes culturas e suas manifestações artísticas possibilita a compreensão da vida e das relações entre os sujeitos no meio social. A cultura, assim como a arte, é dinâmica, vai mudando conforme o tempo e o espaço. A cultura e a arte devem ser estudadas a partir de três concepções: erudita, popular e de massa. A cultura erudita é aquela proveniente de estudos, pesquisas e que geralmente está associada às instituições acadêmicas, por se tratar de um processo de legitimação. A arte está associada a esta área, pois envolve a compreensão de conhecimentos artísticos, históricos, filosóficos e sociais. Assim, a arte erudita, também conhecida como a de vanguarda, é concebida conhecendo lugares como galerias de arte, exposições e museus, bem como toda a estrutura e dinâmica de mediação que ocorrem entre os locais e o espectador, propondo humanização dos sentidos. Já a cultura de massa surge com as novas tecnologias e com os meios de comunicação, como: jornais, televisão, rádio, cinema, música, internet, entre outros. A cultura de massa tem relação com o consumismo, devido à influência que a mídia exerce. A arte está relacionada à cultura de massa, devido à tecnologia utilizada e à grande quantidade de signos criados. E, por último, a cultura popular, que está relacionada ao que pertence à maioria do povo e que não é ensinada necessariamente em espaços formais de educação. É a definição de várias áreas de conhecimento, como: folclore, dança, música, festa, literatura, arte, artesanato etc. O conhecimento da cultura popular é passado de geração a geração. Desta forma, caro acadêmico, convidamos você para primeiramente compreender a cultura e a arte e como essas áreas de conhecimento interagem com o meio social. 76 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 2 CULTURA A cultura é um aspecto social mutante em constante questionamento, pois é considerada por muitos pesquisadores como representação da intervenção da sociedade nos ambientes, sendo por isso difícil de conceituar. Para José Luiz dos Santos (2006, p. 45): Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é decorrência de leis físicas e biológicas. Ao contrário, a cultura é produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à percepção da cultura, mas também à sua relevância, à importância que passa a ter. Aplica-se ao conteúdo de cada cultura particular, produto da história de cada sociedade. Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte da sociedade por outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade. Nesta perspectiva, a cultura é avaliada como um movimento humano que acontece a partir da convivência em grupo e da interação social. Portanto, é necessário percebermos as especificidades de cada grupo cultural, para assim observar e descobrir os signos existentes em busca da identidade de cada povo. São os valores culturais que identificam um povo, uma comunidade e cada pessoa. É através da cultura que se pode observar e caracterizar a história de vida, os costumes, as crenças e os hábitos de um determinado grupo social. José Luiz dos Santos (2006, p. 7) descreve que a cultura é uma preocupação do mundo atual, buscando “entender os caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas de futuro”. O autor, quando relata cultura e diversidade, descreve que: O desenvolvimento da humanidade está marcado por contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la. A história registra com abundância as transformações por que passam asculturas, mais frequentemente por ambos os motivos. Por isso, ao discutirmos sobre cultura, temos sempre em mente a humanidade em toda a sua riqueza e multiplicidade de formas de existência. São complexas as realidades dos agrupamentos humanos e as características que os unem e diferenciam, e a cultura as expressa. Nesse sentido, Eduardo David de Oliveira (2006, p. 155) se manifesta dizendo que “o homem é um ser cultural. A cultura é construída, forjada de acordo com os acontecimentos da história e criada a partir das contingências, sempre muito singulares, das comunidades humanas”. A compreensão de cultura é extremamente complexa, pois recebe novas definições com o passar do tempo, mas a partir da segunda metade do século XX cria- se uma concepção ampliada de cultura, como descreve Marilena Chauí (2008, p. 57): TÓPICO 5 | CULTURA E ARTE 77 A partir de então, o termo cultura passa a ter uma abrangência que não possuía antes, sendo agora entendida como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e das formas do trabalho, das formas da habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, particularmente os sistemas de parentesco ou a estrutura da família, das relações de poder, da guerra e da paz, da noção de vida e morte. A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido da linha do tempo (passado, presente e futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a ideia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano. Na perspectiva de cultura como aprendizagem de saberes cotidianos é fundamental que se traga a posição de Waldenyr Caldas (1986, p. 13), ao dizer que o pensamento humano cria o modo de vida, os costumes e as regras, dizendo que a cultura: Quando aplicada ao nosso estilo de vida, ao convívio social, nada tem a ver com a leitura de um livro ou aprender a tocar um instrumento, por exemplo. Na realidade, o trabalho do antropólogo, estudioso da cultura humana, começa pela investigação de culturas, ou seja, pelo modo de vida, padrões de comportamento, sistema de crenças, que são características de cada sociedade. Noutras palavras, pode-se dizer que nenhuma sociedade, nenhum povo, seja ele atrasado ou desenvolvido, primitivo ou civilizado, jamais agirá de forma idêntica aos demais. Poderá haver, isto sim, algumas semelhanças. A cultura pode ser entendida como importante agente para debater o estar e ser no mundo, que é entendido como um movimento que está intimamente ligado a tudo e a todos os aspectos sociais, culturais, históricos e filosóficos. Segundo José Luiz dos Santos (2006, p. 8), “cada realidade cultural tem sua lógica interna, que devemos conhecer para que façam sentido suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam”. AUTOATIVIDADE Analise e responda esta questão da prova ENADE 2007: Jornal do Brasil, 3 ago. 2005. 78 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE Tendo em vista a construção da ideia de nação no Brasil, o argumento da personagem expressa: a) ( ) A afirmação da identidade regional. b) ( ) A fragilização do multiculturalismo global. b) ( ) O ressurgimento do fundamentalismo local. d) ( ) O esfacelamento da unidade do território nacional. e) ( ) O fortalecimento do separatismo estadual. Cada povo, cada região tem suas especificidades culturais que compreendem a sua forma de pensar e de agir, evidenciando a diversidade cultural existente. A partir da diversidade cultural compreende-se a identidade cultural de cada povo. Para Oliveira (2006, p. 84): “a identidade se constrói com relação à alteridade. Com aquilo que não sou eu. É diante da diferença do outro que a minha diferença aparece”. Diferentes nações, etnias, identidades regionais, comunidades ou outros tipos de grupos sociais organizam e dão sentido à sua existência. O Brasil, por exemplo, apresenta uma diversidade cultural ampla, pois é resultado de uma miscigenação étnica e cultural, principalmente dos povos indígenas, africanos e europeus. Esta miscigenação se dá devido ao processo histórico que ocorreu no Brasil. Assim, a educação no Brasil estabeleceu, nas diretrizes e bases da educação nacional, a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar da educação básica. A lei tem como propósito o conhecimento desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira, o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em seu documento, também descrevem sobre Pluralidade Cultural, explicando que o estudo das diferentes culturas deve contribuir para a formação de uma nova mentalidade, onde toda forma de discriminação e exclusão seja superada, proporcionando ao povo brasileiro “uma vivência plena de sua cidadania” (BRASIL, 1997, p. 13). Tal perspectiva vem ao encontro da necessidade de ampliar o conhecimento cultural, com o propósito de banir aspectos de enxergar apenas a sua cultura específica. A partir da concepção de que o ser humano apenas considera o seu modo de vida como o “mais correto” e “melhor”, assim, ele age em uma lógica do etnocentrismo. De acordo com Meneses (1999, p. 13): Etnocentrismo é um preconceito que cada sociedade ou cada cultura produz, ao mesmo tempo em que procura incutir, em seus membros, normas e valores peculiares. Se sua maneira de ser e proceder é a certa, então as outras estão erradas, e as sociedades que as adotam TÓPICO 5 | CULTURA E ARTE 79 constituem ‘aberrações’. Assim, o etnocentrismo julga os outros povos e culturas pelos padrões da própria sociedade, que servem para aferir até que ponto são corretos e humanos os costumes alheios. Desse modo, a identificação de um indivíduo com sua sociedade induz à rejeição das outras. Por meio do conhecimento da diversidade cultural é possível distanciar pensamentos etnocêntricos que promovem o preconceito. Entende-se que conhecendo a cultura do outro em um contexto de diversidade pode-se identificar e valorizar cada movimento cultural de forma a promover uma vivência plena com respeito e ética social. Entende-se que conhecendo a cultura do outro em um contexto de diversidade se pode identificar e valorizar cada movimento cultural, de forma a distanciar preconceitos e desigualdades. 3 ARTE “A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são”. (Fernando Pessoa, 1986) Desde a pré-história o ser humano está cercado de fenômenos artísticos, como desenho, gravura, pintura, dança, escultura, música, literatura, entre outros. Atualmente, percebe-se uma grande variedade de práticas artísticas que permeiam o universo cultural, que circundam entre as várias linguagens artísticas, como: artes visuais, artes cênicas, dança e música. Ao refletir sobre a arte, alguns questionamentos surgem: O que é arte? Que tipo de arte conhecemos? A arte tem alguma função? O homem primitivo, por exemplo, precisou criar objetos que correspondessem às suas necessidades de sobrevivência,representando por meio de desenhos nas cavernas os seus anseios para suas caçadas. A partir da concepção de arte primitiva, Marilena Chauí (2008, p. 403) questiona sobre o “que dizem os desenhos nas paredes da caverna”. A autora afirma que “o mundo é visível, e para ser visto é que o artista dá a ver o mundo”. Com isso, a arte inicialmente teve aspecto de utilidade, mas com o passar do tempo, os utensílios e as representações começaram a ser criados pelo prazer em si, desvinculando da ideia unicamente de utilidade. Assim, a arte surge com novas compreensões, como cita Marilena Chauí (2003, p. 406-407): A distinção entre artes da utilidade e artes da beleza acarretou uma separação entre técnica (o útil) e arte (o belo), levando à imagem da arte como ação individual espontânea, vinda da sensibilidade e da fantasia do artista como gênio criador. Enquanto o técnico é visto como aplicador de regras e receitas vindas da tradição ou da ciência, o artista é visto como dotado de inspiração, entendida como uma espécie de iluminação interior e espiritual misteriosa, que leva o gênio a criar a obra. O belo para a arte passa a ser concebido pela experiência artística. A partir da abordagem do belo ou juízo do gosto, a arte também é estudada por uma disciplina 80 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE filosófica que é conhecida como estética. A palavra estética é a tradução da palavra grega aesthesis, que significa conhecimento sensorial, experiência e sensibilidade. A estética estuda as sensações que a arte provoca no ser humano, desde sensações boas até sensações que causam desconforto, inquietude, aflição etc. A partir das manifestações artísticas criadas desde a pré-história até a contemporaneidade, percebe-se que diferentes povos culturais criam suas particularidades artísticas, como é o caso, por exemplo, das culturas indígenas. Os povos indígenas, devido aos saberes ancestrais, se apropriam de elementos da sua etnia para conceber o belo por meio das manifestações culturais. A pintura corporal dos povos indígenas tem representação ritualística, desta forma, cada sociedade assume um significado artístico diferente, como é o caso da pintura corporal na atualidade, que é representada pela tatuagem, e esta tem apenas o significado de decorar. A arte tem inúmeras possibilidades de definição, pois se compreende como uma manifestação dinâmica, onde são atribuídos conceitos no tempo e espaço. A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro – mais bonito ou mais intenso ou mais significativo, ou mais ordenado – por cima da realidade imediata [...]. Naturalmente, esse mundo do outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo [...] (GULLAR, 1982 apud CHAUÍ, 2003, p. 271). A palavra arte deriva do latim ars, artis, que significa profissão ou habilidade natural ou adquirida. Também corresponde ao termo grego tékhne, “técnica”, que significa “toda atividade humana submetida a regras em vista da fabricação de alguma coisa” (CHAUÍ, 2003, p. 275). Este conceito também se tem na cultura greco-romana, que significava ofício. Assim, a primeira definição da arte estava ligada ao propósito de fazer ou produzir. A segunda definição de arte é compreendida como conhecimento, visão ou contemplação, isto significa que a obra pode retratar aspectos históricos, sociais e educativos. Já a terceira definição está ligada à arte como expressão, que é uma experiência com o sensível. A partir dessas abordagens, percebe-se que é difícil um conceito definitivo para responder o que é arte, pois a arte se transforma, se modifica de acordo com o contexto cultural no qual está inserida. A obra Mona Lisa, criada pelo artista do Renascimento Leonardo da Vinci, é tida como um exemplo de obra de arte que é conhecida por grande parte da população mundial. Seu misterioso sorriso é pesquisado e admirado por muitos. TÓPICO 5 | CULTURA E ARTE 81 FIGURA 8 – LEONARDO DA VINCI. MONA LISA. 1503–1507 Óleo sobre madeira de álamo, color. 77 cm x 53,5 cm. Museu do Louvre, Paris. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa#/media/ File:Mona_Lisa,_by_Leonardo_da_Vinci,_from_C2RMF_retouched.jpg>. Acesso em: 20 maio 2015. Séculos depois de Leonardo da Vinci, o artista do movimento artístico Dadaísmo, Marcel Duchamp, atuou como um dos maiores expoentes da vanguarda artística do século XX. Duchamp reproduziu a obra original Mona Lisa em cartões postais, desenhando na imagem um bigode e escrevendo embaixo da mesma: L.H.O.O.Q. A obra do artista Duchamp não se trata de uma ofensa à obra original, mas uma brincadeira irônica com reverência aos antigos mestres da pintura. 82 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE FIGURA 9 – MARCEL DUCHAMP. MONA LISA (L.H.O.O.Q). 1919. READY-MADE CERTIFICADO Lápis sobre produção fotográfica. Color; 17,8 cm x 12 cm. Coleção privada. FONTE: Disponível em: <http://museuhoje.com/app/v1/br/arte/55- marcelduchamp>. Acesso em: 20 maio 2015. Foi com o princípio de repensar o sentido de arte do seu tempo que Duchamp colocou em questão o que seria arte. Isso leva a pensar que conceituar arte não é definitivo, uma vez que cada um pode conceber a obra de uma forma. Chauí (2003, p. 403) descreve que “a obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ouvido, sentido, pensado ou dito”. Assim, para a autora (2003, p. 407), as artes na atualidade tornam-se: Trabalho da expressão e mostram que, desde que surgiram pela primeira vez, foram inseparáveis da ciência e da técnica. Assim, por exemplo, a pintura e a arquitetura da Renascença são incompreensíveis sem a matemática e a teoria da harmonia e das proporções; a pintura impressionista, incompreensível sem a física e a óptica, isto é, sem a teoria das cores etc. A novidade está no fato de que, agora, as artes não ocultam essas relações, os artistas se referem explicitamente a elas e buscam nas ciências e nas técnicas respostas e soluções para problemas artísticos. TÓPICO 5 | CULTURA E ARTE 83 Nesta abordagem, a arte parte para a construção de um sentido novo (a obra) e o institui como parte da cultura. Segundo Chauí (2008, p. 329), “o artista é um ser social que busca exprimir seu modo de estar no mundo na companhia dos outros seres humanos, reflete sobre a sociedade, volta-se para ela, seja para criticá-la, seja para afirmá-la, seja para superá-la”. A obra Guernica, pintada pelo artista do Cubismo, Pablo Picasso, propaga o sentido da arte enquanto expressão, pois revela na obra o sentido da dor, do belo, do terrível, do sublime, ou seja, mostra por meio da arte o sentido da cultura e da história na vida em sociedade. Essa obra retratou o bombardeio que a cidade espanhola Guernica sofreu por aviões alemães. FIGURA 10 – PABLO PICASSO. GUERNICA. 1937 Pintura a óleo. 349 cm x 776 cm. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Guernica_%28quadro%29#/media/ File:Mural_del_Gernika.jpg>. Acesso em: 20 maio 2015. Nota-se que a arte é uma ciência do conhecimento que representa um elo entre o passado, o presente e o futuro, pois demonstra o pensar, o agir e todos os aspectos culturais existentes desde o homem primitivo até o homem contemporâneo. A arte pertence à cultura erudita, que são as artes desenvolvidas a partir de um conhecimento acadêmico, são aquelas que estão dentro de lugares como galerias de arte e museus, mas também, a arte faz parte da cultura popular, e este conhecimento popular é reconhecido como patrimônio cultural. Para Suíse Monteiro Leon Bordest:84 UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade de um povo. A preservação do patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar (reproduzir sempre e os manter vivos) dos bens aos quais esses valores estão associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar ou de um grupo social. A Constituição brasileira de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial e, também, ao estabelecer outras formas de preservação – como o registro e o inventário – além do tombamento, instituído pelo Decreto nº 25, de 30 de novembro de 1937, que determina especialmente a proteção de edificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos. O patrimônio imaterial cuida da preservação dos bens culturais de natureza imaterial, como os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir moradias, mas também manifestos através das danças e músicas, incluindo também os modos de vestir e falar, os rituais e festas religiosas e populares, as relações religiosas, sociais e familiares que revelam os múltiplos aspectos da cultura cotidiana de uma comunidade (apud IPHAN/MinC, 2012). Nos dias atuais a arte contemporânea está associada à indústria cultural, apropriando-se da tecnologia e das interferências da mídia, fazendo parte da cultura de massa. Os meios de comunicação, como a televisão, fotografia, cinema, internet, rádio e redes sociais fazem com que o conhecimento artístico seja divulgado com maior facilidade e rapidez, de forma acessível a grande parte da população. A arte na atualidade ou arte contemporânea, que surgiu mais intensamente a partir de 1960, busca romper com aspectos tradicionais da arte. A arte contemporânea passa a ser pensada como integrante da vida e do mundo, em que é concebida em lugares formais e informais, buscando a participação do público. Tem como característica a apropriação de materiais e objetos encontrados no cotidiano. Neste sentido, a obra tem um tempo de duração determinado. A artista canadense Jana Sterbak fez uma exposição, em 1987, causando polêmica por mostrar que o corpo humano, por mais bem vestido e arrumado que esteja, não passa de carne e osso. TÓPICO 5 | CULTURA E ARTE 85 FIGURA 11 – JANA STERBAK, VANITAS. VESTIDO DE CARNE PARA ALBINO ANORÉXICO.1987 FONTE: Disponível em: <http://performatus.net/jana-sterbak/>. Acesso em: 20 maio 2015. A arte contemporânea proporcionou aos artistas maior liberdade de criação, sendo que ampliou o conceito das linguagens artísticas do que pode ou não ser considerado como arte. Desta forma, podemos dizer que a arte contemporânea é uma arte conceitual, pois a ideia proposta pelo artista é mais importante que o objeto em si, valorizando a experiência que irá causar no público. Desta forma, pode-se pensar a arte na atualidade como uma área do conhecimento em uma relação com a natureza, com a realidade urbana e com o mundo tecnológico. Com isso surgem diferentes linguagens contemporâneas que se articulam, como a pintura, gravura, escultura, desempenho, happening, instalação, assemblage, ready- made, fotografia, literatura, video-art, body-art, land-art etc. 86 RESUMO DO TÓPICO 5 Neste tópico, você aprendeu que: • Estudar, pesquisar e refletir sobre as diferentes culturas e suas manifestações artísticas possibilita a compreensão da vida e das relações entre os sujeitos no meio social. A cultura e a arte devem ser estudadas a partir de três concepções: erudita, popular e de massa. • A cultura, assim como a arte, é dinâmica, vai mudando conforme o tempo e espaço, e são duas áreas de conhecimento de difícil definição, porém elas interagem entre si e com as demais áreas de conhecimento. • A cultura é considerada como um movimento humano decorrente da convivência em grupo e da interação social. Portanto, é necessária a percepção das especificidades de cada grupo cultural, para com elas observar e descobrir os signos existentes em busca da identidade de cada povo. • É por meio do conhecimento e da valorização da cultura que se pode observar e caracterizar a história de vida, os costumes, as crenças e os hábitos de um determinado grupo social a fim de distanciar preconceitos e desigualdades. • A arte tem sua definição a partir de três concepções: do fazer, do conhecimento e da experiência com o sensível. A arte pode ser representada por meio das artes visuais, artes cênicas, música e dança. 87 1 (ENADE – 2008, questão 1) O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844- 1900), talvez o pensador moderno mais incômodo e provocativo, influenciou várias gerações e movimentos artísticos. O Expressionismo, que teve forte influência desse filósofo, contribuiu para o pensamento contrário ao racionalismo moderno e ao trabalho mecânico através do embate entre a razão e a fantasia. As obras desse movimento deixam de priorizar o padrão de beleza tradicional para enfocar a instabilidade da vida, marcada por angústia, dor, inadequação do artista diante da realidade. Das obras a seguir, a que reflete esse enfoque artístico é: AUTOATIVIDADE A B C Homem idoso na poltrona. Rembrandt van Rijn – Louvre, Paris. Disponível em: <http://www. allposters.com>. Figura e borboleta. Milton Dacosta. Disponível em: <http://www. unesp.br>. O grito. Edvard Munch, Oslo. Disponível em: <http:// members.cox.net>. C D Menino mordido por um lagarto. Michelangelo Merisi (Caravaggio), National Gallery, Londres. Disponível em: <http://vr.theatre. ntu.edu.tw>. Abaporu. Tarsila do Amaral. Disponível em: <http://tarsilado amaral.com.br>. 88 89 UNIDADE 2 POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender os fundamentos e concepções sobre Ciência, Tecnologia e Socie- dade; • ampliar a percepção acerca das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade; • conceber as tecnologias da informação e comunicação como fator determinante no advento da sociedade da informação; • contribuir para o debate sobre a sociedade da informação; • compreender as práticas de inovação, as comunidades virtuais e seus impactos e conhecer novidades tecnológicas existentes; • compreender o processo político, social e histórico contemporâneo; • refletir sobre relações de trabalho. Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE TÓPICO 2 – TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) TÓPICO 3 – AVANÇOS TECNOLÓGICOS TÓPICO 4 – GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL TÓPICO 5 – RELAÇÕES DE TRABALHO 90 91 TÓPICO 1 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, para adentrarmos nos assuntos relacionados à Ciência, Tecnologia e Sociedade é necessário entendermos os fundamentos de cada tema, e, somente então, relacionarmos com o todo. Desta forma, convidamos você a discutir ciência sob diferentes óticas, analisar definições e pensamentos acerca da tecnologia e interpretar a sociedade. Abordaremos algumas relações sobre ciência e tecnologia, tratando do contrato de neutralidade dessa parceria; trataremos ainda do processo de análise da evolução da sociedade sob algumas perspectivas; para, assim, analisar a entrada da participação da sociedade nas discussões da já vencida parceria ciência e tecnologia. Somente então abordaremosa nova formatação da CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) com embasamento nas discussões levantadas pelo trabalho dos pesquisadores Milton Santos e Wiebe Bijker. E para finalizar, algumas considerações acerca de modernidade, pós-modernidade e globalização. 2 CIÊNCIA Entender eventos, situações ou fatos novos é sempre uma tarefa fácil para você? Se fosse designado para a incrível tarefa de defender um determinado episódio, como você procederia? Essas indagações fazem-se necessárias para que ampliemos nossos horizontes sobre o fato de que as pessoas constroem formas próprias para compreender a realidade, seja observando pelo viés cultural, histórico, geográfico, ambiental. A mitologia, a arte, a religião e até mesmo a ciência são observadas quando o foco é explicar as situações que cercam os seres humanos. Você, com certeza, já deve ter ouvido sobre Isaac Newton! Não se recorda? E sobre Isaac Newton e a história da maçã que caiu sobre a cabeça dele, originando assim a teoria da gravidade? Ficou mais fácil, não? Pois bem, é desta forma que a sociedade explica situações do cotidiano: apoiando-se em diferentes pensamentos para defender o que acontece ao seu redor. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 92 Quando contrapomos a ciência natural à ciência humana podemos perceber o jogo de conflitos, pois, conforme Omnés (1996), a ciência é capaz de explicar a realidade, bastando para isso princípios, regulamentos e normas. De qualquer maneira, tais conflitos são indissociáveis da epistemologia e da política, uma vez que ocorre a tentativa de autoridade de uma ciência sobre a outra. Desta forma, a realidade é comumente explicada pela ciência. A ciência apresenta características que a fazem singular; é cumulativa, ou seja, não se costuma descartar informações ou dados obtidos; é computável, permite o devido registro de tais informações ou dados, e, além disso, é irrevogável. Segundo Abbagnano (2000), além de utilizar sua própria linguagem, é baseada em métodos e fundamentos epistemológicos, o que faz com que seja clara e objetiva. Diversos são os métodos utilizados para explicar o cotidiano através da ciência. Severino (2007, p. 102) nos diz que um método científico pode ser “um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas operacionais que permitem o acesso às relações causais constantes entre os fenômenos”. Já para Omnés (1996, p. 272), é “um conjunto de regras práticas que permitem garantir a qualidade da correspondência entre a representação científica e a realidade”. Nessa mesma perspectiva, Omnés (1996) também propõe que o método deve cumprir ainda algumas etapas que visam diminuir a distância entre a cientificidade do conhecimento e a proposta de explicação do mesmo, que seriam: FIGURA 12 – ETAPAS PARA EXPLICAÇÃO DO COTIDIANO ATRAVÉS DA CIÊNCIA FONTE: Adaptado de Omnés (1996) • EMPÍRICA OU EXPLORATÓRIA • análise dos fatos e determinação de regras baseadas na experiência. Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 • CONCEPÇÃO OU PERCEPÇÃO • apropriação de conceitos e criação de princípios. • ELABORAÇÃO • indicação das consequências dos princípios. • CONSTATAÇÃO OU COMPROVAÇÃO • aprovação ou não das hipóteses propostas. TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 93 Faz-se de suma importância a compreensão sobre ciência e o conhecimento gerado por ela. Porém, não se pode deixar de lembrar que o conhecimento científico avança pelo campo da prática e não só pelo patamar teórico. 3 TECNOLOGIA O que surge no seu pensamento ao ouvir a palavra tecnologia? Porventura seriam máquinas sofisticadas, ou, quem sabe, computadores de última geração? Exatamente, esses são sinônimos de tecnologia, mas convidamos você a aprofundar seus conhecimentos ainda mais. Veja, pelo menos, outras três vertentes possíveis para a utilização dessa palavra, segundo Ferreira (2004): 1. Linguagem peculiar a um ramo determinado do conhecimento, teórico ou prático. 2. Conjunto dos processos especiais relativos a uma determinada arte ou indústria. 3. Aplicação dos conhecimentos científicos à produção em geral. Por mais simplificadas que sejam estas três conceituações, elas permitem a análise inicial acerca da discussão sobre tecnologia. Vamos iniciar falando sobre o conjunto de processos utilizados em uma determinada área, neste estamos falando de teoria e prática aliadas a fim de atingir um objetivo. Isso nos faz inferir que o conhecimento científico não ocorre somente na academia, mas também no ambiente de trabalho, ou seja, não só há produção de conhecimento científico no ambiente acadêmico, mas nas prestadoras de serviço, as quais testam a teoria promovida pela ciência, agora no campo da prática. IMPORTANT E Há de se destacar uma situação relevante nas questões tecnológicas, no âmbito de país, a capacidade de produção de tecnologia também diferencia os países desenvolvidos dos em desenvolvimento. Você consegue perceber, nessa explanação inicial, a ação do ser humano em tudo o que se refere à tecnologia? Normalmente, quando se fala nesse assunto, logo se pensa em tecnologia de ponta, sondas espaciais, nanotecnologia, enfim; porém, a própria transformação das peles de animais em roupas, dos elementos da natureza em utensílios domésticos, o uso do fogo, entre outros ao longo da história, são exemplos de tecnologia. E, sim, a tecnologia está presente desde muito cedo na vida do ser humano. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 94 Maior complexidade há quando analisamos a tecnologia do ponto de vista técnico, pois incluímos o campo de atuação da atividade humana e aumentamos os dados acerca do que vem a ser tecnologia. Como já exposto, a tecnologia está em todos os meios, seja científico, cultural, social; com isso, ratificamos as colocações de que em todas as ações humanas há técnica e, portanto, a tecnologia está amplamente disseminada, como preconiza Abbagnano (2000). Outrossim, é relacionada às implicações sobre todo esse conhecimento desenvolvido; segundo Dias e Silveira (2005), o uso, o aproveitamento e os resultados são de acordo com o objetivo para o qual foi desenvolvida e o meio em que está inserida. FIGURA 13 - A PRIMEIRA RODA FONTE: Disponível em: <http://waz.com.br/blog/2013/08/26/cinco-tecno logias-que-mudaram-o-mundo/>. Acesso em: 15 maio 2015. Pode-se perceber que a técnica está tão enraizada entre a natureza e o ser humano que, para Santos (2006), é quase impossível separá-la, pois o homem já não se vê mais sem o uso de tecnologia, que facilita, medeia e auxilia em muitos processos. Talvez possa surgir aí um fator de preocupação: substituição (em demasia) dos elementos naturais por processos artificiais. Fica a deixa para você pesquisar e analisar o que se apresenta de prós e contras nessas questões. Agora, partimos para a análise do último item sobre tecnologia, esse pode ser traduzido como tecnocracia, ou seja, o uso do conhecimento científico nos demais meios, porém, com a divulgação exclusiva a partir do que a ciência e a técnica propõem como resultado. Nesse último, tal ação elimina as demais análises feitas a partir da concepção política, ideológica e social, o que, por sua vez, pode causar o determinismo tecnológico. Não se esqueça, tais ações terão reflexo direto nas questões relacionadas à sobreposição das ciências humanas e às ciências da natureza. TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 95 Pelo que foi apresentado nesta breve explanação, pode-se perceber que as ações são interligadas e que agem como reação em cadeia. Nesse processo, faz-se necessário entender a sociedade como agente integrante e mediador de todos os processos descritos. 4 SOCIEDADE Ao entender a importância de discutir a sociedade como parte integrante de todo o processo relacionado àtecnologia, se abre precedentes para muitas indagações. As discussões seriam inúmeras, pois haveria necessidade de abrir alinhamentos no mais amplo sentido a fim de ajustar as arestas para que se forme o conhecimento acerca do assunto. Seja no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, faz-se necessário apurar o contexto em que ocorrem, a fim de compreender seu impacto. Lembrando que a ciência humana apresenta grande diversidade de pressupostos metodológicos e epistemológicos, e estes serão abordados, através de alguns autores e suas perspectivas, a seguir. FIGURA 14 – PERSPECTIVAS DE TEORIAS E SEUS AUTORES SOBRE SOCIEDADE FONTE: Adaptado de Tello e Mainardes (2012) • Auguste Comte (1898): teoria do positivismo. Cita três etapas para a evolução da humanidade: teológica, metafísica e positiva. • Lewis Henry Morgan (1978): mudança social através da integração com a descoberta das forças motoras. • Osvald Spengler (1932): propõe que as evoluções ocorrem de maneira cíclica e que têm período para iniciar e para encerrar. • Karl Marx (1867): a mudança na sociedade só ocorre impulsionada pelo conflito entre as diferentes classes sociais. • Edmund Husserl (1859): apregoava que a sociedade necessitava apenas de análise no âmbito da consciência e que o mundo exterior poderia ser desconsiderado nesta análise. • Heidegger e Jean-Paul Sartre (1905): apresentaram correntes filosóficas que analisavam a relação entre o homem e o mundo, considerando homem um ser independente e, portanto, capaz de definir suas próprias ações. A Sociedade como Organismo. A teoria dos ciclos históricos. O materialismo histórico e a mudança social. Fenomenologia Existencialismo UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 96 Pode-se perceber que cada autor defende uma linha de pensamento, ora específica, ora compartilhada por outro autor, porém, divergentes; no entanto, nas propostas de conceituação sobre sociedade, cada um nas suas perspectivas defende seus pontos de vista. Vejamos, por exemplo, Comte, em cuja teoria fez uso de leis e métodos das ciências naturais, entendendo a sociedade como um grande organismo vivo, interligado e interdependente. O principal conceito defendido por Comte era de que a sociedade evoluía apenas em uma direção, ou seja, sua postura frente às mudanças era conservadora. Com base nesta teoria surgiram outras, nesta mesma linha de pensamento, denominadas como Neopositivismo. Por outro lado, Spengler entendia que a sociedade evoluía em ciclos que se encerravam em grandes períodos, citando como exemplos as sociedades babilônica, egípcia, romana. Marx, por sua vez, defendia a ideia de que a sociedade, como capitalista, começara a dividir as classes sociais e tal divisão proporcionava observar a evolução da sociedade num viés de produtividade e capitalismo. Husserl tinha grande preocupação com a essência dos objetos e não com o materialismo. Desta forma, considerava mais importante a experiência da consciência do que os demais fatores materiais ou ideias. Michel Foucault defendia a ideia de que o saber estava fortemente ligado ao poder, e propunha uma genealogia para analisar a sociedade com a ideia de que o saber estaria presente nas relações humanas e nas instituições disciplinadoras. Assim, diversas são as teorias acerca da evolução da sociedade, que não se encerram e tampouco foram todas apresentadas, mas que permitem dar-nos base para analisar, no contexto da sociedade atual, a implicação da sociedade nas práticas atuais. Acertadamente, podemos inferir que nenhum fator até aqui estudado age sozinho ou de maneira isolada, é no conjunto da obra que a sociedade evolui, a ciência melhora e a tecnologia se adapta (BAZZO, 2010). 5 SOCIEDADE ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Já vimos a definição de tecnocracia, pela qual a ciência passa a ter razão sobre tudo e todos. Pois bem, esta visão apresenta um modelo de progresso linear, pelo qual o desenvolvimento social é apenas consequência do desenvolvimento proposto pela ciência, que, por sua vez, geraria o desenvolvimento tecnológico e, somente então, chegaria no desenvolvimento social. TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 97 FIGURA 15 – O PROGRESSO DO PONTO DE VISTA DA TECNOCRACIA FONTE: Adaptado de Auler e Delizoicov (2006) Quando se trata do modelo linear apresentado, a perspectiva é de que tanto a ciência quanto a tecnologia determinam as ações e melhorias, e a sociedade, por sua vez, somente as recebe sem possibilidade de interação. Nesse modelo, a relação entre o desenvolvimento científico e o social é casual, o que é fortemente criticado; outro fator de desagrado nesse modelo, conforme Bourdieu (1983a), é da neutralidade da ciência. Segundo ele, esse fator é tido como “utopia de interesses”, ou seja, coloca a ciência como melhor explicação da real condição da sociedade. Conforme pudemos observar, a tecnocracia, ou seja, a decisão de manter apenas uma vertente entre ciência, tecnologia e sociedade não é neutra, pois age sobre interesses políticos. O movimento ciência e tecnologia, ainda nos anos 1960 e 1970, foi duramente criticado por promover, além do já exposto, problemas ambientais, além da aplicação da tecnologia bélica, por exemplo, nas guerras mundiais. Foi a partir das décadas de 1960 e 1970 que o movimento de neutralidade da dupla ciência e tecnologia perdeu força e a sociedade passou a exercer seu papel de analisar criticamente a parceria entre as duas frentes e participar das discussões técnico-científicas propostas pelo, agora, grupo (ANGOTTI; AUTH, 2001, AULER; BAZZO, 2001). A partir desse movimento, outras frentes foram incorporadas às discussões sobre o que seria conhecimento científico e tecnológico, bem como suas evoluções. Como fora visto, mais precisamente após a II Guerra Mundial, a parceria entre ciência e tecnologia passou por profundas mudanças, principalmente por começar a levar em conta o bem-estar social. O primeiro avanço foi no sentindo de considerar o desenvolvimento tecnológico um dos impulsionadores do progresso. A ciência, de certa maneira, também passou por mudanças, ganhando a cada período maior importância. Passemos, agora, a analisar algumas reações entre a parceria da ciência, da tecnologia e da sociedade, que se deu após essas grandes adequações e modificações. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 98 6 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE (CTSA) – INTERPRETAÇÕES SOBRE A NOVA FORMAÇÃO Sob a nova ótica de formação, agora com o criticismo social, ciência e tecnologia passam a ter uma conotação diferente e menos isolada. O ensino de Ciências com enfoque ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) a partir de questões sociocientíficas (QSC), “tem por objetivo a emancipação dos sujeitos ao fazer com que eles problematizem a ciência e participem de seu questionamento público, engajando-se na construção de novas formas de vida e de relacionamento coletivo” (MARTINEZ, 2012, p. 55). Para o referido autor, as questões sociocientíficas e a perspectiva CTSA “têm em comum o objetivo de focar o ensino de Ciências na formação para a cidadania dos estudantes no ensino básico e superior, bem como nos processos de formação cidadã mais amplos abrangidos na sociedade”. Para contextualizar esta temática, convido-o para analisarmos, juntos, duas interpretações, baseadas nos filósofos Wiebe Bijker e Milton Santos. 6.1 CTS SOB NOVAS ÓTICAS Ao debater o tema CTS, procuramos trazer para a conversa a contribuição dos seguintes pesquisadores: Wiebe Bijker e Milton Santos. Wiebe Bijker (1951- ) é um construtivista social que trabalhou visando estabelecer novas bases teóricas e metodológicas entre a CTS. O elo para esta nova parceria seria a sociedade e, no momento em que assume este ponto de vista, começaa trabalhar com o também construtivista social Trevor Pinch. Ambos envolvidos na divulgação de documentos que debatem o relacionamento entre ciência e tecnologia, e destacando a importância da essência social (BENAKOUCHE, 2005). Outro pesquisador que traremos para a discussão é Milton Santos (1926- 2001), um geógrafo brasileiro que, por sua vez, tratou das questões relacionadas à CTS sob a ótica da informação. 6.2 CTS SOB A ÓTICA DE MILTON SANTOS Milton Santos traz à luz a discussão do meio ambiente e sua relação com CTS, portanto, na visão desse pesquisador já poderíamos usar o conceito CTSA. Ele aborda questões como o espaço e a sucessão de relacionamento entre o homem e a natureza, bem como a da organização humana. Dessa forma, faz uma interessante análise sobre a divisão do espaço geográfico. Para entender TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 99 melhor, trazemos um trecho do texto “A natureza do espaço”, que trata sobre as considerações do autor sobre meio natural, meio técnico e meio técnico-científico- informacional. O meio natural Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo. Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes transformações. As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação. O que alguns consideram como período pré-técnico exclui uma definição restritiva. As transformações impostas às coisas naturais já eram técnicas, entre as quais a domesticação de plantas e animais aparece como um momento marcante: o homem mudando a Natureza, impondo-lhe leis. A isso também se chama técnica. Nesse período, os sistemas técnicos não tinham existência autônoma. [...]. A harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia, também, uma série de comportamentos, cuja razão é a preservação e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para que ela possa ser outra vez utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir. O meio técnico O período técnico vê a emergência do espaço mecanizado. Os objetos que formam o meio não são, apenas, objetos culturais; eles são culturais e técnicos ao mesmo tempo. Quanto ao espaço, o componente material é crescentemente formado do “natural” e do “artificial”. Mas, o número e a qualidade de artefatos variam. As áreas, os espaços, as regiões, os países passam a se distinguir em função da extensão e da densidade da substituição, neles, dos objetos naturais e dos objetos culturais, por objetos técnicos. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 100 Os objetos técnicos, maquínicos, juntam à razão natural sua própria razão, uma lógica instrumental que desafia as lógicas naturais, criando, nos lugares atingidos, mistos ou híbridos conflitivos. Os objetos técnicos e o espaço maquinizado são lócus de ações “superiores”, graças à sua superposição triunfante às forças naturais. Tais ações são, também, consideradas superiores pela crença de que ao homem atribuem novos poderes, o maior é a prerrogativa de enfrentar a Natureza, natural ou já socializada, vinda do período anterior, com instrumentos que já não são prolongamento do seu corpo, mas que representam prolongamentos do território, verdadeiras próteses. Utilizando novos materiais e transgredindo a distância, o homem começa a fabricar um tempo novo, no trabalho, no intercâmbio, no lar. Os tempos sociais tendem a se superpor e contrapor aos tempos naturais. [...]. O meio técnico-científico-informacional O terceiro período começa praticamente após a Segunda Guerra Mundial, e sua firmação, incluindo os países de terceiro mundo, vai realmente dar-se nos anos 70. É a fase a que R. Richta (1968) chamou de período técnico-científico, e que se distingue dos anteriores pelo fato da profunda interação da ciência e da técnica, a tal ponto que certos autores preferem falar de tecnociência para realçar a inseparabilidade atual dos dois conceitos e das duas práticas. Essa união entre técnica e ciência vai dar-se sob a égide do mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência e à técnica, torna-se um mercado global. A ideia de ciência, a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente, e desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão ecológica, já que as mudanças que ocorrem na natureza também se subordinam a essa lógica. Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio técnico- científico-informacional. Da mesma forma como participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais), a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato. [...]. TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 101 Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização da paisagem. Por outro lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação. [...]. Os espaços assim requalificados atendem, sobretudo, aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico- científico-informacional é a cara geográfica da globalização. Sustentando que os vários elementos envolvidos no processo de inovação tecnológica constituem uma teia contínua (“seamless web”), Bijker pretende dar conta dessa realidade através da elaboração de uma teoria que: a) explique tanto a mudança quanto a estabilidade das técnicas; b) seja simétrica, ou seja, possa ser aplicada tanto às técnicas que dão certo como às que falham; c) considere tanto as estratégias inovadoras dos atores como o caráter limitador das estruturas; e, finalmente d) evite distinções a priori entre o social, o técnico, o político ou o econômico. FONTE: Santos (2006, p. 157-161) Após esta leitura, você conseguiu identificar os aspectos importantes da relação entre CTS(A) que Milton Santos aborda? Como você pôde ver, essa questão é analisada na perspectiva de que as relações foram sendo estabelecidas ao longo do tempo e de maneira dialética. O autor destaca questões que merecem ser reanalisadas, como: a necessidade de determinar as características do mundo atual (como modernidade, pós-modernidade e globalização), assim como a história das relações entre CTSA. Outro ponto que merece ser revisitado sãoas relações entre CTSA em uma lógica de mercado, ou seja, buscar reflexões sobre o sistema produtivo como um todo. 6.3 CTSA SOB A ÓTICA DE WIEBE BIJKER Um dos principais incentivadores do movimento construtivista social foi Wiebe Bijker. Para entendermos melhor suas ideias e ideais, compartilharemos um pequeno trecho do artigo “Tecnologia é Sociedade: contra a noção de impacto tecnológico”, de Benakouche (1999, p. 11-13), que aborda os principais vieses deste pesquisador. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 102 Diante de tal agenda, propõe o uso de alguns conceitos básicos e operacionais, postos inclusive à prova nos vários estudos de caso que realizou, dentre os quais se destacam os de grupos sociais relevantes, estrutura tecnológica (“technological frame”), flexibilidade interpretativa (“interpretative flexibility”) e estabilização ou fechamento (“closure”). Os “grupos sociais relevantes” são aqueles mais diretamente relacionados ao planejamento, desenvolvimento e difusão de um artefato dado; na verdade, seria na interação entre os diferentes membros desses grupos que os artefatos são constituídos. Nesse processo, os atores não agem aleatoriamente, mas segundo padrões específicos, isto é, agem a partir das “estruturas tecnológicas” às quais estão ligados; esta noção – central, neste quadro analítico-descritivo – é ampla o suficiente para incluir teorias, conceitos, estratégias, objetivos ou práticas utilizadas na resolução de problemas ou mesmo nas decisões sobre usos, pois não se aplica apenas a grupos profissionais especializados, mas a diferentes tipos de grupos sociais. Segundo Bijker, existiriam diferentes graus de inclusão nessas estruturas, isto é, de envolvimento. Na medida em que os grupos atribuem diferentes significados a um mesmo artefato, sua construção supõe um exercício de negociações entre esses mesmos grupos, onde o uso da retórica é um recurso poderoso, ou seja, é objeto de uma “flexibilidade interpretativa”. Quando esta atividade de ajustes se estabiliza e um significado é fixado ou aceito, diz-se que o artefato atingiu o estágio de “fechamento”. É justamente a prática da flexibilidade interpretativa que retira dos artefatos sua obturacidade; é ela que explica porque os mesmos não têm uma identidade ou propriedades intrínsecas, as quais seriam responsáveis por seu sucesso ou o seu fracasso, seus “impactos” positivos ou negativos. Em outras palavras, o não reconhecimento da importância desse processo é que leva à crença equivocada do determinismo da técnica. Assim é que tudo, numa tecnologia dada, do seu planejamento a seu uso, estaria sujeito a variáveis sociais e, portanto, estaria aberto à análise sociológica. No entanto, pode-se perguntar: ao se adotar essa perspectiva não se corre o risco de se cair num reducionismo social? Não, respondem os pesquisadores identificados com a mesma. O reconhecimento da existência de estruturas tecnológicas evitaria esse risco: na medida em que as mesmas influenciam a ação dos diferentes grupos sociais relevantes, essas estruturas seriam justamente as pontes que ligam tecnologia e sociedade, levando à constituição de conjuntos sociotécnicos (BIJKER, 1995). Após esta leitura, você pode traçar os principais pontos elencados pelo autor? Se você citou a questão da importância de debater as ações dos conceitos CTSA em conjunto, com o enfoque nas ações sociais, fez uma excelente leitura. Wiebe Bijker foi um dos grandes defensores da participação da sociedade nas discussões relacionadas à ciência, e como consequência, demonstra em todos os seus discursos o repúdio à parceria entre sociedade e tecnologia. TÓPICO 1 | CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE 103 A partir das colocações proporcionadas pelos dois autores é possível elencar pontos que merecem ser revistos, como a forma com que as comunicações de massa são disponibilizadas e utilizadas pela sociedade, assim como a importância da tecnologia no cotidiano e a dependência tecnológica. 7 CARACTERIZANDO O MUNDO ATUAL Ao caracterizar o mundo atual, faz-se necessário observar três vertentes singulares: modernidade, pós-modernidade e globalização. É importante analisar esses três pontos para que se possa avançar nos estudos sobre CTSA. Vamos lá? O que vem a ser a modernidade? Para muitos, o conceito de modernidade refere-se a ideias bastante controversas, compreendendo desde pequenas práticas a formas de perceber, conceber e viver o mundo. Para melhor situá-lo, relembramos três grandes eventos: Revolução Industrial, Revolução Francesa e Revolução Científica. A pós-modernidade ainda é complexa e a ideia não é amplamente aceita por todos os cientistas e pensadores. As dúvidas e diferenças surgiram por volta de 1970 e 1990, mas ainda assim pode-se verificar duas linhas de discursos, quando o termo é pós-modernidade: a da continuidade e a do rompimento. FIGURA 16 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS CONCEITOS DE MODERNIDADE, PÓS- MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO FONTE: Adaptado de David Harvey (2003) UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 104 Agora, quando o assunto é globalização, o termo é mais conhecido, tendo em vista que é assunto atual e amplamente divulgado e trabalhado na mídia. Como todo conceito, esse também apresenta seus prós e contras, pois está fortemente ligado à maneira como foi apreendido pela sociedade. O marco inicial da globalização é fracamente indicado, como no período da Revolução Tecnocientífica, porém, viu-se nesse uma importante ferramenta de longo alcance, com ligações para diferentes partes do mundo. A globalização está amparada, principalmente, nos avanços tecnológicos, assim como nas relações sociais e econômicas, no mercado da conectividade e da virtualidade. A compressão da globalização, conhecida como compressão tempo- espaço, é abordada como sendo a responsável por alterar a forma de comunicação entre as pessoas, como a telefonia móvel (HARVEY, 2003). Porém, como tudo tem seu outro lado, assim também é na globalização, podendo proporcionar tanto a inclusão como a desigualdade social. Uma importante observação precisa ser feita sobre esse ponto: deve-se cuidar para que os avanços tecnológicos não venham a causar o determinismo tecnológico, o que ocasionaria o mesmo pensamento de que a ciência e a tecnologia são neutras. Nesse momento, o que se deve buscar é usar a tecnologia como ferramenta e não como base. 105 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • A ciência, como forma de explicar a realidade, apresenta as seguintes características: linguagem própria; conhecimento acumulável, registrável e refutável; e articulação entre procedimentos metodológicos e fundamentos epistemológicos. • A tecnologia, como sinônimo de técnica, nos permite pensar das tecnologias mais simples até as mais avançadas, como roupa, ferramentas e celulares; e, quando falamos em tecnocracia, podemos entender como ideologização da técnica. • A sociedade pode ser analisada e interpretada de diversas formas e são vários os autores que apresentam algum parecer sobre o tema sociedade. • A ciência e a tecnologia apresentam um modelo de crescimento e evolução linear. • O movimento que engloba ciência, tecnologia e sociedade está baseado em uma visão mais crítica sobre a parceria entre ciência e tecnologia, o que permitiu inserir outros pontos para debate das questões sociais, políticas, culturais e econômicas acerca da ciência e das tecnologias. • Há várias interpretações acerca das relações CTS(A), e as de Milton Santos e Wiebe Bijker são duas delas. • Os conceitos de modernidade, pós-modernidade e globalização são importantes para a discussão acerca de ciência, tecnologia e sociedade, mas apresentam concepçõese interpretações bastante controversas. 106 AUTOATIVIDADE 1 Leia a charge a seguir: FONTE: Disponível em: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/>. Acesso em: maio 2015. A análise da charge nos remete ao fenômeno da insegurança no emprego, vivido, nos dias atuais, por muitas pessoas. Esta insegurança também está atrelada ao desenvolvimento de novas tecnologias, o que, por sua vez, tornou-se mais evidente nos últimos anos. Com base nos efeitos nocivos, é correto afirmar que: a) ( ) Produz sensação de apreensão quanto à continuidade futura de um cargo e/ou de um papel dentro do ambiente de trabalho. b) ( ) O maior aumento da insegurança no trabalho ocorreu em meados dos anos de 1990, entre os trabalhadores que exercem atividades manuais. c) ( ) Trata-se de um fenômeno recente causado por profundas alterações no contexto do mercado de trabalho. d) ( ) Os estudos apontam que a insegurança no emprego é restrita ao ambiente de trabalho, não afetando a saúde e a vida pessoal dos empregados. 2 Com referência à comunicação de massa, identifique a opção correta. a) ( ) A comunicação de massa engendra um tipo de comunicabilidade do “entre nós”, que se reporta aos telespectadores, ouvintes e aos brasileiros, em geral, gerando a ilusão de pertencerem a uma comunidade. b) ( ) A comunicação de massa caracteriza-se pela divisão entre a figura do emissor e a do receptor autorizado e pela negligência do monopólio comunicativo e do cerceamento de práticas populares. c) ( ) A comunicação de massa fundamenta-se na premissa de que tudo pode ser mostrado e dito, não estabelecendo critérios sobre quem pode dizer e quem pode ouvir. 107 d) ( ) O receptor autorizado tem um espaço da fala para opinar e contradizer, não sendo necessário que suas funções sejam definidas na estrutura do campo comunicativo. e) ( ) Na comunicação de massa, o espaço social sui generis é transformado em um espaço social heterogêneo, em que emissor e receptor têm papéis bem definidos. 108 109 TÓPICO 2 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, ao falarmos das tecnologias da informação e comunicação como fator determinante no advento da sociedade da informação, estamos a falar das transformações resultantes do processo da globalização de mercados e dos avanços do uso dos processos tecnológicos na vida cotidiana dos indivíduos. Desse mosaico de transformações exercidas pelos meios tecnológicos na vida cotidiana dos indivíduos emerge o conceito de sociedade da informação. Sob este prisma, o que iremos apresentar nas próximas páginas busca assinalar as tecnologias da informação e comunicação como fator determinante no advento da sociedade da informação. Portanto, esperamos que este tópico possa contribuir, de certa forma, para inseri-lo no debate sobre a sociedade da informação e que sirva de ferramenta para expandir o seu horizonte pensante. 2 AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) COMO FATOR DETERMINANTE NO ADVENTO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Nos últimos anos do século XX o mundo vem adquirindo uma nova configuração, fundamentada nas tecnologias da informação e da comunicação. A sociedade pós-industrial vem sofrendo modificações de forma acelerada, reestruturando o capitalismo, na medida em que todas as economias do planeta passam a interdepender umas das outras, em escala global. Diante disso, observa-se que as grandes organizações mundiais passam por um processo de descentralização e interconexão das empresas, exemplos desse processo são: o aumento do capital frente ao trabalho, com o declínio do sindicalismo e crescente desemprego e a incorporação massiva da mulher no mundo do trabalho. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 110 FIGURA 17 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://webquests.edufor.pt/webquest/soporte_ horizontal_w.php?id_actividad=2826&id_pagina=1>. Acesso em: maio 2015. Com o crescente aumento do uso das Tecnologias da Informação e de Comunicação nos diversos setores da atividade humana, bem como a sua integração às facilidades das telecomunicações, tornou-se evidente a possibilidade de ampliar cada vez mais, tanto o acesso à informação, quanto o desenvolvimento de novos meios que proporcionem de forma rápida sua distribuição no campo das pesquisas científicas. As atividades tradicionais, como a leitura, a escrita, o correio, o comércio, a publicidade ou o ensino, em atividades realizadas em ambientes virtuais, passam agora a ser capturadas por esses novos dispositivos tecnológicos de informática, cada vez mais avançados. Esse processo, que teve a sua origem no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, não foi, por si só, responsável pela nova forma de organização social. Centrado na ideia de informação e comunicação, o uso das TIC resultou da interação de três processos independentes: revolução da tecnologia da informação; da economia (crise econômica do capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos); e apogeu de movimentos sociais e culturais, tais como a afirmação das liberdades individuais, dos direitos humanos, do feminismo e do ambientalismo (CASTELLS, 2001). Na escala societária, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) constituíam um limiar sobre o qual se sucediam os acontecimentos políticos, militares ou científicos, tornando-se desta forma uma expressão de competição global, cuja lógica encontrava-se inserida dentro de uma economia informacional/global; e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real, em que a sociedade e a cultura estão subjacentes à ação e às instituições sociais em um mundo interdependente. A interação entre esses processos e as reações por eles desencadeadas fez surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede. Na época atual, as chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) constituem ferramentas indispensáveis no processo de fortalecimento e integração das nações na nova cadeia global. Segundo Castells (2001), esse TÓPICO 2 | TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) 111 processo foi de extrema importância, pois seu papel conferiu uma dinâmica e formação de redes das diversas esferas da atividade humana. Esta nova lógica preponderante de redes, sobre a qual a nova sociedade se assenta, transformou todos os domínios de vida social e econômica. Por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho, de informação e de mercados conectaram funções, pessoas e locais valiosos ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que desconectaram as populações e territórios desprovidos de valor e interesse para a dinâmica do capitalismo global. Seguiram-se exclusão social e não pertinência econômica de segmentos de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros, constituindo o que chamo de ‘o Quarto Mundo’. A tentativa desesperada de alguns desses grupos sociais e territórios para conectar-se à economia global e escapar da marginalidade levou a uma situação que chamo de ‘a conexão perversa’, quando o crime organizado em todo o mundo tirou vantagem de sua condição para promover o desenvolvimento da economia do crime global. O objetivo é satisfazer o desejo proibido e fornecer mercadorias ilegais à contínua demanda de sociedades e indivíduos abastados (CASTELLS, 1999, p. 411). A fim de compreender o surgimento das novas formas de organização social por conta das tecnologias informacionais, devemos observar os resultados dessa “revolução tecnológica na estrutura social”, a saber: • informação e conhecimento estão profundamente inseridos na cultura das sociedades; • as novas tecnologias da informação agregam processos de produção, distribuição e direção, permitindo diferentestipos de atividades interligadas de acordo com o modo organizativo que se ajusta melhor à estratégia da empresa ou à história da instituição. Três conceitos surgem dessa transformação fundamental do modo em que o sistema de produção opera e, juntos, formam as bases atuais da nova economia e forçarão a redefinição da estrutura ocupacional, além do sistema de classes da nova sociedade: articulações entre as atividades; redes que configuram as organizações; e fluxos de fatores de produção e de mercadorias; flexibilidade e adaptabilidade são necessidades fundamentais para a direção de organizações, pois complexidade e incerteza são características essenciais do novo meio ambiente organizacional; • as novas tecnologias de comunicação têm um impacto direto sobre os meios de comunicação e sobre a formação de imagens, representações e opinião pública em suas sociedades, resultando em uma tensão crescente entre globalização e individualização no universo dos audiovisuais; • as fontes de poder na sociedade e entre as sociedades são alteradas pelo caráter estratégico das tecnologias e da informação na produtividade da economia e na eficácia das instituições sociais. A habilidade de promover a mudança tecnológica está relacionada diretamente com a habilidade de uma sociedade para difundir e intercambiar informações e relacioná-las com o restante do mundo. UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 112 3 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO – TIC Desde os primórdios da humanidade, o homem sempre sentiu a necessidade de se comunicar com os outros homens. As novas tecnologias vêm efetuando mudanças sociais drásticas nos diversos segmentos da sociedade. As chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) têm se apresentado como um fator decisivo na nova organização social, sem precedentes na história. O próprio capitalismo passa por um processo de profunda restauração, caracterizado por maior flexibilidade de gerenciamento; descentralização das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas; considerável fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o trabalho, com o declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalho; incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada, geralmente em condições discriminatórias; intervenção estatal para desregular os mercados de forma seletiva e desfazer o estado do bem- estar social com diferentes intensidades e orientações, dependendo da natureza das forças e instituições políticas de cada sociedade; aumento da concorrência econômica global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários geográficos e culturais para acumulação e a gestão de capital (CASTELLS, 1999, p. 21). Primeiramente, para melhor compreender o conceito de Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC e o seu papel nas sociedades atuais, de forma a dar uma “robustez” mais ampla às nossas reflexões, faremos um pequeno aporte histórico sobre o conceito de tecnologia em Manuel Castells. Neste sentido, segundo afirma o autor (1999, p. 24): Para dar os primeiros passos nessa direção, devemos levar a tecnologia a sério, utilizando-a como ponto de partida desta investigação; devemos localizar esse processo de transformação tecnológica revolucionária no contexto social em que ele ocorre e pelo qual está sendo moldado; e devemos lembrar que a busca pela identidade é tão poderosa quanto a transformação econômica e tecnológica no registro da nova história. O termo tecnologia provém do verbo grego tictein, que significa "técnica, arte, ofício", juntamente com o sufixo "logia", que significa "estudo", portanto, o conhecimento prático que almeja alcançar um determinado fim concreto. O Dicionário de Sociologia, de Alan Johnson (1997), indica a palavra “tecnologia” como o repositório acumulado de conhecimento cultural sobre ambientes físicos e seus recursos materiais, com vistas a satisfazer desejos e vontades. Contudo, segundo afirma Johnson (1997), tecnologia não pode ser confundida com a ciência, na medida em que ela consiste de conhecimentos práticos sobre como usar recursos materiais, ao passo que a ciência consiste de conhecimento abstrato e teorias sobre como o processo do conhecimento se constrói. Na sociedade industrial, o conceito de tecnologia esteve associado à forma de produto, passando, portanto, a não mais designar a forma de produção, ou seja, concentra-se nos produtos, nos processos, nos equipamentos e nas operações. TÓPICO 2 | TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) 113 Assim, na visão de Masi (1999), esta lógica, em que a tecnologia se torna uma ferramenta indispensável nas relações de produção, obrigou o mundo da produção industrial a sofrer grandes mudanças, tanto no processo de regulamentação da empresa, como na organização do trabalho, de forma a responder aos imperativos que a própria tecnologia trouxe para o aperfeiçoamento das condições de vida do homem. Nesse sentido, para Masi (1999, p. 158), as principais transformações provocadas por esses imperativos são as seguintes: • Um intervalo de tempo mais curto exigido pelo processo produtivo para levar até o fim a realização de um produto. • Um aumento da necessidade de capital para a produção. • Maior especialização e definição de funções, operações, processos e materiais, com uma consequente rigidez que impede conversões de uma operação para outra. • Maior necessidade de mão de obra especializada. •Maior exigência de organização de todas as atividades especializadas envolvidas, o que resulta na posterior exigência de outros especialistas: os especialistas em organizações. • A necessidade de planejamento, em face do tempo e dos capitais empregados, da rigidez dos processos, das exigências organizacionais e da instabilidade do mercado em relação aos sistemas industriais que utilizam tecnologias avançadas. Já no século XX, a tecnologia passa a ser descrita como um campo do conhecimento que, além de usar o método científico, cria e/ou transforma processos materiais. Assim, segundo Masi (1999), a tecnologia passa a ser o motor do desenvolvimento da sociedade, elevando o padrão de vida de uma determinada sociedade, reduzindo desta forma as desigualdades. Nesse sentido, na visão de Masi (1999, p. 159), a tecnologia passa a ser: uma nova forma de racionalidade funcional que modifica os modelos educacionais, ‘os sistemas de especulação, tradição e razão’; revolucionando os transportes e as comunicações, cria novos tipos de relações sociais (onde, por exemplo, as relações de parentesco são substituídas por ligações de trabalho e profissionais) e de interdependência econômica. A tecnologia, enfim, modifica a percepção (também estética, como testemunham as novas tendências das artes figurativas) do espaço e do tempo. Na visão de Castells (2001, p. 49), a tecnologia corresponde: (ao) uso de conhecimento científico para especificar as vias de se fazer as coisas de uma maneira reproduzível. Entre as tecnologias da informação incluo, como todo o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. Além disso, diferentemente de alguns analistas, também incluo nos domínios da tecnologia da informação a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimento e aplicações. Com base nessa citação, torna-se claro que a tecnologia não determina a sociedade, nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica. Portanto, para Castells (2001), a tecnologia e a sociedade são categorias interdependentes, UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 114 na medida em que a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas “ferramentastecnológicas”. Nesse sentido, para Castells (2001), a tecnologia é uma condicionante, e não determinante, da sociedade. Por conseguinte, a relação entre tecnologia e sociedade está marcada pela presença do papel do Estado, podendo estimular ou constranger ambientes de inovação tecnológica, organizando as forças sociais dominantes em determinado tempo e espaço. Em grande medida, o grau de tecnologia existente numa sociedade é a representação de sua capacidade coletiva de controle sobre o meio político, isto é, de determinação sobre o formato das instituições, ou seja, do próprio Estado, no sentido de que este permita o melhor desenvolvimento das iniciativas e o uso das tecnologias a favor dos indivíduos. Desta feita, “o processo histórico em que esse desenvolvimento de forças produtivas ocorre assinala as características da tecnologia e seus entrelaçamentos com as relações sociais” (CASTELLS, 2001, p. 31). Sob esta ótica, a tecnologia não pode ser vista como uma “ferramenta” que busca resolver problemas imediatos que se apresentam numa determinada sociedade, mas sim como um meio integrante e compatível com a sociedade em que está inserida. Para o sociólogo espanhol Manuel Castells Oliván, o suposto dilema do determinismo tecnológico é falso. Portanto, não se trata de perguntar se a tecnologia determina comportamentos na sociedade ou se a sociedade é quem controla a tecnologia. Como diz Castells (2001, p. 25), “a tecnologia é a sociedade e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. Isso não impede de admitir que no começo é uma parte da sociedade que dá o start, para depois os outros se apropriarem das inovações. Foi o que aconteceu nos EUA, quando um setor específico da sociedade introduziu essas novas formas de produção, comunicação, gerenciamento e vida (CASTELLS, 2001). Nessa medida, tanto a informação como o conhecimento criam um novo sistema baseado num complexo integrado de rede global de interação, em que a produtividade e a competitividade das suas unidades dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada no conhecimento. Sem dúvida, informação e conhecimento sempre foram elementos cruciais no crescimento da economia, e a evolução da tecnologia determinou em grande parte a capacidade produtiva da sociedade e os padrões de vida, bem como formas sociais de organização econômica [...]. A emergência de um novo paradigma tecnológico organizado em torno de novas tecnologias da informação, mais flexíveis e poderosas, possibilita que a própria informação se torne o produto do processo produtivo. Sendo mais preciso: os produtos das novas indústrias de tecnologia da informação são dispositivos de processamento da informação. Ao transformarem os processos de processamento da informação, as novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre diferentes domínios, assim como entre os elementos e agentes de tais atividades (CASTELLS, 2001, p. 88). TÓPICO 2 | TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) 115 Assim, para Castells (2001), o que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralização do conhecimento e da aplicação, senão o uso da informação para a gestão de todo o processamento da informação e gerenciamento, num processo de retroalimentação eterno, promovendo a passagem de três estágios das novas tecnologias de telecomunicações nas últimas décadas, quais sejam: a automação das tarefas, as experiências de usos e a reconfiguração das aplicações. “Nos dois primeiros estágios, os avanços tecnológicos se caracterizam pelo learn by using, isto é, pelo aprender usando. No último, são os usuários que aprenderam a tecnologia fazendo, o que acabou resultando na configuração das redes e na descoberta de novas aplicações” (CASTELLS, 2001, p. 51). Desta feita, seria incorreto falar de uma Sociedade Informacional, implicando uma inadequada “homogeneidade das formas sociais” em qualquer lugar do globo sob o novo sistema. Não se trata de reduzir os povos da Terra ao novo paradigma informacional, mas, segundo o pensador espanhol, poderíamos falar de uma sociedade informacional assim como falamos da “sociedade urbano- industrial, cujas características são bem definidas e algumas de suas principais estão difundidas mundialmente” (CASTELLS, 1999, p. 38). 116 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: ● As novas tecnologias da informação e comunicação têm um impacto direto na vida social dos indivíduos. ● Os novos dispositivos de informação constituem verdadeiras fontes de poder nas sociedades, e são alterados de acordo com o caráter estratégico da produtividade da economia e na eficácia das instituições sociais. ● O termo tecnologia provém do verbo grego tictein, que significa criar, produzir, significando, portanto, o conhecimento prático que almeja alcançar um determinado fim concreto. ● O que caracteriza a renovação tecnológica não é a centralidade do conhecimento e nem da informação. ● Tecnologia não pode ser confundida com ciência, na medida em que ela consiste de conhecimentos práticos sobre como usar recursos materiais, ao passo que a ciência consiste de conhecimento abstrato e teorias sobre como o processo do conhecimento se constrói. ● A expressão Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC refere-se ao conjunto de recursos tecnológicos capazes de produzir e disseminar informações, ou seja, ferramentas que permitem arquivar e manipular informações em forma de textos, imagens e sons, permitindo, desta forma, que nos comuniquemos uns com os outros. ● São cinco os elementos que caracterizam o novo paradigma das tecnologias da informação e comunicação. 117 AUTOATIVIDADE 1 (ENADE - 2011) Exclusão digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais. O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos dias de hoje, com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados aspectos da sociedade contemporânea. Nessa nova sociedade, o conhecimento é essencial para aumentar a produtividade e a competição global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e privados. É nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais. Considerando as ideias do texto acima, avalie as afirmações a seguir. I- Um mapeamento da exclusão digital no Brasil permite aos gestores de políticas públicas escolherem o público-alvo de possíveis ações de inclusão digital. II- O uso das TICs pode cumprir um papel social, ao prover informações àqueles que tiveram esse direito negado ou negligenciado e, portanto, permitir maiores graus de mobilidade social e econômica. III- O direito à informação diferencia-se dos direitos sociais, uma vez que esses estão focados nas relações entre os indivíduos e, aqueles, na relação entre o indivíduo e o conhecimento. IV- O maior problema de acesso digital no Brasil está na deficitária tecnologia existente em território nacional, muito aquém da disponível na maior parte dos países de primeiro mundo. É correto apenas o que se afirma em: a) ( ) II e IV. b) ( ) I e II. c) ( ) III e IV. d) ( ) I, II e III. e) ( ) I, III e IV. 2 (ENADE – 2011) A cibercultura pode ser vista como herdeira legítima (embora distante) doprojeto progressista dos filósofos do século XVII. De fato, ela valoriza a participação das pessoas em comunidades de debate e argumentação. Na linha reta das morais da igualdade ela incentiva uma forma de reciprocidade essencial nas relações humanas. Desenvolveu-se a partir de uma prática assídua de trocas de informações e conhecimentos, coisa que os filósofos do Iluminismo viam como principal motor do progresso. 118 [...] A cibercultura não seria pós-moderna, mas estaria inserida perfeitamente na continuidade dos ideais revolucionários e republicanos de liberdade, igualdade e fraternidade. A diferença é apenas que, na cibercultura, esses “valores” se encarnam em dispositivos técnicos concretos. Na era das mídias eletrônicas, a igualdade se concretiza na possibilidade de cada um transmitir a todos; a liberdade toma forma nos softwares de codificação e no acesso a múltiplas comunidades virtuais, atravessando fronteiras, enquanto a fraternidade, finalmente, se traduz em interconexão mundial. O desenvolvimento de redes de relacionamento por meio de computadores e a expansão da internet abriram novas perspectivas para a cultura, a comunicação e a educação. De acordo com as ideias do texto acima, a cibercultura: a) ( ) Representa uma modalidade de cultura pós-moderna de liberdade de comunicação e ação. b) ( ) Constituiu negação dos valores progressistas defendidos pelos filósofos do Iluminismo. c) ( ) Banalizou a ciência ao disseminar o conhecimento nas redes sociais. d) ( ) Valorizou o isolamento dos indivíduos pela produção de softwares de codificação. e) ( ) Incorpora valores do Iluminismo ao favorecer o compartilhamento de informações e conhecimentos. 119 TÓPICO 3 AVANÇOS TECNOLÓGICOS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, ao falarmos de avanços tecnológicos, se torna importante compreendermos sobre as práticas de inovação, compreender comunidades virtuais e seus impactos e conhecer um pouco das novidades tecnológicas existentes. A tecnologia faz parte do nosso dia a dia e vem se expandindo cada vez mais. Neste tópico, queremos apenas trazer algo sobre as novas tecnologias, mas fique antenado nos noticiários, todos os dias temos o lançamento de uma nova tecnologia. 2 TENDÊNCIAS ORGANIZACIONAIS DO SÉCULO XXI Muitas pessoas não conseguem trabalhar sem seu laptop ou smartphone. Além disso, para muitos é impossível imaginar o dia sem o Google ou, para outros, mensagens de texto, WhatsApp ou Facebook para ficar em contato com uma grande rede de colegas. Em apenas uma década a tecnologia mudou muito a forma como trabalhamos e nos comunicamos. E na próxima década, com o aumento da velocidade das conexões da internet, haverá mudanças mais profundas para o trabalho do que qualquer coisa vista até o momento. Todas as informações serão mais fáceis de visualizar e analisar. As empresas enfrentam mudanças mais abrangentes e com maior alcance em suas implicações do que qualquer coisa desde a Revolução Industrial moderna, que ocorreu no início de 1900 (BALTZAN; PHILLIPS, 2012). Para auxiliar na compreensão e influência das tecnologias em nosso modo de vida, observe as informações das figuras a seguir, nelas consta uma nova tecnologia que já vem sendo utilizada por empresas e pela educação, chama-se: comunidades virtuais. 120 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE FIGURA 18 – COISAS QUE VAMOS DIZER PARA NOSSOS NETOS FONTE: Baltzan e Phillips (2012) FIGURA 19 – COMO SEREMOS LEMBRADOS POR NOSSOS NETOS FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/JJh21n> Acesso em: 13 dez. 2017. 3 COMUNIDADES VIRTUAIS Você já ouviu falar em comunidade virtual? Também encontramos com o nome de grupo virtual, mas perante a bibliografia vamos trabalhar com comunidade virtual. TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS 121 As comunidades virtuais são redes virtuais de comunicação interativa, organizadas em interesses compartilhados. Ao analisarmos o passado, na origem das primeiras civilizações, o ser humano era nômade, vivia da caça, pesca e coleta de produtos na natureza. Com o passar dos anos o ser humano aprendeu a se organizar em grupos, assim nascendo as primeiras comunidades, as quais deram origem às civilizações. Esses grupos humanos definiram formas de expressar valor moral e cultural, de acordo com cada época. Com as novas tecnologias constituíram-se grupos de sujeitos ligados por vínculos não formalizados, com características comuns, formando-se as comunidades virtuais (MUSSOI; FLORES; BEHAR, 2007). NOTA As comunidades virtuais se constituem de grupos de pessoas interconectadas em busca da inteligência coletiva. FIGURA 20 – PRINCÍPIOS DA CIBERCULTURA FONTE: Os autores 122 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE Uma comunidade virtual é uma inteligência coletiva em potencial. Um grupo humano se interessa em constituir-se como comunidade virtual para aproximar-se do ideal do coletivo inteligente, mais imaginativo, mais capaz de aprender e inventar. A virtualização ou desterritorialização das comunidades no ciberespaço são condições para haver inteligência coletiva em grande escala. A inteligência coletiva é o terceiro princípio da cibercultura. O ciberespaço é a ferramenta de organização de comunidades de todos os tipos, o melhor uso do ciberespaço pode ser alcançado ao se colocar em sinergia os saberes, as imaginações e as energias espirituais daqueles que estão conectados a ele. A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, fundado sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, no compartilhamento de informações, na cooperação e nos processos de colaboração (MUSSOI; FLORES; BEHAR, 2007). DICAS Quer conhecer mais sobre a Cibercultura? Então leia o livro de Pierre Lévy. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999. Para estimular sua leitura e aprofundar o conceito de cibercultura, trazemos alguns trechos do livro de Pierre Lévy (1999, p. 11). Pensar a cibercultura: esta é a proposta deste livro. Em geral me consideram um otimista. Estão certos. Meu otimismo, contudo, não promete que a Internet resolverá, em um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta. Consiste apenas em reconhecer dois fatos. Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano. O referido autor apresenta a contextualização dos princípios da cibercultura no mundo atual, e conclui que o programa da cibercultura é o universal sem totalidade, ou seja, possui uma relação profunda com a ideia de humanidade e se abastece da diversidade cultural. A interconexão para a interatividade é supostamente boa, quaisquer que sejam os terminais, os indivíduos, os lugares e momentos que ela coloca em contato. As comunidades virtuais parecem ser um excelente meio (entre centenas de outros) para socializar, quer suas finalidades sejam lúdicas, econômicas ou intelectuais, quer seus centros de interesse sejam sérios, frívolos ou escandalosos. A inteligência coletiva, enfim, seria o modo de realização da humanidade que a rede digital TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS 123 universal felizmente favorece, sem que saibamos a priori em direção a quais resultados tendem as organizações que colocam em sinergia seus recursos intelectuais. Em resumo, o programa da cibercultura é o universal sem totalidade (LÉVY, 1999, p. 132). As comunidades virtuais podem ter diversidade depessoas, como de assuntos. Para educação, uma comunidade virtual cria uma relação de professor- aluno que dialogam e estabelecem regras juntos. O professor, nesta situação, é o mediador, orientador, instigador do processo. Palloff e Pratt (2004) apresentam técnicas instrucionais centradas no aluno para que o professor tenha sucesso nas interações das comunidades: • Acesso e habilidade: o professor deve utilizar apenas tecnologias que sirvam aos objetivos da aprendizagem; a tecnologia deve ser mantida em um nível simples, para que seja transparente ao aluno; o professor deve se certificar de que o aluno tenha habilidade necessária para usar a tecnologia. • Abertura: sempre comece a atividade com apresentação; use atividades de aprendizagem que levem em consideração a experiência e a resolução de problemas. • Comunicação: deixe claro ao aluno as diretrizes para a comunicação, incluindo a net etiqueta; exemplifique como realizar uma boa comunicação; estimule a participação; acompanhe os alunos que não participam. • Comprometimento: explique suas expectativas em relação à utilização do tempo; explique a realização de trabalhos, prazos de entrega e meios pelos quais a avaliação será elaborada; crie uma agenda de publicação junto aos alunos; apoie o desenvolvimento de boas habilidades de gerenciamento de tempo. • Colaboração: trabalhe com estudos de caso, trabalhos em pequenos grupos, simulações e utilização do pensamento crítico; faça com que os alunos enviem seus trabalhos para a comunidade, para maior interação com os demais colegas; faça perguntas abertas para estimular a discussão. • Reflexão: coloque regras quanto ao tempo de postagem da mensagem; estimule os alunos a refletir, escrever off-line e depois transcrever para a comunidade; faça perguntas abertas e estimule a reflexão sobre o material utilizado. • Flexibilidade: varie as atividades para atender todos os estilos de aprendizagem e oferecer um interesse adicional; negocie as diretrizes da atividade com os alunos, assim promovendo maior engajamento; use a internet como uma ferramenta e um recurso de ensino e estimule os alunos a buscar referências que possam compartilhar. Analisando ao nosso redor, temos diversas formas de comunidades virtuais, e você deve conhecer muitas delas. Veremos no próximo subtópico essas formas, conhecidas por redes sociais. 124 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 3.1 REDES SOCIAIS As redes sociais podem ser vistas como uma tecnologia com menos seguidores para a sua utilização como uma ferramenta de trabalho, mas não deve ser, devido ao número de assinantes dessa tecnologia. Esses sites permitem que o usuário faça várias atividades, tais como: postar um perfil, fotos, vídeos, chat, blog, e se conectar com seus pares através de boletins individuais, grupos privados e fóruns. Quais são os aspectos críticos que definem uma tecnologia de rede social? Tradicionalmente, os traços dessas ferramentas incluem a criação de um login no site, que fornece uma página de perfil, em que muitas vezes você pode adicionar fotos e outros conteúdos. Você pode se conectar com outras pessoas que conhece ou pode encontrar novas pessoas através do site, tornando-se o seu "amigo". Este título serve para designar, no site, que duas pessoas estão ligadas de alguma forma. Isso proporciona a capacidade de receber atualizações em suas páginas "de amigos", comunicar-se com eles através de e-mail no local/comentários/chat, e criar grupos específicos no site em torno de temas ou conteúdo. A seguir, veremos algumas novidades tecnológicas. DICAS Alguns sites que você deve acessar para ficar dentro das atualidades tecnológicas: <http://www.cienciahoje.pt/3445> <http://olhardigital.uol.com.br/home> <http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia> <http://revistapesquisa.fapesp.br/> <http://www2.uol.com.br/sciam/> <http://www.abc.org.br/centenario/> <http://www.scielo.org/php/index.php?lang=pt> 125 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • Algumas tendências para as empresas perante as tecnologias. • O que são comunidades virtuais e para que servem. • O que é cibercultura e seus princípios. • O que são redes sociais. 126 1 (ENADE – 2014) O trecho da música “Nos bailes da vida”, de Milton Nascimento, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, é antigo, e a música, de tão tocada, acabou por se tornar um estereótipo de tocadores de violões e de roda de amigos em Visconde de Mauá, nos anos de 1970. Em tempos digitais, porém, ela ficou mais atual do que nunca. É fácil entender o porquê: antigamente, quando a informação se concentrava em centro de exposição, veículos de comunicação, editoras, museus e gravadoras, era preciso passar por uma série de curadores, para garantir a publicação de um artigo ou livro, a gravação de um disco ou a produção de uma exposição. O mesmo funil, que poderia ser injusto e deixar grandes talentos de fora, simplesmente porque não tinham acesso às ferramentas, às pessoas ou às fontes de informação, também servia como filtro de qualidade. Tocar violão ou encenar uma peça de teatro em um grande auditório costumava ter um peso muito maior do que fazê-lo em um bar, um centro cultural ou uma calçada. Nas raras ocasiões em que esse valor se invertia, era justamente porque, para uso do espaço “alternativo”, havia mecanismos de seleção tão ou mais rígidos que o espaço oficial. A partir do texto acima, avalie as asserções a seguir e a relação entre elas. I- O processo de evolução tecnológica da atualidade democratiza a produção e a divulgação de obras artísticas, reduzindo a importância que os centros de exposição tinham nos anos de 1970. PORQUE II- As novas tecnologias possibilitam que artistas sejam independentes, montem seus próprios ambientes de produção e disponibilizem seus trabalhos, de forma simples, para um grande número de pessoas. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e) ( ) As asserções I e II são proposições falsas. 2 (ENADE – 2013) Uma revista lançou a seguinte pergunta em um editorial: “Você pagaria um ladrão para invadir sua casa?”. As pessoas mais espertas diriam provavelmente que não, mas companhias inteligentes de tecnologia estão, cada vez mais, dizendo que sim. Empresas como a Google oferecem recompensas para hackers que consigam encontrar maneiras de entrar em seus softwares. Essas companhias frequentemente pagam milhares de dólares pela AUTOATIVIDADE 127 descoberta de apenas um bug, o suficiente para que a caça a bugs possa fornecer uma renda significativa. As empresas envolvidas dizem que os programas de recompensa tornam seus produtos mais seguros. “Nós recebemos mais relatos de bugs, o que significa que temos mais correções, o que significa uma melhor experiência para nossos usuários”, afirmou o gerente de programa de segurança de uma empresa. Mas os programas não estão livres de controvérsias. Algumas empresas acreditam que as recompensas devem apenas ser usadas para pegar cibercriminosos, não para encorajar as pessoas a encontrar as falhas. E também há a questão de double-dipping, a possibilidade de um hacker receber um prêmio por ter achado a vulnerabilidade e, então, vender a informação sobre o mesmo bug para compradores maliciosos. Considerando o texto acima, infere-se que: a) ( ) Os caçadores de falhas testam os softwares, checam os sistemas e previnem os erros antes que eles aconteçam e, depois,revelam as falhas a compradores criminosos. b) ( ) Os caçadores de falhas agem de acordo com princípios éticos consagrados no mundo empresarial, decorrentes do estímulo à livre concorrência comercial. c) ( ) A maneira como as empresas de tecnologia lidam com a prevenção contra ataques dos cibercriminosos é uma estratégia muito bem- sucedida. d) ( ) O uso das tecnologias digitais de informação e das respectivas ferramentas dinamiza os processos de comunicação entre os usuários de serviços das empresas de tecnologia. e) ( ) Os usuários de serviços de empresas de tecnologia são beneficiários diretos dos trabalhos desenvolvidos pelos caçadores de falhas contratados e premiados pelas empresas. 128 129 TÓPICO 4 GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Os elementos que compõem o repertório da civilização ocidental em termos de instituições, códigos jurídicos, leis, estatutos reguladores e pacificadores, por muito tempo encontraram-se centrados em favorecer o poder político e os sistemas econômicos, os quais, no momento presente, encontram-se em situação de crise e mal-estar dos indivíduos, e a alternativa diante deste cenário tem sido a retomada das formas de viver e fazer, dos costumes, valores, relações e vínculos de interdependência e reciprocidade no interior das comunidades. Vivemos em um momento de crises e impasses, isso encontra-se diretamente relacionado com as matrizes e modelos teóricos que legitimavam o crescimento econômico equilibrado (crença no mercado autorregulado), o modelo de organização política (Estado neoliberal), o sistema monetário internacional (baseado no padrão-ouro) e o equilíbrio de poder na geopolítica internacional (hegemonia norte-americana e europeia). Sem sombra de dúvidas, representamos uma civilização centrada no otimismo do progresso e do trabalho capitalista, e cada vez mais é reconhecida a afirmação do individualismo. À medida que avança o processo de conquista da propriedade e da individualização dos sujeitos, faz-se necessário cada vez mais constituir normas e um conjunto de outros valores éticos, sociais e de regulamentação que garantam equidade e paz nas relações dos indivíduos. Bem, você deve estar se perguntando: como chegamos a este estado?! Ao longo dos próximos dois subtópicos procuramos apresentar elementos para que se compreenda o processo político, social e histórico desse quadro. 2 GLOBALIZAÇÃO: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA Trata-se de um fenômeno de organização e circulação política, econômica, comercial e cultural, que foi praticado pelas mais diversas sociedades e desde os mais antigos mercadores (fenícios) da antiguidade, que se organizavam em caravanas por terra e expedições de navegadores por mares e oceanos. 130 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE FIGURA 21 – GLOBALIZAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://queconceito.com.br/wp-content/uploads/Globaliza ção.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2017. Alguns autores situam o fenômeno no final do século XV e ao longo do século XVI, quando se dá início às grandes navegações que partiam do continente europeu em direção a regiões como a América, África, Oceania e Ásia. A globalização também é apresentada como sendo resultante das concepções e direitos/deveres que existiam no interior da Revolução Francesa e da Revolução Industrial inglesa do século XVIII, ao desenvolvimento do capitalismo em escala mundial, bem como uma continuidade da lógica civilizacional que tem sido designada por modernidade (concentração da população nas cidades, industrialização da produção, racionalização do pensamento, laicidade do Estado), que se acentuará ao longo do século XIX. As possibilidades de atuação da economia, em favor dos interesses de mercado, foram potencializadas pelo espírito capitalista, que estava amparado na livre circulação de mercadorias das doutrinas do “deixe ir, deixe vir e tudo se autorregulará”. Esta fórmula e lei foram responsáveis por conferir ao sistema financeiro a dinâmica da “oferta e da procura” de produtos, a transitoriedade e a flutuação de preços, de lucros e de taxas de impostos, que por sua vez atribuíram ampla independência, liberdade nas relações comerciais e na prestação de serviços. O mercado preocupou-se, também, em perceber o potencial de consumo/ mercado, passando a intercambiar produtos entre as regiões que não eram capazes TÓPICO 4 | GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL 131 de produzi-los. A esta prática pode-se exemplificar com os produtos ingleses e franceses, que eram negociados com produtos e as populações dos países indianos, americanos, africanos. Resumidamente, o mercado atendia às demandas de economia (comércio, circulação e consumo de produtos); o Estado, por sua vez, atendia a necessidades de serviços junto à população (serviços educacionais, infraestrutura, habitação, saúde e lazer). A globalização, que se apresenta ao nosso momento histórico, ganhou ênfase no final dos anos de 1980, quando foi reconhecido o fim do cenário da Guerra Fria, com as experiências da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e foi desfeito o muro de Berlim, que separava a Alemanha Oriental (comunista/ socialista) da Alemanha Ocidental (capitalista). Ocorreu também a formação da OMC: Organização Mundial do Comércio (que conta com a adesão de mais de 150 países) e os blocos econômicos da UNIÃO EUROPEIA, NAFTA, MERCOSUL, APEC, ASEAN, entre outros. Na América Latina estruturou-se a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão para pensar o desenvolvimento econômico, social e sustentável. Esta articulação de países indica um forte movimento de regionalização das relações econômicas e políticas, assim como das relações sociais e culturais entre os mesmos, e por sua vez, dos conceitos de fronteira, espaço, nação, Estado, entre outros. Ianni (1994) foi categórico quando refletiu que a fábrica global é tanto metáfora quanto realidade, altamente determinada pelas exigências da reprodução ampliada do capital. No âmbito da globalização, os interesses de mercado revelam-se ávidos por processos que sejam capazes de promover cada vez mais a concentração e centralização do capital, para tanto articulam em torno de si empresas, mercados, forças produtivas, centros decisórios, alianças, estratégias e planejamentos de corporações, que se estendem e ultrapassam províncias, nações e continentes, ilhas e arquipélagos, mares e oceanos (IANNI, 1994). Os Estados, em vez de desaparecer, adquirem uma nova lógica de operação, em que seu poder é limitado frente à expansão das forças transnacionais que reduzem a capacidade dos governos de controlar os contatos entre as sociedades e os indivíduos, por sua vez são forçados a impulsionar as relações transfronteiriças. Nessa perspectiva, os problemas políticos nem sempre são resolvidos de forma adequada e satisfatoriamente, então, eis que se faz necessário buscar a cooperação com outras nações e agentes não estatais a fim de atender tais demandas (KEOHANE; NYE, 1989). 132 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 2.1 O TERCEIRO SETOR O terceiro setor ganhou espaço de constituição e atuação a partir dos anos de 1990. E instalou-se como alternativa em meio ao setor público/estatal (primeiro setor) e o setor privado/industrial/mercado (segundo setor), no sentido de intermediar, gerenciar e prestar serviços de interesse público em situações e contextos que os dois outros setores não atingem/alcançam. Por meio dessa formulação e composição de setores, cria-se um vácuo de poder e ação que favorece a constituição de organizações, coletividades internacionais e transnacionais, governamentais e não governamentais,que se propõem a apresentar decisões políticas e ações sociais. O terceiro setor constitui uma espécie de sociedade civil de caráter jurídico. Os órgãos que compõem o terceiro setor podem ser sociedades, associações, fundações, institutos, ONGs (Organismos Não Governamentais), OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). As ONGs que compõem uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos ou econômicos, encontram-se pautadas nas normas e legislações da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. Essas associações recebem doações de empresas e pessoas físicas que procuram deduzir impostos que devem ser pagos ao governo federal, para tanto precisam atuar em atividades que se caracterizam como: entidades de interesse público, como fundos de direitos da criança e do adolescente; instituições de ensino e pesquisa; e atividades culturais e audiovisuais. Entre as críticas que são feitas à modalidade, encontram-se as situações em que se caracterizam espaços que favorecem a atuação de grupos que se utilizam de verbas públicas em nome de grupos privilegiados. 3 GLOBALIZAÇÃO: UM BALANÇO A globalização pode apresentar sua face mais bem-sucedida, que reside no fato de que foi capaz de favorecer a intercomunicação entre povos e as pessoas das mais diferentes e inusitadas regiões do planeta, diminuir as fronteiras no campo dos transportes e promover intercâmbios nas atividades de comunicação e informações. A formação dos grupos regionais é capaz de conferir aos seus membros uma melhor possibilidade de negociação e barganhas no jogo das relações que se dão no cenário mundial. Por outro lado, quando interpretadas nas relações internas, em especial com os membros que compõem o grupo do qual fazem parte, evidenciam-se realidades sociais, culturais, condições de produção e capacidade de consumo desigual, de forte dependência tecnológica e vulnerabilidades política e econômica (a exemplo disso pode-se considerar o grupo NAFTA, que é composto pelos países: Canadá, Estados Unidos da América e México). Todavia, acabou por prevalecer o caráter de fazer com que as relações políticas, os governos, os grupos sociais e movimentos culturais fossem colocados TÓPICO 4 | GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL 133 a favor dos interesses da economia. Acabou-se por padronizar cada vez mais os processos de produção, os desejos de consumo, os estilos de vida e as culturas, anulando cada vez mais as diferenças, identidades, as especificidades, as tradições locais e regionais, qualquer tipo de fronteiras e valores morais tradicionais. Os modelos ideais de globalização que foram postulados garantiam que os indivíduos se abrissem a uma imensa variedade e riqueza de itens, tanto materiais como imateriais. Munidos desses itens, a vida ganharia uma dinâmica e a criatividade dos ares de liberdade, que por sua vez contagiariam com imensa alegria e colocariam em movimento o ambiente cultural e intelectual dos hábitos, dos costumes, das mentalidades de todos e a todos em toda face da Terra (BERMAN, 1986). A partir das formulações de produção, trabalho e economia postuladas pelos teóricos do século XIX, gerou-se uma espécie de novo modelo antropológico de homem, o Homo economicus, que tem como centro e modo de vida os princípios da economia, que se revela pelos aspectos de um comportamento de individualismo exacerbado, competição desenfreada e o consumismo sem sentido, numa espécie de busca pelo ter e ter cada vez mais, e obtido a qualquer custo. AUTOATIVIDADE 1 (ENADE – 2014) Com a globalização da economia social por meio das organizações não governamentais, surgiu uma discussão do conceito de empresa, de sua forma de concepção junto às organizações brasileiras e de suas práticas. Cada vez mais é necessário combinar as políticas que priorizam modernidade e competitividade com incorporação dos setores atrasados mais intensivos de mão de obra. A respeito desta temática, avalie as afirmações a seguir: I- O terceiro setor é uma mistura dos dois setores clássicos da sociedade, o público representado pelo Estado, e o privado representado pelo empresariado em geral. II- É o terceiro setor que viabiliza o acesso da sociedade à educação e ao desenvolvimento de técnicas industriais, econômicas, financeiras, políticas e ambientais. III- A responsabilidade tem resultado na alteração do perfil corporativo e estratégico das empresas, que têm reformulado a cultura e a filosofia que orientam as ações institucionais. Está correto o que se afirma em: a) ( ) I, apenas. b) ( ) II, apenas. c) ( ) I e III, apenas. d) ( ) II e III, apenas. e) ( ) I, II e III. 134 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE 4 A POLÍTICA INTERNACIONAL A política ganhou um caráter internacional a partir do século XVIII, quando do surgimento do Estado Moderno, em que o sistema capitalista irá se instalar a fim de obter condições e favorecimentos para expandir seus alcances em termos de matérias-primas, frentes de investimento e mercado consumidor. Ela pode ser identificada ainda quando da vigência do regime de Colonialismo, que vigorou na era das grandes navegações, quando Espanha e Portugal estabeleciam e organizavam politicamente suas colônias de exploração nos continentes americano e africano. 5 O ESTADO MODERNO E O LIBERALISMO Surge no contexto em que ocorre o enfraquecimento do Antigo Regime (marcado pelas monarquias), das aristocracias, do clero, da Igreja Católica como um todo, diante do fortalecimento crescente do Estado moderno, da burguesia comercial, do liberalismo e do capitalismo. O Estado moderno possuía como principal intento reestruturar os governos de forma laica/secular, de forma a estabelecer regulação política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, Igreja e Estado, ou seja, conferir emancipação do Estado e do ensino público dos poderes eclesiásticos e de toda referência e legitimação religiosa. Nesse contexto, caberia ao Estado garantir a neutralidade em matéria religiosa (ou a concessão de tratamento estatal isonômico às diferentes agremiações religiosas), a tolerância religiosa e as liberdades de consciência, de religião (incluindo a de escolher não ter religião) e de culto (CASANOVA, 1994). A busca por um novo/outro conjunto de valores morais, o exercício de métodos sofisticados de pensar e sentir, a racionalidade desprendida de uma matriz religiosa dogmática, o reconhecimento da subjetividade inerente às relações humanas, a defesa da liberdade de pensar e agir conforme uma ética particular/interiorizada, tudo isto vai reforçar a crítica aos resquícios que ainda persistiam do mundo feudal, do Antigo Regime e dos sistemas monárquicos que perduraram ao longo dos séculos XVII e XVIII. O Estado Moderno e o Liberalismo concatenam todo um processo histórico, com múltiplas determinações: a ideia moderna de indivíduo (que não se restringe ao ideário liberal) e que surgiu em meio a mudanças profundas e que abrangiam as mais diversas relações humanas, tais como religião, política, economia, trabalho, família, ideias, artes: tudo convergindo e reforçando mutuamente para produzi-la. O Imperialismo que surgiu foi uma formação de governo e política, que se praticou muito no século XIX, e foi exercido pelos países europeus para com TÓPICO 4 | GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL 135 os países de regiões como a África, América e Ásia, de onde obtinham matérias- primas para empreender sua produção industrial, consolidavam relações comerciais e mercados consumidores e exerciam influência/dominação cultural. 6 O NEOLIBERALISMO E A TERCEIRA VIA O neoliberalismo forjou-se a partir dos elementos já existentes no interior do liberalismo clássico do século XVIII, porém,agora privilegiou os ideais econômicos, em especial os princípios de liberdade de empreendimento, de propriedade e de lucro, em detrimento das demandas/necessidades políticas e sociais (legitimidade, direitos e serviços) dos indivíduos. Dentre as críticas que são feitas ao neoliberalismo tem-se as políticas que promovem a redução da interferência/regulação do Estado nas atividades econômicas/financeiras, permitindo o livre funcionamento do mercado, inclusive na distribuição da riqueza; assim como na promoção de bem-estar, em prol da privatização por grupos privados na oferta de serviços de saúde, educação, cultura, pensões, entre outros. No contexto de política econômica, os governos deveriam atuar no sentido de favorecer mudanças tecnológicas e a rentabilidade das empresas, favorecendo cada vez mais o mercado livre e a redução da taxa de acumulação. As principais experiências de governos neoliberais podem ser identificadas com o caso da Inglaterra, sob o governo da primeira ministra Margareth Thatcher, e dos Estados Unidos, com o presidente Ronald Reagan; do ditador Augusto Pinochet, no Chile; e em termos de bases teóricas, a Escola de Chicago, liderada pelos economistas Milton Friedman e George Stigler. A ‘terceira via’ foi apresentada como alternativa frente às crises que emergiam das políticas neoliberais, que propõe uma espécie de humanização do capitalismo, nos aspectos do malefício do Estado neoliberal e da sociedade de livre mercado. Na qual estariam engajados tanto dirigentes políticos de países ricos e representantes de empresas transnacionais, que em meio às crises econômicas se dedicariam a amenizar os impactos sociais, as injustiças, revoluções e caos, no sentido de manter a paz e coesão social. Anthony Giddens (2001), um dos principais estudiosos e defensores da ‘terceira via’, a explica como sendo uma estratégia de âmbito mais global, a fim de favorecer e melhorar as sociedades burguesas e democráticas, uma perspectiva de que os Estados/governos devem se reformar e a sociedade civil se qualificar/ educar no sentido de os indivíduos exercerem a cidadania para participar e decidir diante das demandas de caráter coletivo. 136 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE Os defensores da ‘terceira via’ interpretam que grande parte dos problemas que acometem os países pobres e subdesenvolvidos não são fruto da economia global ou das práticas de exploração das nações ricas, e sim das condições internas das próprias sociedades. A terceira via pode ser observada quando partidos políticos de esquerda, ou de cunho social, trabalhista e democrático, procuram ajustar suas políticas aos moldes neoliberais e, por outro lado, criar modos particulares de amenizar os problemas sociais e os riscos de degradação sociopolítica de seus países, em meio ao capitalismo que se torna cada vez mais global e ao mercado que se faz cada vez mais onipresente, ambos processos de pouca probabilidade de reversão. 7 TENDÊNCIAS AOS GOVERNOS E À POLÍTICA INTERNACIONAL Existem impasses que se abatem sobre as mais diversas nações e países do globo, tais como governos e os sistemas políticos altamente burocratizados e quase falidos, e incapazes de conseguirem proporcionar justiça e bem-estar social, envolvidos em redes profundas de corrupção. O estudioso Ladislau Dowbor procura fazer uma síntese da trajetória e do perfil do conceito de governo, levando em consideração o caráter que este apresentou em termos de princípios na responsabilidade pela administração, na relação com os cidadãos e no atributo que norteia os espaços, os processos e as instâncias que compõem um governo. Observe com atenção o quadro a seguir, que faz as devidas distinções e estabelece comparações e reflexões. QUADRO 6 – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GOVERNO - LADISLAU DOWBOR FONTE: World Public Sector Report (2005, p. 7) ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOVA GESTÃO PÚBLICA GOVERNANÇA PARTICIPATIVA PRINCÍPIOS ORIENTADORES Cumprimento de leis e regras Eficiência e resultados Responsabilidade, transparência e participação RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR Políticos Clientes Cidadãos, atores RELAÇÃO CIDADÃO-ESTADO Obediência Credenciamento Empoderamento ATRIBUTO-CHAVE Imparcialidade Profissionalismo Participação TÓPICO 4 | GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA INTERNACIONAL 137 Estabelecendo relação com o quadro geral dos modelos econômicos que influenciaram e configuraram os sistemas políticos, pode-se situar os modelos de liberalismo à estrutura de governo denominada de ‘administração pública’, modelo de governo que vigorou ao longo do neoliberalismo na categoria de ‘nova gestão pública’ como que sendo pertencente à terceira via, identificado também como ‘governança participativa’. Nesse contexto de mudanças de modelos de Estado/governo, cada vez mais o Estado é chamado a ampliar os investimentos em recursos humanos e infraestrutura local, sendo de responsabilidade do Estado proteger os grupos vulneráveis e o meio ambiente, aproximar o Estado da população, criar meios e políticas que favoreçam a inclusão e participação efetiva dos cidadãos, reduzir as oportunidades de corrupção, garantir estabilidade macroeconômica, favorecer parcerias entre o setor público e o privado, gerir os processos de privatização, fortalecer redes industriais em nível nacional, regional e internacional; apoiar as exportações, entre outros. DICAS Acesse a página do professor da Universidade de São Paulo/USP Ladislau Dawbor. Aprofunde seus conhecimentos sobre política, governo, economia, tecnologia e sociedade com as dicas e sugestões de livros, artigos e filmes lá indicados. Disponível em: <http:// dowbor.org/>. Acesso em: 4 jun. 2015. 138 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • A globalização consiste em um fenômeno antigo em meio às sociedades que procuravam intercambiar produtos, tecnologias e informações, porém, ganhou forte impulso ao final da década de 1980, quando ocorreu a queda do Muro de Berlim e do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). • O fenômeno da mundialização das relações financeiras e da globalização favoreceu alguns grupos regionais que buscam tanto favorecer como proteger os processos industriais que existem no interior dos países membros, e neste contexto os governos desempenham papel fundamental. • Dentre os desafios que ocorrem no interior dos grupos econômicos está a heterogeneidade das bases produtivas, a vulnerabilidade econômica, instabilidades políticas e a diversidade sociocultural de cada país membro. • A terceira via consiste em uma união de representantes de órgãos políticos e financeiros que pretendem apresentar soluções no sentido de amenizar e humanizar os impactos do sistema neoliberal em meio à sociedade e às populações. • O perfil de Estado/governo que se faz necessário no cenário político atual é o de um governo capaz de proteger os grupos vulneráveis e o meio ambiente, criar meios e políticas que favoreçam a inclusão e participação efetiva dos cidadãos, reduzir a corrupção, garantir estabilidade macroeconômica, gerir os processos de privatização, fortalecer redes industriais em nível nacional, regional e internacional. 139 1 (ENADE – 2014) Ideais liberais e métodos democráticos vieram, gradualmente, se combinando num modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade deram início à condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade. De acordo com a orientação teórica expressa no texto acima, avalie as afirmações a seguir. I- Liberalismo e democracia, doutrinas políticas distintas, exercem grande influência no ordenamentopolítico das sociedades atuais. II- Liberalismo e democracia são doutrinas políticas que surgiram em momentos diferentes e convergiram para dar origem à democracia liberal. III- Liberalismo é uma doutrina política incongruente com o ideal igualitário, que caracteriza a tradição democrática. É correto o que se afirma em: a) ( ) I, apenas. b) ( ) III, apenas. c) ( ) I e II, apenas. d) ( ) II e III, apenas. e) ( ) I, II e III. AUTOATIVIDADE 140 141 TÓPICO 5 RELAÇÕES DE TRABALHO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Um indivíduo/trabalhador, consciente de si e de seu fazer profissional, geralmente pergunta-se sobre aspectos inerentes ao ofício, tais como: saber fazer, técnica, matéria-prima e energia, os meios de produção, o produto, custo, margem de lucro, jornada de trabalho, remuneração, condições de trabalho, comércio, consumo, categoria de trabalho, reconhecimento e valor/sentido social e a realização, a satisfação/sentido pessoal, os âmbitos e as instituições que intermedeiam seu fazer profissional. 2 ORIGEM/SIGNIFICADO DA PALAVRA TRABALHO Ao pensar e refletir sobre relações de trabalho, parece que se toca em uma questão que é responsável por causar entusiasmo e resistência aos indivíduos, ao mesmo tempo as pessoas se sentem dispostas e se dedicam a certa atividade e, por outro lado, recuam diante das condições, regramentos e normatizações em que precisarão estar alinhadas e adequadas. Percebe-se, também, uma espécie de um relutar diante do fato da exploração do homem pelo próprio homem, no sentido de obter e gerar riqueza. Conta-se com todo um processo e imaginário histórico para que isso ocorra, no sentido de que as relações de trabalho se encontram forjadas em meio a elementos religiosos, sociais, econômicos e políticos, e procura-se apresentar as principais concepções e dinâmicas que o homem atribuiu ao trabalho ao longo de sua jornada histórica, bem como as possibilidades do momento presente e vislumbrar tendências que as relações de trabalho podem trilhar. Albornoz (2008) apresenta que a expressão trabalho contém muitos significados, tais como esforço, fadiga, sofrimento, labuta, castigo, realização, sacrifício; que existem muitas expressões, nas mais diferentes línguas, como labor e operare no italiano, travailler no francês, work no inglês; bem como comporta correlações entre as mesmas, como no caso da palavra latina arvum, que significa terreno arável, que surgiu da noção do alemão arbeit, que significa trabalho. Na Grécia antiga, pode ser associada à noção de poiesis, que significava o fazer, a fabricação, o que o ser humano produz tanto material: uma obra de arte executada por um artista, escultor, ceramista; como não material: instituições sociais, referências culturais etc. 142 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE A expressão trabalho, tal como é escrita e utilizada na língua portuguesa, deriva da expressão latina tripalium, que ao longo da Idade Média era o nome dado a um instrumento de tortura que apresentava três paus reunidos, utilizado pelos camponeses e servos para bater o trigo, as espigas de milho, e para desfiar e esfiapar o linho; certa vez foi adaptado e utilizado como instrumento de tortura (ALBORNOZ, 2008). O missionário católico Raimundo Lélio (1232-1315), que atuou entre os povos catalães no século XIII, foi o responsável por reabilitar a expressão e concepção ‘trabalho’, que foi amplamente difundida na sociedade moderna industrial e capitalista (GANDILLAC, 1995). A concepção de trabalho também é identificada na denominação de tripalium, que foi extraída do latim e designava um instrumento de tortura reservado aos escravos. Lélio a substituiu pela expressão treballan, que é oriunda do idioma catalão, que designa a habilidade em elaborar a matéria bruta, transformando-a em obra, realização e propriedade humana, e dignificadora do próprio homem. Labor e trabalho são expressões muito utilizadas e até sinônimos, porém Arendt (2007) nos propõe que se faça distinção entre elas. Por labor a autora relaciona o ato de trabalhar, que está na labuta, numa lógica de estar em curso, na disposição de verbo no gerúndio, está ocorrendo, não comporta a noção de produto final. Por trabalho designa as atividades feitas com as mãos, a noção de produto, trata-se de um trabalho que é apresentado como acabado. Os estudiosos são unânimes ao apresentar que a palavra trabalho deve ser identificada e compreendida ainda nas sociedades ágrafas (sociedade sem escrita), quando ocorreu a passagem das atividades de caça, coleta e pesca à prática da agricultura e na domesticação dos animais. Durante muitos séculos, a moral e a ética do “trabalho” e da “conquista” permaneceram, em grande parte, como um fato circunscrito ao universo rural, ao lavrar e semear a terra, colher e armazenar alimentos, domesticar e tratar animais, construir pontes, moinhos, celeiros, castelos, palácios, igrejas, minerais, metais preciosos, entre outros. As concepções foram alteradas, inclusive as mais antigas, quando reunidas nos livros da Bíblia Sagrada, em que o trabalho não é mais visto como um indício da maldição de Deus a Adão e Eva, com a expulsão do paraíso, sendo que teriam que ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Os gregos distinguiam entre esforço do trabalho na terra, a fabricação do artesão que servia ao usuário, e a atividade livre do cidadão que discutia os problemas da cidade. De modo muito semelhante na Idade Média, trabalhar com as mãos era sinônimo de ser escravo ou servo, um indício de que o indivíduo pertencia aos grupos inferiores da sociedade. A partir da reforma protestante, empreendida pelo teólogo Martinho Lutero (1483-1546), a concepção de trabalho foi profundamente reformulada no TÓPICO 5 | RELAÇÕES DE TRABALHO 143 sentido de que o trabalho, como vocação, conduziria os indivíduos à salvação da alma. João Calvino (1509-1564), teólogo francês, apresentava a noção de que o trabalho, o êxito e a prosperidade material em vida deveriam ser compreendidos como uma forma de conquistar a benevolência de Deus. Ambas as teorias favoreceram o contexto no qual implantavam-se políticas de mercantilismo e capitalismo. O sociólogo Max Weber (1864-1920) defendeu, em seus estudos, que os valores religiosos do protestantismo favoreceram e coincidiam com o espírito do capitalismo, no sentido de que superavam a moral católica de renúncia ao mundo material, do acúmulo de bens financeiros e ao lucro, na vida religiosa de devoção contemplativa e de renúncia ao mundo material. A noção de vocação para o trabalho foi associada também à ideia de amor ao próximo, e quanto mais intensa a atividade profissional, maior a aproximação da salvação. Por outro lado, a falta de vontade de trabalhar passou a ser compreendida como ausência do estado de graça e do não merecimento da salvação de Deus. Assim, estava autorizado que todo indivíduo empreendesse a busca pela riqueza material, podendo realizar grandes ações e assim galgar sua própria salvação. Uma das principais alterações que a modernidade realizou foi a de apropriar-se da concepção positiva de trabalho e mudar o ambiente de realização do mesmo, que do interior das casas ou no interior das corporações de ofício passou a ser realizado em cidades, no interior dos espaços das fábricas. Foi nesta época que surgiram as noções de divisão de trabalho, na qual cada indivíduo, com a fração/parte que desempenha, na sua especialidade, contribui à soma de trabalho coletivo, que por sua vez gera a riqueza de cada nação, o que se tornaria uma espécie de consciência e interesse coletivo e comum a todo indivíduo. É nesse momento que a mudança de percepção da noção de trabalho passa a ocorrer, no sentido de que as pessoas passama trabalhar para poder consumir, e não mais para produzir algo. A partir do século XVIII, os economistas Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823) reforçam os valores de atividades produtivas e de riqueza material, e defendem que o trabalho é o grande responsável pela riqueza social, o que por sua vez supervalorizou a ideia de homem operário, Homo economicus, que produz riqueza, que contribui para que o sistema econômico continue a alcançar seus objetivos e lançar novas possibilidades de investimentos e lucratividade. Foi nesse contexto que o estudioso alemão Karl Marx (1818-1883) defendeu que a essência do homem é o trabalho e não a sua vida espiritual. Passou a observar mais de perto a relação do homem e do trabalho, ao ponto de analisar dimensões peculiares e subjetivas da relação do homem com o trabalho e a mercadoria, e se engajar ativamente em fazer o processo de crítica e denúncia das contradições que envolviam trabalhadores, proprietários dos meios de produção e burgueses comerciantes, abrangendo o sistema capitalista como um todo. 144 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE No entanto, a perspectiva de Marx era a de que o exercício crítico, através da intelectualidade, não era suficiente, para ele o mundo não se transforma com o pensamento e leis, o mundo deveria ser transformado pela práxis, na organização dos trabalhadores e na realização de atos revolucionários. A divisão do trabalho era responsável pela alienação do homem na sociedade capitalista, que por sua vez se revelava em face à perda da totalidade e da dignidade humana. Caberia ao proletariado a responsabilidade pelo ato de fazer a revolução e transformar a sociedade, tomar o poder e abolir a relação capitalista de produção. Em meio ao campo de luta e revoluções, os trabalhadores deveriam estar conscientes de si e de sua classe/categoria e empreender as revoluções que fossem necessárias a fim de desfazer o quadro de desigualdade, injustiças e exploração que o trabalho favorecia. Marx defendia a superação do sistema capitalista pelo comunismo, numa espécie de sociedade associativa em que o livre desenvolvimento individual seria a condição do livre desenvolvimento de todos (MARX; ENGELS, 2010). Segundo Abbagnano (2000), a relação do trabalho com a existência humana passa a ser lugar-comum na cultura contemporânea. Mesmo fora do âmbito marxista, o caráter penoso atribuído ao trabalho não é atribuído ao trabalho em si, mas às condições sociais em que ele é realizado nas sociedades industriais. O trabalho passa a ser visto como parte fundamental da natureza humana. O trabalho é ainda hoje visto como um valor social, sendo o trabalhador um personagem social merecedor de respeito, admiração e dignidade pelas obras que faz a si, a seus familiares e semelhantes. A nova concepção que foi atribuída ao trabalho combina com os valores das mudanças no interior da fabricação de produtos. O homem, reconhecendo que o trabalho não era mais motivo de sofrimento e castigo, mas sim uma atividade que o tornaria socialmente reconhecido, sentiu-se motivado e disposto a se dedicar e doar a fim de preencher as oportunidades e a demanda da manufatura e indústria nascente, bem como o campo das invenções de máquinas e técnicas e o próprio sistema capitalista, que estavam exigindo. Trabalho, geralmente, pode ser definido como atividade coordenada de caráter físico ou intelectual, necessária a qualquer tarefa, serviço ou empreendimento, ocupação, ofício, exercício de profissão. Um aspecto que distingue o trabalho humano do trabalho dos outros animais está no fato de que o trabalho e esforço humanos são atribuídos à intencionalidade, além da operação instintiva e programada que é reconhecida nas atividades dos animais. No homem é percebido o grau de especialização, complexidade, tanto das atividades, como dos meios dos quais ele se utiliza para realizar o trabalho. A produção artesanal, produção familiar em espaços domésticos ou pequenas oficinas, como alfaiates, ceramistas, sapatarias, na qual importa fazer um bom trabalho, um produto único, com maestria e arte de fazê-lo. O trabalhador encontrava-se livre para organizar seu trabalho, a seleção de sua matéria-prima, o começo, a forma, a técnica, o ritmo, os detalhes, o acabamento, a entrega. Não ocorre a distinção de trabalho e lazer, divertimento e cultura, ambos se fundem. TÓPICO 5 | RELAÇÕES DE TRABALHO 145 A Europa viveu seu momento de desenvolvimento industrial ainda no século XIX, na América Latina ocorreu somente na segunda metade do século XX, realidades nas quais o processo de aprimoramento da produção acabou por se modificar, não seguindo a lógica de fases e processos que ocorreram na Europa. O quadro industrial dessa região apresenta-se ora como que ainda na segunda revolução industrial, e ora na produção que se utiliza de tecnologia de ponta e robotização, em especial a migração e empregabilidade no setor de serviços. Ao mesmo tempo, encontram-se inúmeros desafios em termos de dependência em relação a tecnologias e desigualdades no que diz respeito ao acesso ao emprego. No século XIX, pode-se falar que a produção capitalista, que introduziu a máquina a vapor e a modernização dos métodos de produção, desintegrou costumes e introduziu novas formas de organização da vida social. A transição da produção artesanal para a manufatureira e desta para a produção fabril, a migração do campo para a cidade; o fim da servidão; o desmantelamento da família patriarcal; a introdução do trabalho feminino e infantil. A individualização da produção, a programação das atividades, linhas de montagem, produção em série e o consumo em massa (fordismo e taylorismo) almejavam articular o acesso a matérias-primas, à mão de obra, ao fácil escoamento da produção e obter maiores margens de lucros entre os custos e a comercialização da produção, que por sua vez acarretam deslocamentos que desperdiçavam tempo significativo na vida dos trabalhadores, além da produção de poluição e impactos ao meio ambiente. A maquinização e a mecanização da produção conferiram ao trabalhador a percepção da perda do saber fazer, a perda da noção de produtor. Diante disso, o trabalhador se sentiu pressionado a se adaptar para poder operar as máquinas que estavam sendo introduzidas nos espaços de trabalho. A separação, divisão e especialização da produção fizeram com que o produtor não conseguisse mais reconhecer a totalidade do produto depois de pronto. Mudanças da concentração da população em relação às atividades econômicas e oportunidades de trabalho, assim como o trabalho na indústria, acabaram por concentrar a população em determinadas regiões e cidades, tornando-as superpovoadas. O que Marx procurou definir como ‘alienação’ encontrava-se nascente nesses processos, e depois poderia ainda ser verificada em situações como a do consumo dos produtos que estavam sendo produzidos/consumidos, no contexto industrial em que a produção se dava em grande escala e para consumo em massa. Trabalhadores como alfaiates, costureiras, sapateiros, eram os testemunhos mais expressivos desse processo. Diante da reflexão de Arendt (2007), podemos afirmar que, desde o século XIX, o Homo faber foi perdendo sua aura e passou a ser valorizado o “princípio da felicidade”. De fato, o progresso da civilização não produziu uma sociedade de indivíduos políticos ou de trabalhadores que amam seu ofício, e sim uma sociedade de consumidores, de indivíduos isolados e desenraizados, uma cultura 146 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE de massa imersa em futilidade. E a construção da identidade deixou de ser pautada em atividades criativas e produtivas, à medida que o trabalho se tornou apenas um meio de satisfazer necessidades ou desejos de consumo. 3 AS MULHERES NO CONTEXTODA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL As mulheres participaram da produção de utensílios, alimentos e mercadorias desde os tempos mais remotos, que envolviam desde as atividades no interior da casa, família e comunidade. A alimentação, o artesanato e a educação das crianças foram inseridos no interior dos espaços de trabalho com fortes projetos a partir da Revolução Industrial. Os maiores problemas surgem quando as mulheres passam a ser empregadas no interior das indústrias modernas, em meio a longas jornadas de trabalho, com a presença de maquinários, em que os salários pagos às mulheres eram inferiores. A gradual introdução das mulheres no campo de trabalho favoreceu a mudança de hábitos e costumes por parte das mesmas. O fato de trabalhar no interior das fábricas exigia novos comportamentos, posturas e até uma indumentária que favorecesse a realização das atividades e evitasse possíveis acidentes de trabalho. Os vestidos longos e rodados, os chapéus e demais acessórios ofereciam risco de acidentes se usados nos espaços de trabalho em meio às máquinas. As roupas que deveriam ser usadas no interior das indústrias precisavam ser justas, retas e que cobrissem o corpo o máximo possível. A condição e imposição do meio de trabalho foram responsáveis por depreciar a feminilidade, fragilidade e sensibilidade da mulher e favorecer uma postura rígida, tenaz e ereta. Foi neste contexto que a estilista francesa Coco Chanel (1883-1971) começa a projetar roupas com design mais favorável às atividades no interior das fábricas e empresas, nas quais se destacam cortes e precisão geométrica das roupas e modelos ajustados ao corpo, ausentes de babados, volumes, acessórios, entre outros. 1º de Maio: Dia do Trabalhador, Dia do Trabalho ou Dia Internacional dos Trabalhadores Esta data, que é comemorada em diversos países, como Brasil, Portugal, Austrália, Angola, França, Suécia, Moçambique, é resultante de uma greve geral de trabalhadores que ocorreu no ano de 1886, no interior de Chicago, nos Estados Unidos da América. A paralisação foi responsável por envolver diversos parques industriais da cidade. Dentre as causas da paralisação encontrava-se a redução da jornada de trabalho. A presença dos manifestantes na rua se estendeu por diversos dias e acabou por ser reprimida com violência pelas tropas do governo, causando inúmeras mortes. ATENCAO TÓPICO 5 | RELAÇÕES DE TRABALHO 147 A partir dos anos de 1990 o toyotismo, idealizado pelo engenheiro- mecânico Taiichi Ohno (1912-1990), tornou-se tendência no interior dos sistemas produtivos. Esse rearranjo produtivo apresenta, como princípios, a otimização da produção em todas as fases e a integração de todos os setores no interior dos espaços produtivos; no campo deliberativo requer a descentralização da tomada de decisões; produção de itens diferenciados; formação de alianças e redes de atividades empresariais; por parte dos indivíduos requer trabalho em equipe, proporciona a participação nos resultados, subcontratação e exige qualificação constante. 4 O TRABALHO NOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS O homem contemporâneo possui uma relação com o trabalho, que foi instaurada ainda no século XIX e que ganhou desenvolvimento e aprofundamento ao longo do século XX. Trata-se da produção industrial, tecnológica e a prestação de serviços no interior de grandes cidades. O espaço primordial de realização dos indivíduos torna-se o espaço no interior das cidades, os espaços das indústrias e o âmbito público das relações. A era industrial deixou de cumprir sua ‘grande promessa’: fabulosas realizações materiais e intelectuais. O sonho de sermos senhores independentes de nossas vidas terminou quando despertamos para o fato de que todos nos tornamos peças ínfimas da máquina burocrática, com nossos pensamentos, sentimentos e gostos manipulados pelo governo, pela indústria e pelas comunicações de massa que controlam tudo (FROMM, 1987). Uma das questões cruciais de tal processo diz respeito à passagem do regime fordista (século XIX) ao regime chamado de produção toyotista. A técnica tornou cada vez mais fragmentado o processo de trabalho e, consequentemente, independente dos indivíduos, bem como aleatório com quem o faz, em que já não importa como cada um o faz; importa sim que cada indivíduo mantenha-se submetido ao todo, mantenha os laços, as passagens, o fluxo do processo, com o mínimo de interferência criativa, inovação que possa tornar os fluxos ainda mais eficientes. Trabalhar em uma mesma empresa por muitos anos, ser homenageado e receber condecorações de três, cinco, dez, 15, 20 anos de empresa, faz parte da geração anterior à qual nos encontramos e que tende a se tornar cada vez mais raro. Especialmente no ramo do terceiro setor. No interior das grandes organizações descortinam-se tendências à rotatividade, à terceirização, cooperativas de trabalho, atividades autônomas, grupos de voluntariado, economia solidária, entre outras. No panorama atual de sistemas de governos, grupos empresariais e relações de trabalho, cadencia- se a internacionalização dos processos de produção e comercialização e a 148 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE mercantilização/financeirização das relações econômicas e sociais, no sentido de que reforçam o sistema capitalista e o poder do mercado, dimensões em que a noção de competição e propriedade prevalecem como moral e finalidade última, o que por sua vez acaba por fragilizar as estruturas de Estado, as relações sociais e culturais entre os indivíduos. A tecnologia da informação, a descoberta e desenvolvimento de novos materiais, as mudanças e oscilações nas estruturas de mercado e a capacidade de competitividade e as relações intra e interpessoais parecem ser os elementos que mais permeiam as relações de trabalho. No interior dessas novas tendências identifica-se a busca dos indivíduos em vivenciar experiências que aliem trabalho, moradia, realização de projetos pessoais, formação continuada, vivências familiares, sociais e de lazer. 4.1 AS POSSIBILIDADES DO TRABALHO INFORMAL O trabalho informal é o que ocorre nas experiências de trabalho artesanal e prestação de serviços, em que envolve intensa dedicação de mão de obra, de caráter temporário, geralmente apresenta pouco montante de capital envolvido e acaba apresentando acordos à parte das legislações trabalhistas; o que por sua vez acaba não concorrendo como linhas de financiamentos, seja de bancos ou governos; como exemplo, pode-se relacionar as práticas de trabalho no ramo do vestuário e alimentação. Como economia solidária, pode-se entender as atividades que ocorrem de forma coletiva e em estruturas suprafamiliares, articuladas em associações, cooperativas, empresas autogestadas, grupos de produção, clubes de trocas etc., cujos participantes tanto podem ser trabalhadores dos meios urbano e rural. Os envolvidos nas atividades de economia solidária exercem forte controle e gerenciamento das atividades e dos resultados. Realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário. As atividades econômicas devem ser permanentes ou principais, ou seja, a razão de ser da organização. 4.2 RELAÇÕES DE TRABALHO E OS PROCESSOS LEGAIS NO BRASIL O trabalho livre e assalariado ganhou espaço após a abolição da escravidão aplicada aos trabalhadores negros no Brasil em 1888 e com a gradual vinda dos imigrantes europeus. As condições impostas eram ruins, acabaram por gerar no interior do país as primeiras discussões sobre leis trabalhistas. Os imigrantes TÓPICO 5 | RELAÇÕES DE TRABALHO 149 traziam consigo a experiência do movimento operárioe sindical no interior dos países europeus, o que por sua vez favoreceu a estruturação de organizações de trabalhadores, círculos operários, sindicatos e demais frentes de representação. No final do século XIX surgem as primeiras normas trabalhistas, por meio do Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos. Em 1912, foi fundada a Confederação Brasileira do Trabalho (CBT), durante o 4º Congresso Operário Brasileiro. Dentre as causas defendidas pela Confederação estavam: a jornada de trabalho de oito horas, fixação do salário- mínimo, indenização para acidentes, contratos coletivos ao invés de individuais. No cenário internacional do pós-1ª Guerra Mundial, em 1919, surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão internacional que por sua vez impulsionou a formação de um Direito do Trabalho. O surgimento deste órgão, naquele momento histórico, visava intermediar o conflito entre o capital e o trabalho, e que era visto como uma das principais causas dos desajustes sociais e econômicos, inclusive motivadores de guerras. DICAS Caro estudante, procure saber mais sobre a atuação da Organização Internacional do Trabalho-OIT. Trata-se do órgão responsável pelas convenções e recomendações que norteiam as questões relacionadas ao trabalho em nível internacional. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 3 jun. 2015. A política trabalhista brasileira se consolida, de fato, após a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar de Justiça do Trabalho e Direito do Trabalho, assegurando a liberdade sindical, salário-mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas, proteção do trabalho feminino e infantil e igualdade salarial. No Brasil de 1964, com o golpe militar e a instalação da ditadura, ocorreram fortes medidas de repressão à classe trabalhadora, com o Decreto nº 4.330, as intervenções atingiram sindicatos em todo o Brasil. Este decreto é conhecido como a lei antigreve, que impôs tantas regras para realizar uma greve que, na prática, elas ficaram proibidas. Depois de anos sofrendo cassações, prisões, torturas e assassinatos, em 1970 um novo movimento sindicalista se reestrutura no interior do Estado de São Paulo, no chamado ABCD paulista. No ano de 1978 ocorre uma grande greve em 150 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE DICAS Conheça o site do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. Lá você encontrará resoluções sobre o funcionamento das centrais sindicais, leis e convenções ao exercício das profissões, orientações sobre os trâmites contratuais e demissionais, seguro-desemprego, trabalho temporário, políticas de microcrédito, trabalho decente, entre outros. MTE. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/portal- mte/>. Acesso em: 3 jun. 2015. São Bernardo do Campo (SP) e que ganhou aderência de trabalhadores de todo o país. Após o fim da ditadura militar, em 1985, e em meio às mudanças no cenário econômico, com a promulgação da Constituição de 1988, as conquistas dos trabalhadores foram restabelecidas; por exemplo, a Lei nº 7.783/89, que restabelecia o direito de greve e a livre associação sindical e profissional, a aposentadoria rural; Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); Benefício de Prestação Continuada (BPC); Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); bolsa escola e, ulteriormente, bolsa família, entre outros. LEITURA COMPLEMENTAR A TERCEIRIZAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO Grupos de empresários e empregadores apresentam argumentos no sentido de que a geração de emprego formal, e até a abertura de empresas, no Brasil, são dificultadas diante dos custos que as leis trabalhistas acabam acarretando. Alegam que em torno de 67% do salário consiste em tributos, que são pagos ao governo, que procura atender a leis de descanso remunerado, 13º salário, FGTS, adicionais em casos de horas extras, insalubridade e trabalho noturno. E diante deste cenário é que ganham espaço as ideias de terceirização no interior dos postos de trabalho. Terceirização é o processo pelo qual uma empresa deixa de executar uma ou mais atividades realizadas por trabalhadores diretamente contratados e as transferem para outra empresa. A terceirização se realiza de duas formas, não excludentes. Na primeira, a empresa deixa de produzir bens ou serviços utilizados em sua produção e passa a comprá-los de outra – ou outras empresas –, o que provoca a desativação, parcial ou total, de setores que anteriormente funcionavam no interior da empresa. TÓPICO 5 | RELAÇÕES DE TRABALHO 151 A outra forma é a contratação de uma ou mais empresas para executar, dentro da “empresa-mãe”, tarefas anteriormente realizadas por trabalhadores contratados diretamente. Essa segunda forma de terceirização pode referir-se tanto a atividades-fim como a atividades-meio. Entre as últimas podem estar, por exemplo, limpeza, vigilância, alimentação. Tem-se observado também que vem ocorrendo o processo de quarteirização, a contratação de uma empresa pela empresa-mãe, que deverá gerir as relações com o conjunto das empresas terceiras contratadas no interior da mesma. O processo de terceirização da produção e da prestação de serviços no Brasil, e em quase todos os países capitalistas, desenvolveu-se como parte do rearranjo produtivo, iniciado na década de 70 do século XX, a partir da terceira Revolução Industrial, e que se prolonga até os dias de hoje. São mudanças importantes na organização da produção e do trabalho e, no caso específico da terceirização, na relação entre empresas. A adoção deste processo foi intensificada e disseminada no âmbito da reestruturação produtiva que marcou os anos 90. A partir do ano 2000, a economia brasileira iniciou um lento processo de recuperação, com taxas de crescimento positivas, porém o cenário do mercado de trabalho já é o da difusão generalizada da terceirização da mão de obra. Se, inicialmente, as empresas precisaram enxugar os custos para garantir sua sobrevivência, o processo de terceirização não apresentou retrocesso diante da melhora do cenário econômico, tendo permanecido como um elemento fundamental da mudança do processo produtivo e do mercado de trabalho brasileiros. Em nível internacional destaca-se que as atividades mais atingidas pela terceirização, em suas diferentes formas, são aquelas próprias da Tecnologia da Informação (TI), o que inclui o trabalho de programadores, de processamento de dados e de desenvolvimento de softwares. O avanço rápido e constante nesses processos tecnológicos facilita a troca de dados, a execução de projetos e a entrega de produtos, independentemente do local onde o trabalho é executado. A maior preocupação constatada a partir das fontes de informação sobre os Estados Unidos é a possibilidade de demissão em massa de trabalhadores americanos qualificados em decorrência de processos de terceirização nos quais as contratantes são empresas americanas. Nesse caso, o mais comum tem sido a adoção do international outsourcing (compra do componente ou serviço em outro país), do offshoring (realocação da empresa em outro país) ou ainda do on-site offshoring (contratação de trabalhadores estrangeiros imigrantes ou de trabalhadores em seus países de origem). Os países europeus, quando comparados com os Estados Unidos, demandam menos serviços terceirizados e adotam algumas barreiras culturais que dificultam a transferência de atividades de um país para outro. Dentre os setores mais vulneráveis à terceirização no continente,tem-se que a maioria está relacionada à área de TI, que atuam nos ramos de 152 UNIDADE 2 | POLÍTICA, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO: OS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE desenvolvimento de softwares, processamento de dados, vendas, serviços de atendimento ao cliente, pesquisa, desenvolvimento e designs, finanças, recursos humanos e gerenciamento. Estima-se que os trabalhadores indianos da área de computação, por exemplo, recebam entre 1/5 e 1/10 do que é pago a um americano pela mesma função. No Brasil os ramos de atividades que mais registram processos de terceirização são o setor público, no interior das unidades de governo, o setor financeiro, como bancos, os setores elétrico, químico, de petróleo e petroquímico e da construção civil. Diante das formas mais explícitas de precarização das condições de trabalho e de vulnerabilidade da condição do trabalhador que resultam dos processos de privatização, tem-se um novo relacionamento sindical entre empregador e empregado, que aponta a desmobilização dos trabalhadores para reivindicações e greves, eliminação das ações sindicais e trabalhistas que reclamam pelos direitos sociais. Texto adaptado de DIEESE. Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos. O processo de terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil. Convênio SE/MTE nº 04/2003, Processo nº 46010.001819/2003-27. FONTE: Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/ Prod03_2007.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2015. 153 RESUMO DO TÓPICO 5 Neste tópico, você aprendeu que: • A palavra trabalho tem origem nas práticas e atividades das mais antigas sociedades, comporta muitas diferenças de escrita, em especial na forma como as sociedades concebiam e ao valor moral que atribuíram à mesma. • No interior da forma de produção artesanal o trabalhador detém o conhecimento de todas as fases de produção, pode atender à vontade pessoal de quem procura pelo produto, o produto consiste em um exemplar único e o artesão acompanha também o processo de comercialização do produto. • No interior do processo de produção de forma manufaturada se dá a especialização e divisão de funções, a produção passa a ocorrer fora do local de moradia dos responsáveis pela produção, o que por sua vez favorece os primórdios das grandes indústrias. • No interior dos modos organização industrial do século XVIII e XIX prevaleceram os modelos fordista e taylorista, que se caracterizam pelo perfil de produção organizada em linhas de produções, em série e consumo em grande escala, e obedecem à organização e administração científica. • O toyotismo consiste numa forma de organização no interior de empresas e processos produtivos que contempla a descentralização do poder e formação de redes de trabalho, a diferenciação da produção, forte controle da produção e qualificação constante dos trabalhadores. • A terceirização pode ocorrer de diferentes formas: pela contratação de uma empresa que subcontrata trabalhadores para exercer funções no interior de uma empresa-mãe, como também quando uma empresa passa a comprar parte dos processos e dos produtos de outra empresa para compor o seu produto final. 154 1 Karl Marx (1818-1883), pensador alemão que se dedicava a denunciar as contradições no interior do sistema capitalista, ao longo de sua vida precisou mudar-se por diversas vezes de país, pois o teor de suas ideias acabava por lhe render inimigos de forte influência e poder político. Além disso, também passou por problemas com renda, sendo socorrido pelo amigo e colega/escritor F. Engels. Pergunta-se: no que consistiam as principais ideias e teorias de Marx? I- A ideia principal estava em explicar, denunciar e combater as contradições que estavam disfarçadas e camufladas no interior do regime comunista. II- Argumentava que a divisão do trabalho era responsável por alienar o trabalhador, assim como, por lhe extorquir a sua dignidade. III- Defendia que estaria única e exclusivamente nas mãos do proletariado conduzir a revolução que substituiria o capitalismo pelo comunismo. IV- As teorias de Marx apresentavam que o proletariado deveria fazer a revolução e transformar a sociedade, tomar o poder e abolir a relação capitalista de produção. Agora, assinale a alternativa correta: a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas. b) ( ) Somente as sentenças III e IV estão corretas. c) ( ) Somente as sentenças II e III estão corretas. d) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas. 2 (ENADE – 2014) O debate sociológico acerca das novas relações de trabalho e consumo no capitalismo se intensificou desde a segunda metade do século XX, especialmente a partir de um novo modelo de acumulação, marcado pela “flexibilização dos processos produtivos”. Como aponta David Harvey a este respeito, a acumulação flexível “é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo”. E, ainda, mais importante do que isso é a redução aparente do emprego regular, em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. FONTE: HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. De acordo com a afirmação acima, a acumulação flexível: I- Gerou cada vez mais trabalho especializado, responsável pelo aumento da racionalidade do processo produtivo. II- Pode ser considerada uma expansão do princípio fordista de produção. III- Aumentou a precarização das relações de trabalho no capitalismo contemporâneo. AUTOATIVIDADE 155 IV- Implica crescente heterogeneidade dos mercados de trabalho e dos padrões de consumo. É correto apenas o que se afirma em: a) ( ) I e II. b) ( ) I e III. c) ( ) II e III. d) ( ) II e IV. e) ( ) III e IV. 157 UNIDADE 3 POLÍTICAS PÚBLICAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • conhecer e analisar as principais características das políticas públicas do Brasil; • refletir sobre a organização do sistema educacional brasileiro; • caracterizar os pilares de alicerce do desenvolvimento sustentável; • refletir sobre o contexto de desenvolvimento sustentável; • retratar as ferramentas de gestão socioambiental para a sustentabilidade; • conhecer as ações nacionais de segurança e defesa pública; • refletir sobre como o aumento populacional e o avanço tecnológico impac- tam sobre os ecossistemas; • perceber a importância do sistema de transportes no desenvolvimento econômico do país; • conhecer as políticas nacionais para a habitação e o saneamento; • identificar os modos de vida urbano e rural, sua organização social, seme- lhanças e diferenças e sua interdependência; • destacar as características que identificam o meio urbano e o meio rural. Esta unidade está dividida em sete tópicos. No decorrer da unidade você en- contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO TÓPICO 2 – POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE TÓPICO 3 – HABITAÇÃO E SANEAMENTO TÓPICO 4 – TRANSPORTES E SEGURANÇA TÓPICO 5 – POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA EM ÂMBITO NACIONAL TÓPICO 6 – VIDA RURAL, URBANA E ECOLOGIA TÓPICO 7 – MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 158 159 TÓPICO 1 POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Quando falamos em políticas públicas, estamos nos referindo aos direitos e deveres do Estado para com as pessoas que compõem a sociedade e, assim como o Estado, gozam de seus direitos civis e políticos. Estamos também sujeitos ao conjunto de normas jurídicas e sociais, formando assim um marco regulatório previamente fixado no que diz respeito à distribuiçãoharmônica dos elementos que formam os direitos, deveres e responsabilidades em prol do desenvolvimento educacional, econômico e social. A vida em sociedade está ligada à política e não há ação social sem ação política, quer seja promovida pelo Estado ou pela sociedade (RAMOS, 2014). 2 POLÍTICA PÚBLICA ATUAL O termo política possui várias definições, as quais denotam a organização e o estudo das ações a serem realizadas para o bem-estar da população. Percebemos que a política é algo complexo, mas que se bem administrado ou exercido, poderá ter efeitos positivos junto à população. As primeiras reflexões sobre o que é política surgiram na Grécia antiga, com os filósofos, a quem eram atribuídos os dons do pensamento, das ideias e, consequentemente, do conhecimento. Pode-se citar Sócrates e dois de seus principais sucessores, Platão e Aristóteles, como sendo os primeiros a tratarem das questões da ética e da política. A Grécia era considerada o berço da democracia, ainda que nem todos os seus iluminados viam no modelo democrático a melhor maneira de conduzir o povo. Ao aproximar-se das leituras sobre a vida e obra desses pensadores, percebe-se, por conclusão, que para eles a solução para os problemas da sociedade deve passar, necessariamente, pela educação. Passados mais de dois mil anos, continua-se lutando pelos mesmos direitos à igualdade e combatendo- se os mesmos problemas relacionados à ética e à moral, sem as quais não se exercita a verdadeira política (RAMOS, 2014, p. 9). Portanto, “o cotidiano (político) é construído por aqueles que interagem nesse contexto. Fazer política é interagir nos acontecimentos e participar criticamente da sua história” (RAMOS, 2014, p. 9). “A política sempre está ligada ao exercício do poder em sociedade, seja em nível individual, quando se trata das ações de comando, seja em nível coletivo, UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 160 quando um grupo (ou toda sociedade) exerce o controle das relações de poder em uma sociedade” (SANTOS, 2012, p. 2). Assim, as políticas públicas são de responsabilidade do Estado, com base em organismos políticos e entidades da sociedade civil, que derivam de normatizações, ou seja, se estabelece um processo de tomada de decisões – nossa legislação. Ao iniciarmos nossos estudos sobre a organização da educação no Brasil, precisamos ter em mente que a educação é intencional, principalmente no que diz respeito ao sistema escolar. Os atores que permitem discussões sobre um determinado problema da sociedade são: a sociedade civil organizada; os servidores públicos e os políticos. As etapas ou fases do processo da política distinguem-se de acordo com o entendimento de cada autor, mas comumente podem se classificar como: • Identificação do problema: é a primeira etapa e consiste na identificação, ou levantamento do problema a ser considerado como foco da política pública. • Agenda: é a etapa em que se definem os focos de atuação do governo. É o conjunto de problemas e demandas que comporão o plano de ação. A formação da Agenda de Governo consiste numa fase tumultuada e competitiva, com os envolvidos dedicados na conquista de espaço para os interesses que defendem. • Tomada de decisão: adoção da política, em consenso (de comum acordo), as partes decidem sobre os diversos aspectos, ou focos, que a política abrangerá. • Implementação: é a etapa em que as decisões deixam de ser intenções e passam a ser intervenções na realidade. • Monitoramento, Avaliação, Ajustes: são etapas de acompanhamento do processo de formulação/elaboração da política, oferecendo informações para possíveis ajustes na direção dos resultados esperados (RAMOS, 2014, p. 14-15). Com base nesses argumentos, a educação no contexto brasileiro está prevista, é regida (legislada) por normas jurídicas que compelem os cidadãos e o poder público a cumpri-las. De acordo com Motta (1997, p. 75), a educação é a: [...] manifestação cultural que, de maneira sistemática e intencional, forma e desenvolve o ser humano. [...] A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial que a criança, particularmente, se destina. Estes princípios e fins aparecem no texto da Constituição Federal de 1988 e posteriormente são reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases - LDB, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, direcionando a educação brasileira, e que em seu Art. 2˚ trata “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional” (BRASIL, 1996). Desta forma, a LDB 9.394/96 regulamentou o que foi tratado sobre educação na Constituição Federal abordando a educação escolar. O Título V trata dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino; em seu Capítulo I, demonstra TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 161 a composição dos níveis escolares, formada pela Educação Básica; Educação de Jovens e Adultos; Educação Profissional; Educação Superior e Educação Especial. Educação Básica é formada de três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Conforme a LDB, são finalidades da Educação Básica ‘[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores’ (art. 22). As modalidades importam em atendimentos afeitos a peculiaridades que podem dizer respeito a uma população específica ou a objetivos de formação mais especializada ou complementar. No primeiro caso, encontramos a educação de jovens e adultos e a educação especial. No segundo caso, a educação profissional. A educação de jovens e adultos (EJA) enseja a escolarização daqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental ou Médio. Contempla cursos de EJA e exames supletivos. Os cursos e os exames são acessíveis para estudantes maiores de 15 anos (Ensino Fundamental) e de 18 anos (Ensino Médio). A educação especial destina-se aos educandos portadores de necessidades especiais e deve estar contemplada em todas as etapas da educação. A legislação estabelece a sua oferta preferencial na rede regular de ensino e em classes comuns, embora possibilite a oferta desta modalidade em classes e escolas especiais. Pode-se identificar a inserção da educação profissional na Educação Básica de três modos: ensino técnico - concomitante, integrado ou sequencial ao Ensino Médio, inclusive EJA; formação inicial e continuada de trabalhadores articulada ao Ensino Fundamental ou Médio, inclusive EJA; preparação básica para o trabalho no Ensino Fundamental e Médio, inclusive EJA (FARENZENA, 2010). Como podemos ver, a preocupação em fortalecer a educação como um direito, um currículo integrado, é o ponto de partida para assegurar os direitos fundamentais da sociedade. Para que essa proposta ocorresse na educação brasileira tivemos mudanças significativas, principalmente a partir da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394, de 1996, que marcou a educação e fez com que gerasse muito investimento, tanto no sentido intelectual, como financeiro. Um dos princípios da LDB é a valorização do profissional da educação escolar, a qual defende que: A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I– a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências detrabalho; II– a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III– o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades (BRASIL, 1996, art. 61). A partir daí, muitos acordos e reformas foram realizados na educação, priorizando a qualidade da mesma. O Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 indica algumas diretrizes que demonstram esse interesse, enfatizando a melhoria da qualidade de ensino, a formação para o trabalho, a valorização UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 162 dos profissionais da educação, entre outras que indiretamente também enfocam a formação docente. Dentre as 20 metas traçadas do PNE para até 2020, seis (da 13 até a 18) pretendem aumentar a qualidade do ensino com base na formação inicial e principalmente continuada, em diferentes níveis. AUTOATIVIDADE (IFRN – Concurso Público – Grupo Magistério – Políticas e Gestão Escolar 2012) A concepção curricular que articula o Ensino Médio à formação técnica, além de estabelecer o diálogo entre os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais, humanísticos, habilidades relacionadas ao trabalho e de superar o conceito da escola dual e fragmentada, pode representar, em essência, a quebra da hierarquização de saberes e colaborar, de forma efetiva, para a educação brasileira como um todo, no desafio de construir uma nova identidade para essa última etapa da educação básica. A proposta curricular a que esse enunciado se refere é: a) ( ) Currículo integrado. b) ( ) Currículo tecnicista. c) ( ) Currículo tradicional. d) ( ) Currículo profissionalizante. Para atualizar a temática da Educação em nosso país, a leitura a seguir trata dos trâmites da implantação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Assim, com o objetivo de efetivar a implantação do SNE, o Decreto de 26 de abril de 2017, da Presidência da República, convoca a 3ª Conferência Nacional de Educação, prevista para ocorrer em Brasília no ano de 2018, conforme detalhes do texto a seguir. [...] O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, DECRETA: Art. 1º Fica convocada a 3ª Conferência Nacional de Educação - CONAE, a ser realizada na cidade de Brasília, Distrito Federal, com o tema "A Consolidação do Sistema Nacional de Educação - SNE e o Plano Nacional de Educação - PNE: monitoramento, avaliação e proposição de políticas para a garantia do direito à educação de qualidade social, pública, gratuita e laica". § 1º A União, sob a orientação do Ministério da Educação - MEC e observado o disposto no art. 8º da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, promoverá a realização da CONAE, a ser precedida de conferências municipais, distrital e estaduais, articuladas e coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação - FNE, nos termos do art. 6º da Lei nº 13.005, de 2014. § 2º A etapa nacional da 3ª CONAE, a ser realizada em 2018, será precedida pelos seguintes eventos: I- conferências livres, a serem realizadas no ano de 2017; II- conferências municipais ou intermunicipais, a serem realizadas até o final do segundo semestre de 2017; e III- conferências estaduais e distrital, a serem realizadas até o final do segundo semestre de 2018. TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 163 Art. 2º As conferências nacionais de educação serão realizadas com intervalo de até quatro anos entre elas, com o objetivo de avaliar a execução do PNE vigente e subsidiar a elaboração do PNE para o decênio subsequente. Art. 3º São objetivos específicos da CONAE: I- acompanhar e avaliar as deliberações da CONAE de 2014, verificar seus impactos e proceder às atualizações necessárias; II- avaliar a implementação do PNE, com destaque específico ao cumprimento das metas e das estratégias intermediárias, sem prescindir de uma análise global do plano e; III- avaliar a implementação dos planos estaduais, distrital e municipais de educação, os avanços e os desafios para as políticas públicas educacionais. Art. 4º O tema central da 3ª CONAE será dividido nos seguintes eixos temáticos: I- O PNE na articulação do SNE: instituição, democratização, cooperação federativa, regime de colaboração, avaliação e regulação da educação. II- Planos decenais e SNE: qualidade, avaliação e regulação das políticas educacionais. III- Planos decenais, SNE e gestão democrática: participação popular e controle social. IV- Planos decenais, SNE e democratização da Educação: acesso, permanência e gestão. V- Planos decenais, SNE, Educação e diversidade: democratização, direitos humanos, justiça social e inclusão. VI- Planos decenais, SNE e políticas intersetoriais de desenvolvimento e Educação: cultura, ciência, trabalho, meio ambiente, saúde, tecnologia e inovação; VII- Planos decenais, SNE e valorização dos profissionais da Educação: formação, carreira, remuneração e condições de trabalho e saúde. VIII- Planos decenais, SNE e financiamento da educação: gestão, transparência e controle social. Art. 5º As diretrizes gerais e organizativas para a realização da CONAE serão elaboradas pelo MEC e coordenadas pelo FNE, observado o disposto no art. 8º da Lei nº 13.005, de 2014 [...] (Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 - 27/04/2017, Página 19). Conforme a leitura anterior, observa-se que em 2017 deveria ter ocorrido Conferências Municipais e Intermunicipais com o tema: “A consolidação do Sistema Nacional de Educação – SNE e o Plano Nacional de Educação – PNE, voltado para o monitoramento, avaliação e proposição de políticas para a garantia do direito à educação de qualidade social, pública, gratuita e laica”. Assim, as conferências municipais deveriam discutir e fornecer subsídios sobre a efetivação da implantação SNE e do PNE, em preparação às conferências estaduais e a Nacional, prevista para o ano de 2018. No entanto, devido ao turbulento momento político enfrentado no Brasil, apenas duas capitais (Belo Horizonte/MG e São Paulo/SP) realizaram o evento naquele ano, e dois terços das capitais brasileiras não tem sequer a previsão de data para organizá-las. UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 164 NOTA Até a conclusão deste livro, em janeiro de 2018, a última atualização sobre a implantação do Plano Nacional de Educação, prevista pelo Projeto de Lei Complementar PLP 413/2014, foi o Parecer do Relator, Dep. Glauber Braga (PSOL-RJ), pela aprovação deste, e do PLP 448/2017, apensado, como substitutivo. O parecer foi apresentado em 22/ dez./2017 à Comissão de Educação. Portanto, o projeto encontra-se ainda em tramitação no Congresso Nacional. Para acompanhar a tramitação na íntegra, acesse: <http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=620859>. Maiores informações também estão disponíveis no site do MEC: <http://pne.mec.gov.br/sistema-nacional-de-educacao>. CNTE defende a instituição do SNE de forma articulada entre os entes federados A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou em setembro (2017), a nota pública: Análise do documento da SASE/MEC sobre Sistema Nacional de Educação. O documento analisa o texto — Instituir um Sistema Nacional de Educação: agenda obrigatória para o país — disponibilizado pelo Ministério da Educação (MEC), em junho para amplo debate nacional. Na nota, a entidade posiciona-se em acordo com vários pontos do texto apresentado pelo MEC, pelo fato do seu conteúdo exprimir conceitos referendados nas duas Conferências Nacionais de Educação (CONAEs), e por absorver propostas das entidades educacionais, como a CNTE, apresentadas ao longo do processo históricodo debate sobre o Sistema Nacional de Educação (SNE). Para a Confederação, as graves fragilidades resultantes da ausência de um SNE estão em destaque no documento, como: I) ausência de referenciais nacionais de qualidade, capazes de orientar a ação supletiva para a busca da equidade; II) a descontinuidade de ações; III) a fragmentação de programas; e IV) a falta de articulação entre as esferas de governo são fatores que, de fato, não contribuem para a superação das históricas desigualdades econômicas e sociais do país. A CNTE entende que o texto do MEC reafirma a educação como um direito inalienável e que realiza um diagnóstico dos avanços e desafios para garantia desse direito, num contexto histórico e político, apresentando uma proposta de instituição do SNE realizado por um conjunto articulado de quatro dimensões, levando a uma nova forma de organização da Educação Nacional: alterações na Lei de Diretrizes e Bases; regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal (CF) ou a Lei de Responsabilidade Educacional; adequação das regras de financiamento e dos sistemas de ensino às novas regras nacionais instituição do SNE. Para o presidente da entidade, Roberto Franklin de Leão, o Brasil possui leis que estruturam o sistema, como a lei que estipula o piso nacional salarial dos professores e a própria LDB. Destaca que precisamos de mais uma legislação nacional para organização da educação nacional, a fim de que as políticas sejam mais orgânicas, como é o SNE, que "respeita a diversidade e as diferenças do TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 165 federalismo brasileiro, considerando a qualidade e distanciando-se da centralização da gestão da educação". Entretanto, mesmo em consenso sobre vários pontos apresentados no documento do MEC, a CNTE reafirma a necessidade de um olhar especial na regulamentação do Custo Aluno-Qualidade e do piso salarial dos profissionais da educação, conjugada com as diretrizes nacionais de carreira; na autonomia das escolas e de seus profissionais; no aperfeiçoamento e fortalecimento dos espaços de participação; no estabelecimento de critérios para as ações distributivas e supletivas da União e dos estados, via regulamentação do art. 23, V, da CF; na regulamentação das receitas para a educação e na definição das normas vinculantes para a organização dos sistemas de ensino. Redação SASE/MEC com informações da CNTE. FONTE: Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/mais-destaques/410-cnte-defende-a- instituicao-do-sne>. Acesso em: 7 dez. 2017. Outro documento importante são os Parâmetros Curriculares Nacionais. Sua história começa a partir da década de 1980, com as mudanças econômicas e sociais de nível mundial e a abertura da política nacional. A partir desse momento, as discussões políticas passaram a privilegiar o tema da democracia. Com base nesse tema, as reflexões propiciaram a instauração e consolidação de um governo e de um regime democrático. Em decorrência dos debates e dada a importância da democracia, a Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, institui o Estado Democrático de Direito, regulamentado pela Constituição da República Federativa do Brasil, denominada Constituição Cidadã. Ela estabelece como princípios fundamentais: “I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político” (BRASIL, 1988, Título 1). FIGURA 22 – CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com/upload/conteudo _legenda/8e426990caf5533da936acd858c65f32.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2017. UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 166 O artigo 5º dispõe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988, Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Desse modo, no artigo 6º, são indicados os direitos dos cidadãos; constam como “direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, Capítulo II - Dos Direitos Sociais). A defesa do exercício da cidadania na escolarização está deliberada no artigo 205: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Para a disseminação da educação cidadã, outros documentos são produzidos a partir de reuniões e pactos mundiais, como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em Jomtien – Tailândia. Em 1990, reuniram-se representantes dos seguintes países: Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia, para discutir sobre a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, considerando que todo cidadão tem direito à educação, e ainda, que a educação favoreça “o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e cooperação internacional” (UNESCO, 1998, s.p.). Para suprimir os problemas da educação, melhorar a qualidade e disponibilidade, a Declaração traça objetivos como medidas necessárias à educação para todos. Assim, os países citados comprometeram-se em cooperar e responsabilizar-se com as metas construídas. A partir desse documento, cada país construiu planos e metas para alcançar os objetivos educacionais. Você imagina quais foram as metas traçadas no encontro mundial que resultou na Declaração Mundial sobre Educação para Todos? As finalidades traçadas são: 1 Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; 2 Expandir o enfoque; 3 Universalizar o acesso à educação e promover a equidade; 4 Concentrar a atenção na aprendizagem; 5 Ampliar os meios de e o raio de ação da educação básica; 6 Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; 7 Fortalecer as alianças; 8 Desenvolver uma política contextualizada de apoio; 9 Mobilizar os recursos; e 10 Fortalecer a solidariedade internacional (UNESCO, 1998). ATENCAO TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 167 Ao encontro desse documento, o governo brasileiro inicia discussões a respeito da educação nacional e a construção de políticas de educação, que discorrem sobre a atualização de processos formativos, processos de avaliação, a formação docente, a relação aluno-professor, a gestão escolar, o currículo escolar e a criação de projetos, de reformas e de planos. O PCN é um documento norteador formulado a partir dessas políticas de educação. Assim, em 1995, a elaboração dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais é iniciada, sendo concluída somente em 1997, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Fique atento, acadêmico, ao estudo desse documento, pois as políticas de educação têm objetivos traçados, como toda a prática docente possui. O objetivo dos PCN (BRASIL, 1997a) é estabelecer à equipe pedagógica uma referência curricular e apoio na elaboração do currículo e do projeto pedagógico. Conforme os PCN, esse documento é o resultado de um trabalho que contou com a participação de um grupo de especialistas ligado ao Ministério da Educação (MEC), produzido a partir de estudos e do contexto das discussões pedagógicas atuais, no decurso de seminários e debates com professores que atuam em diferentes graus de ensino. FIGURA 23 – CONSTRUÇÃO DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – PCN FONTE: Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/bibliot eca/portugues/img/0056.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2017. O documento dos PCN consiste em uma referência nacional para o Ensino Fundamental e Médio. Sua elaboração é de primeiro nível de concretização curricular, seguido de propostas curriculares dos Estados e municípios,que poderão ser utilizadas como recurso para adaptações ou elaborações curriculares realizadas pelas Secretarias de Educação (BRASIL, 1997a). O texto dos PCN tem função definidora do currículo mínimo, orienta práticas pedagógicas e organiza a estrutura escolar. Estabelece o plano curricular indicando conteúdos, objetivos, práticas educativas e sugestões de avaliação. UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 168 Como é um documento de nível nacional, tenta abranger e ter aplicabilidade em todo o território nacional, de maneira homogênea (BARBOSA; FAVERE, 2013). Os PCN do Ensino Fundamental, do primeiro ao nono ano, são compostos de módulos divididos em: Volume 1: Introdução; Volume 2: Língua Portuguesa; Volume 3: Matemática; Volume 4: Ciências Naturais; Volume 5: História e Geografia; Volume 6: Arte; Volume 7: Educação Física; Volume 8: Apresentação dos Temas Transversais e Ética; Volume 9: Meio Ambiente e Saúde; e Volume 10: Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Já os PCN do Ensino Médio são assim distribuídos: Bases legais; Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias; Ciências humanas e suas tecnologias. NOTA Caro acadêmico, a Educação Infantil também tem documentos norteadores do currículo, que são: Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil – RECNEI e Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. O primeiro documento pretende orientar o professor, além de discutir conceitos importantes como educar e cuidar, entre outros. O RECNEI está dividido em unidades, que são: Introdução, Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo, Identidade e Autonomia das crianças e Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Já o segundo documento está disponível em dois volumes e apresenta recomendações para promover a igualdade de oportunidades educacionais. Para conhecer melhor os documentos, respectivamente, acesse: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf>; <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf>. Uma das preocupações centrais dos PCN é o tema da cidadania, da formação cidadã. Mais do que o ensino de conteúdos básicos, hoje, na escola, a aprendizagem da cidadania é legitimada e indispensável. A disseminação dessa aprendizagem transita em documentos oficiais, em autores que escrevem sobre educação e em projetos pedagógicos das escolas. Os PCN defendem que o fundamento da sociedade democrática é reconhecer o sujeito de direito (BRASIL, 1997b). Com base na Constituição de 1988 e na LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem uma educação comprometida com a cidadania, sendo pautados em princípios que devem orientar a educação escolar: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e corresponsabilidade pela vida social. Conforme os PCN, “a educação para a cidadania requer, portanto, que TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 169 questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos” (BRASIL, 1997b, p. 25). Os conteúdos dos PCN, de acordo com Barbosa (2000, p. 71), partem: do princípio de que os conteúdos de ordem cognitiva veiculados pela escola – de forma fragmentada, em razão da especialização do conhecimento de cada área – não seriam suficientes para atender às demandas da atualidade em relação ao perfil ideal do novo homem, para que este homem pudesse inserir-se no mundo do trabalho, exercer a sua cidadania e participar na construção do bem comum. A educação deveria voltar-se, a partir de então, para a formação integral dos alunos. Foi, assim, proposta a ampliação da concepção de conteúdo escolar, que deveria agora incorporar o ensino de hábitos, atitudes, valores, normas e procedimentos que pudessem contribuir para o desenvolvimento e socialização dos alunos. A inclusão dos temas transversais é um assunto novo, possível na sociedade atual, visando uma nova formação comparada a formações anteriores, trazendo assuntos de fora, da sociedade, para dentro da escola. Assim, além de objetivos cognitivos, os PCN traçam objetivos morais e atitudinais. Os PCN foram elaborados com a contribuição de um professor espanhol, César Coll. A proposta brasileira pretendeu implantar uma reforma curricular, dar direcionamento ao trabalho do professor, bem como o que se deve esperar do aprendizado do aluno, ou seja, o que deve conter no currículo escolar (BARBOSA; FAVERE, 2013). Os PCN pretendem atender às deliberações da Constituição Federal de 1988 e assim fixar conteúdos mínimos para o ensino, construindo uma formação básica e respeitando as especificidades regionais. Citando Barreto (2000, p. 35), “o governo federal passa pela primeira vez, em meados dos anos noventa, a fazer ele próprio prescrições sobre currículo, que vão muito além das normas e orientações gerais que caracterizaram a atuação dos órgãos centrais em períodos anteriores”. Com o intuito de transformar a realidade educacional, o documento defende que “faz-se necessária uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes” (BRASIL, 1997a, p. 27). A intenção dos PCN é que o professor tenha um auxílio em sua ação de reflexão sobre o cotidiano da prática pedagógica, que continuamente esse cotidiano transforma-se e exige novas competências docentes. Nesse sentido, com esse documento se prevê que seja possível: - rever objetivos, conteúdos, formas de encaminhamento das atividades, expectativas de aprendizagem e maneiras de avaliar; - refletir sobre a prática pedagógica, tendo em vista uma coerência com os objetivos propostos; UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 170 - preparar um planejamento que possa de fato orientar o trabalho em sala de aula; - discutir com a equipe de trabalho as razões que levam os alunos a terem maior ou menor participação nas atividades escolares; - identificar, produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais significativos de aprendizagem; - subsidiar as discussões de temas educacionais com os pais e responsáveis (BRASIL, 1997a, p. 12). A proposta apresentada pelos PCN não tem uma concepção rígida de currículo; é flexível, com o objetivo de considerar a diversidade brasileira e respeitando a autonomia do professor e equipe pedagógica. Acadêmico, apresentamos aqui uma imagem disponibilizada em outro documento importante do MEC, “Ensino Fundamental de Nove anos”, que contribui para percebermos a organização desse nível de ensino: FIGURA 24 – ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2017. Ensino Fundamental Anos Iniciais Anos Finais 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano A figura acima nos indica uma organização que atualmente deve ser planejada em seu conjunto, ou seja, projetando essa prática para o trabalho do professor, em que “esta é uma oportunidade preciosa para uma nova práxis dos educadores, sendo primordial que ela aborde os saberes e seus tempos, bem como os métodos de trabalho, na perspectiva das reflexões antes tecidas” (BRASIL, 2004, p. 18). Assim, temos que dar continuidade na definição e redefinição das práticas e das ações, que devem ser realizadas com a mesma rapidez e complexidade com que ocorre o processo de transformação, não só no Brasil, mas em escala mundial. A importância que adquirem, nessa nova realidade mundial, a ciência e inovação tecnológica tem levado os estudiosos a denominar a sociedade atual de sociedade do conhecimento, sociedade técnico-informacional ou sociedade tecnológica, o que significa que o conhecimento, o saber e a ciênciaassumem papel muito mais destacado do que anteriormente. Na atualidade, as pessoas aprendem na fábrica, na televisão, na rua, nos centros de informação, nos vídeos, no computador, e cada vez se ampliam os espaços de aprendizagem (LIBÂNEO, 2012, p. 62-64, grifos do autor). TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 171 A instituição escolar já não é considerada o único meio ou o meio mais eficiente e ágil de socialização dos conhecimentos técnico-científicos e de desenvolvimento de habilidades cognitivas e competências sociais requeridas para a vida prática. A tensão em que a escola se encontra não significa, no entanto, seu fim como instituição socioeducativa ou o início de um processo de desescolarização da sociedade. Indica, antes, o início de um processo de reestruturação dos sistemas educativos e da instituição tal como a conhecemos. A escola, hoje, precisa não apenas conviver com outras modalidades de educação não formal, informal e profissional, mas também, articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidadãos mais preparados e qualificados para um novo tempo. Para isso, o ensino escolar deve contribuir para: a) Formar indivíduos capazes de pensar e aprender permanentemente (capacitação permanente) em um contexto de avanço das tecnologias de produção e de modificação da organização do trabalho, das relações contratuais capital/trabalho e dos tipos de empregos. b) Prover formação global que constitua um patamar para atender à necessidade de maior e melhor qualificação profissional, de preparação tecnológica e de desenvolvimento de atitudes e disposições para a vida numa sociedade técnico-informacional. c) Formar cidadãos éticos e solidários. Assim, pensar o papel da escola nos dias atuais sugere levar em conta questões relevantes. A primeira, e talvez a mais importante, é que as transformações mencionadas representam uma reavaliação que o sistema capitalista faz de seus objetivos. No entanto, quando o autor Libâneo (2012) faz o alerta de que o ensino escolar deve contribuir para formar indivíduos capazes de pensar e aprender permanentemente dentro do contexto tecnológico e das relações capital/trabalho, poderia, aí, ser acrescentado o termo “harmonização das relações trabalhistas”. O que quer dizer que a educação pode e deve ter uma relação próxima e significativa com o capitalismo, uma vez que o desenvolvimento educacional deixou de ser estável, isto é, com hora e local predeterminados. Hoje, a informação e o conhecimento não têm fronteira, eles estão em toda parte, principalmente nas organizações produtoras de bens e serviços. Ainda segundo o autor, “a escola deixou de ser o único meio de socialização do conhecimento”. Seguindo a mesma linha de raciocínio com relação ao capital/trabalho, Liedke (2002, p. 345-346) afirma que: No limiar do século 21, os avanços da tecnologia microeletrônica e da racionalização das técnicas organizacionais do processo de trabalho, orientados por conceitos como produção flexível, produção enxuta e especialização flexível, em um contexto de competição capitalista global, colocam em xeque a centralidade do trabalho. Decorridos três séculos de predomínio da sociedade industrial, o trabalho passa a assumir um conteúdo crescentemente intelectual, em contraposição ao conceito de trabalho físico, manual. Aumenta a importância da informação, do trabalho imaterial, em contraposição ao conceito convencional de trabalho, centrado na ideia de transformação da natureza. Para alguns UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 172 estudiosos, teria chegado o momento, na história da humanidade, de separarem-se, novamente, os conceitos de trabalho, emprego e identidade social e individual. Outras formas de socialização, de construção das identidades sociais e individuais deverão voltar-se para atividades de cunho comunitário, como escolas, clínicas, clubes de bairro, manutenção de infraestrutura nas cidades, envolvendo várias formas de trabalho voluntário (KUMAR, 1985: CACCIAMALI, 1996). Estudos recentes apontam para a importância de políticas voltadas ao estímulo das atividades intensivas em mão de obra, ao mesmo tempo em que defendem a necessidade de diminuição da jornada de trabalho semanal (MATTOSO, 1996; ANTUNES, 1996). Mais do que simples especulação, os desafios são amplos e incertas as alternativas. Porém, parece certo que as formas precárias de ocupação da força de trabalho (trabalho temporário, desregulamentação do trabalho, rebaixamento dos salários) estão longe do conceito aristotélico de trabalho humano como obra criativa, livre da esfera da necessidade. No entanto, a Revolução Tecnológica vai além do fenômeno relacionado com a dinâmica da informação e comunicação, pois ela é também o objeto de dinamização dos saberes, conceitos e dos valores individuais e sociais. Sendo assim, essas tecnologias têm se mostrado eficientes e flexíveis em todos os aspectos da vida cotidiana, seja no âmbito das relações sociais, econômicas e educacionais, principalmente por oferecerem uma gama de alternativas que podem e devem ser utilizadas na busca de soluções e na melhoria dos métodos e das formas de ensinar e aprender. Isto porque, como sabemos, não existe uma homogeneidade regional, isto é, as políticas públicas não conseguem equacionar ou resolver os problemas relacionados à distribuição dos meios e recursos necessários ao desenvolvimento do indivíduo, do processo educativo e do desenvolvimento econômico, onde todos esses conceitos fazem parte da cadeia produtiva como um todo, pois um país só se desenvolve com educação, emprego e distribuição equitativa de renda, o que vai ao encontro dos princípios da igualdade. LEITURA COMPLEMENTAR Universidade pra quê? A força e o futuro da UERJ Ana Karina Brenner, Bruno Deusdará, Guilherme Leite Gonçalves e Lia Rocha Como professor aposentado da UERJ somo-me a estes e estas colegas no protesto, na reação e na esperança acerca do que o atual governo sem legitimidade democrática está fazendo com esta universidade que se conta entre as melhores do país. Na agenda do atual governo liderado pelo PMDB, ciência, pesquisa, formação e inclusão social não fazem parte de sua agenda. Colocam a universidade no item de gastos e encargos, quando deveria significar um alto investimento em favor das novas gerações e do futuro do país, portanto, merecer um tratamento prioritário. Uma nação feita de ignorantes está condenada a se transformar num país pária, perder o passo da história e sequestrar o futuro dos jovens. Mas tudo isso se inscreve dentro do programa da dominação imperial TÓPICO 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS: EDUCAÇÃO 173 que nos quer recolonizar e fazendo-os apenas exportadores de commodities. Para isso não se precisa de ciência, de tecnologia, nem de um projeto nacional, apenas de espírito subserviente e venal. Recusamos este destino funesto, pois em termos de futuro, quando o que vai contar mesmo será uma economia e uma tecno- ciência montada sobre o fator ecológico. Aí surgiremos como uma das potências reitoras, não para dominar, mas para podermos, com os bens e serviços que a Mãe Terra nos galardoou, ser a mesa posta para as fomes e as sedes do mundo inteiro. É o sentido secreto e providencial de sermos geograficamente grandes e ecologicamente ricos. Precisamos resgatar a UERJ, o hospital Pedro Ernesto e outras frentes de ensino e pesquisa distribuídos pelo Estado do Rio de Janeiro, com seu protagonismo histórico e com seu alto sentido social, especialmente, para os mais penalizados pela nossa sociedade injusta e excludente. E vamos triunfar, porque nada resiste ao que é bom, justo, digno e ecologicamente responsável. Parabéns aos autores e autoras destecorajoso texto, urdido de sã indignação e de justa esperança. Leonardo Boff [...] A universidade moderna nasceu de um projeto destinado a desenvolver as qualidades humanas e a cultura por meio de um programa de formação, que combinava ensino e pesquisa com base no conhecimento científico. Esse projeto, no entanto, tinha um vício de origem: era inacessível às classes populares; servia apenas à reprodução das elites. Sofria, assim, de um mal-estar que, dentre outras, produziu as revoltas estudantis de 1968. A partir desse momento, as políticas universitárias se voltaram para articular formação e inclusão social, conhecimento científico e igualdade. A UERJ é resultado de um amadurecimento histórico dessa nova universidade. Criada em 1950, destaca-se pelo pioneirismo: primeira universidade pública do Brasil a oferecer ensino superior noturno, permitindo a qualificação dos trabalhadores; segunda instituição universitária a possuir um hospital das clínicas voltado para o ensino; primeira a implantar o sistema de cotas para negros, indígenas e estudantes oriundos de escolas públicas. Nos últimos 10 anos, o número de cursos de doutorado quase dobrou, passando de 23 para 43. Em 2016, a UERJ possuía 26.767 estudantes presenciais, dos quais 9.900 cotistas e ainda 7.266 alunos de Educação a Distância. Além do Hospital Universitário Pedro Ernesto e da Policlínica Piquet Carneiro, ela conta com 714 projetos, 253 cursos e 34 programas de extensão, que levam à sociedade conhecimento e tecnologias de ponta, envolvendo cerca de 3 milhões de pessoas, entre profissionais, estudantes e comunidade atendida. Nos últimos anos, a UERJ conquistou o regime de trabalho de Dedicação Exclusiva, assegurando um plano de carreira com capacidade de atrair os melhores quadros acadêmicos. Tal regime é estruturante da carreira docente, garantidor da qualidade da pesquisa, do compromisso com a formação de estudantes e pesquisadores, e do desenvolvimento tecnológico a partir da fixação de docentes em uma única instituição. UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 174 Hoje, no entanto, todo esse patrimônio corre risco. Ciência, formação e igualdade social não fazem parte da agenda do PMDB. A Universidade lhe é estranha. Em seu programa para o Brasil, “Uma ponte para o futuro”, ela é tratada tão somente como encargo ou despesa, desconsiderando sua importância como investimento na construção e preservação do patrimônio científico e tecnológico de uma nação. Ao assim concebê-la, atribui à educação superior a responsabilidade de produzir desajuste fiscal quando é, na verdade, potencial de desenvolvimento econômico e de geração de emprego. Mas, então, qual é o projeto do PMDB para a Universidade? Desde o golpe parlamentar, em 2016, o Governo Temer tem realizado significativos cortes em políticas sociais, entre elas o ensino superior. Só o MEC sofreu corte de R$ 4,3 bilhões. Assim, 15% dos gastos de custeio e 40% das despesas de capital, aprovados pelo Congresso para as universidades federais, ficaram congelados. No Rio de Janeiro ocorre fato semelhante. Para dar apenas um exemplo, no final de 2016, o Governo Pezão reduziu o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro em mais de 30%. Em agosto de 2017, professores e servidores técnico-administrativos da UERJ encontram-se com quatro meses de salários atrasados (mesma situação das outras universidades estaduais UEZO e UENF). Também atrasadas estão as bolsas de estudantes e residentes. O confisco de salários e bolsas é um confisco do orçamento da universidade, e mina as condições de reprodução das forças necessárias ao trabalho e à continuidade do patrimônio intelectual, científico e democrático adquirido ao longo das décadas. Um exemplo dos efeitos nefastos dessa crise é a saída forçada de alguns docentes do regime de dedicação exclusiva. Obrigados a acumular atividades paralelas, muitos desses profissionais não retornarão ao regime após esse período. O resultado da política universitária de Pezão e Temer, cujo não pagamento dos salários da UERJ é a expressão mais vil, são vários: evasão de estudantes, fuga de cérebros, destruição da pesquisa de ponta, eliminação do legado intelectual, extermínio da formação e da cultura. Em outras palavras, a depredação do resultado de décadas de investimento material e humano. Nós, da Universidade, entendemos que docência, pesquisa, cultura e formação se relacionam com o futuro. Nossa resistência é a garantia de que o projeto de universidade pública, de qualidade, gratuita, cada vez mais plural e inclusiva, permaneça. UERJ Resiste! FONTE: Disponível em: <https://leonardoboff.wordpress.com/2017/08/11/universidade-pra-que- a-forca-e-o-futuro-da-uerj/>. Acesso em: 9 set. 2017. 175 Neste tópico, você aprendeu que: • A vida em sociedade está ligada à política e não há ação social sem ação política, quer seja promovida pelo Estado ou pela sociedade. • As políticas públicas são de responsabilidade do Estado, com base em organismos políticos e entidades da sociedade civil, que derivam de normatizações, ou seja, se estabelece um processo de tomada de decisões, nossa legislação. • A criação de documentos nacionais norteadores foi possível a partir da década de 1980, com a abertura política e com a instituição de um Estado democrático, com a Constituição Federal de 1988, como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais. • A LDB 9.394/96 regulamentou o que foi tratado sobre educação na Constituição Federal, abordando a educação escolar. O objetivo dos PCN é estabelecer à equipe pedagógica uma referência curricular e apoio na elaboração do currículo e do projeto pedagógico. • Os PCN têm função definidora do currículo mínimo, orientam práticas pedagógicas e organizam a estrutura escolar. • Uma das preocupações centrais dos PCN é o tema da cidadania, que deve resultar em uma formação cidadã. RESUMO DO TÓPICO 1 176 1 Para retomar o que aprendemos até o momento, aponte as características principais e o contexto histórico no qual foram construídos os PCN: 2 (IFRN – Concurso Público – Grupo Magistério – Políticas e Gestão Escolar 2012) A partir do que estabelece a Lei nº 9.394/1996, analise as afirmativas a seguir. I- A educação profissional técnica de nível médio articulada, segundo essa lei, será desenvolvida nas formas integrada e concomitante. II- A educação de jovens e adultos deverá ser oferecida, preferencialmente, articulada à educação profissional. III- As instituições de educação profissional e tecnológica oferecerão cursos regulares e cursos especiais, abertos à comunidade. IV- Na educação profissional técnica de nível médio, a preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de Ensino Médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. V- A educação profissional técnica de nível médio, por ter total autonomia pedagógica, prescinde de organizar cursos seguindo as orientações contidas nas diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação. Das afirmativas acima, estão corretas, apenas: a) ( ) I, II, III e IV. b) ( ) II, III, IV e V. c) ( ) I e V. d) ( ) II e IV. AUTOATIVIDADE 177 TÓPICO 2 POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao estudo que faremos sobre o Sistema de Saúde brasileiro. Este tema levará você a refletir sobre a realidade da saúde pública em nosso país e os seus desafios para assegurar o atendimento a todo cidadão com dignidade e em igualdade de condições. O acesso universal, integral e equânime à assistência em saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantido pela Constituição.Contudo, para além das obrigações do governo, a saúde também é uma responsabilidade coletiva, que implica na participação da população nos processos de melhoria e no progresso da qualidade de serviços (SCHMIDT, 2015, p. 12). A gestão do sistema nacional de saúde é bastante complexa, se pensarmos em atingir de forma equânime todas as pessoas que dependem do serviço público num contexto com desigualdades e desafios sociais aos governos. Concorda Zetzsche (2014, p. 3) ao dizer que “Cuidar da saúde significa manter a nação em condições de progresso e trabalho, com uma população saudável e menores índices de adoecimento e transmissão de doenças”. O sistema de saúde brasileiro engloba uma rede de serviços prestados por instituições públicas e privadas aos cidadãos que se utilizam de uma multiplicidade de atendimentos. Considerado exemplo de política pública pelo acesso universal à população, demanda ainda maior participação da sociedade nos conselhos e conferências municipais de saúde para o efetivo controle social na administração pública. O fortalecimento da política pública de saúde depende, sobretudo, de investimentos que assegurem as ações e programas que impulsionem os indicadores de saúde a um nível favorável; é fundamental a melhora da infraestrutura, com a ampliação e modernização dos locais de atendimento, qualidade dos serviços oferecidos e capacidade técnica dos profissionais contratados para a gestão. Competência administrativa, visão política e gerencial, profundo conhecimento da história do país e de sua dinâmica social, visão epidemiológica e crítica, e visão ontológica – visão de respeito e reconhecimento do ser humano – (alvo dos programas e políticas de saúde) são requisitos mais que necessários àquele ou àquela que vai trabalhar em gestão de saúde, quer seja de caráter público ou privado (ZETZSCHE, 2014, p. 4). 178 UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS A saúde para os brasileiros, segundo a pesquisa do Instituto de Pesquisas Datafolha (2014), é considerada o serviço público mais importante; mas diariamente o usuário se depara com problemas, como a falta de médicos, filas de espera nas emergências e nos hospitais, demora para realização de cirurgias e hospitais sem recursos financeiros. FIGURA 25 – IMPORTÂNCIA DA SAÚDE PÚBLICA FONTE: Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/PDF/apresentao-integra-datafolha203. pdf>. Acesso em: 6 jun. 2015. 15 Base: Total Brasil 2.418 entrevistas P3. Dentre esses serviços que você considerou muito importantes, qual deve ser a primeira prioridade do governo federal, na sua opinião? Área de maior importância – nível federal (Estimulada e única) 59% 17% 8% 7% 5% 3% 1% 0,4% 0,3% 46% 25% 9% 11% 3% 3% 1% 1% ‐ Usuário do SUS Não usuário Na segunda etapa, entre as áreas que consideraram importantes, Saúde se destaca, como prioridade. Educação fica em segundo lugar, porém bem mais à distância. O usuário do SUS dá maior importância para a Saúde. A partir dessa reflexão, podemos enfatizar a importância da política pública de saúde no contexto social brasileiro e a necessidade de gestão técnica com profissionais habilitados. A relevância do tema foi abordada no Exame Nacional do Estudante – ENADE (2013) e propomos que você leia e responda. A questão da saúde no Brasil é complexa e dependente da atuação dos vários agentes que a compõem. Cada um desses agentes, governo, organizações e sociedade, tem suas responsabilidades sobre a qualidade da saúde no Brasil. Ao governo cabe desenvolver políticas e realizar investimentos adequados, dentro de um planejamento ao longo do tempo; às organizações compete executar essas políticas, como também prestar serviços à população com qualidade; e a sociedade, por seu lado, deve aderir às ações preventivas promovidas pelo governo e pelas organizações, assim como deve ter uma postura ativa, autônoma e corresponsável, em relação à sua qualidade de vida. FONTE: Disponível em: <file:///C:/Users/Win8/Desktop/16_TEC_GESTAO_HOSPITALAR. pdf>. Acesso em: 3 maio 2015. AUTOATIVIDADE TÓPICO 2 | POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 179 FONTE: Disponível em: <http://www.ivancabral.com>. Acesso em: 23 ago. 2013. Considerando a figura e o trecho acima, redija um texto dissertativo sobre o papel e (ou) funções do gestor hospitalar no contexto da qualidade da saúde no Brasil. 2 CONCEITO DE SAÚDE Temos como conceito de saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde (USP, 2015, s.p.): “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Essa concepção de saúde induz a novas condutas quanto à promoção de saúde e prevenção de doenças. O indivíduo é inserido numa rede de cuidados permanentes, visando maior qualidade de vida, mesmo que aconteça a doença. A vida mais saudável demanda novos hábitos, que incluem a alimentação adequada, lazer, convívio social, esportes e atividade física como práticas diárias. Mesmo o doente crônico aprende a conviver melhor com a doença, tornando-se menos dependente da assistência médica, adquirindo hábitos que ajudam na melhora do estado de saúde. É o que Zetzsche (2014, p. 13) define como “comportamentos mais saudáveis e que desenvolva o seu autocuidado, possibilitando que, desta forma, acabe vivendo mais e melhor depois de seu adoecimento, por mais incrível que isto pareça, à primeira vista”. Neste contexto, percebe-se que a população está adotando um estilo de vida mais saudável, com 180 UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS atitudes de prevenção para a saúde física e mental; este movimento se estende a outros ambientes, como exemplo, no trabalho e na educação, visto que a qualidade de vida está diretamente relacionada ao modo como as pessoas vivem. As cidades devem oferecer espaços coletivos, parques, praças, centros de convivência, para que a comunidade usufrua de qualidade de vida, o que comprovadamente vem reduzindo os custos em serviços médicos e assistenciais nos municípios. FIGURA 26 – SAÚDE PÚBLICA FONTE: Disponível em: <http://brubrinq.com.br/ckfinder/userfiles/images/pra%C3%A 7a_playground2.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2018. Essa é uma realidade possível, de acordo com Zetzsche (2014, p. 9): [...] a amplitude do escopo de ações em saúde vai abranger intervenções e estratégias nos mais variáveis setores, como meio ambiente, sustentabilidade, manejo agrícola, controle de endemias e pandemias, definição dos níveis aceitáveis de desenvolvimento e qualidade de vida, saneamento básico, manejo de recursos hídricos e naturais, ambientes de trabalho, acesso ao lazer, educação, moradia, entre tantos outros, pois é nestas boas condições de vida que a saúde é mais fácil de se obter e de se conservar. A transformação social, a partir da saúde, busca incutir nas pessoas atitudes frente a fatores de influência negativa, por exemplo, a mídia com a demasiada publicidade de produtos alimentícios industrializados, que não trazem benefícios à saúde e contribuem para a obesidade e sobrepeso; ou ainda, o álcool e cigarro, que levam a problemas comportamentais e afetam a família. TÓPICO 2 | POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 181 [...] a obesidade na população brasileira está se tornando bem mais frequente do que a própria desnutrição infantil, sinalizando um processo de transição epidemiológica que deve ser devidamente valorizado no plano da saúde coletiva. As doenças [...] estão relacionadas, em grande parte, com a obesidade e com práticas alimentares e estilos de vida inadequados (IBGE, 2008, s.p.). Além dos problemas decorrentes da vida moderna que afetam a saúde da população, temos ainda doenças epidemiológicas como dengue,malária e tuberculose, por exemplo, e que causam a morte de milhões de pessoas no mundo todo e são decorrentes da miséria, da precariedade no abastecimento de água potável, do saneamento básico e pela falta de acesso aos serviços públicos de saúde e educação. A globalização fortaleceu esse processo de disseminação de doenças ao redor do mundo, principalmente pelo contingente de populações imigratórias. Visando contribuir com seu conhecimento, reflita e responda à atividade a seguir, que trata sobre o tema de forma a fazer refletir a partir das considerações apresentadas, compreender as relações entre saúde pública e as desigualdades sociais e suas terríveis consequências para a humanidade. (ENADE–2013 – Formação Geral) A Organização Mundial de Saúde (OMS) menciona o saneamento básico precário como uma grave ameaça à saúde humana. Apesar de disseminada no mundo, a falta de saneamento básico ainda é muito associada à pobreza, afetando, principalmente, a população de baixa renda, que é mais vulnerável devido à subnutrição e, muitas vezes, à higiene precária. Doenças relacionadas a sistemas de água e esgoto inadequados e a deficiências na higiene causam a morte de milhões de pessoas todos os anos, com prevalência nos países de baixa renda (PIB per capita inferior a US$ 825,00). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que 88% das mortes por diarreia no mundo são causadas pela falta de saneamento básico. Dessas mortes, aproximadamente 84% são de crianças. Estima-se que 1,5 milhão de crianças morram a cada ano, sobretudo em países em desenvolvimento, em decorrência de doenças diarreicas. No Brasil, as doenças de transmissão feco- oral, especialmente as diarreias, representam, em média, mais de 80% das doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (IBGE, 2012). Com base nas informações e nos dados apresentados, redija um texto dissertativo acerca da abrangência, no Brasil, dos serviços de saneamento básico e seus impactos na saúde da população. Em seu texto, mencione as políticas públicas já implementadas e apresente uma proposta para a solução do problema apresentado no texto acima. FONTE: Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2013 /16_TEC_GESTAO_HOSPITALAR.pdf>. Acesso em: 6 maio 2015. AUTOATIVIDADE 182 UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS 3 SAÚDE: DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO A Constituição da República Federativa de 1988 dispõe em seu art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. No Brasil, temos um sistema de saúde garantido pela Constituição Federal, que se constitui no Sistema Único de Saúde – SUS. Para Campos et al. (2006, p. 531 apud ZETSZCHE, 2014, p. 87), o SUS é: [...] o arranjo organizacional do Estado Brasileiro que dá suporte à efetivação da política de saúde no Brasil, e traduz em ação os princípios e diretrizes desta política. Compreende um conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde, e aglutina o conjunto das organizações públicas de saúde existentes nos âmbitos estadual, municipal e nacional, e ainda os serviços privados de saúde que o integram funcionalmente para prestação de serviços aos usuários do sistema, de forma complementar, quando contratados ou conveniados para tal fim. O SUS foi instituído com o objetivo de coordenar e integrar as ações das três esferas de governo e pressupõe a articulação de subsistemas verticais (de vigilância e assistência à saúde) e subsistemas de base territorial – estaduais, regionais e municipais – para atender de maneira funcional às demandas por atenção à saúde. Historicamente, a população brasileira era desassistida de assistência médica e, quando acometida de doença, recorria às crenças e à medicina natural; o auxílio ao povo era feito pelas Santas Casas de Misericórdia. Somente a partir da industrialização no país e dos movimentos sindicalistas é que o Estado passa a atuar na área da saúde, com a criação das caixas de aposentadoria e pensão, mas que permitiam somente aos contribuintes o acesso à assistência médica, enquanto a maior parcela da população ficou à margem deste direito. Durante o período militar, a iniciativa privada passa a ter participação no sistema com os convênios e planos de saúde. Essas medidas contribuíram para a Reforma Sanitária que levou à criação do SUS, que, segundo Arouca (1998 apud ZETZSCHE, 2014, p. 79): [...] nasceu na luta contra a ditadura, com o tema Saúde e Democracia, e estruturou-se nas universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de organização de serviços. Esse movimento social consolidou- se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual, pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os segmentos da sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Posteriormente, em 1990, foi promulgada a Lei Orgânica do SUS, com as Leis nº 8.080 e nº 8.142, que têm como base de sustentação os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde brasileiro: TÓPICO 2 | POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 183 • Princípio da Universalidade: estabelece a todos o direito de atendimento pelo Sistema Único de Saúde. • Princípio da Integralidade: relaciona dois aspectos do SUS, o primeiro refere-se à compreensão do ser humano biopsicossocial que requer um atendimento em sua integralidade; e o segundo aspecto integra as ações do Sistema Único de Saúde para o atendimento integral entre os diferentes níveis de complexidade de atenção à saúde. • Princípio da Igualdade: possibilita as mesmas condições de acesso ao Sistema Único de Saúde neste país, onde ninguém pode solicitar um atendimento diferenciado, seja um pedido por apadrinhamento político, ou pelo nível social, raça, gênero. Na visão de Cony (2014, s.p.), o SUS pode ser considerado como direito humano: “[...] é a maior conquista do povo brasileiro em política pública e é um sistema que é referência em saúde para o mundo, sob a ótica gravada na Constituição de que o SUS é um direito de todos e um dever do Estado e evoluindo para a compreensão de que é um direito humano”. 4 AS REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE O funcionamento do Sistema Único de Saúde conjuga uma rede de serviços denominada Rede de Atenção à Saúde, que classifica os atendimentos em níveis de atenção primária, secundária e terciária, conforme a exigência do serviço que será prestado ao usuário. A rede compreende-se em âmbito estadual e regional, numa articulação interfederativa, em que serviços de saúde são executados em uma região de Saúde determinada por um espaço geográfico de municípios limítrofes, que segundo o Decreto nº 7.508/2011, será “delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados [...]”. Trata-se de uma organização complexa, que identifica os diversos atendimentos por meio de um Mapa da Saúde, que segundo decreto, faz a distribuição “[...] de recursos humanos e de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, considerando-se a capacidade instalada existente, os investimentos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de saúde do sistema”. A Rede de Atenção à Saúde (RAS) atua a partir da Unidade Básica de Saúde ou USF – Unidade de Saúde da Família, onde inicia o trabalho junto à comunidade. As consultas são realizadas pelo médico generalista e, se for necessário, encaminha aos médicos especialistas queintegram o setor de atenção secundária. A Unidade Básica de Saúde realiza os atendimentos em nível de atenção primária “[...] enfatizando a função resolutiva dos cuidados primários sobre os problemas mais comuns de saúde e a partir do qual se realiza e coordena o cuidado em todos os pontos de atenção” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p. 4 apud ZETZSCHE, 2014, p. 32). 184 UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS A pesquisa do Instituto Datafolha (2014) mostra com que objetivo o usuário busca o atendimento na Unidade de Saúde. FIGURA 27 – NECESSIDADES NA SAÚDE PÚBLICA FONTE: Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/PDF/apresentao-integradatafolha203. pdf>. Acesso em: 6 jun. 2015. 44 Porta de entrada para o SUS (Estimulada e única) Base: Total Brasil, entrevistados que utilizaram serviço P13. Quando você ou alguém de sua casa precisa de atendimento de saúde do SUS, qual o primeiro local que vocês procuram, de acordo com este cartão? Quando precisam de atendimento de saúde do SUS, o primeiro local procurado é o Posto de Saúde para a maior parcela dos usuários (48%). No entanto, 49% usam algum serviço de emergência como porta de entrada. 49% utilizam atendimento de emergência como porta de entrada No setor de atenção secundária, adentramos em Policlínicas de especialidades, Ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Do setor terciário fazem parte os hospitais especializados, Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), Centros de Hemodiálise, entre outros. Os encaminhamentos feitos aos usuários são formais, por meio de referências e contrarreferências, que são os registros das consultas e procedimentos utilizados pelos médicos e agentes de saúde. UNI Pontos de atenção à saúde são entendidos como espaços em que se ofertam determinados serviços de saúde, por meio de uma produção singular. Os domicílios, as unidades básicas de saúde, as unidades ambulatoriais especializadas, os serviços de hemoterapia e hematologia, os centros de apoio psicossocial, as residências terapêuticas, entre outros. Os hospitais podem abrigar distintos pontos de atenção à saúde: o ambulatório de pronto atendimento, a unidade de cirurgia ambulatorial, o centro cirúrgico, a maternidade, a unidade de terapia intensiva, a unidade de hospital/dia, entre outros. Todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos da rede de atenção à saúde e se diferenciam, apenas, pelas distintas densidades tecnológicas que os caracterizam (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p. 4 apud ZETSCHE, 2014, p. 32). TÓPICO 2 | POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 185 Vejamos um exemplo de atendimento em rede: O sr. José é portador de doença mental leve diagnosticada durante a infância, mas os pais não procuraram um tratamento na época; a partir da visita do agente comunitário a domicílio, o sr. José foi encaminhado para a Unidade Básica de Saúde (que fez seu acompanhamento clínico e o encaminhou também para o CAPS - Centro de Atenção Psicossocial). Foi feito o cadastro na ESF (Estratégia de Saúde Familiar) e no CAPS e as crises puderam ser cuidadas sem internação. O sr. José também tem hipertensão e por isso faz acompanhamento com a médica da Unidade de Saúde Básica, que prescreve os seus medicamentos. Como o sr. José é viúvo e mora sozinho, o agente comunitário tem feito visitas com frequência, para saber se está tomando a medicação corretamente. Neste exemplo, podemos verificar como um usuário pode ter o seu cuidado compartilhado entre uma equipe de atenção primária, a unidade de saúde da família, e uma equipe de atenção secundária, a equipe do CAPS. Para conhecer melhor os princípios que norteiam a legislação orgânica de saúde, acompanhe a questão a seguir, ela trata sobre o tema, que também foi abordado no Exame Nacional do Estudante – ENADE (2013) e ajuda a entender o funcionamento da saúde pública e pensar sobre a qualidade de atendimento em saúde na sua cidade. Mais de 20 anos após a criação do SUS, surge a necessidade de regulamentação de dispositivos da Lei Orgânica da Saúde, em face de lacunas legais quanto à organização do sistema, ao planejamento da saúde, à assistência à saúde e à articulação interfederativa. A regulamentação, pelo Poder Executivo Federal, da Lei nº 8.080/1990, por meio do Decreto nº 7.508/2011, surge no momento em que os gestores, profissionais de saúde e trabalhadores detêm maior compreensão sobre a organização constitucional e legal do SUS e o usuário sobre o seu direito à saúde. De acordo com o decreto citado acima, avalie as afirmações a seguir. I- A integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na rede de atenção à saúde, mediante referenciamento do usuário na rede regional e interestadual, conforme pactuado nas comissões intergestoras. II- Mapa da Saúde é a descrição geográfica da distribuição de recursos humanos e de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada que será utilizada na identificação das necessidades de saúde e orientará o planejamento integrado dos entes federativos, contribuindo para o estabelecimento de metas de saúde. AUTOATIVIDADE 186 UNIDADE 3 | POLÍTICAS PÚBLICAS III- Região de Saúde é o espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde. É correto o que se afirma em: a) ( ) I, apenas. b) ( ) II, apenas. c) ( ) I e III, apenas. d) ( ) II e III, apenas. e) ( ) I, II e III. FONTE: Disponível em: <file:///C:/Users/Win8/Desktop/16_TEC_GESTAO_HOSPITALAR.pdf>. Acesso em: 6 maio 2015. 5 DIVERSOS ATENDIMENTOS EM SAÚDE Para desenvolver a política pública de saúde é preciso, inicialmente, diagnosticar a condição de saúde da população brasileira. Segundo as informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, a estimativa de vida do brasileiro aumentou para 72,7 anos em média, passando a viver mais tempo; em contrapartida, a taxa de natalidade decresceu de 6,2 filhos por mulher nos anos 60 para 1,8 filhos por mulher até 2009. Nesta perspectiva, constatamos que a população no Brasil está envelhecendo, as pessoas vivem mais tempo e nascem menos crianças; e o índice de mortalidade aumentou devido a doenças crônicas que afetam 79,1% dos idosos de 65 anos ou mais. Segundo Mendes (2012, p. 34-35 apud ZETSCHE, 2014, p. 21), “Ademais, 31,3% da população geral, em torno de 60 milhões de pessoas, têm doenças crônicas, e 5,9% dessa população total têm três ou mais dessas doenças crônicas”. Diariamente, o SUS presta atendimento a milhares de usuários que furtivamente adoecem, necessitando de intervenção médica, realização de exames, cirurgias e internações em hospitais; são considerados atendimentos de problema agudo, pois quando solucionado, o paciente é liberado. Para o atendimento de gestantes ou usuários de drogas, álcool e/ou portadores de doenças sexualmente transmissíveis, que necessitam de acompanhamento, é requerido o agendamento da consulta. O atendimento a domicílio feito pelo médico da Unidade Básica de Saúde visa atender a pessoas impossibilitadas de deslocamento em virtude de graves acidentes, por exemplo. São realizados os procedimentos mais comuns de recuperação, por meio de curativos e fisioterapia; além destes, também se inclui aqui o atendimento a pacientes acometidos das doenças ocupacionais como LER e DORT, o que leva um grande número de trabalhadores à incapacidade funcional. TÓPICO 2 | POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 187 No entanto, muitos atendimentos seguem uma inversão do modelo de atenção à saúde, “[...] demandado pela