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1 UNIDADE 1 CIDADANIA E SOCIEDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender diferentes conceitos de democracia, ética, cidadania e socio- diversidade; • verificar os padrões de conduta moral ao longo do tempo e em diversas culturas; • identificar a importância da responsabilidade social e os três setores: pú- blico, privado e terceiro setor para uma sociedade equânime; • entender a importância da cultura e da arte no desenvolvimento da sociedade. Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA TÓPICO 2 – SOCIODIVERSIDADE E INCLUSÃO TÓPICO 3 – MULTICULTURALISMO: VIOLÊNCIA, TOLERÂNCIA/INTO- LERÂNCIA E RELAÇÕES DE GÊNERO TÓPICO 4 – RESPONSABILIDADE SOCIAL: SETOR PÚBLICO, SETOR PRI- VADO E TERCEIRO SETOR TÓPICO 5 – CULTURA E ARTE 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 1 INTRODUÇÃO Entraremos no mundo do comportamento humano em sociedade e suas regras de conduta e participação social, política e econômica, no qual trabalharemos a questão da formação dos princípios morais e éticos dos homens que vivem e convivem em sociedade, além de abordarmos questões pertinentes à democracia e à cidadania. Esses conceitos estão previstos na Portaria INEP nº 493 de 6 de junho de 2017, em seu Art. 1º, que destaca: O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), tem como objetivo geral avaliar o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares, às habilidades e competências para atuação profissional e aos conhecimentos sobre a realidade brasileira e mundial, bem como sobre outras áreas do conhecimento (BRASIL, 2017, grifos nossos). A mesma portaria, em seu Art. 5º, indica como referência do perfil do concluinte, no âmbito da Formação Geral, as seguintes características: I. ético e comprometido com as questões sociais, culturais e ambientais; II. humanista e crítico, apoiado em conhecimentos científico, social e cultural, historicamente construídos, que transcendam o ambiente próprio de sua formação; III. protagonista do saber, com visão do mundo em sua diversidade para práticas de letramento, voltadas para o exercício pleno de cidadania; IV. proativo, solidário, autônomo e consciente na tomada de decisões pautadas pela análise contextualizada das evidências disponíveis; V. colaborativo e propositivo no trabalho em equipes, grupos e redes, atuando com respeito, cooperação, iniciativa e responsabilidade social. E no Art. 6º é indicado que a prova ENADE avaliará se o concluinte desenvolveu, no processo de formação, competências para: I. fazer escolhas éticas, responsabilizando-se por suas consequências; II. ler, interpretar e produzir textos com clareza e coerência; III. compreender as linguagens como veículos de comunicação e expressão, respeitando as diferentes manifestações étnico-culturais e a variação linguística; IV. interpretar diferentes representações simbólicas, gráficas e numéricas de um mesmo conceito; V. formular e articular argumentos consistentes em situações sociocomunicativas, expressando-se com clareza, coerência e precisão; VI. organizar, interpretar e sintetizar informações para tomada de decisões; VII. planejar e elaborar projetos de ação e intervenção a partir da análise de necessidades, de forma coerente, em diferentes contextos; UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 4 QUADRO 1 – FORMAS DE DEMOCRACIA FONTE: Adaptado de Pieritz (2013, p. 133) FORMAS DE DEMOCRACIA Democracia direta Na qual o povo decide diretamente, por meio de referendo/ plebiscito, se aceita ou não determinadas questões políticas e administrativas de sua localidade, Estado ou país. Democracia indireta Nesta, o povo participa democraticamente, por meio do voto, elegendo seu representante político, ou seja, uma pessoa que o represente nas diversas esferas governamentais, para tomar decisões cabíveis em nome do povo que o elegeu. VIII. buscar soluções viáveis e inovadoras na resolução de situações- problema; IX. trabalhar em equipe, promovendo a troca de informações e a participação coletiva, com autocontrole e flexibilidade; X. promover, em situações de conflito, diálogo e regras coletivas de convivência, integrando saberes e conhecimentos, compartilhando metas e objetivos coletivos. Para tanto, abordaremos a compreensão dos significados dos princípios norteadores da democracia, ética e cidadania, além de realizar uma reflexão e uma discussão sobre as questões ético-morais, na relação indivíduo e sociedade. 2 A DEMOCRACIA EM PAUTA Estamos vivendo em um país apresentado como democrático! Será que todos nós compreendemos o sentido real da democracia e seus reflexos na sociedade brasileira? Em outros termos, o que realmente é este Estado Democrático de Direito em que vivemos? Neste sentido, Moisés (2010, p. 277) expõe que “o significado mais usual da democracia se refere aos procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de governos através de eleições”, ou seja, a democracia é compreendida habitualmente somente como um processo de escolha dos nossos representantes legais em todas as esferas, tanto local, municipal, estadual quanto federal, no qual a população dessas esferas, por meio de seu voto, seleciona e elege o seu representante para legislar em nome dessa mesma população. Assim, “podemos considerar que a democracia nada mais é do que um sistema de governo, no qual o povo governa para sua própria sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 133, grifos do original). Deste modo, pode-se observar que a democracia pode ser exercida de duas formas distintas, pois ela pode ser direta ou indireta (Quadro 1). O conceito de democracia é notoriamente o entendimento de toda massa populacional brasileira nos dias de hoje, pois quando se indaga às pessoas com relação ao conceito de democracia, é este conceito de escolha de nossos representantes legais, por intermédio do voto popular, que aparece nos discursos da população de nosso país. TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 5 Cunha (2011, p. 105) expõe que a democracia pode ser compreendida como “método de organização social e política tendente à maior realização da liberdade e da igualdade. [é um] Sistema político em que o povo constitui e controla o governo, no interesse de todos”. Outro fator que não podemos esquecer é que, quando falamos em democracia, também falamos de Estado Democrático de Direito. Segundo Cunha (2011, p. 138), o “Estado de direito [é aquele] que se organiza e opera democraticamente”. Nossa Carta Magna de 1988, já em seu preâmbulo, instituiu um Estado Democrático de Direito, ou seja, a Constituição da República Federativa do Brasil se organizou e definiu suas normativas em prol de um Estado Democrático, no qual a democracia deverá ser a base fundamental da República Federativa do Brasil. Assim, segundo Pieritz (2013, p. 133), “este sistema de governo democrático possui formatos diferentes nas diversas sociedades, pois em cada uma existem regras e normas diferentes, e isto acontece por causa da constituição dos princípios ético-morais de cada localidade”. Vale salientar que a democracia vai muito além desse discurso sintético de representação e de voto, pois Moisés (2010, p. 277, grifos nossos) coloca-nos que: existem outras perspectivas que ampliam a compreensão do conceito, incluindo tanto as dimensões que se referem aos conteúdos da democracia, como também os seus resultados práticos esperadosno terreno da economia e da sociedade. Por uma parte, acompanhando a abordagem minimalista de Schumpeter (1950) e a procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de competição, participação e contestação pacífica do poder. Neste sentido, no que tange à conotação que a democracia tem de competição, participação e contestação pacífica do poder, pode-se expor que falar de democracia também está atrelado ao conceito do “jogo de poderes”, principalmente a disputa e concorrência de cargos em todas as esferas governamentais ou não, além da competição entre partidos políticos e outros grupos econômicos, políticos, culturais e sociais. Além disso, não podemos esquecer um elemento fundamental da democracia, que é a questão da “participação do povo”, em que cada cidadão brasileiro é elemento fundamental no processo democrático do Brasil, pois direta ou indiretamente é parte do processo democrático instaurado neste país. Ao proferir sua escolha, independentemente do que for ou de que escolha fora feita, torna-se automaticamente parte do Estado Democrático de Direito e integra-se ao sistema vigente de democracia daquele determinado Estado. Resumidamente, a Figura 1 apresenta o primeiro entendimento da definição e o significado da democracia e o Estado Democrático de Direito. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 6 FIGURA 1 – DEMOCRACIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO FONTE: Os autores Maciel (2012, p. 73, grifos do original) complementa expondo que a democracia “tornou-se uma aspiração universal, por ser o regime de governo mais propenso a garantir os direitos individuais, porém não se resume simplesmente ao ato de votar, sendo que o direito à participação tornou-se uma atividade importante diante da constituição da cidadania”. Por conseguinte, pode-se expor que democracia denota participação direta ou indireta da população em todos os espaços que necessitem do veredito do povo em prol de objetivos comuns a ele mesmo. Assim, Beethan (2003, p. 110 apud MACIEL, 2012, p. 73, grifos nossos) complementa expondo que: O direito à participação pode ser tanto reativo quanto proativo. Em sua forma reativa, a participação consiste na articulação coletiva de respostas a políticas de desenvolvimento. Na forma proativa, ela invoca a responsabilidade popular no desencadeamento da articulação de políticas de desenvolvimento. No primeiro caso, os governos propõem e os cidadãos reagem; no segundo, os cidadãos propõem e os governos reagem. Em ambas as formas, o direito de participação assume a lógica de colaborar com o desenvolvimento. “No coração da democracia repousa, assim, o direito do cidadão de opinar nos assuntos públicos e de exercer controle sobre o governo, em pé de igualdade com os demais”. Deste modo, pode-se expor que um dos elementos da democracia é a articulação coletiva do povo em prol de uma determinada demanda social, política, cultural ou econômica. Para que se possa debater coletivamente os prós e contras, no que tange aos assuntos pertinentes ao interesse coletivo, dando assim respostas a esta mesma demanda. Vale salientar que a não participação e a omissão também são formas de participação, pois retratam a sua alienação, indiferença, contestação ou o seu descontentamento em relação ao sistema vigente. Então, isto não quer dizer que aquele cidadão que se omitiu ou apenas não quis participar não fez parte do TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 7 QUADRO 2 – CONDIÇÕES BÁSICAS PARA O REGIME DEMOCRÁTICO FONTE: Adaptado de Moisés (2010, p. 277) Disponível em: <http:// rafaelsilva.over-blog.es/arti- cle-objetivo-democracia- -iv-124370354.html>. Direito dos cidadãos de ESCOLHEREM GOVERNOS por meio de eleições com a participação de todos os membros adultos da comunidade política. A isso se dá o nome de sufrágio universal (direito ao voto). ELEIÇÕES regulares, livres, competitivas, abertas e significativas. GARANTIA DE DIREITOS de expressão, reunião e organização, em especial, de partidos políticos para competir pelo poder. Acesso a fontes alternativas de INFORMAÇÃO sobre a ação de governos e a política em geral. Essas quatro condições mínimas para implantar um regime democrático são de fundamental importância para que haja a participação democrática de um povo em prol dos objetivos comuns do próprio povo, uma vez que a democracia vai muito além da simples representação e de voto, ela se efetiva e concretiza-se com a participação, com a competição e a contestação dos processos pacíficos da busca do poder no Estado Democrático de Direito. Sucintamente, a Figura 2 apresenta a ampliação da compreensão do entendimento do significado da democracia, ou seja, o seu conceito ampliado: FIGURA 2 – CONCEITO AMPLIADO DE DEMOCRACIA FONTE: Os autores processo democrático de um país, pelo contrário, todo cidadão tem o direito de participar ou não, mesmo que o voto no Brasil seja obrigatório, pois ao votar ele exprime a sua vontade, ou o seu desejo. Aqui fica claro que a população, ao exercer seu direito de participação de forma proativa, demonstra seus direitos e responsabilidades perante os efeitos da decisão coletiva. Entretanto, também existem quatro condições necessárias para que se possa instaurar um regime governamental pautado na democracia. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 8 3 A QUESTÃO DA ÉTICA O tema que abordaremos neste momento é relativo à questão da ética, a qual permeia constantemente nosso dia a dia, seja no âmbito familiar, social ou profissional. Aparentemente, compreendemos o seu significado e seus efeitos, mas será que realmente compreendemos o seu sentido real? Será que sabemos o que é certo ou errado para nós na sociedade em que vivemos? Neste sentido, Tomelin e Tomelin (2002, p. 89) expõem que “a ética é uma das áreas da filosofia que investiga sobre o agir humano na convivência com os outros [...]”. Em outros termos, as nossas ações perante a sociedade em que vivemos são orientadas por princípios éticos e morais, e esses princípios são norteadores de consciência moral do certo e do errado, do bem e do mal. De modo mais abrangente, a ética pode ser conceituada como a área da filosofia que investiga o agir humano, tanto aqueles com repercussão social, quanto aqueles sem maiores impactos na sociedade, ou seja, não somente os atos relativos à convivência com os outros, mas também consigo mesmo. Assim, no que tange a esta problemática relativa à ética, Pieritz (2013, p. 3) expõe que “a ética não é facilmente explicável, mas todos nós sabemos o que é, pois está diretamente relacionada aos nossos costumes e às ações em sociedade, ou seja, ao nosso comportamento, ao nosso modo de vida e de convivência com os outros integrantes da sociedade”. E que esses valores éticos são construídos historicamente pelos povos, de geração em geração. O que são valores? Pedro (2014, p. 490) faz um resgate etimológico da palavra Axiologia, de origem grega, que significa estudo dos valores ou ciência do valor, e aponta para um significado, o da vivência do valor, independentemente do valor que for, pois este é experienciado como um fenômeno que se apresenta à consciência como tal e como um acontecimento que nos é imediatamente dado. Para a filósofa húngara Agnes Heller (1972, p. 4), “valor é tudo aquilo que faz parte do ser genérico do homem e contribui, direta ou mediatamente para a explicação desse ser genérico”. Vejamos no Quadro 3 quais são os atributos dos valores humanos na perspectiva de Heller: QUADRO 3 – ATRIBUTOS DOS VALORES HUMANOS OBJETIVAÇÃO - que se expressa prioritariamente por intermédio do trabalho; - que proporciona sair do subjetivo e passar para o real e concreto. Caro acadêmico, para colaborar com seusestudos, veja que a junção das Figuras 1 e 2 proporciona o entendimento global do que é democracia. ATENCAO TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 9 FONTE: Adaptado de Bonetti et al. (2010, p. 23) FONTE: Os autores QUADRO 4 – EXEMPLOS DOS VALORES E VIRTUDES HUMANOS SOCIALIDADE - que se expressa com a convivência com o outro, em grupo; - aprendizagem com o outro; - assimilação de normas sociais. CONSCIÊNCIA - tomar ciência dos fatos ou de alguma coisa; - reconhecimento da realidade; - descoberta de algo; - capacidade de perceber as coisas. UNIVERSALIDADE - universal; - o todo; - fazer parte de um determinado grupo. LIBERDADE - livre-arbítrio. Portanto, os atributos dos valores humanos apresentados no Quadro 3 são os elementos constitutivos do ser humano, do ser social, que formam os nossos valores morais. Complementando, no Quadro 4 apresentamos mais exemplos dos valores e virtudes do ser humano, que vive e convive em sociedade. Amizade Justiça Obediência Respeito Simplicidade Lealdade Compreensão Sinceridade Pudor Generosidade Paciência Ordem Humildade Autoestima Liberdade Deste modo, podemos expor que “todos nós possuímos princípios e valores que foram e são constituídos por nossa sociedade. E, com relação a esses valores, cada um de nós possui uma visão do que é certo e errado, do que é o bem e o mal” (PIERITZ, 2012, p. 57). Não podemos nos esquecer de que “esta consciência moral é determinada por um consenso coletivo e social, ou seja, o conjunto da sociedade é que formula e compõe as normas de conduta que o regem. Como exemplo, temos a nossa Constituição Federal e outras regras e normas de nossa sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 4). São estas regras e normativas jurídicas e sociais que determinam o nosso agir em sociedade, e cada grupo social possui suas características, ou seja, não se pode dizer que todos nós somos iguais, que todas as nações e Estados são iguais, porque não somos, pois, independentemente do Estado, do país ou grupo social, fomos moldando nossos valores e princípios de forma diferente ao longo de nossa existência. Agora, acadêmico, raciocine o seguinte: se é um fato que nossa consciência moral é construída no seio de uma sociedade e com a influência do meio e das pessoas com as quais convivemos, há ainda outros fatores que concorrem para a constituição da consciência moral, e esse elemento é chamado de Lei natural UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 10 – pelos jusnaturalistas – e tem caráter universal, pois perpassa as sociedades políticas, é algo mais profundo que elas, constitui-se na própria natureza humana em sua universalidade (ROHLING, 2012). Segundo Valls (2003, p. 8): costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos: num, os problemas gerais e fundamentais (como liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros); e no segundo, os problemas específicos, de aplicação concreta, como os problemas da ética profissional, de ética política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética etc. Em outros termos, os problemas éticos permeiam todas as nossas ações em sociedade. Neste sentido, vale salientar que “cada sociedade possui suas normas de conduta comportamental e seus princípios morais, ou seja, cada grupo social constitui o que é certo e errado, o que é o bem e o mal para o seu povo, portanto, nem sempre o que é certo para nós pode ser certo para um outro grupo social e vice-versa” (PIERITZ, 2013, p. 4). Então, como desvelar esta situação? Como saber se estamos no caminho certo? Se estamos fazendo certo ou errado? Ou se realmente estamos fazendo o bem ou o mal a alguém? São muitas indagações! Para auxiliar a reflexão sobre essas questões, Finnis (filósofo e jurista australiano) identifica sete valores básicos, os quais são os seguintes: I) vida; II) o conhecimento; III) o jogo; IV) a experiência estética; V) a sociabilidade; VI) a razoabilidade prática; e, VII) a religião. Esses valores, contudo, não são os únicos, pois existem, evidentemente, muitos outros, os quais, segundo propõe o autor, são modos ou combinações de modos de buscar – embora nem sempre com sensatez – e de realizar – nem sempre exitosamente – uma das sete formas básicas de bem, ou alguma combinação delas (ROHLING, 2012, p. 163). Neste sentido, podemos observar ainda que: os problemas éticos se distinguem da moral pela sua característica genérica, enquanto que a moral se caracteriza pelos problemas da vida cotidiana. O que há de comum entre elas é fazer o homem pensar sobre a responsabilidade das consequências de suas ações. A ética faz pensar sobre as consequências universais, sempre priorizando a vida presente e futura, local e global. A moral faz pensar as consequências grupais, adverte para normas culturalmente formuladas ou pode estar fundamentada num princípio ético. A ética pode, desta forma, pautar o comportamento moral (TOMELIN; TOMELIN, 2002, p. 90). Podemos expor que deste ponto de vista existem diferenças nítidas entre ética e moral, sendo que a ética é generalista e a moral reflete o comportamento socialmente construído e legitimado pelo seu povo. Enfim, Tomelin e Tomelin (2002, p. 89, grifos do original) complementam expondo que “a palavra ética provém do grego ethos e significa hábitos, costumes, e se refere à morada de um povo ou sociedade. A palavra moral provém do latim moralis e significa costume, conduta”. Logo, conforme Pieritz (2012, p. 58, grifos nosso): TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 11 A principal função da ética é sugerir qual o melhor comportamento que cada pessoa ou grupo social tem ou venha a ter. Indicando o que é certo ou errado, o que é bom ou mal. Porém, este comportamento sempre partirá do ponto de vista dos princípios morais de cada sociedade, ou seja, seu grupo social. A ética auxilia no esclarecimento e na explicação da realidade cotidiana de cada povo, procurando sempre elaborar seus conceitos conforme o comportamento correspondente de cada grupo social. Por conseguinte, “o ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunidade” (VÁZQUEZ, 2005, p. 20), ou seja, a ética está para regular o nosso comportamento em sociedade. Complementando, Vázquez (2005, p. 21) coloca-nos que “a ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens [...]”, ou seja, “o valor de ética está naquilo que ela explica – o fato real daquilo que foi ou é –, e não no fato de recomendar uma ação ou uma atitude moral” (PIERITZ, 2013, p. 7, grifo nosso). Devemos compreender as diferenças conceituais de ética e moral, pois “podemos afirmar que a ética estuda e investiga o comportamento moral dos seres humanos. E esta moral é constituída pelos diferentes modos de viver e agir dos homens em sociedade, que é formada por suas diretrizes morais da vida cotidiana, transformando-se no decorrer dos tempos” (PIERITZ, 2013, p. 19). Todavia, o que é a moral? Segundo Aranha e Martins (2003, p. 301, grifos do original), “a MORAL vem do latim mos, moris, que significa ‘costume’, ‘maneira de se comportar regulada pelo uso’, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é ‘relativo aos costumes’”. Assim, a moral é compreendida como um conjunto de regras de condutas socialmente admitidas em determinadas épocas ou por um grupo de pessoas, ou seja, “a moralidade dos homens é um reflexo direto do modo de ser e conviver em sociedade, no qual o caráter, os sentimentos e os costumes determinam o seu comportamento individual e social, que foi ou está sendo perpetuado num espaço de tempo” (PIERITZ, 2013, p. 35). Ainda de acordo com Pieritz (2013, p. 38): A moral sugere, constantemente, a valorização de nossas ações e de nossos comportamentos em sociedade, mas é a moral que determinaquais são os nossos direitos e deveres perante a sociedade em que vivemos. Estes deveres são conectados ao nosso modo de ser e conviver em sociedade, gerando certas responsabilidades com relação a si próprio e aos outros, tais como: • sentimentos; • escolhas; • desejos; • atitudes; • posicionamentos diante da realidade; • juízo de valor; • senso moral; • consciência moral. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 12 Sob estas concepções de ética e moral, apresentamos as suas principais diferenças na Figura 3: FIGURA 3 – DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL FIGURA 4 – DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL FONTE: Adaptado de Tomelin e Tomelin (2002, p. 89-90) FONTE: Adaptado de Paulo Netto (apud BONETTI et al., 2010, p. 23) Assim, podemos observar que existem diferenças concretas entre estes dois conceitos, no entanto, ainda devemos compreender que: TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 13 Assim, concluímos que a moral: Vem se constituindo historicamente, mudando no decorrer da própria evolução do homem em sociedade. Em que seus hábitos e costumes são constituídos por esta relação social, em que a essência humana é pautada por estes princípios morais. E estes, por sua vez, constituem o ser social que somos. E a ética nesta questão chega para simplesmente regular e analisar estes preceitos morais (PIERITZ, 2013, p. 21). Por conseguinte, segundo Pieritz (2013, p. 21, grifo nosso), “a ética é precursora da TRANSFORMAÇÃO SOCIAL dos diversos sistemas ou estruturas sociais. Sistemas estes que imprimiam suas mudanças sociais, tais como: Capitalismo e Socialismo”. Por fim, Pieritz (2013, p. 21) expõe que “quando é constituída uma nova estrutura social, a ética, os valores e princípios morais são modificados para constituir assim esta nova concepção de sociedade”. Ou seja, historicamente, com as transformações sociais, políticas e econômicas de um povo, automaticamente o sistema de valores morais e éticos se transforma, para que assim seja possível constituir um novo padrão sócio-histórico daquele determinado grupo. Salientando ainda que nesse processo de transformação social devemos respeitar a permanência de alguns valores socialmente construídos, como a solidariedade, a igualdade e a fraternidade, para que todos possamos construir uma sociedade mais justa, ética, democrática e cidadã. 4 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CIDADANIA No que tange às questões pertinentes à cidadania, partiremos de sua concepção advinda do Título I – “Dos Princípios Fundamentais” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual assim expressa: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Neste sentido, podemos observar que um dos princípios fundamentais da Carta Magna brasileira é a cidadania, mas você sabe o seu significado? UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 14 Vejamos: cidadania “é um conjunto de direitos e deveres que denotam e fundamentam as condições do comportamento de cada indivíduo em relação à sociedade, ou seja, a cidadania designa normas de conduta para o convívio social, determinando nossas obrigações e direitos perante os outros integrantes da nossa sociedade” (PIERITZ, 2013, p. 132). Neste sentido: Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade, para melhorar suas vidas e a de outras pessoas. Ser cidadão é nunca esquecer das pessoas que mais necessitam. A cidadania deve ser divulgada através de instituições de ensino e meios de comunicação, para o bem-estar e desenvolvimento da nação. A cidadania consiste desde o gesto de não jogar papel na rua, não pichar os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar os mais velhos (assim como todas as outras pessoas), não destruir telefones públicos, saber dizer obrigado, desculpe, por favor e bom dia quando necessário [...], até saber lidar com o abandono e a exclusão das pessoas necessitadas, o direito das crianças carentes e outros grandes problemas que enfrentamos em nosso país. ‘A revolta é o último dos direitos a que deve um povo livre para garantir os interesses coletivos: mas é também o mais imperioso dos deveres impostos aos cidadãos’. Juarez Távora - Militar e político brasileiro (WEB CIÊNCIA, 2009 apud PIERITZ, 2013, p. 132). Portanto, podemos observar que a cidadania possui três dimensões. QUADRO 5 – DIMENSÕES DA CIDADANIA FONTE: Adaptado de Pieritz (2013, p. 132-133) DIMENSÕES DA CIDADANIA Cidadania civil São aqueles direitos advindos da LIBERDADE de cada indivíduo, por exemplo: • o livre-arbítrio para expressar nossos pensamentos; • o direito de propriedade (venda e compra de um imóvel, um bem ou serviço); • entre outros. Cidadania política Podemos considerar que a cidadania política se legitima quando os homens exercem seu poder político de ELEGER e SER ELEITOS para o exercício do poder político, independentemente da instituição pública ou privada na qual venham exercer suas atribuições. Cidadania social Compreendida como o conjunto de direitos concernentes ao CONFORTO de cada cidadão, no que tange à sua vida econômica e social, ou seja, do seu bem-estar social. A cidadania expressa os direitos e deveres de todas as pessoas que vivem e convivem em sociedade, seja na esfera social, política ou civil, no que tange ao respeito a si, ao próximo e ao patrimônio público e privado. Além de que a cidadania é participação nos espaços públicos de discussão, a qual permeia as questões de democracia e ética de toda a população daquele determinado grupo social, político ou econômico. TÓPICO 1 | DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA 15 Deste modo, Maciel (2012, p. 29) expõe que hoje em dia a cidadania é “sinônimo de participação que remete ao exercício da democracia para além das eleições. Somos ‘controladores’ da política, do orçamento, ou seja, das ações do Estado como um todo”. Cada cidadão tem o dever e o direito de participar de todos os espaços democráticos do seu município, Estado ou Federação. Nesse sentido, tem-se a participação como um mecanismo do exercício da cidadania, ou seja, “O conceito contemporâneo de cidadania transcende a simples lógica da garantia de direitos legais. Segundo a concepção de Dallari (2004), a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar da vida e do governo de seu povo” (MACIEL, 2012, p. 31). Portanto, a palavra de ordem é “participar”, fazer parte do processo democrático, pois, de acordo com Maciel (2012, p. 32), quem não exerce sua cidadania “está excluído da vida social e da tomada de decisões. A cidadania não significa apenas uma conquista legal de alguns direitos, mas sim a realização destes direitos. Ela é construída e conquistada a partir da nossa capacidade de organização, participação e intervenção social”. Vale salientar que a cidadania é conquistada pela nossa participação nos momentos das discussões e decisões coletivas, portanto a cidadania se dá pela participação ativa de nossa vida em sociedade e na vida pública. 16 Neste tópico, você aprendeu que: • A compreensão do significado mais usual da democracia denota que a democracia é compreendida como um sistema de governo, no qual o povo governa para sua própria sociedade. • A democracia pode ser exercida de duas formas distintas, pois ela pode ser direta ou indireta. • A democracia é compreendida popularmentecomo a escolha de nossos representantes legais, por intermédio do voto popular. • O Estado Democrático de direito, que é aquele Estado que se organiza e opera democraticamente. • A Constituição da República Federativa do Brasil se organizou e definiu suas normativas em prol de um Estado Democrático, no qual a democracia deverá ser a base fundamental da República Federativa do Brasil. • A democracia também está atrelada ao conceito do “jogo de poderes”, principalmente a disputa e concorrência de cargos em todas as esferas governamentais ou não. • É importante relembrar que o elemento fundamental da democracia é a “participação do povo”. • A ética é uma das áreas da filosofia que investiga o agir humano na convivência com os outros. • A ética está diretamente relacionada aos nossos costumes e às ações em sociedade, ou seja, ao nosso comportamento, ao nosso modo de vida e de convivência com os outros integrantes da sociedade. • Todos nós possuímos princípios e valores que foram e são constituídos por nossa sociedade. E, com relação a estes valores, cada um de nós possui uma visão do que é certo e errado, do que é o bem e o mal. • A consciência moral é determinada por um consenso coletivo e social, ou seja, o conjunto da sociedade é que formula e compõe as normas de conduta que o regem. • Os problemas éticos permeiam todas as nossas ações em sociedade. RESUMO DO TÓPICO 1 17 • Existem diferenças nítidas entre ética e moral, sendo que a ética regula a moral, a ética é generalista e a moral reflete o comportamento socialmente construído e legitimado pelo seu povo. • A principal função da ética é sugerir qual o melhor comportamento que cada pessoa ou grupo social tem ou venha a ter. Indicando o que é certo ou errado, o que é bom ou mal. • O valor da ética está naquilo que ela explica, o fato real daquilo que foi ou é, e não no fato de recomendar uma ação ou uma atitude moral. • Um dos princípios fundamentais da Carta Magna brasileira é a cidadania. • A cidadania designa normas de conduta para o convívio social, determinando nossas obrigações e direitos perante os outros integrantes da nossa sociedade. • A cidadania expressa os direitos e deveres de todas as pessoas que vivem e convivem em sociedade, seja na esfera social, política ou civil, no que tange ao respeito a si, ao próximo e ao patrimônio público e privado. • Cada cidadão tem o dever e o direito de participar de todos os espaços democráticos do seu município, Estado ou Federação. A participação é compreendida como um mecanismo do exercício da cidadania. 18 1 (ENADE-2010, Formação Geral, Questão 9) As seguintes acepções dos termos democracia e ética foram extraídas do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. democracia. POL. 1 governo do povo; governo em que o povo exerce a soberania 2 sistema político cujas ações atendem aos interesses populares 3 governo no qual o povo toma as decisões importantes a respeito das políticas públicas, não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade 4 sistema político comprometido com a igualdade ou com a distribuição equitativa de poder entre todos os cidadãos 5 governo que acata a vontade da maioria da população, embora respeitando os direitos e a livre expressão das minorias. ética. 1 parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social. 2 p.ext. conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Considerando as acepções acima, elabore um texto dissertativo, com até 15 linhas, acerca do seguinte tema: Comportamento ético nas sociedades democráticas. Em seu texto, aborde os seguintes aspectos: a) conceito de sociedade democrática; b) evidências de um comportamento não ético de um indivíduo; c) exemplo de um comportamento ético de um futuro profissional comprometido com a cidadania. 2 (ENADE-2010, Formação Geral, Questão 2) AUTOATIVIDADE 19 A charge acima representa um grupo de cidadãos pensando e agindo de modo diferenciado, frente a uma decisão cujo caminho exige um percurso ético. Considerando a imagem e as ideias que ela transmite, avalie as alternativas que seguem. I- A ética não se impõe imperativamente nem universalmente a cada cidadão; cada um terá que escolher por si mesmo os seus valores e ideias, isto é, praticar a autoética. II- A ética política supõe sujeito responsável por suas ações e pelo seu modo de agir na sociedade. III- A ética pode se reduzir ao político, do mesmo modo que o político pode se reduzir à ética, em um processo a serviço do sujeito responsável. IV- A ética prescinde de condições históricas e sociais, pois é no homem que se situa a decisão ética, quando ele escolhe os seus valores e as suas afinidades. V- A ética se dá de fora para dentro, como compreensão do mundo, na perspectiva do fortalecimento dos valores pessoais. Estão corretas: a) ( ) I e II. b) ( ) I e V. c) ( ) II e IV. d) ( ) III e IV. e) ( ) III e V. 20 21 TÓPICO 2 SOCIEDADE E A DIVERSIDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Vamos iniciar o nosso tópico apresentando algumas definições e conceitos a respeito dos problemas sociais ocasionados pela diversidade que gera diferenças entre coisas e seres, que por consequência geram os mais diversos preconceitos, desigualdades e conflitos sociais. Vamos reconhecer a necessidade e a essencialidade da inclusão como uma forma de democratização das relações sociais, principalmente na emancipação e na sutileza do trato com o outro, seja em relação aos “iguais” ou entre iguais e diferentes, o que significa apenas uma concepção criada para diferenciar pessoas ou grupos sociais que, de alguma forma, ainda não foram incluídos no contexto social. 2 CONCEITOS DE DIVERSIDADE CULTURAL E DESIGUALDADE SOCIAL A diversidade cultural e a desigualdade social, apesar de terem conceitos distintos, desempenham uma ampla relação entre seus termos, isto é, quanto maior for a diversidade cultural, maior será a desigualdade social. Neste sentido, Gomes (2012, p. 678) afirma que “a diversidade, entendida como construção histórica, social, cultural e política das diferenças, realiza-se em meio às relações de poder e ao crescimento das desigualdades e da crise econômica que se acentuam no contexto nacional e internacional”. A diversidade cultural brasileira se deu pelo processo de miscigenação entre brancos, índios e negros e foi marcada por uma série de crenças, hábitos, costumes e conceitos contraditórios, alimentando assim uma discussão permanente a respeito dos direitos e deveres dos seres humanos. Principalmente no combate aos preconceitos remanescentes e oriundos dessa relação, que perdurou por séculos, trazendo sérias consequências a uma imensa população de oprimidos, incluindo-se aí os negros, os índios, os pobres, os portadores de algum tipo de deficiência, tipos de preferências, relações e diferenças sexuais, doenças crônicas, dentre outras formas de relações consideradas por uma boa parte da sociedade como algo fora da normalidade e, por esse motivo, não aceitável. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 22 3 DIVERSIDADE CULTURAL E DESIGUALDADE SOCIAL A diversidade no contexto cultural significa uma grande quantidade de coisas, ações, pensamentos, ideias e pessoas que se diferenciam entre si dentro de grupos sociais ou dentro de uma mesma sociedade, e os mesmos são passíveis de discussão, apelos, protestos, discórdia e geralmenteacabam em conflitos, chegando até às desigualdades sociais. Por isso, a presença da diversidade no acontecer humano nem sempre garante um trato positivo dessa diversidade. Os diferentes contextos históricos, sociais e culturais, permeados por relações de poder e dominação, são acompanhados de uma maneira tensa e, por vezes, ambígua de lidar com o diverso. Nessa tensão, a diversidade pode ser tratada de maneira desigual e naturalizada (GOMES, 2007, p. 19). No entanto, existem pontos de vista convergentes e pontos de vista divergentes, ambos discriminatórios, um no sentido positivo e outro no sentido negativo, isto é, no primeiro caso, trata-se daquilo que já foi estipulado pela sociedade como regras relacionadas com bom senso; já no segundo caso, são ações que não condizem com a ordem preestabelecida através das leis, normas e regras que regulam e inibem o que podemos definir como procedimentos absurdos. Portanto, a desigualdade social tem os seus princípios pautados nas tendências e nas diferenças de cada indivíduo. Vejamos: A pobreza: é uma condição que faz parte de um determinado grupo de pessoas que vivem à margem da sociedade, que são carentes dos recursos existentes, como moradia, alimentação, situação financeira etc. O que, na visão de alguns autores, é a condição que mais degrada o ser humano e a que mais se aproxima e se identifica como um fator ou um elemento causal do desequilíbrio econômico e da desigualdade social. Raça: trata-se da discriminação social, o que é muito presente nos dias de hoje por alguns grupos inescrupulosos que agridem com palavras ou pela violência física pessoas que não são da mesma etnia, não têm a mesma cor da pele, ou são de diferentes religiões ou, até mesmo, por causa de seu comportamento sexual. A discriminação racial diz respeito à raça/cor/fenótipo, que é um fator inerente à pessoa. Tal discriminação é abominável, assim como a discriminação a deficientes físicos ou idosos, pois tratam-se de aspectos involuntários e que, ademais, revelam a riqueza multifacetada da ordem criada, da diversidade natural. Outro tipo de discriminação é a avaliação dos atos e comportamentos, seja na escolha de uma religião e suas práticas ou nas ações que envolvem a sexualidade, entre outros aspectos do comportamento humano, pois nesses casos não se trata de aspectos inerentes ou involuntários, mas de opções sobre as quais podemos [e devemos] fazer juízos morais. Do contrário, por que estaríamos discutindo isso? Será que o ser humano, com toda capacidade de raciocínio e reflexão sobre si mesmo, reconhece a riqueza da pessoa? Haveria alguma etnia “melhor” que outra? TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 23 Podemos citar como exemplo o que aconteceu com os judeus, conhecido como o holocausto, ou o caso da África do Sul, que teve repercussão mundial, também conhecido como segregação racial (Apartheid), que significa separação entre negros e os brancos das classes dominantes. DICAS Sugerimos que você assista ao filme Mandela, que fala sobre a vida do ex- presidente da África do Sul e líder da luta contra o Apartheid. O filme tem como diretor Justin Chadwick. Como podemos perceber, o preconceito, a discriminação e o descaso com algumas pessoas têm ocasionado uma série de sofrimento e dor, principalmente para aquelas que são rejeitadas por uma grande parte da sociedade, em que as mesmas são julgadas e condenadas ao mesmo tempo, após serem classificadas como diferentes, porém, diferentes no sentido tendencioso e pejorativo, e muitas vezes essas pessoas são taxadas e rotuladas como pervertidas, no caso dos homossexuais, e frágeis, no caso das mulheres. Vejamos: Mulher: infelizmente, as estatísticas comprovam que apesar das várias leis existentes, no caso específico da Lei Maria da Penha, instituída para a proteção da integridade da mulher brasileira contra casos de violência doméstica, ainda existem casos absurdos de desrespeito à dignidade humana, não discriminando raça, religião ou posição social. Homossexualidade: é o comportamento sexual entre pessoas do mesmo sexo, e para alguns indivíduos esse tipo de comportamento fere as normas de conduta universal. No entanto, já existem projetos no Congresso Nacional que criminalizam certas atitudes discriminatórias contra essa parcela da sociedade, o que significa um avanço na busca de um espaço alternativo, o que é perfeitamente compreensivo em uma sociedade cultural democrática. De acordo com Silva (2007, p. 133), “[...] os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla”. Assim, é fundamental que percebamos as diferenças e desigualdades não de forma natural, mas como uma construção histórica possível de ser desestabilizada em sua forma rígida, para ser transformada em algo que possa ser identificado e reconhecido como base para a construção de relações interpessoais mais democráticas dentro da sociedade, isto é, devemos pensar e repensar o seu conceito histórico e a sua trajetória futura, pois, de acordo com Gomes (2007, p. 22): UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 24 A diversidade cultural varia de contexto para contexto. Nem sempre aquilo que julgamos como diferença social, histórica e culturalmente construída recebe a mesma interpretação nas diferentes sociedades. Além disso, o modo de ser e de interpretar o mundo também é variado e diverso. Por isso, a diversidade precisa ser entendida em uma perspectiva relacional. Ou seja, as características, os atributos ou as formas ‘inventadas’ pela cultura para distinguir tanto o sujeito quanto o grupo a que ele pertence dependem do lugar por eles ocupado na sociedade e da relação que mantêm entre si e com os outros. Portanto, o caráter multicultural de nossas sociedades revela-se hoje temática quase obrigatória nas discussões sobre sociedade e sobre educação. Porém, refletir sobre a diversidade exige um posicionamento crítico diante de uma realidade cultural e racialmente miscigenada, assunto que, apesar de já ter sido discutido anteriormente, achamos prudente e viável inserir neste parágrafo outra opinião, que confirma as anteriores a respeito do processo de miscigenação. “Não podemos esquecer que a sociedade é construída em contextos históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de colonização e dominação. Estamos, portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças” (GOMES, 2007, p. 22). E ainda segundo Gomes (2003, p. 73): O reconhecimento dos diversos recortes dentro da ampla temática da diversidade cultural (negros, índios, mulheres, portadores de necessidades especiais, homossexuais, entre outros) coloca-nos frente a frente com a luta desses e outros grupos em prol do respeito à diferença. Coloca-nos também diante do desafio de implementar políticas públicas em que a história e a diferença de cada grupo social e cultural sejam respeitadas dentro das suas especificidades, sem perder o rumo do diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais. A luta pelo direito e pelo reconhecimento das diferenças não pode se dar de forma separada e isolada e nem resultar em práticas culturais, políticas e pedagógicas solidárias e excludentes. No entanto, a diversidade e a diferença dizem respeito não somente aos sinais que podem ser vistos a olho nu, mas também àqueles que são construídos socialmente ao longo de um processo histórico, tendo os seus pontos divergentes e convergentes, que são construídos através das relações sociais e, principalmente, nas relações de poder e de submissão, e para algumas pessoas, nem sempre esse posicionamento é entendido dessa forma. Como nos diz Carlos RodriguesBrandão (1986 apud GOMES, 2007, p. 25), “por diversas vezes, os grupos humanos tornam o outro diferente para fazê- lo inimigo”. Aprofundando essa reflexão, tomamos como exemplo a Constituição Federal de 1988, que trata no Artigo 5º dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 25 II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] (BRASIL, 1988, s.p.). Neste sentido, surgem algumas perguntas relacionadas à diversidade humana e seus direitos: se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, tendo reconhecidas suas individualidades de homem e mulher como cidadãos, por que tanto se discute sobre as “questões de gênero”? Será que essa ideologia propõe a valorização da pessoa humana? Ou está disposta a trazer divisão, confusão de ideias ou até mesmo a negação da ordem natural? Ao privilegiar determinados grupos em detrimento de outros, não estaria contrariando a própria Constituição? Acadêmico, são muitos os questionamentos, e conforme destacado na apresentação deste livro, “aprender a questionar é tão importante quanto buscar o saber”. Por isso, nosso propósito é estimular o seu raciocínio crítico sobre a realidade em que vivemos, em um tempo de profundas e rápidas mudanças culturais, um tempo de aumento do individualismo, da comunicação quase que exclusivamente on-line, em que pouco se ouve, vê, toca ou sente. O diálogo é o caminho que nos une, revela nossa capacidade de aprender com o próximo e permite que as diferenças favoreçam a complementariedade promotora da paz. Pensar na diversidade cultural é pensar em sociedade, que envolve pensamento, ideia, ação e mudanças, isto é, significa pensar não apenas no reconhecimento do outro, mas pensar na relação entre o eu e o outro, pois, quando consideramos o outro estamos também considerando a nossa história, o nosso grupo e o nosso povo, mas não apenas como um simples padrão de comparação, e sim em sua totalidade. FIGURA 5 – DIVERSIDADE CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://educacaobilingue.com/2010/01/17/indigena/>. Acesso em: 12 fev. 2014. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 26 Nessa perspectiva, percebemos que “somos todos iguais como seres humanos. Por isso devemos combater qualquer forma de discriminação e de arrogância, agindo solidariamente uns com os outros” (AQUINO et al., 2002, p. 16). O ser humano veio ao mundo não somente para compor ou contribuir para o povoamento da Terra, mas para ser útil, participativo, democrático, ético, moral e solidário para com os seus semelhantes. Essas são as diversas opções existentes, que além de motivadoras, também servem como estímulo na adaptação do ser humano, bem como no seu processo de desenvolvimento pessoal frente às diversidades existentes no universo, que poderíamos denominá-las como um conjunto de atos e fatos diferentes entre si que formam a sociedade como um todo. Para Saji (2005, p. 13), “o tema diversidade é bastante amplo. Sua abordagem vai desde definições restritas às questões de raça, etnia e gênero, até as mais abrangentes, que consideram como diversidade qualquer diferença individual entre as pessoas”. AUTOATIVIDADE Chegou a sua vez! Escreva o seu conceito para Diversidade. ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Assim, a diversidade faz parte da natureza das coisas existenciais, sendo elas a diversidade relacionada à situação socioeconômica, ou à diversidade cultural, em que as mesmas foram se transformando em essência no decorrer dos tempos, principalmente em se tratando das diferenças relacionadas às diferentes raças e suas manifestações culturais, incluindo-se aí a sua descendência, que, por consequência, deixam de fazer parte da cultura original e passam a fazer parte de outra cultura produzida para atender a uma demanda econômica. Como foi o caso da cultura da cana-de-açúcar, explorada pelos grandes latifundiários, gerando um longo período de uma relação conflitante e tumultuada entre o poder daqueles grupos de exploradores e a submissão dos negros, dos índios, das mulheres, das crianças e adolescentes. Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos, seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995, p. 120). TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 27 AUTOATIVIDADE Qual o seu conceito para desigualdade social? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Então, caro acadêmico, existe uma diversidade de coisas diferentes e uma diversidade de pessoas diferentes em todos os seus aspectos. A esse tipo de diversidade denominamos de diversidade cultural, o que significa, na prática, o relacionamento comunitário, ou melhor, o relacionamento em diferentes comunidades, podendo esse relacionamento contribuir significativamente no sentido cooperativo ou na geração de conflitos, que são chamados de conflitos sociais. Portanto, são essas diferenças que geram o princípio da desigualdade social, que vão além das características humanas, ultrapassando o bom senso, descaracterizando o princípio da igualdade e do amor ao próximo, modificando ou alterando outros princípios considerados de grande importância para as questões relacionadas com o respeito, a dignidade, a reciprocidade e as boas práticas das relações humanas no contexto social. Acadêmicos! É preciso que haja um basta nesta triste trajetória de descaso e discriminação entre os seres humanos, principalmente frear os impulsos daqueles mais exaltados, que ferem com palavras e atos e cada vez mais maculam a imagem e obscurecem a identidade do indivíduo como pessoa e como cidadão com direitos e deveres. Dessa forma, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social. Isso é cidadania, isso é respeito e é também uma forma de inclusão social. Assim, a desigualdade significa não só a diferença existente entre pessoas ou coisas que compõem o universo, mas significa também a diferença no tratamento e no respeito para com o outro. Nesse caso, estamos nos referindo à desigualdade humana, que na maioria das vezes está caracterizada pelo preconceito e pelos diversos tipos de violências e pelas suas relações conflitantes dentro do contexto social. Exemplo: a desigualdade socioeconômica, as desigualdades raciais, a falta de segurança, a falta de acesso à moradia, ao saneamento básico, dentre outras formas de exclusão social.Muitas vezes, essas diferenças são ocasionadas pela falta de oportunidade, excluindo até o mais digno do ser humano, o que não deixa de ser uma forma preconceituosa de relação e convivência social. Aquino et al. (2002, p. 34-35) afirmam que: Toda vez que julgamos uma pessoa, um grupo ou mesmo um povo sem conhecê-los, estamos usando de preconceito. [...]. O termo preconceito significa o conjunto de opiniões formadas antecipadamente sobre o outro, sem levar em conta suas qualidades ou suas capacidades. Os preconceituosos têm atitudes intolerantes com as pessoas que são diferentes deles. Julgam-se superiores e, por isso, desvalorizam e desrespeitam outras pessoas. Preconceito e intolerância andam sempre juntos. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 28 São atitudes que acontecem no dia a dia, por meio de atos, gestos ou palavras que tentam diminuir, rebaixar os modos de ser, agir e sentir dos outros. E, algumas vezes, elas ocorrem sem que as percebamos com clareza, até senti-las na própria pele – por exemplo, quando não somos aceitos por alguém ou por um grupo. Neste caso, somos vítimas de um preconceito aberto, direto e explícito. E isso já aconteceu com todos nós, de um modo ou de outro. Mas há também o preconceito indireto, implícito, como as piadas de mau gosto, que ofendem as pessoas só por causa de sua raça, nacionalidade, sexo e outras características. Ainda com relação aos preconceitos, segundo a denominação de inclusão e exclusão social, estas são pautadas e divididas em grupos ou classes sociais, que, por sua vez, são classificadas hierarquicamente de acordo com o seu poder aquisitivo, sua relação social, diferenças culturais, a cor da pele, sexualidade, etnia, deficiências físicas, idade, crenças etc. Portanto, a diversidade humana (pessoas diferentes) deveria ser um instrumento de unificação dos seres, diferentemente das desigualdades sociais, que significam que nem todos têm as mesmas oportunidades, o que em grande parte se deve às diversas formas de preconceito. Alguns deles, no modo de ver do seu praticante, lhe soam como se isso fosse uma espécie de elogio ao próximo. Exemplo: E aí, negão!? Essa expressão, que parece simples, é uma forma disfarçada de discriminação. “Algumas expressões corriqueiras que falamos sem pensar são carregadas de preconceito” (AQUINO et al., 2002, p. 44). Aquino et al. (2002, p. 44) trazem mais exemplos: “é o caso de determinadas expressões preconceituosas, como: os negros que têm ‘almas brancas’, os homossexuais que parecem ‘pessoas normais’, os idosos que parecem ‘jovens’, os obesos que são ‘engraçados’, as pessoas pobres que são ‘limpas’. E assim por diante”. Como sabemos, o descaso e as práticas discriminatórias em relação a essas pessoas, que fazem parte, assim como todos nós, de um mesmo espaço planetário, não deveriam existir, mesmo porque a diferença existente entre os seres de todas as espécies faz parte de um processo natural, ou melhor, da natureza das coisas existentes. E os seres humanos vão além das diferenças, pois nós somos dotados de raciocínio e discernimento para avaliar e distinguir o certo do errado, comportamento esse que deveria ser institucionalizado pelas tradições, pelos valores éticos e morais, sem a necessidade de uma imposição legal, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, parece que pouco têm efeito as leis que reprimem essas práticas discriminatórias, preconceituosas e racistas, visto que, infelizmente, parece existir uma autorrejeição por parte de algumas pessoas ou grupos que ainda mantêm certos padrões de comportamento que não mais condizem com a realidade dos padrões atuais e universais, dos direitos constituídos e com o processo democrático, com as leis de proteção às crianças, aos idosos, aos negros, às mulheres, aos indígenas, aos deficientes físicos, entre outros. São seres humanos que sofrem discriminação e negação de direitos que estão incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme citado no parágrafo acima. TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 29 Nesta perspectiva, não se desconsidera que as diferenças existam e estejam colocadas socialmente, porém, elas não significam, necessariamente, exclusão social. Por exemplo, a condição de raça, gênero, religião, entre outras, não seria elemento de exclusão, mas de diferenciação entre as pessoas, não as tornando ‘desiguais’. As pessoas são diferentes umas das outras e isto nada tem a ver com privilégios. Assim, racismos e preconceitos se fundamentam no entendimento da diferença/diversidade como desigualdade. Nestes termos, as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza (SANTOS, 2003 apud MARQUES, 2009, p. 68). Para que possamos entender e discursar sobre o conceito de diversidade não é tão fácil como parece, pois é preciso nos aprofundarmos sobre o seu real significado e a sua real importância no equilíbrio natural e social, na relação homem-natureza, e principalmente na relação entre seres humanos, tanto no que diz respeito à tolerância e ao respeito mútuo entre seres da mesma espécie, bem como a compreensão e o sentimento solidário, que são a base do princípio da igualdade. Sem diversidade não há estímulos para pensar diferente, não há estímulos para pensar no princípio da igualdade. Portanto, pensar diferente é o caminho para viver e compreender o sentimento solidário que devemos ter. Apesar de que, no dia a dia, relacionar-se com as inúmeras diferenças humanas e sociais do mundo atual nem sempre traz harmonia. Assim, seguindo o raciocínio de Aquino et al. (2002), o problema é o seguinte: se todas as pessoas são únicas e especiais a seu modo, quem haveria de ser “mais” ou “melhor” do que o outro? Em outras palavras, somos únicos como indivíduos, e por isso somos diferentes, somos iguais como seres humanos. A isso se dá o nome de equidade. Convém lembrar que ser igual não é ser idêntico. Ao contrário, somos semelhantes, embora diversos. Afinal de contas, em que nos diferenciamos uns dos outros? A resposta é óbvia: em praticamente tudo. A começar pela nossa história de vida, passando pelas características biológicas (raça, cor, sexo), até as de cunho social (escolaridade, condição econômica, opções políticas etc.). Mesmo sendo únicos, continuamos a pertencer à mesma espécie, à raça humana. Por essa razão, não há seres humanos “superiores” ou “inferiores”. Cada um é especial a seu modo. Só teremos um convívio democrático e pacífico se tratarmos o outro da mesma forma que gostaríamos de ser tratados. Todos esses conceitos fazem parte de uma cultura geral, ou seja, da construção e da desconstrução do processo de desenvolvimento humano, e da sua própria sobrevivência. A cultura é, pois, “o conteúdo da construção histórica da humanidade dos seres humanos, humanizando-os ou desumanizando- os” (SOUZA, 2002, p. 53). O principal objetivo do nosso estudo é justamente conscientizar os nossos acadêmicos rumo a uma reflexão mais humanista a respeito das nossas ações e na superação definitiva da desigualdade social, o que diz respeito ao cidadão e à relação com o meio em que ele vive, em que o respeito pelas diferenças forma o espírito da academia e a humanização social. Com base no que foi dito e analisado até aqui, nos parece que o ponto de partida para a solução, pelo menos de parte dos problemas raciais, das diferenças, da exclusão e da inclusão social, pode estar na educação de base, ou seja, se o UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 30 aluno tiver uma educação inicial que o motive a ultrapassar essas barreiras. A partir daí ele poderia formar uma base sólida para ingressar na faculdade melhorpreparado, o que sem dúvida é parte integrante para o seu desenvolvimento profissional e pessoal. Você quer descansar um pouco, sem deixar de refletir sobre o conteúdo? Assista ao filme “O Visitante”, ele contribuirá com seus estudos. Sinopse: Walter, solitário professor universitário, tem 62 anos e já não encontra prazer na vida. Ao viajar a Nova York para uma conferência, encontra o casal Tarek e Zainab, imigrantes sem documentos, morando em seu apartamento. Eles não têm para onde ir, e Walter acaba deixando que fiquem. Para retribuir, o talentoso Tarek ensina Walter a tocar o tambor africano e os dois ficam amigos. Quando a polícia prende o jovem e decide deportá-lo, Walter faz de tudo para ajudá-lo, com uma garra que há muito não sentia. Surge então a mãe de Tarek em busca do filho e um improvável romance tem início. FONTE: Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=1aSoTQbewiI>. Acesso em: 9 set. 2017. DICAS 4 INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL DA DIVERSIDADE Acadêmicos! Já compreendemos o caráter plural de nossas sociedades e as complexas relações estabelecidas socialmente. Diante disso, percebemos que vivemos em uma sociedade dividida em classes, em que a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais é constante. Nesse sentido, lutamos em favor da inclusão escolar, em favor de currículos mais inclusivos, abertos às diferenças sociais, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais e ideológicas, no intuito de respeitar o caráter plural da nossa sociedade, contribuindo para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos, aptos a compreender como as coisas são e por que são assim. O principal objetivo é a possibilidade da mudança, da construção de uma ordem social mais justa e menos excludente. Sendo isso um legado do presente para as gerações futuras, o que pode ser uma prática aprendida e reproduzida a partir da família e da escola, que são os agentes formadores de opinião, e que juntamente com a sociedade esses agentes irão definir o sucesso ou o fracasso no contexto social. TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 31 5 INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL DA DIVERSIDADE HUMANA Acadêmico! A inclusão escolar tem sido mal interpretada tanto por parte da escola, seja ela comum ou especial, quanto dos profissionais da educação. “O certo, porém, é que os alunos jamais deverão ser desvalorizados e inferiorizados pelas suas diferenças, seja nas escolas comuns, seja nas especiais” (MANTOAN, 2006, p. 190). Ainda com base nesse raciocínio, “[...] a educação escolar não pode ser pensada nem realizada senão a partir da ideia de uma formação integral do aluno – segundo suas capacidades e seus talentos – e de um ensino participativo, solidário, acolhedor” (MANTOAN, 2006, p. 9). Reverter o que historicamente foi construído é difícil, implica em construir alternativas que possibilitem a emancipação social dos diferentes sujeitos, fazendo uma clara opção política por um compromisso contra as discriminações, as desigualdades e o respeito à diversidade cultural. O que, de acordo com Mantoan (2006, p. 9, grifo do original), trata-se de um trabalho de “‘ressignificação’ do papel da escola com professores, pais e comunidades interessadas, bem como de adoção de formas mais solidárias e plurais de convivência. Para terem direito à escola, não são os alunos que devem mudar, mas a própria escola!”. E a autora continua: “O direito à educação é natural e indisponível. Por isso, não faço acordos quando me proponho a lutar por uma escola para todos, sem discriminações, sem ensino à parte para os mais e para os menos privilegiados”. Dessa forma, a escola pode fazer o anúncio da construção de novos tempos na educação, contribuindo para formar alunos não conformistas, e sim, questionadores, reagentes e competentes, aptos a rejeitar valores celebrados pela nova ordem mundial, como o egoísmo e o individualismo. Mantoan (2006, p. 14) nos coloca que, seja ou não “uma mudança radical, toda crise de paradigma é cercada de muita incerteza e insegurança, mas também de muita liberdade e ousadia para buscar outras alternativas, novas formas de interpretação e de conhecimento [...] para realizar a mudança”. Mudança essa que é direito expresso na Constituição Federal de 1988. A Constituição respalda em seu artigo 206, inciso I, que o ensino será ministrado em “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Portanto, temos que entender que: Ao garantir a todos o direito à educação e ao acesso à escola, a Constituição Federal não usa adjetivos. Por essa razão, toda escola deve atender aos princípios constitucionais sem excluir nenhuma pessoa em decorrência de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência. Apenas esses dispositivos já bastariam para que não se negasse a qualquer pessoa, com ou sem deficiência, o acesso à mesma sala de aula que qualquer outro aluno (MANTOAN, 2006, p. 26-27). Percebe-se então que os discursos precisam ser revistos, compreendendo a diversidade humana como algo positivo, liberto de olhares preconceituosos, possibilitando a valorização pela cultura do outro. Portanto, a inclusão: UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 32 [...] exige uma mudança de mentalidade e de valores nos modos de vida e é algo mais profundo do que simples recomendações técnicas, como se fossem receitas. Requer complexas reflexões de toda a comunidade escolar e humana para admitir que o princípio fundamental da educação inclusiva é a valorização da diversidade, presente numa comunidade humana (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 146). E na sequência os autores continuam afirmando que a escola: Foi e continua sendo um espaço de padronizações ao promover a construção de conhecimentos com pouco significado, formalizado, pronto, sem relação e sentido com a vida dos seres humanos que lá estão, sejam alunos ou docentes. Ela é construtora de pensamentos, ações e movimentos que denotam igualdade e repetição. É importante a escola oportunizar vivências capazes de desconstruir a realidade do igual, da repetição, para valorizar a diferença, acreditando na diversidade da vida, das cores, sabores e movimentos (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 148). Assim, falar sobre inclusão escolar e/ou social é falar sobre a conscientização humana na democratização das relações entre os povos e os demais indivíduos que fazem parte do contexto social como um todo, independentemente de credo, raça, poder aquisitivo ou posição social, visto que fazemos parte de uma mesma sociedade e as diferenças fazem parte integrante do equilíbrio social e da própria espécie humana. No entanto, fica aqui a indagação: quais as oportunidades que estão sendo oferecidas pelos agentes sociais a essa massa de desamparados e excluídos do sistema social? De acordo com texto publicado no livro “Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade”, desenvolvido pelo Ministério da Educação, a escola pode e deve ser um ponto de partida na formação de cidadão e cidadã comprometidos com a construção dos valores éticos e morais, tanto no contexto escolar, como no âmbito das relações sociais. Aprender a ser cidadão e cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não violência; aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na escola. Para que o(a)s estudantes possam assumir os princípios éticos, são necessários pelo menos dois fatores: - que os princípios se expressem em situações reais, nas quais o(a)s estudantes possam ter experiênciase conviver com a sua prática; - que haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia moral, isto é, da capacidade de analisar e eleger valores para si, consciente e livremente. Outro aspecto importante desse processo é o papel ativo dos sujeitos da aprendizagem, estudantes e docentes, que interpretam e conferem sentido aos conteúdos com que convivem na escola, a partir de seus valores previamente construídos e de seus sentimentos e emoções (LODI; ARAÚJO, 2006, p. 69). TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 33 Com relação aos agentes citados nos parágrafos anteriores, também concordamos que a partir da inclusão escolar, principalmente no tocante à educação básica, ela deveria ser um espaço voltado para a harmonização da convivência social e não simplesmente uma mera reprodução de saberes. Em que, na maioria das vezes, esses saberes são direcionados apenas para produzir agentes econômicos, dando pouca ou quase nenhuma ênfase às questões relacionadas à ética e às características comportamentais do ser humano como uma forma de equilíbrio no convívio das relações sociais, o que já é um processo discriminatório e de exclusão, ou, no mínimo, uma forma de omissão do próprio sistema de ensino, principalmente com relação aos índios e negros. A luta travada em torno da educação do campo, indígena, do negro, das comunidades remanescentes de quilombos, das pessoas com deficiência, tem desencadeado mudanças na legislação e na política educacional, revisão de propostas curriculares e dos processos de formação de professores. Também tem indagado a relação entre conhecimento escolar e o conhecimento produzido pelos movimentos sociais (GOMES, 2007, p. 32). E na continuação o autor chega às seguintes conclusões: A diversidade é muito mais do que o conjunto das diferenças. Ao entrarmos nesse campo, estamos lidando com a construção histórica, social e cultural das diferenças, a qual está ligada às relações de poder, aos processos de colonização e dominação. Portanto, ao falarmos sobre a diversidade (biológica e cultural) não podemos desconsiderar a construção das identidades, o contexto das desigualdades e das lutas sociais. A diversidade indaga o currículo, a escola, as suas lógicas, a sua organização espacial e temporal. No entanto, é importante destacar que as indagações aqui apresentadas e discutidas não são produtos de uma discussão interna à escola. São frutos da inter-relação entre escola, sociedade e cultura e, mais precisamente, da relação entre escola e movimentos sociais. Assumir a diversidade é posicionar-se contra as diversas formas de dominação, exclusão e discriminação. É entender a educação como um direito social e o respeito à diversidade no interior de um campo político (GOMES, 2007, p. 41). Assim, é através dos movimentos sociais que podemos melhorar o sistema educacional e corrigir as distorções sociais, que são frutos de um processo longo que vem se arrastando através dos tempos, em que pouco ou quase nada tem sido feito como forma de reparar ou pelo menos minimizar os seus efeitos negativos e na reparação dos erros cometidos. Portanto, é de extrema necessidade a inserção e a interação de todos os seres humanos, independentemente de suas características ou condições sociais. Para Stainback (1999), a total inclusão de todos os membros da humanidade, de quaisquer raças, religiões, nacionalidades, classes socioeconômicas, culturas ou capacidades, em ambientes de aprendizagem e comunidade, pode facilitar o desenvolvimento do respeito mútuo, do apoio mútuo e do aproveitamento dessas diferenças para melhorar nossa sociedade. É durante seus anos de formação que as crianças adquirem o entendimento das diferenças, o respeito e o apoio mútuos em ambientes educacionais que promovem e celebram a diversidade humana. UNIDADE 1 | CIDADANIA E SOCIEDADE 34 A construção de sociedades e escolas inclusivas, abertas às diferenças e à igualdade de oportunidades para todas as pessoas, é um objetivo prioritário da educação nos dias atuais. Nesse sentido, o trabalho com as diversas formas de deficiências e uma ampla discussão sobre as exclusões geradas pelas diferenças social, econômica, psíquica, física, cultural, racial, de gênero e ideológica, devem ser foco de ação das escolas. Buscar estratégias que se traduzam em melhores condições de vida para a população, na igualdade de oportunidades para todos os seres humanos e na construção de valores éticos socialmente desejáveis por parte dos membros das comunidades escolares é uma maneira de enfrentar essas exclusões e um bom caminho para um trabalho que visa à democracia e à cidadania (ARAÚJO, 2007, p. 16-17). Portanto, as mudanças comportamentais e as inclusões sociais relacionadas com todos os povos não podem e não devem ser somente responsabilidade da família e das instituições de classes, mas também de responsabilidade das escolas inclusivas e dos seus agentes sociais. Neste sentido, reafirmamos que a inclusão escolar: Só será viável se o professor e toda a comunidade escolar mudarem seu jeito de lidar com a diferença, via aceitação de formas relacionais de afetividade, de escuta e de compreensão, suspendendo juízos de valores como pena, repulsa e descrença. Uma mudança como desejo interior, porque algo interior nos diz que vale a pena mudar (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2011, p. 148). E quando falamos em mudanças, estamos nos referindo a uma mudança estrutural, em que todas as partes se relacionam, interagem e se complementam para a harmonização do todo, que por sua vez é parte de uma estrutura maior, que podemos chamar de estrutura social, que é composta, dentre outras, pela escola, família, igreja, governo com suas políticas públicas, instituições financeiras, jurídicas e organizações sociais propriamente ditas, as ONGs. Como podemos perceber, tudo isso constitui um grande desafio rumo a uma mudança significativa. E, por estas e outras razões, nos parece que a sociedade está caminhando no rumo certo. AUTOATIVIDADE Então, acadêmico, você acredita que ainda existe perspectiva e esperança de dias melhores? Como podem ser superadas as barreiras que afetam a harmonia entre os humanos? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ TÓPICO 2 | SOCIEDADE E A DIVERSIDADE 35 Vejamos o que nos propõem os autores Assmann e Sung (2000, p. 103): A esperança humana, da qual estamos falando, é um horizonte de futuro tecido com desejo. Não o desejo de um único indivíduo, nem o desejo de subir na ‘escada do sucesso’ segundo os parâmetros da eficiência do mercado regendo todos os aspectos da nossa vida, mas o desejo do reconhecimento mútuo e respeitoso entre pessoas e grupos sociais, o desejo de uma vida mais digna e prazerosa para todos\as. O desejo de um mundo onde caibam muitos e muitos mundos. E concluindo o seu pensamento: É esse horizonte de esperança que nos mostra, nos revela, a mesquinhez e a irracionalidade de uma sociedade centrada na exclusão e insensibilidade, e a desumanidade de uma vida humana voltada para negar a sua condição humana. Horizonte de esperança não é algo que se toma dentre as ofertas do mercado, nem pode ser produzido individualmente. Como todo horizonte de compreensão, ele deve ser tecido no diálogo, na construção de uma linguagem e esperanças comuns. Por isso, um horizonte de esperança que nos abra e nos interpele para a sensibilidade solidária só pode ser fruto de um desejo de dialogar com os\as que estão dentro e fora da sociedade, do nosso mundo (o mundo de cada um, o mundo de
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