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Livro - Historia do Brasil do inicio da colonizacao as conjuracoes

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HISTÓRIA DO BRASIL:
DO INÍCIO DA COLONIZAÇÃO 
ÀS CONJURAÇÕES
Maristela Carneiro
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iro
O propósito deste livro é abordar a história do Brasil Colonial, período em que 
tiveram início a formação política e cultural da América Portuguesa e a confi-
guração territorial que compreendemos como o Estado brasileiro. Esse período 
formativo se inicia no século XVI, com a chegada dos primeiros portugueses, 
capitaneados por Pedro Álvares Cabral, às praias do Atlântico, e se encerra 
com o estabelecimento da corte lusitana no Rio no início do século XVIII, a qual 
mudou seu centro de poder da metrópole para a colônia, a fim de resguardar-
-se da ofensiva que o império de Napoleão lançava sobre toda a Europa.
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6308-6
9 788538 76308 6
Maristela Carneiro
IESDE BRASIL S/A
Curitiba
2017
História do Brasil: do 
início da Colonização 
às Conjurações
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C289h Carneiro, Maristela
História do Brasil: do início da colonização às conjurações / 
Maristela Carneiro. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 
200 p. :il. 
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-387-6308-6
1. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. I. Título.
17-41907 CDD: 981
CDU: 94(81)
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer 
processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais.
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Produção
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão IESDE
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem Capa Marzolino/Shutterstock.com
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
Carta ao aluno | 5
1. Considerações sobre a historiografia
da colonização brasileira | 7
2. Grupos indígenas brasileiros | 27
3. Portugal e a colonização das terras tropicais | 45
4. O Santo Ofício no Brasil colonial | 63
5. A manufatura do açúcar | 79
6. Tráfico negreiro e escravismo | 95
7. A mineração e o Brasil colonial setecentista (séc. XVIII) | 111
8. As revoltas coloniais e as contestações políticas | 127
9. Ideias iluministas e a Inconfidência Mineira | 143
10. Crise do sistema colonial | 159
Gabarito | 177
Referências | 195 
Carta ao aluno
O propósito deste livro é abordar a história do Brasil Colônia, 
período de início da formação política e cultural da América portu-
guesa e da configuração territorial que compreendemos hoje como 
o Estado brasileiro. Muitos historiadores dissertaram sobre variados
aspectos do cotidiano, do pensamento, da religiosidade e, principal-
mente, dos grandes ciclos econômicos que pautaram as atividades
produtivas e as práticas de sociabilidade em uma colônia fundada,
sobretudo, para suprir Portugal com riquezas como o pau-brasil, o
açúcar, as “drogas do sertão” e o ouro.
Persistem atualmente, todavia, muitas interpretações fol-
clóricas a respeito do período, baseadas mais no senso comum do 
que em fontes bibliográficas, iconográficas ou materiais. Por isso, é 
fundamental que os estudos sobre a Colônia sejam constantemente 
revistos e reavaliados, permitindo a construção de uma imagem 
mais completa desse momento de nossa história.
– 6 –
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações
Esse período formativo tem início no século XVI, com a chegada dos 
primeiros portugueses, capitaneados por Pedro Álvares Cabral, às praias do 
Atlântico, e se encerra com o estabelecimento da corte lusitana no Rio de 
Janeiro, no começo do século XVIII. Naquele momento, o centro de poder 
foi deslocado da Metrópole para a Colônia, a fim de resguardar Portugal da 
ofensiva que o império de Napoleão lançava sobre toda a Europa. 
Tendo isso em vista, os dez capítulos que compõem esta obra contem-
plam as principais questões que envolveram cerca de três séculos de história: 
a presença indígena no Brasil pré-Cabralino, o sistema colonial português, 
as religiosidades coloniais, o ciclo do açúcar, o ciclo do ouro, a escravidão, as 
revoltas na Colônia e a eventual crise do projeto português nas Américas, ao 
fim do século XVIII.
Para além daquilo que se encontra cristalizado no senso comum, ainda 
que seja parte fundamental do modo como muitos brasileiros veem a si mes-
mos e sua história, esperamos que a abordagem desses assuntos instigue um 
olhar pesquisador e crítico, de modo a problematizar a complexa cadeia de 
permanências e rupturas da qual emergiu um Brasil imensamente plural em 
religiosidades e práticas culturais, marcado por conflitos e sociabilidades cujas 
raízes remontam ao passado colonial.
Boa leitura!
 
Considerações sobre 
a historiografia da 
colonização brasileira
O período compreendido entre os séculos XV e XVI apre-
sentou um significativo crescimento comercial na Europa, com 
uma demanda cada vez maior por artigos de luxo vindos de fora, 
estimulando o florescimento do comércio marítimo, no que se 
tornaria conhecido como a Era das Grandes Navegações. Nesse 
contexto, burgueses ricos e reis começaram a articular capital 
para investir em trocas internacionais, facilitadas pela chegada 
de tecnologias como a pólvora, a bússola, o astrolábio e o papel. 
A invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg, popularizou 
conhecimentos antes restritos a poucos, e os novos modelos de 
embarcação permitiram viagens mais longas e com tripulações 
menores. Enquanto isso, narrativas famosas, como a de Marco 
Polo, atiçavam a curiosidade de empreendedores europeus, com 
relatos de riquezas incríveis. A Igreja Católica, por sua vez, viu 
nessas viagens uma oportunidade de catequizar os gentios e reagir 
contra o crescimento das igrejas reformistas.
1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 8 –
A expansão das navegações também representou o início de um processo 
de incorporação das Américas na mentalidade e no imaginário europeu do 
período, além de se constituir como um período de difusão cultural e início 
de um processo de mundialização. Todos esses fatores, em maior ou menor 
medida, deram vida à colonização brasileira, conforme será exposto ao longo 
deste livro.
1.1 Interpretações clássicas do projeto colonial
A Era dos Descobrimentos mudaria de forma crucial o modo como os 
europeus viam o mundo, abrindo seus horizontes de forma radical e irrever-
sível. No início do século XVI, os limites geográficos dos povos do “Velho 
Mundo”, a começar pelos ibéricos, seriam expandidos extraordinariamente, e 
a variedade de mercadorias disponíveis alcançaria novos níveis. Essa dilatação 
dos territórios sob influência europeia inevitavelmente alcançaria as terras 
americanas, já ocupadas por milhares de etnias indígenas. Entre estas, encon-
travam-se as terras reivindicadas pelo reino de Portugal, conformando, assim, 
parte do império ultramarino português.
As décadas iniciais de exploração promovidas pela Coroa portuguesa 
se resumiram a expedições de reconhecimento do território recém-adqui-
rido. Instalações precárias foram estabelecidas a fim de explorar o pau-brasil 
(Paubrasilia echinata, antigamente Caesalpinia echinata), madeira nobre que 
podia ser empregada para tinturaria. Além disso, foi necessário garantira 
defesa desse território contra incursões empreendidas por outros europeus, 
como os franceses, os quais também tinham interesse na extração do pau-bra-
sil, que podia ser obtido por meio de alianças com povos indígenas, como os 
tupinambás, declaradamente inimigos dos portugueses.
Embora existam registros do estabelecimento de uma feitoria em Cabo 
Frio em 1503, quando da expedição de Américo Vespúcio e Gonçalo Coelho, 
as primeiras ocupações definitivas empreendidas por portugueses se deram 
somente em meados de 1530, quando a Coroa dividiu a costa brasileira em 
grandes lotes, adotando o sistema de Capitanias Hereditárias. Foi a partir 
desse momento, portanto, que efetivamente se iniciou o processo de colo-
nização do que chamamos de América portuguesa. Os donatários, senhores 
– 9 –
Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
dessas capitanias, tinham autoridade para explorar amplamente as riquezas 
locais, bem como instituir cargos burocráticos e amealhar tributos. O vínculo 
entre o donatário e a Coroa era regulamentado em dois documentos, que 
estabeleciam quanto dos rendimentos da capitania deveria ser transmitido a 
Portugal, bem como os deveres do donatário: a Carta de Doação e a Carta 
de Foral.
Figura 1 – TEIXEIRA, Luís. Divisão da costa brasileira em capitanias 
hereditárias. 1574. Cópia elaborada a partir do original.  Biblioteca da 
Ajuda, Lisboa.
Fonte: Wikimedia Commons.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 10 –
Dentro dos limites legais, o senhor podia escravizar índios cativos em 
sua capitania, capturados nas Guerras Justas1. Também podia repartir seu 
território em sesmarias, cedendo lotes a cristãos portugueses, que assumiam 
o compromisso de colonizar a terra. Assim a administração portuguesa bus-
cava garantir mão de obra para as atividades produtivas e forças para a defesa 
da Colônia, desonerando a Coroa da obrigação de realizar investimentos 
exclusivos para esses fins.
Para as populações nativas, esse modelo de ocupação representou duas 
mudanças traumáticas em seu modo de vida: a expropriação de suas terras por 
um Estado oficial, com limites artificialmente estabelecidos, e a conformação 
forçada a uma rotina de trabalho compulsória, que não era de modo algum 
semelhante aos modelos produtivos que conheciam.
Povos indígenas como os tupiniquins não apenas serviriam como sol-
dados nos combates contra corsários franceses, como também, por muito 
tempo ainda, seriam a principal fonte de força produtiva a ser empregada em 
atividades como a coleta do pau-brasil, a construção de engenhos e fortifica-
ções e o cultivo da terra.
Esse primeiro sistema de governo da colônia brasileira produziu resul-
tados precários, de modo que a Coroa optou por implementar um modelo 
centralizado, instaurando no território representantes diretos da Metrópole. 
A partir dessa iniciativa foi gestado o sistema de Governo-Geral, no qual um 
governador nomeado pelo monarca deveria conduzir a exploração econômica 
na Colônia, a fundação de vilas e o combate a ameaças, como os corsários de 
outras nações europeias. A primeira sede do Governo-Geral foi situada na 
cidade de Salvador.
Um sistema centralizado como esse demandava uma burocracia consi-
derável. O governador-geral contava, entre os funcionários de seu gabinete, 
com o auxílio de um ouvidor-mor, que cuidava da aplicação da justiça, um 
1 O conceito de “guerra justa” foi defendido por pensadores cristãos, entre os quais Santo 
Agostinho. Para ele, as autoridades seculares têm o dever de auxiliar a Igreja em seu combate 
contra as iniquidades humanas, sendo então lícito e justo empregar armas para enfrentar ini-
migos externos ou opositores da fé. Na América Ibérica, o conceito seria empregado para em-
preender guerra contra indígenas que se negassem à conversão. Para saber mais sobre o tema, 
ver: VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São 
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
– 11 –
Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
provedor-mor, que deveria tratar da arrecadação de impostos e das finanças da 
colônia, e um capitão-mor, cuja função era combater os inimigos da Colônia.
Fundamental para a manutenção dos interesses da Coroa, ao menos a 
princípio, foi a ação das ordens religiosas, especialmente da Ordem de Jesus. 
Designando-se a missão de catequizar os gentios do Brasil colonial, os jesuí-
tas forneciam aos portugueses uma justificativa moral para sua presença em 
terras distantes: a salvação das almas daqueles que desconheciam a “luz de 
Cristo”. Assim, a política de disseminação do cristianismo dava suporte à 
exploração econômica dos colonos.
Eventualmente, porém, a escravidão indígena viria a ser substituída pela 
escravidão negra, em razão de fatores conjunturais: 1) o imaginário de que os 
indígenas eram naturalmente inadequados para o trabalho intenso das lavou-
ras; 2) a resistência de diversos grupos indígenas ao trabalho compulsório; 3) 
a disseminação de doenças europeias, às quais os nativos não eram resistentes, 
o que gerou grande mortalidade entre essas populações e, consequentemente, 
uma diminuição na disponibilidade de mão de obra; e 4) a intensificação e 
a lucratividade do tráfico de mão de obra escravizada oriunda da África. A 
escravidão, as grandes propriedades hereditárias e a prática da monocultura 
visando à importação – em suma, o modelo de agricultura que é conhecido 
hoje como plantation – se tornariam pilares da vida econômica da América 
portuguesa. Esse modelo de administração centralizada traria grandes lucros 
para a metrópole portuguesa por cerca de três séculos, causando impacto 
indelével na configuração do país que emergiria desse território.
A visão predominante em livros didáticos e exames vestibulares sobre a 
história colonial do Brasil é significativamente influenciada pela abordagem 
do historiador Caio Prado Júnior (1907-1990) na obra Formação do Brasil 
contemporâneo, de 1942. A visão de Prado Júnior sedimentou-se no imaginário 
nacional, consolidando sua imagem como um grande intérprete da cultura 
brasileira, comparável a Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.
Na interpretação de Prado Júnior, esse Brasil Colônia surge estrita-
mente em função da Metrópole, não com um desenvolvimento orgânico, 
mas como um projeto exploratório. Estabelecendo o conceito de Sentido 
da Colonização, o autor situa a Colônia como uma extensão da empresa 
comercial ibérica, um fruto do capitalismo mercantil português, condenada à 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 12 –
produção de artigos de importação para a Metrópole e às práticas do latifún-
dio, da monocultura e da escravidão. Restritos pelo Pacto Colonial a fazer 
comércio apenas com Portugal, que detinha o monopólio dos bens manufa-
turados consumidos em território colonial, os brasileiros foram tolhidos da 
possibilidade de possuir uma indústria manufatureira e um empreendedo-
rismo próprios. O autor argumenta que,
No seu conjunto e vista no plano mundial e internacional, a coloni-
zação dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, 
mais complexa do que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo 
caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um terri-
tório virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro 
sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; 
e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como 
no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos. 
(PRADO JÚNIOR, 1957, p. 16)
A abordagem seguida por Prado Júnior, e por outros historiadores que 
seguem sua linha de pensamento, tende a subvalorizar os indivíduos que de alguma 
forma existiam à margem do modo de vida agrícola, homens livres que não eram 
senhores de terras,menosprezando seu possível papel na economia colonial.
Abre-se assim um vácuo imenso entre os extremos da escala social: os 
senhores e os escravos [...]. [Esses] dois grupos são os dos bem clas-
sificados na hierarquia e na estrutura social da colônia: os primeiros 
serão dos dirigentes da colonização nos seus vários setores; os outros, a 
massa trabalhadora. Entre essas duas categorias nitidamente definidas 
e entrosadas na obra da colonização comprime-se o número, que vai 
avultando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e inadapta-
dos; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou 
sem ocupação alguma. Aquele contingente vultoso em que Couty, 
mais tarde, veria o “povo brasileiro”, e que pela sua inutilidade, daria 
como inexistente, resumindo a situação social do país com aquela 
sentença que ficaria famosa: “le Brésil n’a pas de peuple”.2 (PRADO 
JÚNIOR, 1957, p. 279-280)
Essa condição de “inutilidade” reduziria, por exemplo, o valor de peque-
nas manufaturas domésticas, como a fabricação de tecidos, que poderia 
empregar tanto a mão de obra escrava quanto a livre, ou a presença de peque-
nas propriedades rurais, muitas vezes cedidas a escravos alforriados, a título 
de recompensa por produtividade, ou a cargos de homens brancos pobres.
2 “O Brasil não tem povo.”
– 13 –
Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
Em razão dessa contradição da abordagem pradiana, surgiram outras 
perspectivas historiográficas, centradas justamente na autonomia dos elemen-
tos mercantis brasileiros “inúteis e inadaptados”. Uma vasta produção biblio-
gráfica a respeito ganhou fôlego a partir da década de 1970, com particular 
força nas duas décadas seguintes, norteada principalmente por fontes primá-
rias. Essas pesquisas de base mais empírica buscaram apontar, para além do 
paradigma da produção colonial predominantemente exportadora, elemen-
tos produtivos voltados ao consumo interno, fosse em pequenas unidades de 
subsistência, fosse por meio da circulação de gêneros alimentícios dentro das 
fronteiras da Colônia.
Iraci del Nero da Costa (1992), por exemplo, observou a existência de 
diversos núcleos populacionais, em várias regiões brasileiras, entre os séculos 
XVIII e XIX, onde indivíduos livres e não proprietários tinham relevância 
para a economia local, trabalhando em setores como a manufatura rural, o 
comércio e o transporte de mercadorias.
Figura 2 – DEBRET, Jean-Baptiste. Negra tatuada vendendo caju. 1827. 
Aquarela sobre papel, color.: 15,5 x 21 cm. Museu da Chácara do Céu, Rio 
de Janeiro, RJ.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 14 –
Um estudo marcante acerca das particularidades do período que se opõe 
ao conceito de Sentido da Colonização foi proposto por João Luís Fragoso e 
Manolo Florentino (2001), em O Arcaísmo como projeto. Esses autores, que 
estudaram a economia fluminense na passagem do século XVIII para o XIX, 
sustentaram que, ao menos em seu período tardio, a economia colonial des-
frutava de considerável autonomia, haja vista que, embora o Pacto Colonial 
estabelecesse regras rígidas para o comércio e as relações entre Colônia e 
Metrópole, como apontado por Prado Júnior, essas normativas estavam sujei-
tas à flexibilidade do cotidiano brasileiro no período e à dinâmica da vida 
econômica, que nem sempre podia ser devidamente regulada.
Qual seria a grave limitação do modelo interpretativo de Caio Prado 
Júnior? [...] A nosso juízo tal limitação deveu-se ao fato de ele haver 
transposto para o plano fenomênico, sem as necessárias e devidas 
mediações, elementos próprios do que considerou a essência de nossa 
formação e da sociedade aqui constituída. Reduzido, assim, o plano 
do concreto [...] a elementos de sua pretensa essência [...], resta-nos 
uma caricatura de vida econômica e social, desfigurada, rígida, descar-
nada, apartada da experiência do dia a dia [...] que faz com que nos 
sintamos tão incomodados, tão “desconfortáveis” quando confronta-
mos nossa visão daquela sociedade com a que derivamos da leitura 
dos escritos de Caio Prado Júnior. (COSTA, 1995, p. 18)
Isso se daria porque o projeto colonial não teria sido rigorosamente uma 
extensão do capital mercantil burguês de Portugal, mas, antes, uma perpetua-
ção do Antigo Regime em Portugal, um reino no qual não era contraditória a 
figura do fidalgo-mercador, um nobre que não se aplicava apenas à adminis-
tração do meio rural, mas ao comércio e à vida urbana. O tráfico negreiro se 
tornaria, em particular, uma força motriz da economia colonial, e muitos de 
seus agenciadores ficariam mais ricos que os grandes proprietários rurais. Do 
ponto de vista de O Arcaísmo, o projeto colonial é muito mais uma perpetua-
ção do poder da velha aristocracia, exercendo seu modelo de domínio lusitano, 
que um fruto da iniciativa do capital burguês em associação com o Estado.
É válido observar que os dois grandes modelos explicativos apresentados 
aqui, por serem contraditórios entre si, são passíveis de tensões. O ponto de 
vista pradiano indica com clareza os principais fatores envolvidos nas políticas 
oficiais de colonização exercidas pelo Estado português, enquanto a mirada da 
autonomia colonial aponta para brechas nessas políticas, exploradas em casos 
que devem ser estudados de acordo com suas especificidades conjunturais.
– 15 –
Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
1.2 Periodização da história do Brasil Colônia
Entre as décadas de 1500 e 1530, a experiência colonial portuguesa no 
Brasil foi essencialmente limitada a visitas exploratórias para a aquisição de 
pau-brasil. Em 1531, Martim Afonso de Sousa foi enviado à Colônia com 
uma expedição militar, a fim de eliminar a presença francesa na costa brasi-
leira. A partir dessa expedição, teve início um processo de povoamento de 
facto, com a inauguração da vila de São Vicente, em 1532. Esse povoamento 
deveria servir aos propósitos de repelir invasores, amealhar escravos, organizar 
a Colônia por meio da divisão de terras e iniciar o cultivo da cana-de-açúcar.
Em 1534, a terra foi dividida em quinze capitanias hereditárias, em um 
modelo de governo que sofreu com inúmeros problemas, a começar pela difi-
culdade dos colonos de se adaptarem às terras tropicais. Além disso, havia a 
necessidade de investimentos maciços para a construção de engenhos – onde 
a cana deveria ser processada para a produção do açúcar –, sem previsão de 
retornos imediatos, bem como a dificuldade de se obter mão de obra para o 
trabalho pesado nas lavouras de monocultura.
Essas questões causaram o insucesso de boa parte das capitanias, o que 
levou a Coroa portuguesa a instituir o Governo-Geral, de 1548 a 1549, cen-
tralizando a administração colonial brasileira nas mãos de Tomé de Sousa. 
Ainda assim, é relevante pontuar que, mesmo com a formalização desse sis-
tema, houve a permanência de algumas das capitanias hereditárias – ou seja, 
a implantação desse governo não significou a desarticulação completa das 
capitanias3. Ao longo desse período, a cana-de-açúcar se tornou um dos mais 
importantes produtos de importação do mundo, trazendo riquezas para o 
território, especialmente para as regiões de Pernambuco e São Vicente, onde 
o cultivo intensivo havia se mostrado mais exitoso. À medida que crescia a 
exportação de açúcar, crescia também a importação de escravos, alimentando 
o tráfico negreiro no Atlântico.
3 Segundo o historiador e professor João Paulo Garrido Pimenta, da Universidade de São Paulo 
(USP),o sistema de capitanias hereditárias foi abolido juridicamente no Brasil apenas no século 
XVIII, em 1759, sendo que a última capitania foi extinta somente no século XIX. Esse aspecto 
é indicativo tanto da inadequação de periodizações muito rígidas da história do Brasil quanto da 
convivência de diferentes formas de governo ou modelos deorganização. Saiba mais assistindo 
ao vídeo História do Brasil Colonial I, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=l468
3aqImi0&list=PLpJ5wGT4jMZx5-f7nQ-dIcYeGu8GbaDdV>. Acesso em: 7 abr. 2017.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 16 –
Embora o Tratado de Tordesilhas, assinado pelas Coroas de Portugal 
e Espanha em 1494, dividindo entre os dois Estados a posse dos “territórios 
por descobrir”, desse aos portugueses o direito de exploração sobre a costa 
brasileira, muitos corsários, especialmente de nacionalidade francesa, busca-
ram tirar proveito das riquezas do território ao longo do século XVI, atacando 
embarcações ibéricas no Atlântico.
Entre 1555 e 1560, os franceses procuraram estabelecer-se em definitivo 
na América portuguesa, aliando-se à tribo tupinambá para formar a França 
Antártica, empreendimento que viria a fracassar em razão de conflitos inter-
nos e batalhas com os portugueses e seus aliados indígenas. Uma nova ten-
tativa seria feita com a França Equinocial, entre 1612 e 1615, novamente 
suprimida pelos portugueses.
Os próprios portugueses acabaram por desobedecer às normas do 
Tratado de Tordesilhas, permitindo o fluxo de entradas e bandeiras, através 
do interior do território e invadindo os limites dos domínios espanhóis na 
porção sul da América.
A tensão entre os reinos espanhol e português atingiria seu ápice em 
1580, com uma unificação dinástica que se estendeu até 1640. Ao longo desse 
período, a Coroa portuguesa foi integrada à espanhola, na unidade política 
conhecida como União Ibérica, gerando impacto nas colônias e colocando 
o território brasileiro em rotas de conflito. Por exemplo, uma das consequên-
cias da Guerra Anglo-Espanhola, combate entre as Coroas inglesa e ibérica, 
resultaria em um ataque do corsário inglês James Lancaster ao porto de Recife.
Entre 1630 e 1654, seria a vez dos holandeses buscarem estabele-
cer domínios em solo brasileiro. Fixando-se na região Nordeste, sob o 
comando de Maurício de Nassau, eles tiraram proveito da riqueza açuca-
reira e implementaram diversas mudanças em Pernambuco, até sua expul-
são pelos portugueses.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a Colônia passaria por um período 
de consolidação e formação de uma identidade local. No decorrer das déca-
das e dos séculos de colonização, os colonos desenvolveram afinidades entre 
si e com a região onde viviam, o que viria a contribuir para a formação dessa 
identidade e a progressiva acentuação das diferenças entre os “portugueses da 
Colônia” e os “portugueses da Metrópole”.
– 17 –
Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
A descoberta de ouro nas Minas Gerais alimentaria um novo ciclo eco-
nômico. As tensões sociais desse período, envolvendo a demanda dos colo-
nos por maior autonomia, desembocaria em revoltas como a Inconfidência 
Mineira (1789), que tentaria organizar uma conspiração para impor fim ao 
domínio português sobre a região das Minas.
O período colonial teria fim em 1815, quando a Família Real portu-
guesa, então exilada no Rio de Janeiro, em razão da invasão de Portugal por 
tropas napoleônicas, instituiu várias reformas. O Brasil foi então elevado da 
categoria de Colônia a reino par de Portugal, constituindo a união política 
conhecida como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Quadro 1, 
a seguir, apresenta uma breve cronologia dos principais acontecimentos do 
período colonial brasileiro.
Quadro 1 – Linha do tempo do Brasil Colônia.
1500-1530 Período exploratório do pau-brasil
1530 Início da colonização – expedição de Martim Afonso de Sousa
1532 Fundação da Vila de São Vicente
1534 Divisão das capitanias hereditárias
1548 Reforma político-administrativa: Governo-Geral
1580-1640 União Ibérica
1808 Vinda da Família Real ao Brasil
1815 Fim do Período Colonial – elevação do Brasil a reino par de 
Portugal: Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Fonte: Elaborado pela autora.
1.3 Fontes para o estudo da história 
da colonização brasileira
O estudo do período colonial no Brasil dispõe de uma diversidade 
de fontes primárias, já que os registros que oferecem vislumbres da época 
têm proveniência oficial e literária. Documentos referentes à administração 
colonial ultramarina portuguesa, como os comunicados oficiais e as cartas 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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régias – por exemplo, como o Decreto de Abertura dos Portos às Nações 
Amigas, assinado pelo príncipe-regente Dom João de Bragança (Dom João 
VI de Portugal) –, abrem uma janela para a observação das políticas assu-
midas por Portugal em relação a seu território além-mar.
Deve-se lembrar, contudo, que essas fontes foram produzidas por euro-
peus, de modo que carregam um discurso eurocêntrico. O historiador deve se 
atentar para esse filtro cultural, sendo especialmente cuidadoso em seu trato 
com a fonte, questionando-a e buscando contemplar mais do que um ponto 
de vista dominante. Também é importante lembrar que documentos oficiais 
não são as únicas fontes válidas. Esses documentos, que carregam certamente 
um discurso oficial, podem ser enriquecidos pelos indícios da vida cotidiana, 
oferecidos por bilhetes trocados com finalidades não oficiais, diários e listas 
de compras, por exemplo.
As cartas, por exemplo, são documentos relativamente abundantes desse 
período. Escritas por missionários ou exploradores, com finalidades diversas, 
como relatar as potencialidades do novo território para a empresa colonial, 
pedir auxílio ou reportar conquistas, as missivas abrem espaço para muitas 
interpretações acerca do período. Um caso célebre é o da carta lavrada por 
Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Trata-se 
de um comunicado oficial dirigido ao rei Dom Manuel acerca das terras 
recém-descobertas, oferecendo informações sobre o território e os povoa-
mentos pré-Cabralinos ali existentes. Ao mesmo tempo que dá pistas sobre a 
configuração do território e o modo de vida dos nativos, essa carta também 
possibilita uma reflexão sobre o olhar europeu, ao evidenciar o deslumbra-
mento de Caminha (e presumivelmente de seus conterrâneos) diante de um 
ambiente completamente novo, marcado por fauna, flora e culturas distintas 
de tudo que os portugueses haviam conhecido até então.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, 
deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho 
seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, 
nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costu-
mada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, 
que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores 
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Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que 
o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. 
(BRASIL, 2017)
Documentos emitidos por autoridades governamentais ou eclesiásticas 
também podem lançar luzes sobre a vida da Colônia, oferecendo amostras 
dos caminhos institucionais que caracterizavam a vida local. Um exemplo é o 
seguinte trecho de Primeira Visitação do Santo Officio ás Partes do Brasil, que 
relata a primeira passagem pela América portuguesa de um visitador licen-
ciado, encarregado de reforçar as normativas do Santo Ofício português nas 
possessões ultramarinas da Metrópole:
Em 1573 foi queimado um francez herético na Bahia. As circums-
tancias não vieram a nosso conhecimento. Estava nas attribuições 
episcopaes velar pela pureza da fé, dar combate ás heresias, castigar 
os herejes. Quando as heresias medievaes appareceram sob as formas 
mais diversas, reclamando especialistas theologos para as desmasca-
rarem, e surgiram nos pontos mais afastados, exigindo unidade de 
acção paradebellalas, a autoridade episcopal foi diminuindo, embora 
não desaparecesse de todo diante da autoridade dos inquisidores. 
(MENDONÇA, 1922 [1591-92], p. 5)
O documento em questão traz detalhes reveladores a respeito dos pro-
cedimentos, punições e modelos de investigação empregados pela Inquisição 
portuguesa, bem como o alcance de sua influência fora do território conti-
nental português, além da visão que se tinha das práticas religiosas, oficiais ou 
não, desenvolvidas na Colônia.
De forma comparável às cartas, os relatos de viajantes são também dis-
cursos que podem ser lidos sob duas perspectivas: 1) informações relevantes 
sobre os povos encontrados por indivíduos como Hans Staden, Jean de Léry, 
Pero de Magalhães Gândavo, Fernão Cardim, Claude D’Abbeville e Yves 
D’Evreux, incluindo estudos das línguas e costumes dos povos tupis e des-
crições da flora e da fauna nativas, muitas vezes acompanhadas de ilustrações 
pitorescas; e 2) o que esses autores, europeus e cristãos, expressavam acerca 
da terra e de seus habitantes e o que isso pode revelar sobre o pensamento 
eurocêntrico do período, frequentemente focado na assimilação do exótico – 
como no excerto a seguir, em que Fernão Cardim trata da sexualidade tupi:
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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Nenhum mancebo se acostumava casar antes de tomar contrário, 
e perseverava virgem até que o tomasse e matasse correndo-lhe pri-
meiro suas festas por espaço de dois ou três anos; a mulher da mesma 
maneira não conhecia homem até lhe não vir sua regra, depois da 
qual lhe faziam grandes festas; ao tempo de lhe entregarem a mulher 
faziam grandes vinhos, e acabada a festa ficava o casamento perfeito, 
dando-lhe uma rede lavada, e depois de casados começavam a beber, 
porque até aí não o consentiam seus pais, ensinando-os que bebessem 
com tento, e fossem considerados e prudentes em seu falar, para que 
o vinho lhe não fizesse mal, nem falassem cousas ruins, e então com 
uma cuia lhe davam os velhos antigos o primeiro vinho, e lhe tinham 
a mão na cabeça para que não arrevessassem, porque se arrevessava 
tinham para si que não seria valente e vice-versa. (CARDIM, 2009 
[1583-1601], p. 176-177)
Evidentemente, é importante observar que cada um desses relatos guarda 
em si um discurso próprio, não podendo ser tomado sem a confrontação com 
outros relatos disponíveis e uma avaliação crítica. Por exemplo: relatos de 
viagens e cartas que fazem referências aos povos nativos do Brasil são unilate-
rais, posto que apresentam a visão de clérigos e administradores portugueses, 
mas não contemplam qualquer visão que os próprios indígenas tivessem de 
si. Com frequência, tais documentos expressam a clara intenção de preparar 
o terreno para a evangelização e a escravização dos povos nativos, o que pode 
resultar em um viés “barbarizante” acerca destes, justificando ações intrusivas, 
ou mesmo violentas, como as promovidas reiteradamente por bandeirantes, 
missionários e autoridades coloniais.
Em razão dessas questões, como qualquer outra fonte, os registros colo-
niais4 devem ser abordados com cuidado, sempre com a confrontação de 
dados divergentes em natureza e de procedências diferentes, evitando-se a 
simples reprodução de discursos já sedimentados.
4 Atualmente, podem ser encontradas compilações de fontes do período colonial, como o ma-
terial organizado pelo professor Luiz Carlos Villalta, da Universidade Federal de Minas Gerais, 
intitulado Coletânea de documentos e textos de História do Brasil Colonial, o qual compreende 
testemunhos de naturezas diversas datados do período. Esses registros podem ser acessados no 
endereço eletrônico: <http://www.fafich.ufmg.br/pae/colonia/documentos/coletaneadedocu-
mentos.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
Ampliando seus conhecimentos
Escritor e político, nascido em São Paulo, Caio Prado Júnior 
(1907-1990) teorizou sobre a formação do Brasil em vista de 
seu passado colonial. Pesquisador de viés marxista, Prado 
Júnior buscava abordar os eventos coloniais a partir da ótica 
do materialismo histórico, vinculando a história brasileira à 
natureza de sua relação econômica com Portugal e sempre 
relacionando, em seu entendimento, esses acontecimentos às 
repercussões contemporâneas. Sua obra Formação do Brasil 
contemporâneo é frequentemente considerada equivalente 
em importância a Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre, 
e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Seu con-
ceito de “sentido da colonização” situa a fundação do Brasil 
como um centro de produção de bens de exportação. Essa 
conjuntura seria vista pelo autor como problemática para o 
desenvolvimento da América portuguesa como colônia, 
posto que teria tolhido a formação de um mercado interno 
e, consequentemente, de um país independente e economi-
camente forte.
O sentido da colonização
(PRADO JÚNIOR, 1957, p. 15-22)
[...] O sentido da evolução de um povo pode variar; aconteci-
mentos estranhos a ele, transformações internas profundas do 
seu equilíbrio ou estrutura, ou mesmo ambas essas circunstân-
cias conjuntamente, poderão intervir, desviando-o para outras 
vias até então ignoradas. Portugal nos traz disso um exemplo 
frisante que para nós é quase doméstico. [...] No alvorecer 
do século XV, a história portuguesa muda de rumo. Integrado 
nas fronteiras geográficas naturais que seriam definitivamente 
as suas, constituído territorialmente o reino, Portugal se vai 
transformar num país marítimo; desliga-se, por assim dizer, do 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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continente, e volta-se para o oceano que se abria para o outro 
lado; não tardará, com suas empresas e conquistas no ultra-
mar, em se tornar uma grande potência colonial.
[...] Isso nos leva, infelizmente, para um passado relativamente 
longínquo e que não interessa diretamente ao nosso assunto. 
Não podemos contudo dispensá-lo, e precisamos reconstituir 
o conjunto da nossa formação colocando-a no amplo quadro, 
com seus antecedentes, desses três séculos de atividade colo-
nizadora que caracterizam a história dos países europeus a partir 
do século XV; atividade que integrou um novo continente na 
sua órbita, paralelamente aliás ao que se realizava, embora em 
moldes diversos, em outros continentes: a África e a Ásia. [...]
[...] A expansão marítima dos países da Europa, depois do 
século XV, expansão de que o descobrimento e a coloni-
zação da América constituem o capítulo que particularmente 
nos interessa aqui, se origina de simples empresas comerciais 
levadas a efeito pelos navegadores daqueles países. Deriva do 
desenvolvimento do comércio continental europeu, que até 
o século XIV é quase unicamente terrestre, e limitado, por 
via marítima, a uma mesquinha navegação costeira e de cabo-
tagem. Como se sabe, a grande rota comercial do mundo 
europeu que sai do esfacelamento do Império do Ocidente é 
a que liga por terra o Mediterrâneo ao mar do Norte, desde 
as repúblicas italianas, através dos Alpes, os cantões suíços, 
os grandes empórios do Reno, até o estuário do rio onde 
estão as cidades flamengas. No século XIV, mercê de uma 
verdadeira revolução na arte de navegar e nos meios de trans-
porte por mar, outra rota ligará aqueles dois polos do comér-
cio europeu: será a marítima que contorna o continente pelo 
estreito de Gibraltar. Rota que, subsidiária a princípio, substi-
tuirá afinal a primitiva no grande lugar que ela ocupava. O pri-
meiro reflexo dessa transformação, a princípio imperceptível, 
mas que se revelará profunda e revolucionará todo o equilí-
brio europeu, foi deslocar a primazia comercial dos territórios 
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Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
centrais do continente, por onde passava a antiga rota, para 
aquelesque formam a sua fachada oceânica: a Holanda, a 
Inglaterra, a Normandia, a Bretanha e a península Ibérica.
Esse novo equilíbrio firma-se desde o princípio do século 
XV. Dele derivará não só todo um novo sistema de relações 
internas do continente, como, nas suas consequências mais 
afastadas, a expansão europeia ultramarina. O primeiro passo 
estava dado e a Europa deixará de viver recolhida sobre si 
mesma para enfrentar o oceano. O papel de pioneiro nessa 
nova etapa caberá aos portugueses, os melhores situados, 
geograficamente, no extremo dessa península que avança 
pelo mar. Enquanto holandeses, ingleses, normandos e bre-
tões se ocupam na via comercial recém-aberta, e que bordeja 
e envolve pelo mar o ocidente europeu, os portugueses vão 
mais longe, procurando empresas em que não encontrassem 
concorrentes mais antigos e já instalados, e para que conta-
vam com vantagens geográficas apreciáveis: buscarão a costa 
ocidental da África, traficando aí com os mouros que domi-
navam as populações indígenas. Nessa avançada pelo oce-
ano descobrirão as ilhas (Cabo Verde, Madeira, Açores), e 
continuarão perlongando o continente negro para o sul. Tudo 
isso se passa ainda na primeira metade do século XV. Lá por 
meados dele começa a se desenhar um plano mais amplo: 
atingir o Oriente contornando a África. Seria abrir para seu 
proveito uma rota que os poria em contato direto com as 
opulentas Índias das preciosas especiarias, cujo comércio fazia 
a riqueza das repúblicas italianas e dos mouros por cujas mãos 
transitavam até o Mediterrâneo. Não é preciso repetir aqui o 
que foi o périplo africano, realizado afinal depois de tenazes 
e sistemáticos esforços de meio século.
[...] Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos 
desta era, que se convencionou com razão chamar dos “des-
cobrimentos”, articulam-se num conjunto que não é senão 
um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se 
dedicam os países da Europa a partir do século XV, e que 
lhes alargará o horizonte pelo oceano afora. Não têm outro 
caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e 
colonização das ilhas pelos portugueses, o roteiro das Índias, 
o descobrimento da América, a exploração e ocupação de 
seus vários setores. [...]
[...] Tudo isso lança muita luz sobre o espírito com que os 
povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não 
ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, 
e daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio 
que é a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, 
onde não faltava objeto para atividades mercantis. A ideia 
de ocupar, não como se fizera até então em terras estranhas, 
apenas como agentes comerciais, funcionários e militares para 
a defesa, organizados em simples feitorias destinadas a mer-
cadejar com os nativos e servir de articulação entre as rotas 
marítimas e os territórios ocupados; mas ocupar com povoa-
mento efetivo, isso só surgiu como contingência, necessidade 
imposta por circunstâncias novas e imprevistas. Aliás, nenhum 
povo da Europa estava em condições naquele momento de 
suportar sangrias na sua população, que no século XVI ainda 
não se refizera de todo das tremendas devastações da peste 
que assolou o continente nos dois séculos precedentes. Na 
falta de censos precisos, as melhores probabilidades indicam 
que em 1500 a população da Europa ocidental não ultrapas-
sava a do milênio anterior.
[...] Os problemas do novo sistema de colonização, envol-
vendo a ocupação de territórios quase desertos e primitivos, 
terão feição variada, dependendo em cada caso das cir-
cunstâncias particulares com que se apresentam. A primeira 
delas será a natureza dos gêneros aproveitáveis que cada um 
daqueles territórios proporcionará. A princípio, naturalmente, 
ninguém cogitará de outra coisa que produtos espontâneos, 
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Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira
extrativos. É ainda quase o antigo sistema das feitorias pura-
mente comerciais. Serão as madeiras, de construção ou tin-
toriais (como o pau-brasil entre nós) na maior parte deles; 
[...] Viria depois, em substituição, uma base econômica mais 
estável, mais ampla: seria a agricultura. [...]
Atividades
1. Discorra sobre o conceito de Sentido da Colonização, elaborado por 
Caio Prado Júnior.
2. Em que sentido a abordagem da obra O Arcaísmo como projeto diverge 
significativamente da visão pradiana?
3. Que cuidados são necessários com relação ao tratamento das fontes 
primárias do período colonial?
Grupos indígenas 
brasileiros
Uma das concepções mais difundidas acerca da formação do 
povo brasileiro é a de que esse processo se deu pelas vias da mis-
cigenação e da interação pacífica, até mesmo afetuosa, entres três 
“matrizes culturais”: a europeia, a indígena e a africana. Embora 
seja visível que componentes de todas essas vertentes étnicas con-
tribuíram para a “invenção” do Brasil, a complexidade do processo 
de trocas culturais dificilmente poderia ser sintetizada em uma 
fórmula. A miscigenação não se deu sempre por vias consensuais, 
e grupos inteiros foram submetidos a circunstâncias de opressão, 
perda de território ou extermínio até que fosse constituída uma uni-
dade nacional reconhecível como Brasil.
2
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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De todo modo, qualquer compreensão mais refinada da diversidade cul-
tural que marcou a formação do Brasil colonial deve certamente passar pelo 
estudo das culturas indígenas que aqui viveram – e, em muitos casos, ainda 
vivem. É válido começar com um esclarecimento sobre o uso da palavra índio, 
que era empregada pelos europeus do século XVI para descrever nativos do 
Extremo Oriente (“as Índias”). Posto que o primeiro contato dos europeus 
com terras americanas os pôs a pensar que estas se tratavam de território asiá-
tico, os povos que eles encontraram passaram a ser designados como índios, 
uma denominação que se perpetua até os dias atuais, com graus maiores ou 
menores de aceitação, dependendo do contexto. Outros termos ainda foram 
utilizados, tais como gentio, bárbaro, selvagem e negro da terra.
A denominação índio ou indígena mostra-se particularmente enganosa, 
por encorajar a ideia de que esses povos constituem uma espécie de unidade 
coesa em termos de modo de vida, língua, religião ou organização social. 
Esses grupos são na verdade caracterizados por uma imensa diversidade, 
ainda que compartilhem a noção de continuidade relativa ao período pré-
-colombiano, a concepção de patrimônio cultural local como fato agregador 
da comunidade e um senso de si como entidade diferenciada do restante do 
conjunto nacional.
A teoria mais aceita atualmente é a de que as primeiras populações 
americanas teriam se originado de ondas migratórias provenientes da Ásia e, 
posteriormente, ramificaram-se em uma infinidade de sociedades, adotando 
modelos variados de vida ritual, subsistência e composição social.
Apesar de haver controvérsia entre autores que tratam do tema, os núme-
ros estimados para a população indígena brasileira anterior ao contato com os 
europeus flutuam entre um e cinco milhões de indivíduos, compreendendo 
cerca de mil grupos diferentes. O antropólogo Darcy Ribeiro (2004) afirmou 
que, apenas no início do século XX, cerca de oitenta grupos teriam desapare-
cido devido a epidemias e ações violentas.
Considerando que essas sociedades eram ágrafas, nada deixaram em ter-
mos de registros por meio dos quais possamos reconstituir sua visão acerca da 
chegada dos invasores ou de toda a história que a precedeu. Tudo que se sabe 
dessas culturas do período pré-Cabralino parte de achados arqueológicos e de 
suposições elaboradas com basena grande quantidade de crônicas ou relatos 
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Grupos indígenas brasileiros
de viagem escritos por exploradores europeus que estiveram no Brasil a partir 
do século XVI, como Jean de Léry e Hans Staden.
Há de se reconhecer, evidentemente, o impacto que tiveram essas cul-
turas na língua falada, nos costumes praticados no Brasil e no modo como 
o território nacional veio a se organizar. No entanto, os grupos indígenas, 
longe de se configurarem como algo restrito a um passado colonial, são ainda 
hoje uma parcela relevante, embora de visibilidade restrita e sujeita a genera-
lizações frequentes, do povo brasileiro. Assim, compreender a história desses 
povos é fundamental para pintar um quadro mais completo da formulação 
histórica do Brasil colonial.
2.1 Organização social e cultural 
das comunidades indígenas
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons ros-
tos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. 
Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm 
tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços 
de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de 
comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, 
agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro 
do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como 
roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os 
estorva no falar, no comer ou no beber. (BRASIL, 2017)
Essa descrição, contida na Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, o 
escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral se refere aos primeiros nativos 
avistados por portugueses no território que se tornaria o Brasil. Tratava-se de 
tupiniquins, um povo falante de uma língua tupi, como vários outros que 
habitavam a costa brasileira. Com o tempo, vários elementos da cultura tupi 
foram assimilados à cultura brasileira, sendo inclusive abraçados pelos escri-
tores românticos do século XIX. Desse modo, faz sentido que, nas mentes de 
muitos brasileiros, tupi e índio sejam quase termos intercambiáveis.
Entretanto, o contexto cultural é mais complexo. Há cerca de 150 línguas 
indígenas sobreviventes no Brasil de hoje, por exemplo, as que pertencem aos 
troncos linguísticos tupi e macro-jê, além de várias outras famílias linguísticas 
extensas, como as línguas caribes e as aruaques, e línguas isoladas, como a 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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trumái e a ticuna. Essa variedade linguística reflete uma diversidade de costu-
mes e visões de mundo que ainda são objeto de interesse de pesquisadores de 
várias áreas.
Dentro desses grupos são várias as particularidades de ordem religiosa, 
artística e social observadas, mas também há pontos em comum entre eles. 
De modo geral, as sociedades indígenas encontradas pelos portugueses eram 
caracterizadas principalmente por adotarem uma economia de subsistên-
cia, sistemas políticos mais simples e um nível de elaboração material rela-
tivamente menor que os europeus. Nenhum desses grupos dominava, por 
exemplo, a metalurgia, a irrigação, o uso de animais de tração (e, consequen-
temente, da tecnologia da roda) ou a arquitetura com alvenaria. Como foi 
observado por viajantes como Jean de Léry, esses povos não pareciam ter uma 
religião reconhecível aos olhos europeus, com templos, ídolos esculpidos, cul-
tos organizados ou mesmo uma hierarquia rigorosa de deuses, segundo uma 
perspectiva teísta convencional.
No campo da organização social, os indígenas que se encontravam no 
território brasileiro não possuíam instituições reconhecíveis como reinos, 
ministérios ou cúrias sacerdotais. As relações dentro das comunidades eram 
pautadas principalmente por questões de faixa etária, ancestralidade, gênero 
e vida ritual. Chefias com frequência eram baseadas no poder da oratória ou 
nas proezas militares de um indivíduo, nem sempre levando em consideração 
a hereditariedade. As interações entre um povo e outro podiam variar de 
modelos tradicionais e rígidos de cooperação a alianças precárias e motivadas 
por necessidade, de francas inimizades a estados de relativa submissão moti-
vadas por um histórico de conflito.
Costumes e rituais podiam interferir significativamente nessas relações 
intertribais, especialmente com respeito às guerras. Os povos tupis da costa, 
por exemplo, guardavam o costume da antropofagia: inimigos capturados 
em combate eram conduzidos à aldeia dos vitoriosos, onde eram executados 
em um elaborado ritual, após o qual sua carne era consumida. Acreditava-se 
que, entre inimigos tradicionais, como os tupinambás e os tupiniquins, a 
antropofagia era um dever de vingança ritual, já que um guerreiro compensava 
– 31 –
Grupos indígenas brasileiros
o consumo de seus ancestrais pelos inimigos consumindo os descendentes 
destes, em uma cadeia infinita de vendetas intertribais.
Algumas das sociedades nativas do Brasil ainda eram predominante-
mente nômades, vivendo da caça, da pesca e da coleta de produtos sazonais 
da floresta. Outras desenvolviam essas atividades em complementaridade 
com um modelo de agricultura adaptado às terras tropicais: a agricultura 
de coivara, que envolve o plantio em áreas recém-queimadas de floresta, as 
quais são abandonadas para repousar e se recompor após algumas colheitas. 
Via de regra, as culturas coletoras desenvolveram repertórios materiais mais 
simples, enquanto as culturas agrárias criaram formas reconhecíveis de cerâ-
mica, cestaria e tecelagem, por vezes decoradas com elaborados grafismos, 
ricos em simbologias.
Dado que desconheciam animais de tração, como o cavalo e o boi, 
completamente ausentes na fauna nativa das Américas, e seus implementos 
estavam restritos a tecnologias líticas (artefatos como machadinhas ou cor-
tadores feitos de pedra) ou orgânicas (madeira, osso, couro), essas culturas 
desenvolviam suas atividades produtivas de forma diferente dos europeus, 
empregando o fogo como sua principal ferramenta e produzindo ambientes 
de cultivo que, visualmente, eram pouco semelhantes às fazendas europeias. 
Não se pode subestimar o choque representado pela chegada dos europeus, 
equipados com implementos de ferro, que facilitavam o trabalho agrícola, e 
armas de fogo, alterando significativamente o modo como se praticava a caça 
e a guerra.
Essa assimetria, somada a outros fatores conjunturais, como a questão 
religiosa, produziria um forte impacto nas culturas indígenas, que, apesar dos 
constantes atritos com os europeus, desenvolveriam também uma relação de 
dependência com os invasores, buscando obter deles bens exóticos, como 
roupas, espelhos, ferramentas de ferro, armas de fogo e animais de criação.
Reforçando esse choque, a organização social dessas comunidades não 
apresentava classes sociais do modo compreendido pelo europeus, posto que 
os modelos econômicos que adotavam não permitiam acúmulo considerável 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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de excedentes ou concentração de bens de vulto nas mãos de indivíduos 
específicos, até porque o conceito de riqueza imobiliária estava praticamente 
ausente do imaginário indígena. Enquanto os europeus estavam familiariza-
dos à rigidez dos estamentos sociais (nobreza/clero/burguesia/campesinato), 
a estratificação existente entre as populações indígenas brasileiras era pautada, 
conforme já foi dito, por questões de gênero e faixa etária. Na maioria das 
vezes, as mulheres eram responsáveis pela atividade agrícola, pelo processa-
mento dos alimentos e pelos cuidados com as crianças pequenas, e os homens 
pela caça, pela pesca e por formas específicas de coleta, bem como pela fabri-
cação de armas e implementos envolvidos nessas atividades. As crianças, de 
acordo com o gênero, eram educadas seguindo a rotina de atividades dos 
adultos, quando não tinhamatribuições específicas. Os idosos com frequên-
cia tinham também uma rotina bem estabelecida de atividades produtivas 
diversificadas, posto que não poderiam mais se aplicar com vigor em ativida-
des extenuantes.
Nesse modelo produtivo, todos os indivíduos de determinado estrato 
(homens ou mulheres, em determinada faixa etária) possuíam a gama de 
conhecimentos necessários para levar a cargo as atividades produtivas e rituais 
que eram deles esperadas, o que resultava na inexistência de “especialistas”. 
Ferreiros, carpinteiros e construtores não teriam lugar, portanto, em uma 
sociedade onde o conjunto de tarefas é conhecido por todos os participan-
tes, em todas as etapas do processo. Ferreiros e joalheiros, em particular, não 
teriam razão de ser em uma sociedade que desconhecia a metalurgia.
Mesmo os chefes indígenas raramente apresentavam o caráter institu-
cionalizado/sacralizado que caracterizava os monarcas europeus, sem jamais 
possuírem a mesma extensão de poder. A escolha dos chefes podia ser ditada 
por habilidades particularmente acentuadas de liderança em combate e ati-
vidades produtivas ou pelo uso da oratória em ocasiões de rituais. Uma das 
poucas formas de especialidade encontradas em tais sociedades é a categoria 
dos xamãs ou pajés, palavra de origem tupi que se refere a curandeiros e líde-
res espirituais. Em certos grupos indígenas, todavia, o papel de condução 
de rituais pode ser pulverizado entre vários indivíduos, ou até mesmo entre 
– 33 –
Grupos indígenas brasileiros
todos os membros de uma comunidade em contextos específicos. Em muitos 
casos, o xamã não está isento de participar de atividades produtivas como a 
caça, por exemplo.
Portanto, ao contrário das sociedades encontradas pelos europeus nos 
Andes e no Vale do México, aquelas que residiam no território brasileiro não 
construíram cidades ou mesmo templos, nem desenvolveram uma arquitetura 
monumental, posto que seus sistemas religiosos e civis não exigiam isso. Além 
disso, não havia aristocracias ou uma diversificação econômica que pudesse 
distinguir significativamente os membros de uma comunidade. Um trecho 
de Viagem à terra do Brasil, do francês Jean de Léry, comenta elogiosamente 
sobre esse modelo de organização:
É coisa quase incrível e de envergonhar os que consideram as leis divi-
nas e humanas como simples meios de satisfazer sua índole corrupta, 
que os selvagens, guiados apenas pelo seu natural, vivam com tanta 
paz e sossego. É evidente que me refiro a cada nação de per si ou às 
que vivem como aliadas, pois aos inimigos já sabemos como tratam. 
(LÉRY, 1980 [1578], p. 205-206)
A comunidade tupinambá, à qual se refere Léry, era aliada dos franceses 
e praticava a antropofagia ritual, assim como outros povos tupis, sacrificando 
inimigos capturados e consumindo sua carne. Mesmo repugnado por tal prá-
tica, o autor ressalta em mais de um momento o estado de paz que prevalecia 
dentro das aldeias brasileiras ou entre aldeias que possuíam alguma forma 
de aliança, ainda que não houvesse qualquer presença forte de ordenamento 
civil, ou seja, nenhum tipo de policiamento organizado ou regulação oficial 
institucionalizada por ministros, secretários, prefeitos etc. Na obra apresen-
tada na Figura 1, o artista Jean-Baptiste Debret expõe o cotidiano das comu-
nidades indígenas1.
1 É relevante notar que a maioria das imagens utilizadas neste material não foi produzida no 
período em análise, tendo sido elaboradas por artistas posteriores, atendendo às demandas 
dos respectivos períodos de produção. Afora o caso dos artistas holandeses no século XVII, 
testemunhos visuais das populações nativas do Brasil foram relativamente raros até meados 
do século XX, quando artistas franceses foram convidados pela Coroa portuguesa a se estabe-
lecerem no território brasileiro, representando então suas paisagens e seu povo. Jean-Baptiste 
Debret (1768-1848) foi um dos nomes mais relevantes entre esses artistas vindos da França.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 34 –
Figura 1 – DEBRET, Jean-Baptiste. Botocudos, Puris, Pataxós e Machacalis. 
1834. Litografia sobre papel, color.: 21,1 x 32,6 cm. Pinacoteca do Estado 
de São Paulo, São Paulo.
O choque cultural que se seguiu ao contato entre colonizadores e nativos 
foi crucial para o desenrolar da história colonial. Em mais de um momento as 
concepções indígenas de religiosidade mostraram-se incompatíveis com a assi-
milação dos princípios cristãos, assim como as noções de vida prática se reve-
laram incompatíveis com a assimilação de institucionalidades e modelos eco-
nômicos europeus. Somados, esses fatores ajudaram na criação de um modelo 
colonial que frequentemente incorporaria os povos americanos, quando estes 
não se conformavam às reduções jesuíticas, devidamente cristianizados e ade-
quados ao modo de vida europeu, apenas como mão de obra escrava. Mais 
comum foi seu isolamento do convívio com o restante da sociedade colo-
nial, como alvo óbvio de guerras e predação, situação que acarretaria grande 
número de conflitos no interior do território nos séculos por vir. Perduraria 
ainda o estranhamento entre esses dois “Brasis”, um devidamente configurado 
conforme modelos europeus, e outro apenas precariamente controlado, foco 
de disputas, distante das instituições civis e religiosas tradicionais.
– 35 –
Grupos indígenas brasileiros
2.2 Os aldeamentos e a escravidão indígena
Os indígenas representavam um problema para o processo coloniza-
dor português. Se fossem considerados humanos, o que era algo controverso 
entre os primeiros colonos e sujeito a diversas discussões entre os letrados do 
período, seriam súditos da Coroa portuguesa e não poderiam ser escraviza-
dos. Mas, se não pudessem ser escravizados, também não poderiam ser assi-
milados de forma alguma à sociedade que se pretendia construir nos trópicos, 
pois viviam de forma muito distinta dos colonos.
Em contato com essas pessoas tão diferentes na aparência, nos hábitos 
e na visão de mundo, muitos europeus começaram a avaliar se elas eram 
igualmente humanas ou se eles precisavam rever suas percepções sobre o que 
era humanidade. Frequentemente prevaleceu a visão de que a nudez, a lin-
guagem, o paganismo e a antropofagia eram indicadores de barbarismo que 
deveriam ser suprimidos por meio do convívio e do trabalho forçado, e da 
subsequente cristianização forçada, ou pela via da “guerra justa” – o extermí-
nio do “gentio bárbaro”, ameaçador da ordem civilizada.
Figura 2 – DEBRET, Jean-Baptiste. Índios soldados da província de 
Curitiba escoltando prisioneiros nativos. 1831. Litografia sobre papel: 20 x 
32,5 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 36 –
Além do choque cultural, a praticidade normalmente levava os colonos a 
flexibilizar os limites do legalismo, ditando suas próprias regras. Como neces-
sitavam de escravos que pudessem empregar no cultivo de cana-de-açúcar, a 
exploração dos não cristãos (e, portanto, “não humanos”) como mão de obra 
forçada tornava-se um componente fundamental da economia da Colônia. 
A captura de nativos era uma forma conveniente de obter cativos para o tra-
balho agrícola, enfraquecendo – quando não eliminando – grupos indígenas 
que poderiam representar uma ameaça aos colonos.
Os colonizadores exploravam, em diversos momentos, as inimizades 
históricas entre os diferentes povos indígenas, aliando-se a alguns grupos 
com a finalidade de atacar e destruir ou escravizar indivíduos de outras 
comunidades. Povos aliados podiam, por exemplo, ser recompensados com 
bens, rendimentos e títulos. Algumas comunidades indígenas acabariam por 
buscar alianças com os colonos, com a intenção de evitar sua própria destrui-
ção, enquanto outras, em vista dos conflitos crescentes, tornar-se-iam ainda 
mais inimigas.As expedições que adentravam o território, com a finalidade de desbravar 
a Colônia em busca de minérios e outras riquezas naturais, eram conhecidas 
como entradas e bandeiras, lideradas por capitães do mato, e também se 
dedicavam à prática do preamento, que envolvia a captura de indígenas para 
trabalhos forçados. Confrontar agrupamentos indígenas que não se encon-
travam sob a tutela de missionários era perfeitamente lícito, pois tais grupos 
eram considerados resistentes à fé cristã e enfrentá-los constituía uma forma 
de guerra justa. Mesmo aqueles que se encontravam devidamente abrigados 
em reduções jesuíticas estavam sujeitos a ataques, uma vez que a simples 
aderência ao cristianismo não freava os impulsos predatórios de muitos capi-
tães preadores de escravos. Índios em condição de penúria poderiam ainda se 
vender, numa prática conhecida como escravidão voluntária, que foi regula-
mentada pelo administrador colonial Mem de Sá, em 1566.
Além da escravização, implementada com o uso da força, os colonos 
sujeitavam os indígenas à condição servil por meio do trabalho assalariado e 
– 37 –
Grupos indígenas brasileiros
da aculturação2, empreendida principalmente pelos jesuítas, mas também por 
outras ordens religiosas, as quais introduziam os nativos a um novo modelo 
de ocupação da terra, que substituía sua organização tribal por um novo 
regime de trabalho e sua vida ritual pelo catolicismo. Esses indígenas eram 
batizados, recebiam nomes portugueses e deviam se portar como portugueses, 
como demonstra este excerto de uma carta do Padre José de Anchieta:
Todos êstes impedimentos e costumes são mui faceis de se tirar se 
houver temôr e sujeição, como se viu por experiencia desde do tempo 
do governador Mem de Sá até agora; porque com o os obrigar a se 
juntar e terem igreja, bastou para receberem a doutrina dos Padres e 
perseverar nela té agora, e assim será sempre, durando esta sujeição. 
(ANCHIETA, 1964 [1584], p. 333)
Figura 3 – RUGENDAS, Johann Moritz. Aldeia tapuia. 1824. Aquarela 
e grafite sobre papel: 15,5 x 28,2 cm. Coleção da Arte da Cidade de São 
Paulo, São Paulo.
2 O contato intercultural pode se processar de várias maneiras, e a aculturação é uma das 
mais marcantes entre essas dinâmicas. A aculturação se processa em relações culturais assimé-
tricas, quando uma das culturas envolvidas se revela mais potente, ou seja, desfruta de maior 
alcance e influência. Nesses casos, a cultura menos influente acaba por adotar elementos da 
mais poderosa, o que pode resultar na extinção de muitos de seus caracteres identitários. Essa 
relação pode ser vista no caso dos grupos indígenas brasileiros que assimilaram muitos dos 
hábitos, da tecnologia e da religião de origem europeia. Há exemplos, no entanto, de casos de 
resistência cultural e hibridizações. Sobre o conceito, ver: MARCONI, Marina de Andrade; 
PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2006.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 38 –
Nos aldeamentos jesuíticos, os índios eram catequizados em sua própria 
língua, medida utilizada pelos missionários para facilitar o processo de con-
versão. Com efeito, os jesuítas esforçaram-se para sistematizar as línguas tupi 
por meio da criação de uma gramática. Muito do que ainda se conhece acerca 
do tupi antigo, falado por muitas comunidades da costa brasileira, deve-se 
aos esforços de pesquisa linguística dos missionários.
Nesses locais se desenvolvia um processo de “destribalização” que 
demandava uma aculturação radical: o trabalho agrícola, por exemplo, tra-
dicionalmente uma atribuição feminina nas sociedades tupis, precisava ser 
empreendido por todos, independentemente do gênero ou da faixa etária, o 
que poderia causar confrontos a princípio. O ensino de cânticos religiosos e 
métodos de construção e artesanato europeus acabava por descaracterizar o 
modo de vida também no nível estético e da vida doméstica.
Para além da aculturação, que transformava os indígenas efetivamente 
em súditos da Coroa portuguesa, os aldeamentos convertiam-nos em força 
produtiva e reserva militar contra índios “bravios”, ou seja, aqueles que ainda 
não haviam sido aldeados.
Figura 4 – Ruínas da redução jesuítica de São Miguel Arcanjo, em São 
Miguel das Missões (RS).
Fonte: Jolkesky/iStockphoto.
– 39 –
Grupos indígenas brasileiros
A exploração dos indígenas como escravos só seria encerrada legalmente 
no século XVIII, via uma lei assinada pelo secretário de Estado do rei D. José I, 
o Marquês de Pombal. É válido notar que mesmo antes disso, ainda em fins 
do século XVI, a escravidão indígena havia entrado em declínio, sendo gra-
dualmente substituída pela escravidão negra, tanto pela acepção comum, 
entre os colonos, de que os indígenas eram pouco aptos ao trabalho pesado 
quanto por interesses envolvidos no lucrativo tráfico negreiro, que trazia 
cativos da África.
2.3 Costumes e permanências culturais
A cultura de um povo, expressão de sua identidade que se manifesta por 
meio de seu patrimônio material, de suas tradições e ritos, é uma cadeia dinâ-
mica, não estática. Uma cultura local ou nacional é tão definida pelas perma-
nências de épocas passadas quanto pela assimilação de elementos novos.
Figura 5 – Casa em aldeia Kamayurá, no Alto Xingu (MT).
Fonte: Phototreat/iStockphoto.
As comunidades indígenas muitas vezes adotaram posturas diferentes 
em relação à administração colonial portuguesa, conforme o período colo-
nial em questão, ou mesmo posteriormente, no que diz respeito ao território 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 40 –
brasileiro. Os níveis de interação desses grupos com o restante do coletivo 
nacional variaram significativamente, desde uma rotina de trocas regulares 
a estados de isolamento, quando o histórico do contato se revelou traumá-
tico demais para permitir uma convivência mais estreita. Em todos os casos, 
porém, observam-se os efeitos duradouros e o impacto indelével do contato 
entre culturas radicalmente diferentes.
Afora os topônimos de origem tupi que hoje permeiam amplamente 
a geografia brasileira (nomes como Araraquara, Bertioga, Itaim, Ipiranga, 
Iguaçu, Paraíba, Sergipe, Ubatuba), as permanências mais visíveis de culturas 
indígenas na cultura brasileira podem ser observadas em práticas cotidianas 
fundamentais, como a arte popular e a medicina. A importância da cerâmica 
e da cestaria para a cultura popular brasileira, assim como o emprego comum 
de ervas e rituais como soluções para problemas de saúde, é também, certa-
mente, herança das sociedades tradicionais pré-Cabralinas.
Além disso, os métodos de produção e processamento de alimentos são 
um marco importante. A agricultura de coivara, por exemplo, foi preservada 
através dos séculos e continua a ser praticada em várias partes do território 
nacional. O cultivo da mandioca-brava é uma permanência particularmente 
relevante, já que se mantém como o item mais importante da agricultura 
da América tropical, mas também há exemplos de outras culturas agrícolas 
claramente relevantes para a culinária brasileira e que são parte da herança ali-
mentar indígena: o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o tomate, o amen-
doim, o tabaco, a abóbora, o urucu, as cuias e cabaças, o abacaxi, o mamão, a 
erva-mate e o guaraná, além de árvores como o caju, o pequi e o cacau.
Ampliando seus conhecimentos
Sobre os canibais
(MONTAIGNE, 2009 [1580], p. 51)
[...] Eles são selvagens assim como chamamos selvagens 
os frutos que a natureza produziu por si mesma e por seu 
avanço habitual; quando na verdade os que alteramos por 
– 41 –
Grupos indígenas brasileiros
nossa técnica e desviamos da ordem comum é que deverí-
amos chamar de selvagens. Naqueles são vivas e vigorosas, 
e mais úteis e naturais, as virtudes e propriedades verdadei-
ras,e, nestes, nós as abastardamos adaptando-os ao prazer 
de nosso gosto corrompido. E por conseguinte, o próprio 
sabor e a delicadeza de diversos frutos daquelas paragens 
que não são cultivados são excelentes até para nosso pró-
prio gosto, se comparados com os nossos: não é razão para 
que o artifício seja mais reverenciado que nossa grande e 
poderosa mãe natureza. Sobrecarregamos tanto a beleza e a 
riqueza de suas obras com nossas invenções que a sufoca-
mos totalmente. Seja como for, em qualquer lugar onde sua 
pureza reluz ela envergonha esplendidamente nossos vãos e 
frívolos empreendimentos:
Et veniunt bederae sponte sua melius,
Surgit et in solis formosior arbutus antris,
Et volucres nulla dulcius arte canunt.
[A hera cresce melhor por si só nas grutas solitárias;
O medronheiro cresce mais bonito,
E os pássaros têm um canto mais melodioso sem trabalho.]
Todos os nossos esforços não conseguem sequer reprodu-
zir o ninho do menor passarinho, sua contextura, sua beleza 
e sua utilidade; tampouco a teia da miserável aranha. Todas 
as coisas, diz Platão, são produzidas pela natureza ou pela 
fortuna ou pela arte. As maiores e mais belas, por uma ou 
outra das duas primeiras; as menores e imperfeitas, pela última. 
Portanto, essas nações parecem assim bárbaras por terem sido 
bem pouco moldadas pelo espírito humano e ainda estarem 
muito próximas de sua ingenuidade original. As leis naturais 
ainda as comandam, muito pouco abastardadas pelas nossas; 
mas a pureza delas é tamanha que, por vezes, me dá desgosto 
que não tenham sido descobertas mais cedo, na época em 
que havia homens que, melhor que nós, teriam sabido julgar. 
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 42 –
Desagrada-me que Licurgo e Platão não as tenham conhecido, 
pois parece-me que o que vemos por experiência naquelas 
nações ultrapassa não somente todas as pinturas com que a 
poesia embelezou a Idade de Ouro, e todas as suas inven-
ções para imaginar uma feliz condição humana, como também 
a concepção e o próprio desejo de filosofia. Eles não con-
seguiram imaginar uma ingenuidade tão pura e simples como 
a que vemos por experiência e nem conseguiram acreditar 
que nossa sociedade conseguisse manter-se com tão pouco 
artifício e solda humana. É uma nação, eu diria a Platão, em 
que não há nenhuma espécie de comércio, nenhum conhe-
cimento das letras, nenhuma ciência dos números, nenhum 
termo para magistrado nem para superior político, nenhuma 
prática de subordinação, de riqueza, ou de pobreza, nem 
contratos nem sucessões, nem partilhas, nem ocupações além 
do ócio, nenhum respeito ao parentesco exceto o respeito 
mútuo, nem vestimentas, nem agricultura, nem metal, nem uso 
de vinho ou de trigo. As próprias palavras que significam men-
tira, traição, dissimulação, avareza, inveja, difamação, perdão 
são desconhecidas. Como ele consideraria distante dessa per-
feição a república que imaginou! [...]
Sobre o governo e as autoridades, 
e o que existe de ordem e de justiça
(STADEN, 2011 [1557], p. 122)
Entre os selvagens, não há um governo constituído e não 
há privilégios. Cada cabana tem um superior. Ele é o chefe. 
Todos os chefes são da mesma origem e têm o mesmo direito 
de dar ordens e governar. Disso cada um concluirá o que qui-
ser. No caso de um deles se sobressair aos demais por atos de 
guerra, será mais seguido do que os outros numa campanha 
de guerra, como o antes mencionado Cunhambebe. Além 
– 43 –
Grupos indígenas brasileiros
disso, não evidenciei nenhum privilégio entre eles, exceto que 
os mais jovens devem obedecer aos mais velhos, de acordo 
com o que exigem os costumes deles.
Se alguém bater ou atirar em outra pessoa de forma a matá-la, 
os parentes e amigos do morto podem ficar dispostos a matá-
-lo por sua vez, mas isso raramente ocorre. Os moradores de 
cada cabana obedecem ao chefe de cada uma delas. O que 
o chefe ordenar será feito, não por obrigação ou por temor, 
mas unicamente por boa vontade.
Religião dos selvagens da América; 
erros em que são mantidos por certos 
trapaceiros chamados caraíbas; 
ignorância de Deus
(LÉRY, 1980 [1578], p. 205)
Embora seja aceita universalmente a sentença de Cícero, de 
que não há povo, por mais bruto, bárbaro ou selvagem que 
não tenha ideia da existência de Deus, quando considero os 
nossos tupinambás vejo-me algo embaraçado em lhe dar razão. 
Pois além de não ter conhecimento algum do verdadeiro Deus, 
não adoram quaisquer divindades terrestres ou celestes, como 
os antigos pagãos, nem como os idólatras de hoje, tais os 
índios do Peru, que, a 500 léguas do Brasil, veneram o sol e a 
lua. Não têm nenhum ritual nem lugar determinado de reunião 
para a prática de serviços religiosos, nem oram em público ou 
em particular. Ignorantes da criação do mundo, não distinguem 
os dias por nomes específicos, nem contam semanas, meses 
e anos, apenas calculando ou assinalando o tempo por luna-
ções. Não só desconhecem a escrita sagrada ou profana, mas 
ainda, o que é pior, ignoram quaisquer caracteres capazes de 
designarem o que quer que seja. [...]
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 44 –
Atividades
 Com base no que foi explanado no capítulo e nos excertos do texto 
complementar, responda:
1. Quais as distinções significativas que podemos observar no modo 
como os cronistas europeus concebem as sociedades indígenas em 
relação às europeias?
2. Que efeitos, segundo os cronistas, tinham essas distinções no modo 
como a ordem social e a justiça eram aplicadas nas sociedades brasi-
leiras em comparação às europeias?
3. Qual era a percepção que os colonos tinham da religiosidade indígena?
Portugal e a colonização 
das terras tropicais
Ao longo dos trinta anos subsequentes à chegada de Cabral, a 
exploração do território brasileiro pela metrópole portuguesa man-
teve-se restrita à faixa litorânea. A importância econômica atribuída 
à colônia consistia em sua capacidade de suprimento de pau-brasil: 
em 1534, um documento português já determinava que todas as 
árvores de pau-brasil eram propriedade da Coroa, instituindo pena-
lidades para sua exploração irregular (PRESTES, 2000, p. 130).
3
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
– 46 –
Conhecida pelos indígenas como ibirapitanga ou ibirapiranga (“madeira 
vermelha”), a árvore já era empregada, à época da chegada de Cabral, na con-
fecção de arcos e flechas, e o cerne do tronco, rico em pigmento vermelho, era 
usado como corante (CABRAL, 2013, p. 53). O termo brasil1 seria uma refe-
rência justamente à cor vermelha vibrante que poderia ser obtida da árvore, 
uma “cor de brasa”. Além de se tratar de uma madeira nobre, foi empregada 
pelos europeus principalmente para a tinturaria (CABRAL, 2013, p. 55).
Os troncos de pau-brasil eram obtidos em grande parte por meio do 
escambo com comunidades indígenas aliadas aos portugueses, como os tupi-
niquins. O escambo era um sistema de trocas simples: bens de consumo de 
origem europeia, como machados de ferro, facas, anzóis, espelhos, roupas, pin-
ças, miçangas, pentes e outras quinquilharias e ornamentos, de valor relativa-
mente baixo para os europeus, eram oferecidos aos nativos, que consideravam 
tais objetos úteis ou novidades interessantes. Em troca, os indígenas supriam 
os portugueses com matérias-primas, alimentos, serviços e auxílio militar.
Todavia, a jovem colônia ainda não dispunha de estabelecimentos ou 
postos avançados permanentes, de modo que era possível a exploradores 
europeus de outros reinos, especialmente os franceses, terem acesso ao pau-
-brasil, fosse por meio do escambo com comunidades indígenas inimigas dos 
tupiniquins, fosse pelo saque de embarcações mercantes portuguesas a cami-
nho dos portos da Metrópole, prática empreendida por piratas e corsários. 
As perdas impostas

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