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Dos Deveres ·~~- _.jf. Martin:; Fonte:; DOS DEVERES Cícero Tradução ANGÉLICA CHIAPETA Revisão da tradução GilSON CESAR CARDOSO DE SOUZA Martins Fontes São Paulo 1999 Titu/Q wl.ginol· DE OFFICIIS. Copy1 ight C Liwt>ria Martins Fonr<S Editora Uda., S/io Paulo, 1999, para a p>~stnf< <dição. l' edição julho de 1999 TraduçAo do latim ANGÉLICA CHlllf'ETA Jll.e>isã<> da tradoçln Gilso" Cesar CaFdoM de Sou'a Tn.duçlo dn aparato crftlco Gilson Cesar Cardoso de Sou•a RevloOo gnlifica Sa1!dra R<gi"" de SO"-"<' Ana Maria de OtiW!ira Me,,U,s Barbrua Produçio gdir"'a Ge~"fJida Alvos Fntolltoo Studio3 De><m'<'Mrn<moEdito>-ial {6957-7653) Dados lnlemaciooais do ~"" Puhli<açio (C!P) (Cãmara Br""lleira do Liv111, SP, B""'il) Clcero, Ma= Túlio Dos devere> 1 Cícero o (mtdu;lio do latim Angólica Chi>pota ~ r<v!.IOlo da !raduç~ Gilson Cósar Cardoso àc Souza]. -Silo Paulo : MortillS Fomes, 199-9. - (Clássico>) Titulo <niginal: De officik Edi<;lo bilín~ne: fra:m:l!•·lllim. Bibliografia. ISBN 85-336-1074-2 L Filo•o!ia antigo 1. Titulo. n. Série. 99-2850 lndi<eo para <atálogo slilemó:!oo: 1. F!looo!iaant~ 180 CDD-180 Todos os dio·eiws para a lfnguaponugue;a 1-eservados ll Livraria Mal'li1u Fontes Editora Lldt.. Rua Conselheiro Ramalho, 3301340 01325-000 Sáo Paulo SP Bmsil Te/. (011) 239-3677 Fax (011) 3105-6867 e-moi!: info@martinifontes com http://www.WUJrtinsjomes.com indice Introdução ................. ........ ,.................................... VII Cronologia .............................................................. XXXV" Sumário das doutrinas das escolas belenfsticas... XLI Bibliografia ... ........................... . Sinopse .................................................................... . Livro 1... Livro 11. DOS DEVERES Livro III ............................................. .. Notas biográficas ......................... . XLV UII 3 79 127 185 Introdução O autor !Vlarço Túlio Cícero nasceu em 106 a.C. e era, assim, exatamente da mesma idade de Pompeu e um pouco mais velho do que César, o Ditador. Membros da última geração da República Romana, os três sofreram morte violenta na década de 40, quando a própria república agonizava com a guen"a civil. ;>ompeu dissera em público que, sem o ser- viço prestado por Cícero à sua pãtria como cônsul, não te- ria havido uma Roma para testemunhar seu terceirO triunfo (De off., 1.78); César escreveu sobre a contribuição de Cíce- ro para as Letras Latinas: "Ganhaste !curas maiores do que a coroa triunfal, pois faç2.nha maior é ter estendido as fron- teiras do gênio romano que as do império de Roma" (Plí- nio, Hist. nat., \111.117). E eles eram os dois maiores gene- rais num Estado que admirava, acima de tudo, a vitória e a conquista militar. Que feitos de política e ·eloqüência teriam merecido tal louvor, tal lisonja? Diferentemente de seus contemporâneos, Ocero era um "homem novo", o primeiro da sua família a ocupar um cargo público. Veio de Arpino, província que gozava da ci- dadania romana desde 188 a.C. e, aré então, só produzira um grande general e homem público, Caio Mãrio, que sal- vara Roma ameaçada por urna invasão bárbara vinda do vrr ---------Dos deveres ________ _ Norte, na década do nascimento de Cícero. 1 0s Ckeros eram aristocratas locais, proprietários de terras, com tempo para o lazer, educados e envolvidos na política local. O avô de Ckero atraiu a atenção em Roma pelo seu empenho conser- vador, opondo-se ã introdução do voto secreto em Arpino. Seu pai, doente e, assim, limitado às pesquisas eruditas, obs- tinava-se no entanto em dar a seus dois fllhos, Marco e Quin- to, o mais novo e menos talentoso, as oportunidades neces- sárias para entrar na vida pública romana. Levou-os a Roma onde, na casa do grande orador Lúdo Licírtio Crasso, foram confiados aos melhores professores de retórica. No mesmo período, Cícero teve seu primeiro contato com o direito e a filosofia, encontrando, entre outros, o es- tóico Diódoto, que mais tarde iria viver e morrer em sua casa, e Filon de Larissa, o diretor da Academia de Platão em Atenas, que fugiu para Roma em 88 a.C. por ocasião da invasão do rei Mitridates do Ponto. Cícero foi então para a Grécia em 79-77 para continuar seus estudos de retórica e filosofia. Quando disse, no De officiis, que a filosofia não foi apenas um grande interesse de juventude (11.4), mas a fonte de suas realizações na vida ?ública (1.155), pensava na importância dessa disciplina na formação de um orador. Diódoto ensinou-lhe dialética; os peripatéticos, que desen- volveram a teoria da retórica, ensinavam a argumentar em defesa dos dois lados de uma causa; os acadêmicos ensina- vam a refutar todo e qualquer argumento. Esses últimos fo- ram os mais importantes para Cicero. Durante suas viagens, ouviu dois filósofos carismáticos. Antioco de Ascalão e Po- sidônio, o polimata, mas permaneceu essencialmente fiel aos primeiros ensinamentos céticos de Fílon, rejeitando a possibilidade de um conhecimento certo e afirmando seu direito de adotar a posição que lhe parecesse, em cada oca- sião, mais persuasiva (11.7; 111.20; cf. 1.2; 1.6). Cícero fez sua estréia nos tribunais durante a ditadura de Süa (11.51). Depois de retomar a Roma, foi eleito para Vlll _ __________ Introdução __________ _ ~cu pnmeiro cargo público, o de questor ou oficial de fi- :l~::-:ças. na Sicília. Seis anos mais tarde, acusou o cúpido ~ç\·emador Verres, em defesa da ilha (11.50). Voltou para :J.SS'.:.mir o cargo de edil, no qual promoveu os esperados t:-Spetáculos públicos, mas com pouco gasto; apesar dessa n~oC,eração, diz-nos ele, superou outros candidatos e ele- gcc:.-se para dois altos cargos, com a idade mínima exigida di. 59). Tomou-se, assim, pretor com 40 anos de idade e ·:ô'lsul com 43. Foi um feito notável para um homem de suas origens. O consulado de 63 a.C., no qual ofuscou completa- mente seu colega, foi o ápice de sua carreira. Não deseja- va comandar exé::citos nem governar uma província do im- ;:oério, embora, alguns anos mais tarde, quando mandado para a Cilícia, tenha executado conscienciosamente seus deveres administrativos, judiciais e até militares, enquanto trabalhava para conseguir seu pronto retorno a Roma. As pretensiosas alusões a seu consulado, que adornam todo o livro do De officiis (1.77; II.84; 111.3), dão apenas uma páli- da idéia da importância que Cícero atribuía a ele. Cele- brou-o em grego e latim, em prosa e verso, "não sem cau- sa, mas sem fim", como Sêneca mais tarde observou. De fato, a conspiração de Catilina, que o próprio Cícero pro- Yocou ao frustrar tanto as propostas radicais de perdão de dívidas quanto as ambições eleitorais do patrício Catilina, e que ele desmascarou e impediu, certamente teria signifi- cado derramamento de sangue e revolta social. Cícero foi míope ao ignorar queixas genuínas em Roma e na Itália, m.as não mostrou falta de coragem ao enfrentar as conse- qüências. Sua pror..ta ação, que incluiu a execução de cidadãos romanos sem julgamento, provocou repulsa em alguns se- tores, e Pompeu, embora pronto a louvá-lo, nada fez para impedir que o tribuno Públio Clódio o exilasse em 58. Em retrospectiva, viu sea sofrimento como o de um patriota IX --------- Dosd!WI!res ________ _ mártir (11.58), embora Pompeu conseguisse seu regresso no ano seguinte. Havia, na verdade, a sensação de que a mudança de fortuna de Cícero estava ligada à de Roma, pois a aliança politica de Pompeu, César e Crasso, formada em 60, não apenas restringia a influência de homens como Cícero, mas também submetia ã coerção militar as instit .. üções da Repú- blica Romana - as assembléias populares que elegiam e legislavam, os magistrados que as integravam e o Senado, composto de ex-magistrados, que provi2. o único elemento de continuidade da orientação política. Cícero confidenciou certa vez ao irmão que seu consu- lado fora a realizaçãodo sonho platônico do governante filó- sofo (Qjr., I.I.29). Agora, impedido de auxiliar Roma como homem público, contentou-se em instruí-la na retórica e na filosofia política, escrevendo diálogos inspirados nas obras- primas literárias de Platão. Depois de seu governo e subse- qüente envolvimento na guerra civil ao lado de Pompeu, Cícero foi perdoado por César, então ditador, e retomou sua atividade literária. Com a derrota da causa republicana, sen- tiu que a atividade política independente e, portanto, hon- rosa, estava encerrada para ele (De qff, 11.2). Cícero voltou-se para a filosofia em parte porque ela proporcionava distração e consolo, que se tornaram parti- cularmente necessários depois da morte de sua amada fi- lha l'úlia, em fevereiro de 45. Era também um uso hones- to de seu lazer para o bem público (De off., I1.4-6) e um desafio que poderia honrar a ele e a Roma. O desafio era in- corporar à alta cultura latina mais uma criação grega, pro- vavelmente a mais difícil de todas, uma vez que os roma- nos, por sua visão do mundo e por sua língua, ofereciam resistência ao pensamento abstrato. Os romanos reconhe- ceram desde o princípio a superioridade da cultura grega e já haViam tido algum sucesso ao criar uma literatura ba- seada nas formas e na métrica poética gregas. O próprio X ----------Introdução---------- C:cero elevara a oratória romana à altura da melhor orató- ri3. grega. Quanto à filosofia em latim, porém, as tentativas :i:cham sido poucas. Entre 46 e 44 a.C., Ckero não só aumentou ·o número de seus trabalhos sobre retórica como criou algo parecido ;"l uma enciclopédia da filosofia helenística, cobrindo epis- temologia nas Academica, ética no De finibus e filosofia r:8.tural no De natura deorum. Nesses diálogos, sente-se o sopro de uma Academia Cética, pois neles os porta-vozes d:-.s maiores escolas filosóficas apresentam seus pontos de \·ista e são submetidos a uma crítica minuciosa. Cícero, po- rém, usou da licença que sua seita lhe concedia e produ- ziu, sobre assuntOs específicos, mais obras dogmáticas, das quais o De offictis é a última. O contexto político do De officiis O grande evento que lança sombra sobre o De officiis é o assassinato de César nos idos de março de 44 a.C. Cí- cero esforça-se não apenas para justificar o feito, repetidas vezes, como tiraniddio (IL23-8; III.19; III.32; 111.82-5), como nunca perde oportunidade de acusar César, nominal ou anonimamente, por suas ambições ilegítimas, sua dema- gogia, sua rapacidade em relação aos proprietários (1.43; II.20; II.83-4; III.36) e o tratamento severo que deu aos ini- migos e súditos de Roma (1.35; II.28; III.49). Embora as car- tas particulares de Cícero mostrem que ele, às vezes, adota- va uma visão mais realista a respeito dos problemas que César enfrentava e dos objetivos que alimentava, elas tam- bém mostmm que o tempo todo, antes, durante e depois da ditatura, Cícero acreditava que César cobiçava o poder tirânico (e.g. Att., X.l.3; X.4.2; X.8.6) e estava inclinado a me- didas sociais e econômicas revolucionárias. Também des- confiava da propalada clemência de César. XI ------------~---Drudeoo~----------------- A tragédia foi que, na visão de Cícero e seus amigos, os idos de março não restauraram a república. Os "libertado- res" não acharam necessário dar nenhum passo a mais ou sequer convocar o Senado como Gcero aconselhara. Ten- do Antônio assumido a f.mção de cônsul, foi declarada a anistia e abolido o cargo de ditador - mas as medidas do ditador morto foram mantidas e os planos dele, implemen- tados. Os dois principais tiranicidas, Bruto e Cássio, assu- miram o cargo de pretor mas estavam, na verdade, com medo de permanecer em Roma. Então, em abril, chegou ã Itália o sobrinho-neto de César, Otaviano. um fonnidável rival para Antônio porque contava com ~s simpatias dos veteranos e adeptos do ex-ditador. Antônio, arrastado a me- didas mais e mais extremas de autopreservação, tornou-se aos olhos de Cícero o real inimigo que os tiranicidas deve- riam ter eliminado juntamente com César e cujos assassi- nos, de igual modo, mereceriam louvor e glória. O modo pelo qual Cícero expressa sua incerteza e an- siedade quanto ao destino da República Romana no De officiis apresenta um padrão já reconhecível em suas cartas e outras obras do período. Cícero pensou, naquele momen- to e depois, que a paz comprada com concessões a César em 49 tinha deixado a república viva, embora debilitada (L35; cf.. Fam., VI.1.6); mesmo durante a guerra civil, acre- ditou que uma paz temporária sob os auspícios de César vitorioso preservaria a república, que fora abalada, mas ain- da se mostrava suficientemente forte para renascer (Fam., XV.lS.l; IX.6.3; VI.10.5). Logo após os idos de março, ele afirmaria ter acreditado sempre que o período de governo por um único homem era meramente uma fase em um cido de constituições, como descrito na República de Pla- tão (Diu., 11.6-7). Contudo, durante a guerra entre Pompeu e César, durante a ditadura e, na verdade, mesmo antes, ele declarou que a república estava perdida (e.g. Att., IX5'.2; IX.7.J..; Fam., VI.21.1)- um modo exagerado de expressar XII ----------- Introduçilo __________ _ dÇ5:lpontamento com sua condição presente. De medo si- ::r.Jar, no De officiis, Cícero sustenta, por um lado, que não o:-xiste absolutamente res publica (1.35; 11.3) ou refere-se ã '~"!:'5 publica como perdida, decaída, derrotada ou assassina- .::12 (II.29; Il.45; III.4; 111.83); por outro, exorta seu filho ~~arco a seguir seus próprios passos (II.44; III.6; cf. 1.4); en- :;:na-o a obter sucesso em um sistema político republicano, on-de a glória militar, a eloqüência forense, o conhecimento j;,::1dico e a liberalidade política poderiam tomar Um ho- n:.:':::n merecedor de fama, influência e poder (Lll6; II.45-51; ILSS-60); e considera um dever daqueles que são talhados para a vida pública suportar os trabalhos e os riscos políti- cos envolvidos (1.71). Quando encontramos, no De officiis, quei.xas a respeito do fim da eloqüência e da jurisprudência :JI.65-7), combinadas com afirmações sobre a importância de ensinar ambas (II.47; II.49; II.65 fin.), lembramo-nos do Brutu.s, escrito sob a ditadura, no qual Cícero expressou uma triste resignação ante a morte da eloqüência (21-2) e da j:.rrisprudência Cl57), embora concluísse esperando o resta- belecimento da res publica e exortando Bruto a redobrar esforços para distinguir-se na oratória (332). Essas contradições não são nem sinais de irracionalid.a- de em Cícero nem, simplesmente, o resultado da hipérbole retórica. ~o De officiis, como no Brntus(l57), elas refletem o fato de Cícero considerar temporária e transitória a situa- ção política presente; ele fala de "interrupção" - para não dizer destruição- da eloqüência (11.67) e refere-se ostensi- ,-amente ao periodo da ditadura de César nos seguintes ter- t:.10S: "A liberdade devolve a mordida mais violentamente quando suspensa do que quando imperturbada" (11.24). Em -±6, soube que havia um vilão, César, que deveria ser remo- ·ddo; logo após a remoção dele, acusou certos homens, An- cônio e seus seguidores, de retomarem a política e os con- :'iscos de César (11,23; II.28), sua autocrática e agressiva forma de governo UI.22-3; 11.65; IE.l) e o mau tratamento XIII --------~Dos deveres--------- dispensado aos súditos de Roma QII.49). Estavam decidi- dos a destruir Roma, como outros o haviam tentado outro- ra (1.57). Mas aqueles haviam falhado e o mesmo ocorreria com estes. Embora Cícero ocasionalmente reflita sobre o motivo de os homens sujeitarem-se por medo e ganância ao poder de outrem (IT.22), ou sobre um modo de vida em que o patronato exercido pelas classes dominantes levaria à procura dos favores dos poderosos (11.67), continuou a olhar como norma a situação na qual pessoas como ele próprio e seu filho são os alvos e não os autores de lison- jas (L91), exceto quando tentam fazer-se demagogos (II.63). Para ele,a república era uma força muito vital para extin- guir-se tão rapidamente. A complexidade da situação política, como Cícero a apresenta no De officiis, iguala a complexidade de sua pró- pria posição, como a retrata em suas cartas. Em abril de 44 a.C., antes de Otaviano chegar à Itália, Cícero percebeu que não havia mais lugar para si na política (Att., XIV.6.2). Mesmo antes dos idos de março, planejara ir à Grécia para supervisionar a educação de seu filho; mais tarde J?'..ldou de decisão, pensando que talvez pudesse assessorar Bruto. Teve momentos de esperança como na ocasião em que seu genro Dolabela reprimiu manifestações favoráveis a César (Att., XIV, 19.1). Mas em julho, depois de esperar acompa- nhar Bruto e assim fazer de sua viagem uma aventura peri- gosa e patriótica (Att., X\11.44.4), finalmente partiu sozinho. Regressou Jogo, impedido por ventos contrários e quando t:..m compromisso entre Antônio e os "libertadores" parecia iminente (Att., XVI.7; Fam., X.l.l). No último dia de agos- to entrou triunfalmente em Roma (Fam., XII. 253) e, dois dias depois, pronunciou no Senado o primeiro de seus ata- ques contra Antônio, As orações filípicas, que lhe acabaram acarretando a proscrição e a morte. Da quarta oração, pro- nunciada em 20 de dezembro de 44, Cícero escreveu de- pois que ela havia despertado a esperança de liberdade e XIV _____________________ Introdução ____________________ _ reforçado os alicerces da república (Fam., XII.25.2). Ape- sar dos momentos de desespero, não fraquejou novamente e teve a coragem de executar sua malconcebida política de derrotar A...1tônio a todo custo. O homem que escolheu para a tarefa era mais competente e mais perigoso: Augus- to. Mas mesmo Augusto, fundador do Principado, precisou depois levar em conta o assassinato de César e a crença passional na república, pela qual Cícero e outros haviam morrido, e revestiu sua autocracia com esses trajes desbo- tados. Os pressupostos políticos do De o.fficiis não são, entre- tanto, irrealistas, pois aquele era um tempo de genuina am- bigüidade política e a preocupação da obra com a dificul- dade da decisão moral acompanha de perto a correspon- dente ambigüidade moral que os indivíduos enfrentavam. Até seu amigo e confidente Ático, mais cauteloso e menos volúvel que ele, vacilou em suas posições políticas; mudou de ooinião sobre o caminho que Cícero devia tomar e pe- diu-lhe conselho a propósito de sua própria conduta (Att., XVI.7.3; XVI.13.4). Como em 49, as cartas pessoais de Cíce- ro mostram-no agora empregando, em suas deliberações, os mesmos conceitos de que tratara no De officiis. "hones- tum", "decon>tm", "tu1pe", "utile", "incorntn.Odum", "officium". Rejeita a solução epicurista de permanecer fora da política, mas não encontra um modo de participar (Att., XV.2.4). Ele e Ático procuram consolo no tema da morte como refúgio, discutido nas Tusculanae disputationes (Att., XV.2.4). Cícero examinava a conveniência do suicídio, a solução de Catão, no seu próprio. caso (Att., XV.20.2). E quando escreve a Ático em agosto de 44 sobre a firmeza de propósito (con.s- rantia, que para ele é um importante conceito estóico) - "Nos numerosos escritos sobre o assunto, nenhum filósofo jamais comparou a alteração de plano à falta de firmeza" (XVI.7.3) -, lembramo-nos do que ele disse no De o.fficiis I.112 relativamente à conduta de Catão e outros na guerra XV '(c :t ----------------------~de~r~---------------------- civil, ou em !.120 sobre o modo correto de efetuar uma mu- dança necessária de carreici. A composiçilo do De officlis Os nexos entre a correspondência remanescente de Cícero e o De officiis também revelam com exatidão por que, quando e como Cícero resolveu-se a escrever a obra. Nos quatro primeiros capítulos, pelo menos, bem como na introdução do Livro III (5-6), ele explica sua escolha do assunto e seu modo de encarar a educação do filho de 21 anos, a quem o ensaio é dirigido. Cartas a Ático deixam cla- ro que Cícero de fato planejou a obra para o jovem Marco: "Estou endereçando o livro a Marco. De pai para ftlho, que tema haveria melhor?" (Att., XV.l3a.2; cf. XV1II.li.4). Marco, segundo filho de Cícero e único varão, esteve em Atenas por um ano estudando oratória e filosofia, havendo muitos testemunhos, nas cartas da preocupação do pai com o pro- gresso de sua educação. Escreve a Ático sobre as bem redi- gidas cartas do filho (Att., XIV.7.2, XV.l6.1; cf. Quint. 1.7.34), bombardeia seus professores com pedidos de infor- mações (Att., XIV.l6.3; XIV.l8.4) e mostra-se francamente persuadido pelos amigos e pelo próprio Marco de que pode esperar dele grandes coisas (Fam., XII.l6.2; X\11.25). Tudo isso está bem de acordo com o que Cícero diz no De officiis: Marco serã capaz de praticar seu latim lendo as dia- tribes filosóficas de Cícero (I.l; 1.2); ele deve satisfazer as expectativas criadas por sua educação e sua ascendência ilustre an.6). No último capítulo, Cicero esclarece que o De offtciis é o substituto para uma visita ao fllho, a qual teria feito se motivos políticos não o impedissem. Sete anos antes, em 51 a.C., Marco (então com 14 anos) e seu primo mais ve- lho, Quinto, partiram com Cícero para a província da Cilícia XVI ______________________ lnffodução---------------------- e, sob a atenta supervisão deste, os dois rapazes estudaram com um tutor. Agora, como revela a Ático, sente que uma visita a Atenas "muito faria para incentivar Marco" (Att., XIV.13.4). Não resta dúvida, pois, de que as palavras de Cícero no De o.fficiis sobre a relevância desse escrito para o filho são verdadeiras. No entanto, ao conservar suas cren- ças céticas, ele se representa utilizando a doçura da razão mais para persuadir uma pessoa independente, capaz de opiniões próprias C.2; III.33; 111.121), do que para pressio- nar um jovem comum, embora dócil, que seu primo mais velho considera tímido (Att., XIII.37.2). Mesmo o formato da obra reflete algo da relação ver- dadeira. A circunstância de o jovem Marco estar estudando com o filósofo peripatético Crapito, enquanto Cícero se abebera nos estóicos, deveria sugerir o formato do diálogo, com o fllho defendendo a posição peripatética contra o pai. Mas Cícero insistia sempre em adequar os papéis aos interlocutores, não obstante a liberdade permitida pelas convenções do diálogo literário. Na pequena obra sobre oratória escrita pouco antes, Partitiones oratorlae, permi- tiu-se a Marco interrogar como um garoto de escola; no De officiis, Cícero trata-o como um estudante dotado de idéias ;xóprias, mas deixa claro que ele ainda não estava tão pre- ;:>arado para discutir filosofia com o pai quanto para ouvi- lo (III.l21). A inspiração literária para essa "orientação e conse- lho", que o jovem Marco deve conservar juntamente com seus apontamen~os das aulas de Cratipo (1.4; Iii.121), é,- de fato, o gênero "caroa a um filho". Cícero cita vários exem- plos, incluindo mensagens de instrução e reprovação do rei Filipe a Alexandre (11.48; 11.53) e uma carta de adver- tência de Catão, o Antigo, a seu filho (1.37). O tom de orien- tação pessoal, encorajador mas firme, é constante: bem no meio de um argumento, o jovem Marco recebe a lição de que os feitos civis são melhores que os militares. Tais feitos XVII ----------Dos deveres _________ _ são ilustrados por uma parcela da autobiografia paterna, complementada por uma despudorada gabolice (1.77-8). No aspecto filosófico, a importância para o destinatário se faz clara na deferência para com suas inclinações peripaté- ticas (e.g. 1.2; 1.89; II.56-57; 111.33). Cícero prefere exortá-lo em termos estóicos porque isso estabelece um padrão mais elevado (III.20). O De officiis não é, entretanto, nem um trato geral dis- farçado de colóquio pessoal (como o Panfleto sobre a can- didatura a um cargo), notoriamente endereçado a Cícero por seu irmão Quinto, nem uma peça de aconselhamento pessoal disfarçada de ensaio geral (como a cartasobre a arte de governar uma província, destinada a Quinto por Cí- cero, Qfr. I.l). É um trabalho feito ao mesmo tempo para I\1arco e para outros, especialmente os jovens romanos da classe governante. Em outra obm filosófica do período, Cícero acalenta a esperança de estar ajudando a instruir a juventude de Roma (Dív. !1.4-5) e, no De officiis, freqüente- n:ente esclarece que tem em mente aqueles que precisam decidir sobre seu próprio modo de vida, e aprender a partir da advertência e exemplo de um homem mais velho (e.g. !.E7; 1.121; 1.147; II.44-51). É importante considerar aqui a crença romana no respeito à idade, na imitação de um feito ancestral (II.44) e na aprendizagem prãtica da vida pi:blica (H.46). Assim, Cícero pensa não só no filho como em ho- mens do tipo de seu genro Dolabela (cf. Att., XIV.17a) e seu sobrinho Quinto, sem dúvida mais talentoso que Marco (Att., VI.1.12; X.2.3; X.12a.4), mas facilmente manipulável em política, primeiro por César e depois por Antônio (Att., X.7.3; XIV.17.3). Apenas alguns meses antes de Cícero com- por o De officiis, escreveu sobre seu sobrinho a Ático: "Tão completa foi a mudança produzida nele por certos escritos meus que trago de memória, e por constantes conversas e aco:cLSelhamentos, que sua postum política no futuro talvez seja aquela que desejamos" (Att., XIV.5.2). Os "escritos" são XVIII -----------Introdução __________ _ provavelmente o De gloria, obra perdida que, como o pró- prio De officiis, combinava a chamada instrução política e moral, sobrepondo-se quarto ao assunto à última obra, como Cícero declara expressamente (11.31). Sem dúvida, Cícero acreditava que esse ensinamento ftlosófico deveria ter efeito benéfico, particularmente nos jovens. Parece natural, pois, não só que Santo Ambrósio, ao escrever uma obra de aconselhamento moral para jovens sacerdotes que considera seus ftlhos, haja tomado o De offíciis de Cícero como modelo apropriado, mas também que Maquiavel, na composição do Príncipe(um manual de aconselhamento político para os politicamente ambicio- sos), considerasse a mesma obra como um rival merecedor de ataques (caps. 16-18). Pois, como veremos novamente, os jovens que Cícero leva em conta de modo especial são aqueles cuja posição na sociedade os autoriza, e na visão dele obriga, a tentar a carreira política. É possível datar a composição do De officiis com ra- zoável precisão. i'\o começo do Livro I, tomamos conheci- mento de que Marco já está em Atenas há um ano. Cícero escreve depois de !.. 12 de abril de 44 a.C., pois uma carta sobre o assunto gmve da pensão anual do filho t,_"az a data em que findot.J o primeiro ano letivo de Marco (Att., XV.l5.4). Exatamente no fecho da obra, Cícero alude à sua fracassada viagem a Atenas para visitar o filho, e as cartas mostram que embarcara para a Gréci:o, em 17 de julho (Att., XVI.6.2; XV17.2). Finalmente, as cartas nos permitem datar a situação de Cícero, descrita em 111.1 como uma contínua mudança de vila para vila em vi~de do medo à violência dos inimigos, de meados de outubro a 9 de dezembro, depois de seus primeiros discursos contra Antônio (Fam., XII.23.4; Att., 13a.2; Fam., XI.5.1). A confirmação vem de duas cartas a Ático sobre o próprio De officiis. A primeira CAtt., XV.13a.2), escrita da vila de Cícero em Putéolos (ou talvez Cumas) por volta de 28 de outubro, fornece o assun- XIX _________________ nwM~----------------- to de sua obra em grego e promete que "haverá trabalho para justificar minha ausência"; a segunda, enviada domes- mo lugar em 5 de novembro (XVI.H.4), revela que ele se valeu de uma obra do filósofo Panécio, sobre aquele mes- mo assunto, para redigir e completar os dois primeiros li- vros do ensaio. Portanto, os livros I e II foram terminados entre 28 de outubro e 5 de novembro de 44. Na segunda carta, Cícero confidencia a Ático que sus- pendeu a composição da obra enq"J.anto aguarda material ftlosófico grego que, segundo espera, ajudá-lo-á no tópico desenvolvido no Livro III. Vm dos trabalhos solicitados por Cícero chegou finalmente em meados de novembro (Att., XVI.l4.4). Ele volto·c~ a Roma em 9 de novembro e logo se envolveu na política. Mesmo se aceitarmos que Cícero co- meçou a escrever antes de outubro, burilou os livros I e H enquanto esperava pelo novo material e fez revisões de- pois de regressar a Roma, não poderemos f..lgir à conclu- são de que o De officiis foi elaborado rapidamente, consi- derando-se sua extensão e complexidade. 'C'm certo des- cuido :u estrutura e no argumento, a tendência ã repetição e, ocasionalmente, ã irrelevância podem estar ligados a esse fato. Alguns estudiosos, entretanto, têm ido além e sugeri- do que, em tempo tão curto, Cícero não poderia ter feito mais que transcrever suas fontes gregas. No De officiis, Cícero usou de sua licença de cético aca- dêmico para adotar os argumentos que considerou, naque- le momento e sobre aquele assunto, os mais convincentes. Esses argumentos eram os da Stoa (III.20). Recorrendo aos escritos estóicos, diz ele, preservou o direito de exercer seu tirocínio e sua capacidade crítica: não estava meramente tra- duzindo-os ou expondo-os. A obra que Cícero seguiu de perto foi o famoso tratado Sobre o dever (Feri toa kathékon- tos), de ?anécio, o aristocrata ródio que viveu de aproxima- damente 180 a 109 a.C., visitou Roma, foi professor e cola- borador intelectual de Cip!.âo Africano Emiliano e tomou-se XX -------------------Introdução---------- chefe da escola estóica de Atenas por volta de 129 a.C. Seu ~atado, escrito cerca de trinta anos antes de sua morte (111.9), portanto em 140/39, já tinha quase um século, mas Cícero ainda o preferiu a outro mais tardio e mais amplo, de He- catão, discípulo de Panécio (III.63; 111.89). Cícero podia es- perar que seu amigo Ático e seus leitores em geral tivessem ouvido falar dele, a julgar pelo modo abrupto com que se refere ao tratado, mas talvez não que co11.I.1.ecessem sua estrutura a fundo (Att., XVI.2.4); (OjJ., 1.7). Dois séculos mais tarde, ainda era lido e admirado (Gélio, NA, XIII.28), mas infelizmente não chegou até nós, e o pouco que dele sabemos vem do próprio tratado de Cícero. Panécio aparentemente versou o assunto com mais minúcia do que Cícero, o qual condensou os três livros de seu modelo em dois (III.7; 11.16). Além disso, o tratado de Panécio ficou inacabado. Cícero devia sabê-lo desde o iní- cio, pois, ao explicar a Ático sua necessidade de material para o Livro III, informa que já havia solicitado uma obra, sobre o assunto, de Posidônio, discípulo preferido de Pané- cio, e pedido a um filósofo estóico contemporâneo um re- sumo, ao que parece da mesma obra (Att., XVI.2.44). Esse defeito da obra de Panécio, para Cícero, seria so- brepujado pelos méritos que a recomendavam a leitores gregos e rorr..anos. Panécio tinha estilo mais agradãvel que muitos dos estóicos (De Jin., IV.79) e desejava dar conse- lhos práticos a homens bons, mas não sábios (Fin., IV.23; Sêneca, Ep., II.6.5). Escrevendo para o público culto em ge- ral, como nessa obra, foi feliz ao empregar conceitos mo- rais como "bom" e "virtuoso" no sentido comum e não nas acepções mais restritas e elevadas dos estóicos QI.35). Tam- bém não se interessava pela vertente cínica do estoicismo, que ridicularizava os eufemismos e instituições convencio- nais (1.128; I.148). Ao menos para Cícero, havia ainda outras característi- cas atraentes. Panécio, embora fosse um estóico ortodoxo, XXI ----------Dos deveres _________ _ sofreu a influência de Platão e Aristóteles (Deftn., IV.79), e Cícero pretendia em sua obra minimizar as divergências entre a Stoa, sua própria Academia, e o ensinamento peri- patético, que seu filho estava absorvendo . .AJ.ém disso, Pa- nécio apresentava como "modelo vivo~ (11.76; cf. 1.90) O- pião Emiliano, um dos heróis de Cícero ( Off., IJI.l-4) e o principal interlocutor no De re publica, em que sua oposição a Tibério Graco, um dos vilõesdo De officiis (1.76; I.l09; :ii.43; II.SO), é celebrada. Mais importantes, porém, que os pontos de vista de Panécio eram os interesses que ele par- tilhava com Cícero. Panécio esmiuçou os deveres dos polí- ticos, homens que pleiteavam nos tribunais (ll.Sl) e dota- vam edifícios públicos (E.60). Antecipou Cícero ao discutir exaustivamente os meios de conseguir reputação e apoio polftico negligenciando vantagens mais comumente admiti- das, como a saúde e a riqueza (II.86; cf. 11.16). Também su- gestiva é a resposta de Ático à proposta de Cícero de tradu- zir a palavra grega para "dever" como "o.fficium", pergun- tando-lhe se ela se aplicaria à vida pública tanto quanto à esfera privada (Att., XVI.14.3). Ático pôde responder ape- nas com base no que sabia da obra de Panécio, pois não havia lido uma palavra da de Cícero. Quanto ao material de Posidônio que Cícero solicitou, revelou-se escasso e desapontador (III.8). Embora fosse útil, como ele esperava, para tratar dos deveres em circunstân- cias particulares, relevantes para o Livro III, Cícero declara- se insatisfeito com todo o material que reuniu para a obra, razão pela qual se voltou para suas próprias fontes (III.34). Estudiosos têm, no entanto, afirmado a dependência de Cicero em relação a Posidônio. Mais: até com respeito aos livros I e II, nos quais estamos em chão fume, seria difícil saber ouâo tributário eíe é. De um lado, :nais freqüente e formal~ente que em qualquer outro de seus escritos filosó- ficos, Cícero admite seu débito para com uma obra especí- fica; de outro, Plínio, o Velho (HNpref. 22-3), elogiando Cí- XXII ----------Introdução _________ _ ·:-=~o por sua honestidade ao reconhecer o que deve a fon- -:ts gregas, compara o papel de Panécio no De qfficiisao de Platão no De re publica, em que apenas um tipo mais gené- rico de inspiração está envolvido. Além disso, Cícero sem J:wida esperava que os leitores aceitassem sua declaração ".Je estar recorrendo a Panécio de um modo seletivo e críti- c:o. pois sente que é necessário dizer-lhes ãs vezes, quando J.presenta uma visão controversa, que se apóia em Panécio :~I.51; 11.60). De fato, a terminologia filosófica similar nas su2s cartas do período, assim como alusões a suas obras :'i1ais recentes sobre os principias da ética (I.6; III.120), a giória (II.31), a velhice (1.151) e a amizade (II.3l), sugerem q·~te muito do pensamento do De officiis precede o tempo ~eal de composição. Em qualquer caso, quando considera- mos como a obra está marcada pelos eventos contemporâ- r'.eos e como reflete de perto os pontos de vista de Cícero em outras passagens, somos levados a concluir que o tra- l:lalho de ?anécio foi por demais digerido e remanejado por Cícero para que separemos agora as contribuições dos dois autores. Em um trabalho anterior, Cícero dissera que, em geral, não traduzia simplesmente os pontos de vista dos filósofos gregos, mas acrescentava seu próprio julgamento e sua disposição pessoal dos tópicos (Fin., 1.5-6). A deper..- dência específica em relação ã sua fonte, que ele reconhe- ce aqui, pode referir-se à decisão de adotar e acompanhar de perto a estrutura do tra~ado de Panédo, que menciona .freqüentemente (e.g., I.9-::0; 11.9; 11.88; 111.7 ss.; III.33-4). :VIesmo nesse aspecto, Cícero acrescentou dois tópicos suplementares aos três que Panécio trabalhou. Temas e perspectivas Os livros do De offtcits tratam, cada qual, de um dos três tipos seguintes de deliberação que governam a condu- XXIII --------------------D~d~~S-------------------- ta humana: a honestidade ou seu contrário; o útil ou seu contrário e como resolver choques aparentes entre os dois termos antitéticos. Os dois tópicos suplementares (como escolher entre dois caminhos honestos de ação e entre dois caminhos úteis) formam as conclusões dos livros I e li res- pectivamente (ver Sinopse). O leitor moderno pode ficar chocado no começo pela i.cJ.clusão, de fato a proeminência, de "útil" e "oportuno" em um debate sobre a conduta ética. Esse enfoque não é ex- clusivo de Cícero, mas deriva de uma caracteristica essen- cial do pensamento ético grego e romano. Todas as escolas dogmáticas da filosofia grega afirmavam que o propósito da vida é a eudaimonia do indivíduo, palavra traduzida usual- mente como "felicidade" ou "bem-estar", e que a chave para essa condição abençoada é fornecida pela natureza (inclusive a natureza humana). As escolas ofereciam dife- rentes visões sobre o que fosse a eudaímonia e, portanto, sobre a finalidade da vida prescrita pela natureza (ver Sa- mário). Mas mesmo para aquelas que patrocinavam a virtu- de, tal busca não se opunha ao cultivo do auto-interesse propriamente entendido nem estava dele separada, pois, ao ocupar-se da finalidade natura~ o homem realiza sua natureza e alcança a ventura. Os leitores de Cícero não se sarpreenderiam, assim, ao vê-lo enfocar a questão do com- portamento considerando primeiro o honesto, depois o útil, e esperando que as respostas concordassem em geral, apesar da existência de áreas nas quais as duas parecem estar'em conflito. üm modo de compreender a perspectiva particular do De oificiis é considerar o que Cícero omite. A obra não é uma discussão da natureza da ética ou dos princípios pri- meiros da moralidade, que Cícero tentara no De finibus 0.7; III.20). Ele recorre à doutrina estóica da identidade do honesto e do útil, a que dá o nome de "regra" OII.Sl), e compara-a aos postulados da geometria (lll.33); estabelece ---------------------Introdução---------------------- sçm argumentar que os princípios morais acadêmicos e pe- ripatéticos gerariam preceitos similares (1.6) e seriam com- p-atíveis com a formula para resolver conflitos aparentes <ni.20); e ames censura do que refuta a doutrina epicurista do prazer CI.S; 111.39; UI.117-20). já que nem os princípios 7-,f:sicos da ética são examinados, a fortiori não pode haver :Jm tratamento dos fundamentos metafísicos da ética, aos qusis todas essas escolas dão tamanho valor. O De oificiis trata, ao contrário, da ética prática, que s.conselha com base na "regra". No Livro I, o "honesto" é dh·idido em quatro virtudes principais, às quais nossos offir cfa, definidos como ações para as quais se pode encontrar dma justificativa convincente, estão ligados (1.15; 1.8; cf. LJ.Ol). Essas ações podem ser executadas pelo "homeo jom'· (na expressão vulgar), embora, quando o sábio as executa, o entendimento subjacente à escolha e a consis- tência dos atos dê a elas um valor moral mais elevado OIL14). Cícero pensa primeiramente naqueles que desejam iazer progresso moral e que não buscarão as vantagens pessoais em detrimento do honesto quando realmente en- tenderem o que é honesto e vantajoso nas ocasiões especi- ficas (III.l7-19). Ele não se ilude com a possibilidade de apresentar um código de comportamento completo para ::ada ocasião. O que ensina é como tomar decisões morais, como analisar diferentes caminhos possíveis de ação: nós deveríamos ser, diz, "bons calculadores dos nossos deve- res'' (L59} O que deu a essa obra notável sobre ética prática um !ugar destacado na história do pensamento político, entre- canto, é sua ênfase na moralidade social e política. Embora, 7la apresentação, Cícero afirme que os preceitos sobre o dever aplicam-se à vida como um todo, o que lhe interessa é o comportamento dos homens em sociedade, apresenta- Co como a condição natural e melhor da vida humana Tll; 1.157-60; 11.12-15). No Uvro I Cícero insiste nc.uito, na XXV __________ Dosdweres _________ _ breve discussão da primeira virtude, a sabedoria, em que o amor ao aprendizado não nos deve isolar da vida ativa. A virtude por ele considerada soberana é a segunda, a justiça, que governa o comportamento social (111.28). A extensa discussão devotada à justiça, entretanto, re- vela que Cícero não está igualmente preocupado com todas as obrigações sociais de todos os homens. Embora mencio- ne o nosso dever para com a humanidadeem geral U.S0- 3), declarando mais tarde que a formula que proíbe a al- guém ter proveito em prejuízo de outrem aplica-se aí (III.30; 111.42), também deixa claro que nenhum sacrifício material é requerido nesse nível (1.51-2). Ao discutir os diferentes graus de companheirismo e a correspondente ordem de prioridades das nossas obrigações (1.53-9), Cicero examina as obrigações familiares, as amizades, os deveres para com os vizinhos, os cidadãos e os indivíduos de mesma raça e língua, priorizando o auxílio prático aos compatriotas e, depois, aos pais. Entre as relações normalmente incluídas nas discussões romanas de tais prioridades (e.g. Gélio NA V.l3), a hospitalidade (hospitium) e a guarda (tutela) mere- cem apenas breve menção (1.139; II.64; IIl.61; 111.70); o clientelismo é tido como uma relação tão humilhante pelos membros de qualquer classe social que eles prefeririam morrer a depender de um patronato ou ser chamados clien- tes CII.69). A omissão das duas últimas relações, a guarda e o clientelismo, é sintomática da falta geral de interesse de Ckero pelas obrigações para com pessoas consideradas so- cialmente inferiores. Embora afirme que temos obrigações até mesmo para com os inferiores, isto é, os escravos, nada ouvimos sobre os deveres em relação aos clientes (laços que poderiam estar enfraquecidos no ocaso da república) nem sobre os vínculos entre patrão e ex-escravo. Ouvimos falar tão-somente do patrocínio dos súditos de Roma e das cidades italianas (11.50; cf. 11.27; m.74); e a única hospitali- dade que interessa a Ckero é a dispensada na esfera públi- XXV1 ----------Introdução---------~ -.::-..1 a estrangeiros ilustres (II.64; cf. 1.149); a liberalidade de Címon para com todos os habitantes de seu distrito não ce;n um paralelo romano. Só vagamente Cicero alude às ·."antagens de favorecer o pobre com mostras de generosi- ·.:b:de (!.49; U.62-3; 11.69-70). Certamente, algumas das rela- ções de obrigações mútuas que ele descreve deveriam ser <:!ais desiguais na realidade do que na teoria, mas Cícero, ao apresentar um ideal de conduta, respeita a igualdade reórica: dessas relações. Como o tratamento do patronato e da hospitalidade ·já sugere, Cícero é seletivo com respeito tanto aos sujeitos quanto aos objetos da obrigação. Está primeiramente inte- ressado naqueles que tomam ou aspiram a tomar parte, com alguma razão, na vida pública. Isso explica em parte a l.onga passagem sobre o comportamento justo dos Estados em guerra 0.34-40), que será seguida por argumentos so- bre a inconveniência de fundar impérios pelo medo e a es- poliação (H.26-9), bem como Sobre a verdadeira utilidade da conduta clemente e honrosa dos Estados em relação aos 3eus inimigos, súditos e cidadãos (III.86-8). Também expli- ca por que, no tratamento da terceira virtude (coragem ou magnanimidade), todos, com exceção de um dos vinte e crês capítulos (1.69-91) reservados às façanhas grandes e úteis, examinam as atividades civis e militares da vida pú- blica, incluindo o exercício de cargos (72-85). Isso é mostra- do como o mellior cenário para alardear desprezo pela ad- versidade e perigo, apesar de a ambição dever sempre ser mantida dentro dos limites ditados pela justiça (86-7). Quando Cícero passa à quarta virtude (1.93-152), mos- tra-se novamente interessado em seus pares, embora, fina- lizando, mencione que os estrangeiros, os não-cidadãos re- sidentes e os cidadãos têm geralmente deveres particulares, e alude a profissões honrosas para as ordens mais baixas J.151} O âmago da discussão é a noção de decorum, con- \·eniência, a qual ordena que escolhamos uma forma de XXV11 -----------Dos deveres __________ _ vida apropriada aos nossos talentos individuais e à nossa posição material e sociaL Cícero freqüentemente abde aos que têm ancestrais ilustres para imitar (I.116), e seus exem- plos são tirados dos líderes civis e militares do passado. Espera que mesmo os membros idosos da classe governan- te sirvam a República (1.123). A ênfase no sucesso vai de par com a observância de normas sociais que não devem ser afrontadas (1.199; 1.148). A pormenorizada discussão de Cícero sobre a conduta social, incluindo a aparência exter- na da pessoa (1.130-1) e sua casa (1.138-40), além da arte da conversação civilizada (1.132-7), é claramente ajustada ao comportamento aristocrático, e parte de seu aconselha- mento, por exemplo, sobre a absoluta inconveniência da nudez (1.129), está rigorosamente restrita à sociedade ro- mana. Talvez o conhecimento que tinha da ruptura provo- cada pelas reviravoltas sociais de seu tempo o haja levado a codificar os costumes que pretendia preservar. De qual- quer modo, o ensinamento ético torna-se indissociável das lições de traquejo social, particularmente úteis àqueles que não nasceram necessariament~ para ele, mas ambicionam alcançá-lo. Quando Cícero compara as obrigações das diferentes virtudes (1.152-61), sente novamente a dificuldade de enfa- tizar nosso dever para com a sociedade, pois as exigências de cada uma das três virtudes são comparadas às da justiça, não umas às outras. A ênfase prossegtJ.e no Livro 11, no qual o amparo dos amigos é logo identificado como a coisa mais útil e benéfi- ca que um indivíduo possa ter (H.ll-19). Mas apenas um capítulo (30) é devotado à amizade, o tipo de amparo ao alcance tanto dos homens de destaque quanto dos homens comuns. É para os homens de destaque que Qcero oferece conselhos sobre o modo de alcançar a glória por meio da boa vontade, da fé, da honra (31-51), e preceitos referentes à liberalidade (52-85). O aspecto financeiro da liberalidade XXVIII --------------------ffliTvd~ãO-------------------- _55-64) dá ensejo a um debate sobre os entretenimentos e edifícios públicos, principais formas da generosidade aris- ·::xrática no mundo antigo. O outro aspecto é a Hberalida- - -; ie na prestação de serviços e, aqui, boa parte da argu.men- r::ção (72-85) trata do que os ocupantes de cargos podem ~azer para todos ou para certos grupos da coletividade. -:'\lo deturparíamos seriamente o De offtciis se o descrevês- -~·.emos como um manual, endereçado a membros da classe goYernante, que versa sobre os deveres para com seus ptres na vida privada e para com seus concidadãos na vida pjblica. O terceiro livro trata do tópico que Posidõnio conside- r::Ju o mais importante em toda a filosofia (8). Cícero, pri- oeiro, reconstrói as linhas do argumento perdido de Pané- cio, adotando como formula para resolver os conflitos apa- r-entes entre o honesto e o útil a noção, já implícita na dis- cussão de justiça no Livro I (21, 42), de que é contrário à .natureza assegurar um benefício a um em detrimento de omro. Segue, então, seu próprio desenvolvL."11.ento, mos- ::::ando-o compatível com as premissas tanto estóicas quan- ~o peripatéticas. A palavra ''formula" é tirada do direito ci- d romano, que também fornece a acero alguns de seus :11ais interessantes casos processuais. Estes tornariam a :)bra mais acessível aos leitores romanos, a maioria dos quais de-,-eria ter recebido o tradicional adestramento jurídico para 3 v-ida pública sem ter enfrentado as dificuldades da filoso- fia grega. Mas o material do direito não está confma.do à Justração. Qcero encontrou uma analogia no pensamento legal romano para a casuística ou análise dos casos morais praticado em alto nível pelas escolas filosóficas (IIL91). A ~ascinação que a categoria dos deveres, em dadas circuns- :âncias (e.g. excepcionais), despertava nos estóicos (1.31; :!11.32; EI.92-6) é característica de seu interesse. Nela acero ac-hou justificativa para o tiranicídio e, em particular, para o 2ssassinato de César por homens que haviam sido seus ami- XXIX gos. Pois, se a formula proíbe indivíduos e Estados de se be- neficiarem à custa de outros, não proíbe porém cidadãos res- ponsáveis pela pãtria, amigos e humanidade em geral de ferir aquele que prejudica sua comunidade e, por um com- portamento sub-humano,coloca-se à margem da sociedade dos homens (III.32; cf. III.19). O direito e a jurisprudência romanos são relevantes para o Livro III em um nível ainda mais profundo que o técnico, pois têm conexão óbvia com a justiça, à qUal aqui, novamente, é dada prioridade por ser uma virtude social. Embora Cícero alegue estar tratando do aparente conflito entre o útil e cada uma das quatro divisões do ~onesto (111.96), os conflitos que ocupam a maior parte do livro são os que ocorrem entre a justiça e o interesse próprio, que se faz passar por sabedoria ou "sensatez" (40-96). Mesmo o conflito com a coragem (95-115) envolve a discussão da justiça de se manter o juramento (102-110; 111-l15; cf. 139); o COrLflito com a temperança (116-120) transforma-se em um ataque aos epicuristas, nos quais Cícero condena particu- larmente a adoção das virtudes como meios para o prazer porque, em sua visão, a justiça não pode ser encarada des~ se modo. O ataque à "sensatez" aparente leva Cícero a tra~ tar dos problemas da fraude e da boa-fé, campo em que o di~ reito romano fez enorme progresso nesse mesmo períodd graças aos editos dos pretores, que criaram novos tipos d::; ação legaL Ckero descreve a tarefa da filosofia como a de ele- var a conduta humana até o padrão estabelecido pela lei na- tural, mas também pensa que os códigos legais humanos de- veriam aspirar a tal padrão (69-78). Um homem como Quintd Múcio Cévola, o pontífice, que criou para si um padrão de honestidade mais elevado do que o requerido pela lei vigen- te, também trabalhou, como juiz, para aprimorar os códigos jurídicos (III.62; III.70). Ainda quando Cícero estava vivo, ações legais oferecendo proteção contra a "fraude maliciosa'\ (dolum malum, "mau dolo") foram formuladas (60-1). Cícero também faz grandes reflexões em torno da noção legal de XXX ;'~.i. ·'··---------------.ln~dução--------------------- -'.· ' __ '.'h:.c::·.·:::::: i':-om" (70) e suas relações com a mais sublime · ··~<-:lfi,:.r.::c~·:Oo filosófica (77). .Ess:: conhecimento dos recentes progressos no campo ;: ;';;''',':l~ combina facilmente com a igualmente forte con- ~·. de Cícero de que o tradicional código aristocrático ·'O• ,>·::···"de comportamento exemplificava as normas enun- pelos filósofos gregos, pois ele partilhava a visão :::cóonai dos seus contemporâneos de que viviam em 5::-':::r ~Jade de declínio moml (1II.ll1-112; cf. 1!.65-6) e .;:;_::··,c~iam retomar ao mos maiornm ("o costume dos ante- ·-.: .::·.!:.'>~ . .l-~:o{'). Assim, Cícero faz ingentes esforços para mos- . ·. :_::"~? ·~'.iê' as guerras por meio das quais Roma conquistou .~:,.·. :.:npério foram empreendidas apenas como derradeiro t:::·>-~t5,) em prol da paz (L35; 1.38; 11.26-7; cf. 111.46) e que · ·prrxedimentos ancestrais para declamção de guerm .~cavam o conceito filosófico de uma luta justa. Cícero ·.y:;,,,:le;oL< desde o início usar como clímax do Livro III, por- . de toda a obra, o extenso exemplo de Marco Atílio .;;,i·gc,'o um patriota-mãr::ir de meados do século III a.C. ::\\ 1.11.4). Seu relato de como Régulo se sacrificou · ,;:·: .. :-.;,. proteger os interesses romanos, mantendo a palavra ~·::.6;, :w inimigo, termina com um tributo à seriedade com ·~,,.~' ns antigos romanos observavam os juramentos (111- ·c..o; · Os ancestrais romanos, assim, praticariam por instinto ·. ;~•:.~ :::ts gregos se contentavam em pregar. Essa já fora a mensagem das obras de filosofia política ;~~<':' Ccero escrevera na década anterior, o De re publica ;,~·>:e apenas parcialmente preservada) e o inacabado De :e;tZn1s. O De re publica é uma réplica romana à República ,;.;;: ?:atào, apresentando como ideal, não uma construção >::·.::-Ka. mas o Estado romano ancestral, visto como a ma- ·-:-:-i·J.!izaçào da teoria grega e restaurado em sua primitiva "<:,.diçào idealizada. O De legibus apresenta uma ossatura ·.~-;- c:ódigo jurídico para sustentar o Estado ideal. Fundado :·d ;:eoria do direito natural derivada da filosofia grega, o XJO(] i ~ ' ·''·· ____________________ Dm~Wn%-------------------- código é similar em muitas partes ã lei existente ou aos costumes romanos, exceto por certas inovações claramente inspiradas pela própria experiência política de Cícero. No De re publica, ele deixa claro que apenas a classe gover- nante, educada para um elevado padrão de conduta, pode devolver a saúde ã república: os males que ameaçam esse processo são o imperialismo impiedoso e a demagogia au- tcpromovida (cf. O.ff, 11.60), os mesmos que, na obra pos- terior, são apresentados como responsáveis pela situação precária da república. No De legibus, o direito natural, ou ius gentium, é o padrão ao qual o ius civile romano pode e deve conformar-se; como no De officiis, o princípio de não auferir beneficios em prejuízo alheio (111.23), particular- mente por fraude e astúcia (III.68-72), princípio que integra o ius gentium, aparece permeando os procedimentos legais romanos, graças ao postulado da "boa-fé". Juntas, essas três obras apresentam a fórmula de Cícero para a regeneração da classe governante de Roma, uma fusão dos preceitos da fi- losofia grega .com os valores tradicionais dos grandes esta- distas romanos do passado. Ao longo do De officiis, a orientação política de Cícero torna-se evidente. Já notamos como sua visão de César e Antônio segue de perto, aqui, a de suas cartas pessoais. Ou- tros inimigos, inclusive Clódio e Crasso, são apresentados como exemplos morais negativos 01.58; 1.25; 1.109; 111.73; !11.75). A ins-istência de Cícero na concordia ordinum. ("har- monia das diferentes classes") e a manutenção do crédito S.nanceiro, sobretudo durante seu consulado, são defendi- das (11.84). A mesma falta de imaginação com que ele en- frentou, na qualidade de político, os problemas econôrrJ- cos e sociais de seu tempo, revela-se aqui na alternativa que oferece aos programas populares para a distrib~ição de terras e o perdão de dívidas (11.72-4; 11.78-84). Em 1ugar dos esquemas propostos por seus adversários para a redis- tribuição das riquezas existentes, sugere a tomada de novos bens por meio do imperialismo (11.85). Como conciliar isso XXXII --------------- Introdução-------------------- •'·•< .,, .,.,, ;;ua exigência de guerras justas e tratamento igualitário .)·jo;-:J; -os súditos de Roma? . , ~!esmo que não tenha logrado êxito, Cícero ao menos ... __ ::~::oc1 :nanusear as ferramentas da filosofia grega, não ape- . ::;-,.:;s para analisar e aprimorar os padrões romanos, mas · ~:::;-.;-;o.~ém para viver e agir racionalmente. Até sua crença ·. ~<:-:.::ária no caráter sagrado da propriedade privada, cuja _;-:-;e:$en-ação apresenta aqui como o principal objetivo da ;;.:>d.,;;dade organizada (11.73), baseia-se em uma visão da -· :":.c.ruoeza humana fundamentalmente social (1.158), em uma :2oci.a de como a sociedade se desenvolve (1.11-12; 1.54) e .em urna concepção de como a lei humana, que protege ::1s instituições (1.21; 1.51), está relacionada com o direito r~:-.:ural QII.68-9; 111.72). Nesse sentido, o De officiis trans- - ..:en.de suas limitações - alusões contemporâneas, precon- c.eitos romanos, tendências políticas. Sociedades diferentes, ~m momentos distintos, encontraram nele não só um repo- <;<itório de experiência política como também um exemplo do s:gudo discernimento que as crises políticas p::>dem suscitar e-m um estadista realmente instruído. XXXIII Cronologia :·J<) 2..C. Nascimento de Cícero, em 3 de janeiro :\'ascimento de Pompeu :C+ C. Mário, cônsul II, triunfa sobre Jugmta :Ji3-l C. Mário, cônsul III-V, derrota os cirnbros e teutões :,~.;) C. Mário, cônsul VI. Nascimento de Júlio César 9~ L Lidnio Crasso e Q. Múcio Cévola, cônsules, aprovam a lei Iicínia Múcia. Ressentimento dos aliados italianos )l-88 O assassinato do reformador M. Uvio Druso leva ã Guer- ra Social entre Roma e seus aliados italianos, que são ven- cidos, mas obtêm a cidadania romana Serve na Guerra Socialsob as ordens do pai de Pompeu Est-uda Direito com Q. Múcio Cévola (áugure) ::;~ L. Sila marcha sobre Roma e em seguida parte para o Oriente a flm de combater Mitridates. O reformador P. Sul- pício é assassinado Ouve Fílon de larissa em Roma. Estuda oratória :><-- Mário toma Roma. Posidônio em Roma, como embaixador Estuda Direito com M. Múcio Cévola (pontífice) :>5 Morte de Mário De inventione (escrita após 91) "3-1 Sila volta a Roma, ordena proscrições e toma-se ditador S:: Sila cônsul Defende Sexto Róscio, sua primeira causa pública -:;.g Sila recolhe-se à vida privada. Morre XXXV _____________ DruM~--------------- 75-4 73-1 70 69 67 66 65 63 62 61 60 59 58 57 56 55 Viage:ns e estudos na Grécia e na Ásia: ouve Antíoco de Ascalão, Posidônio, Zenão e F edro (os dois últi- mos, epicuristas) Questor em Lilibeu, na Sicília Revolta dos escravos liderada por Espártaco Primeiro consulado de Pompeu e Crasso Acusa Verres por extorsão na Sicília Edil: promove jogos Pompeu livra o Mediterrâneo dos pi...-atas Pompeu recebe o comando contra Mitridates Pretor. Discursa em favor do comando de Pompeu Nascimento de seu filho Marco. Seu irmão Quinto torna -se edil Desmascarada a conspiração de Catilina Cônsul com C. Antônio. Executa os conspiradores sem julgamento Pompeu volta a Roma em dezembro Quinto Cícero é pretor Pompeu triunfa sobre Mitridates Testemunha contra P. Clódio, acusado de sacrilégio Quinto Cícero governa a Ásia (61-58) Pompeu, César e Crasso formam o primeiro triunvi~to C. Júlio César, cônsul, governa com mãe forte César inicia a conquista. da Gália Injunções de P. Clódio provocam o eXtlio de Cícero em março Pompeu encarregado da distribuição de cereais por cin- co anos Q. Cícero serve sob as ordens de Pompeu (57-6) Chamado do exílio, Cícero volta a Roma e:n se- tembro Renovação do primeiro triunviratc em Luca Cícero, por cautela, cessa de se opor aos triúnviros Pompeu e Crasso cônsules: ambos recebem comandos de cinco anos. O comando de César na Gália é prorrogado De oratore XXXVl Crasso vai à Síria lutar contra os partas. Pompeu gover- na a Espanha da Itália, por meio de legados Q. Cícero serve sob César, na Gália (54-52) De re publica (iniciada) De:rota e morte de Crasso Eleito áugure no lugar de M. Crasso Pompeu eleito cônsul único depois do assassinato de P. Clódic e outras violências Pri.r':leiras tentativas no Senado de chamar César da Gália ~ntes que expire seu comando Parte para governar a Cilícia, chegando a 31 de julho Quinto serve sob suas ordens De re publica (publicada) De legibus (iniciada) Deixa a Cilída (30 de julho) e chega ã Itália (24 de novembro) Em janeiro, César atravessa o Rubicão em direção à Itália, nomeando-se ditador Empreende esforços de paz, embora tenha recebido um comando de Pompeu Em março, Pompeu deixa a Itália e ruma para o Oriente Em junho, deixa a Itália para juntar-se a Pompeu Em agosto, Pompeu é vencido por César em Farsália Volta à ltália e espera pelo perdão de César, em Bn.L'l- dísio Em setembro, Pompeu é assassinado no Egito César toma Cleópatra rainha do Egito Em julho, perdoado por César juntamente com Quin- to e seu sobrinho QJinto Jr. Em setembro, César retoma e assume o governo. Parte para combater os republicanos na África Em abril, César vence os republicanos na África, em Tapso: suicídio de Gatão Divorcia-se de Terência Pronuncia, no Senado, o Pro Marcello, agradecendo César por sua clemência XXXVII _________________ Drudeoo~--------------- 45 44 Casa-se com Publília Elogio de Gatão (perdido) Brutus Paradoxa stoicorum Grato r Partítiones oratorlae Em novembro, César deixa Roma para combater, na Es- panha, os republicanos liderados pelo filho de Pompeu Em janeiro, Túli.a tem um filho, mas morre em feve- reiro Em março, César vence os republicanos na Espanha, em Munda Em abril, o jovem Marco começa seus estudos em Atenas Consolação a si mesmo (perdido) Hot1ensius (exortação à filosofia) Academtca De.finibus Tusculanae e De natura deorum (iniciadas) César nomeado ditador perpétuo. Recusa a oferta de urna coroa, das mãos de Antônio. É assassinado em 15 de !llarço Antônio assume os poderes consulares Em abril, Otaviano (depois Augusto) viaja para a Itãlia Em abril-junho, visita suas casas de campo na Itália Em julho, o Senado atribui prov'mcias a Bruto e Cássio Em 17 de julho, parte para a Grécia, mas volta rapi- damente Em 31 de agosto regressa a Roma Em 2 de setembro, pronuncia a Primeira Filípica, discurso contra Antônio Em outubro-dezembro, visita suas vilas na Itália Escreve a Segunda Filípica De divinatione (terminada) De jato De gloria (perdida) XXXVIII Topica Laelius de amicitia De officiis Em abril, depois da batalha de Mutina, ambos os cônsu- les morrem Divulga a Quinta-Décima quarta Filípica Em agosto, Otaviano assume o consulado Em novembro, o triunvirato de Antônio, Lépido e Otaviano implanta a lei Titia Decretadas proscrições: Cícero na lista Em 9 de dezembro, é assassinado _\" E. Algumas datas são aproximadas. Foram Omi- tidas algumas obras menores, dificeis de datar. XXXIX Sumário das doutrinas das escolas belenfsticas _.:;,._, breves considerações que se seguem foram escritas ;_;.:::1 ponto de vista assumidamente ciceroniano e com ,, ,C,·,,é;;.o e~pecial nas doutrinas éticas. Cícero percebia a dife- ,:-ç;:.:;-;_< crítica entre as escolas na resposta que cada uma dava : "Qual é a fmalidade da vida?" (ver especial- o De finibus V.16-23). ':rs estóicos sustentavam que a finalidade da vida era a ; ir ,~. _:.,. virtude seria o único bem, e viver bem significa- •·iver virtuosamente. O vício, ao contrário, era o único Ji "'z'. \""':l.ntagens exteriores como saúde, riqueza e semelhan- ;;,~o eram bens, mas apenas "coisas preferíveis"; doença, ., ·. · ·::/.;:1:::·:-eza e mesmo a morte não eram males, mas "coisas não- Ç"C:'d';eis''. Estóicos não-ortodoxos como Aríston e Erilo :::ór.itiam sequer isso. Daí a premissa de Cícero ao lon~ -~ú Li-.-ro IH: nada é bom, exceto aquilo que é honesto. " .. , ,,., .. c;.;.n:-as palavras, a única coisa que nos beneficia é a vir- So::nente o homem virtuoso e sábio é de fato feliz, e -.i :.:;;.wisquer que sejam suas circunstâncias externas. ·.-:; homem sábio vive de acordo com a natureza, a sua .:'-.~J:-~.1 natureza humana e à natureza universal, que é di- .,,,,,~:: c providencial. Para os primeiros estóicos, vivia-se vir- . ?:·.::::_..,;2_;:-,eme pela escolha sábia e serena das "coisas confor- :;_ aarureza", como descreviam as "coisas prefe!lveis". O ·":'''""-~'" sábio era comparado a um bom arqueiro mirando XLI ---------Dos deveres ________ _ o alvo; acertar o alvo não importava, e sim mirar bem, isto é, escolher. Em outras palavras, virtude e felicidade depen- diam não de alcançar as coisas preferíveis, mas do modo de vê-las. Panécio chamou de "úteis" ou "benéficas'" as coisas qce os primeiros estóicos chamaram de "preferíveis". Ele discutiu o virtuoso e o benéfico em separado: pensava que nós podíamos perguntar independentemente, de cada ação, se ela era "virtuosa" e "ber..éfica". A seu ver, a virtude não consistia mais em mirar bem as coisas preferíveis. Virtudes e benefícios, em uma primeira observação pelo menos, po- deriam ser especificados sem referência mútua. Entretanto, Panécio ainda acreditava que nada era, no final, bom e be- néfico a menos que fosse virtuoso; assim, levantadas as duas questões a respeito da mesma ação, as respostas se- riam as mesmas. Se uma ação parece ao mesmo tempo be- néfica e desonesta, uma aparência deve ser enganosa. Po- de me parecer honesto herdar um grande patrimônio ou vencer uma eleição, mas isso de fato só ocorre se eu o con- seguir sem agir desonestamente. Os epicuristas encaravam o prazer como a finalidade da vida e afirmavam que a virtude deveria ser valorizada na medida em que o promovia. Os deuses, acreditavam eles, não têm nenhuminteresse ou envolvimento nos assuntos humanos. O homem sábio de Epicuro desprezava a vida pública, exceto nas emergências. A Academia que Platão fundou em Atenas subsistiu ali pelo menos até Fílon de Larissa fugir para Roma, tentando escapar à invasão de Mitridates do ?onto, em 88 a.C. De início, seus adeptos interpretavam o ensinamento de Platão positiva e dogmaticamente. Já sob a direção de Arcesilau (meados do século III), os acadêmicos enveredavam por um caminho cético. Interpretando os escritos de Platão como textos abertos e instigantes, mas de modo algum dog- máticos, não cultivavam nenhuma doutrina positiva·.limita- XLII -----Sumário [:ias doutrinas das escolas helenfsticas ----- ·. ·:<m-se a criticar as de outras escolas, particdarmente a dos -~cs~óicos. O próprio mestre de Cícero, Fllon, professava um ~e:.i.cismo atenuado: ninguém seria capaz de obter um co- r;.hecimento certo, devendo acatar provisoriamente a visão r, . .lo::. examinados os argumentos, lhe parecesse. a mais con- '-':CJ.cente. O discípulo de Fílon, Antíoco, discordou do ceticismo :io :nestre. Afirmou que a Primeira Academia era realmen- ·:'õ' dogmática, designando a escola que ele próprio fundou -"-'i.tiga Academia e os herdeiros de Arcesilau, Nova Aca- .:~e~~a. Na prática, parece ter sido muito influenciado pelos i:"SWICOS. Aos olhos de Cícero, a ética da Antiga Academia e a ~:ica dos peripatéticos (aristotélicos) eram praticamente a · ·- :::1.esma: ambas afirmavam ser a virtude o sumo bem. em- . ·>:xa os bens exteriores também fossem de valor real, Posto - ço;_.:e menor. Se, para os estóicos, nada que não fosse hones- >_; poderia ser útil 011.20), os acadêmicos e os peripatéticos ;;~·ei:avam como útil, portanto boa, mesmo uma coisa des- '-i.nculada da honestidade e da virtude. Assim, se um ato ·:..'tsonesto enriquecia urna pessoa, Panécio considerava essa -:<,ueza útil apenas na aparência, porque o ato era deso- :~esto: os peripatéticos diriam que era realmente útil e boa, ::.":.'.S que seus beneficios eram superados de longe pela ,_ ;:·>::::<:ersidade do ato. XUII Bibliografia Obras antigas Há muitas informações sobre a vida e o meio intelec- ::ual de Cícero em suas obras e nas de autores gregos e lati- rws posteriores, todas disponíveis em tradução inglesa. Obras de Cícero As Cartas a Ático e Cartas a seus amigos estão disponí- veis numa excelente tradução de D. R Shackleton Bailey pa- ra a Penguin C!assical Series, que também traz volumes de discursos selecionados e um volume de excertos de obras filosóficas chamado On tbe Good Life. A Loeb Classical l.i- brary editou todos os discursos e obras filosóficas de Cícero com a tradução e o texto latino em face*. Uma nova série de traduções das obras filosóficas acompanhadas do texto em latim, notas e introdução, publicada pela editora Aris and Phillips, foi iniciada com o excelente TusculanDisputations I, • A Editora Belles Lenres, Paris, publica série equiv:ilente em sua Collection des Universités, série Latine. Todos os discursos e demais obras de Cícero fo- ram publicados nessa série em edições bilíngües latim-francês. (Nota do Edi- :or brasileiro.) XLV __________ Dos deveres---------- aos cuidados de A. E. Douglas. Muito útil também a tradução anotada de De re publica, em On the Commonwealth, Sabi- ne and Smith, Ohio, 1929. Uma introdução e comentário do Livro I de Das leis estã disponível em Cícero de kgibus I, ed. por~-- Rudd e T. Wiedemann, Bristol, 1987. Ao estudar o De officiis, o leitor achará particularmente interessante·. as cartas de Cícero de seus últimos anos de vida; os discursos Em defesa de Sestio (Pro Sestio) e as Filí- picas (especialmente I e 11); suas primeiras obra.s de filoso- fia política, De re publica (preservada parcialmente) e De legíbus (inacabada); as obras de fllosofia moral Sobre os fins das boas e más coisas (De finibus bonorum et malorum) e, em menor extensão, Gatão, o Velho: da virtude C Cato Maior de senectute) e Lélio: da amizade (Laelius de amicitia). Os Paradoxos dos estóicos (Paradoxa stoicorum), em que Cíce- ro submete as mais extremas doutrinas estóicas ao tratamento retórico, e os livros sobre epistemologia acadêmica parcial- mente preservados, Academica, em que defende sua verten- te cética da filosofia acadêmica, também são interessantes. Outras obras antigas A biografia de Cícero por Plutarco também está dispo- nível num volume da Penguin, Plutarch: the Fall ofthe Roman Republic, e na edição de]. L. Moles para a Aris and Phillips, 1988. O volume da Penguin sobre Salústio traz um relato da conspiração catilinária, que Cícero enfrentou em seu consu- lado, feita por um contemporâneo mais moço de Cícero. O poema epicuriano de Lucrédo Da natureza das coisas (De rerum natura), também editado pela Penguin, ilumina o meio intelectual de Cícero, enquanto é muito instrutiva, no que concerne à vida de Cícero e à sociedade em que viveu, a biografia de seu amigo íntimo, Ático, que devemos a Cor- nélio Nepo, traduzida no volume da Loeb que contém Floro, XLVI __________ Bibliografia---------- :.tsgim como na edição da Clarendon Ancient History Series, O.xford, ·1989, com substanciais comentários de N. Horsfall. Obras modernas A segunda edição do Oxford ClassicalDictionary(l970) :.raz urna breve introdução sobre a maioria dos tópicos con- cernentes à Grécia e à Roma antigas. Biografia D. L. Stockson, Cícero, a Political Biography, Oxford, 1971, é um relato legível de sua carreira e do contexto polí- :ico desta; D. R. Shackleton Bailey, Cicero, Londres, 1971, uti- liza c profundo conhecimento que o autor tem das cartas de Cícero para evocar sua personalidade; E. D. Rawson, Cícero: A Portrait, Londres, 1975 (reimpressão em brochura, Bris- tol, 1983), é um relate simpático, completado com uma con- sideração sobre a contribuição intelectual de Cícero. Diferentes aspectos da vida e da obra de Cícero são cobertos por ensaies, entre eles A. E. Douglas, "Cicerc the Philosopher", em Cicero, editado por T. A. Dorey, Londres, 1965. A Introdução (pp. 1-28) emJ. S. Reid, TbeAcademica of Cícero, Cambridge, 1885, abrangendo Cícero e a filoso- fia, ainda merece ser lida. Ver também P. L. Schmidt, "Cice- ro's Place in Roman Philosophy: a Study cf his Prefaces", · Classicaljourna/74, 1979, pp. 115-27.]. Glucker, "Cicero's Philoscphical Aff1Hations", The Question of ''Ecleticism ": Studies in !ater Greek Philosophy, ed. por J. M. Dillon e A. A. Long, Berkeley, 1988, é um exame válido da adesão de Cícero ã Acad~mia cética em diferentes períodos de sua vida, mas sua tese não nos convence. XLVII ---------Dos deveres ________ _ N. Wood, Cicero:s- Social and Political Thougbt, Califórnia, 1988, visa a discutir o pensamento político de Cícero como um todo, em seu contexto histórico, mas tanto o tratamento da história como a análise dos textos ciceronianos são tão simplificados que chegam a ser enganosos. A. E. Douglas, Cicero, Greece and Rome New Surveys in the Classics, nll 2, Oxford, 1968 (com um adendo, 1978), traz um breve panorama crítico dos estudos ciceronianos. Contexto intelectual Um balanço substancial dos estudos sobre a época de Cícero, abrangendo os dominios da filosofia, do direito, da historiografia e da arqueologia, pode ser encontrado em E. D. Rawson, Intellectual Life in the Late Roman Republic, Lon- dres, 1985, obra erud.itíssima que não trata diretamente de Cí- cero mas de seus contemporâneos. A segunda edição da Cambridge Ancient History, vol. IX, contém um capítulo "In- tellectual Developments in the Late Republic" (um breve pa- norama que inclui Cícero) por M. Griffin. C. Wirszubski, Li- bertas as a Political Ide a at R o me, Cambridge, 1960, discute alguns dos conceitos-chaves do pensamento político roma- no: ver também D. C. Earl, The Moral and Political Tradi- tion of Rome, Londres, 1967, caps. 1 e 2.]. D. Minyard, Lu- cretius and the Late Republic, Mnemosyne Supplement 90, Leiden, 1985, comparaos diferentes usos dos conceitos polí- ticos e sociais feitos por Cícero e alguns de seus contempo- râneos numa forma muito simplificada mas sugestiva. As doutrlnas filosóficas em curso na época são claramente resumidas em]. Bames, "Hellenistic Philosophy and Science", O:xford History of the Cla.ssical World, Oxford, 1986, pp. 365 s., e mais extensamente explicadas em A. A. Long, Hellenistic Philosophy, Londres, 1974. O volume I do livro fonte de A. A. Longe D. N. Sedley, Tbe Hellenistic Philosophers, Cam- XLVIII ---------Bibllognifiti--------- bridge, 1987, traz os textos básicos traduzidos com úteis co~ mentários filosóficos. J. Glucker, Antiochus and the Later Academy, Góttingen, 1978, é um relato detalhadíssimo e eru- dito das vicissitudes das escolas filosóficas como instituições, e da Academia em particular, nos tempos de Cícero e pos- :crionnente. Ensaios sobre algumas das fllosofias e dos Hló- .sofos influentes em Roma na Última República podem ser encontrados em Philosophia Togata, Oxford, 1989, ed. por .:vt Griffin e]. Barnes. Contexto político Além das biografias de C1cero já citadas, que inevitavel- mente descrevem em detalhe os principais acontecimentos políticos do período, há vários relatos breves da história do fim da República romana, como P. A. Brunt, Social Conflits in tbe Roman Republic, Londres, 1971, e M. H. Crawford, The RomanRepublic, Londres, 1978, e análises mais detalhadas em :.r. Gelzer, Caesar, Politictan and Statesman, Oxford, 1968, e E. S. Gruen, Tbe Last Generation ofthe Roman Republic, Ber- keley, 1974. A segunda edição da Cambridge Ancient History, >:oi. IX, que trata do fim da República, também merece con- sulta. A obra clássica sobre a queda da República é R. Syme, The Roman Revolution, Oxford, 1939, que trata dos aconte- cimentos da época em que De officiis estava sendo escrito com um detalhamento fascinante. As instituições políticas, legais e sociais da República ro- mana são descritas em H. F. jolowicz e B. Nicholas, His- torical Introduction to Roman Law, 3ª ed., Cambridge, 1972; C. Nicolet, The World o f the Citizen in Republican Rome, Lon- dres, 1980; e]. Crook, LawandLifeojRome, Londres, 1977, em que o uso do direito para pôr a nu os costumes sociais romanos é de grande valia para a leitura de De officits. XLIX O modo de funcionamento da política romana e seu con- texto social são analisados de formas diferentes e conflitan- tes em L. R. Taylor, Party Politics in the Age ofCaesar, Ber- keley, 1949; M. Gelzer, Tbe Roman Nobility, Oxford, 1969; G. E. M. deSte. Croix, Tbe Class Strnggle in tbeAncient Greek Wor!d, Londres, 1981, pp. 327-72 (sobre Roma) e P. A. Brunt, Tbe Fal! ojtbe Roman Republic and Related Essays, Oxford, 1988. O imperialismo romano no período final da República é examinado em relação com a política e a economia de Roma em E. Badian, Roman Imperlalism in the Late Repu- b!ic, Oxford, 1968, e Publicans and Sinners, Oxford, 1972, e em K. Hopkins, Conquerors and Slaves, éambridge, 1978, caps. 1 e 2. De offlciis Visão geral Uma introdução geral pode ser encontrada na útil edi- ção latina de H. Holden, M. Tutli Ciceronis De O.fficiis Libri Tres, que foi várias vezes republicado. A introdução nas ver- sões anteriores a 1866 é superior, mas as notas são mais pro- veitosas nas versões posteriores a essa data (muito embora muitas delas digam respeito a problemas de uso do latim). Uma breve introdução, particularmente proveitosa no que concerne à influência posterior da obra, acompanha a tradu- ção com notas de]. Higginbotham, Cícero on Moral Obli- gation, Calífórnia, 1967; outra tradução anotada, particular- mente útil no que concerne aos exemplos históricos de Cí- cero, é a de H. G. Edinger, Cícero De Officiis/OnDuties, Nova York, 1974. Uma discussão muito inteligente do escopo da obra, das circunstâncias da sua composição, da importância L --------Bibliografia-------- ::io destinatário e do "problema fome" pode ser encontrada no >'dume I de M. Testard, Cicéron Les Devoirs, Paris, 1965. Aspectos específicos Boa parte do trabalho relativo a De o.fficiis voltou-se para " recuperação das idéias ftlosóficas de Panédo, fonte con- fessa de Cícero para a maior parte dos Livros I e 11 (cf. In-· "·odução, pp. XIX-XXI), ou para separar os elementos cicero- nianos das concepções de Panédo e outras possíveis fontes. Entre alguns estudos recentes a esse respeito: A. Dyck, "Notes on Composition, Text, and Sources of Cicero's De OfficiiS', Hermes 112, 1984, pp. 215 s.; P. A. Brunt, "Aspects of the So- ciêJ Thought o f Di o Chrysostom and the Stoics", Procee- dings oj tbe Cambridge Pbilological Society 1973, pp. 8 s. (contém uma preciosa análise de O.ff., I, 150 s. nas pp. 26 s.); _I. L. Ferrary, Philbéllenismeetimpérialisme, Paris, 1988, pp. 395-424 e 589-602; C. Gill, "Personhood and Personality: The Four-Personae Theory in Cicero, De O.fficiis 1", Oxford Stu- ,ifes ínAncient Philosophy6, 1988, pp. 169 s. Uma reação à idéia de que Cícero não passava de um mero transcritor vem produzindo estudos que se concentram n:J.s idéias e métodos próprios de Cícero. No que concerne a De o.fficiis, a introdução de Testard supracitada já reflete tal 3.titude. Ver também]. Annas, "Cicero on Stoic Moral Philo- sophy and Priva te Property", Philosophia Toga ta, ed. por ;-,r. Griifin e]. Barnes, Oxford, 1989; E. M. Atkins, The Vit1ues o f Cicero S De Officiis (tese de doutorado em Cambridge não publicada, 1989); '"Domina et Regina Virtutum': Justice and Soei e tas in De OfficiiS', Phronesis. As estreitas relações entre De o.fficiis e outras obras de Cícero, notadamente as Filípicas, são bem tratadas por P. :•IacKendrick, The Philosophical Books of Cícero, Londres, 11 _________________ nru~~----------------- 1989, pp. 249 s., que também traz uma visão equilibrada da contribuição de Cícero à filosofia. Certos conceitos e atitudes-chave, encontrados em De o.fficiis e em outras obras de Cícero, foram proveitosamen- te analisadas em seu contexto romano. Sobre o imperialismo, ver P. A. Brunt, "Laus imperü: Conceptions of Empire Preva- lent in Cicero's Day", em lmperialism in the Ancient World, ed. por P. Garnsey e C. R. Whittaker, Cambridge, 1978, e E. S. Gruen, Tbe Hellenistic World and the Coming of Rome, Ca- lifórnia, 1984, vol. I, caps. 5-10. Sobre a propriedade privada ver;: M. Carter, "Cicero: Politics and Philosophy", Cicero and Ver,gil, ed. por]. R C. Martyn, A1nsterdam, 1972. Sobre a ami- zade, ver P. A. Brunt, '"Amicitia' in the Late Roman Republic", Proceedings ofthe Cambridge Philological Society 11, 1965, pp. 1-20, revisado como cap. 7 de TbeFall oftheRomanRe- public and Related Essays, Oxford, 1988. Sobre o offtcium (dever), ver Brunt, "Cicero's Officium in the Civil War", jour- nal ofRoman Studies 76, 1986, pp. 12 s. Sobre a glória, F. A. Sullivan, "Cicero and Gloria", Transactions oftbeAmerican Philologica!Association72, 1941, pp. 382 seg. Sobre o otium (lazer),]. P. V. D. Balsdon, "Autorictas, Dignitas, Otiuni', Clas- sical Quarlerly 1960, pp. 43 s. UI 1-6 --10 Sinopse Uvrol INTRODUÇÃOo DEDICATÓRIA A MARCO 1-4 Propósito da fllosofia latina 4-6 O tópico dos deveres: o valor da visão estóica ESCOPO DA DISCUSSÃO 7-8 Questões sobre o dever 9-10 Cinco tipos de deliberação sobre os deveres 11-17 HONESTIDADE E NAnJREZA HUMANA 11-14 Raízes das quatro virtudes 15-17 Relações mútuas das quatro virtudes 18-151 AS QUATRO VIRTUDES 18-19 Sabedoria 10-60 Virtude social 20-41 justiça 20-3 23-9 justiça negativa: justiça positiva e ma- nutenção da fé Formas correspondentes da injustiça positiva e negativa UII _________ Dos deveres--------- 42-50 61-92 93-151 29-33 33-41 41 42 43 44 44-59 Dificuldades na determinação da justi- ça: parcialidade (29-30); circunstâncias Gl-2); exemplo legal Justiça para o malfeitor (33); para o inimigo (34-40); para o humilde Injustiça por força e fraude Liberalidade Os
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