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2013 GeoGrafia rural e urbana Prof.ª Marilza Luzia Soria Toniolo Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Prof.ª Marilza Luzia Soria Toniolo Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 910 T665g Toniolo, Marilza Luzia Soria Geografia rural e urbana / Marilza Luzia Soria Toniolo. Indaial: Uniasselvi, 2013. 235 p. : il ISBN 978-85-7830-703-5 1. Geografia e viagens. 2. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. III apresentação Prezado(a) acadêmico(a)! O material que neste momento se encontra em suas mãos foi inspirado, planejado e questionado inúmeras vezes, a fim de que seja pertinente estudá-lo e gastar algum tempo dos seus dias manuseando-o. O Caderno de Estudos com conteúdos de Geografia Rural e Urbana constitui-se em uma pequena amostra dos inúmeros periódicos, artigos, pesquisas, entre outros trabalhos, existentes na área da ciência geográfica. Portanto, considere-se um(a) privilegiado(a), pois agora você passará a fazer parte desse imenso grupo de estudiosos e pesquisadores. Dizia Milton Santos que a realidade aparece a cada dia sob um novo aspecto e que a partir do momento em que a realidade muda, a ideia, o teórico, também devem mudar. O fato é que o espaço geográfico muda a cada dia, pois faz parte do contexto onde ocorre a dinâmica da vida! Em relação ao Caderno de Estudos: A Unidade 1 apresenta a fundamentação teórica sobre a temática da geografia urbana, conceitos básicos da ciência geográfica, o início da disciplina no Brasil, processos históricos da urbanização e, consequentemente, a formação das cidades capitalistas. A Unidade 2 trata das redes urbanas, dos processos que envolvem a dinâmica do território brasileiro, bem como os processos migratórios importantíssimos para se explicar a atual configuração social do país. E por último, a Unidade 3 apresenta a geografia rural, os processos de transformação no modo de produção, as principais mudanças ocorridas no campo, e aborda ainda a agroecologia, como uma nova proposta no modo de produção sustentável. Aproveite a oportunidade para ampliar seu conhecimento, levantar discussões e propor possíveis soluções, pois o país precisa de mentes pensantes e atuantes! Bons estudos! Prof.ª Marilza Luzia Soria Toniolo IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO ............................. 1 TÓPICO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA ....................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 CONTEXTUALIZAÇÕES SOBRE GEOGRAFIA URBANA ....................................................... 3 2.1 A GEOGRAFIA URBANA BRASILEIRA ..................................................................................... 4 3 RESGATE HISTÓRICO SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO ..................................... 7 4 O ESPAÇO URBANO CAPITALISTA .............................................................................................. 12 4.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ...................................................................................... 13 4.2 MUDANÇAS NO ESPAÇO URBANO ......................................................................................... 18 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 25 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 26 TÓPICO 2 – URBANIZAÇÃO BRASILEIRA ..................................................................................... 27 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 27 2 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL ......................................................................... 27 3 CONFIGURAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO................................................................... 35 3.1 A CONTRIBUIÇÃO DAS CORRENTES MIGRATÓRIAS E IMIGRATÓRIAS....................... 37 3.2 A DIVISÃO SOCIAL E TERRITORIAL DO TRABALHO ......................................................... 44 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 50 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 51 TÓPICO 3 – A REDE URBANA BRASILEIRA .................................................................................. 53 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 53 2 ESTUDOS SOBRE REDE URBANA ................................................................................................. 53 2.1 A DIMENSÃO DA REDE URBANA ............................................................................................ 59 2.2 FORMAS ESPACIAIS DA REDE URBANA ................................................................................ 63 3 AS FUNÇÕES URBANAS ................................................................................................................... 65 3.1 AS FUNÇÕES DE CAPITALIZAR ................................................................................................ 66 3.2 AS FUNÇÕES DE RESPONSABILIDADE ................................................................................... 67 3.3 AS FUNÇÕES DE CRIAÇÃO E DE TRANSMISSÃO ................................................................ 68 4 A REDE URBANA BRASILEIRA – ESTUDO DE CASO .............................................................. 69 4.1 A PERIODIZAÇÃO DA REDE URBANA DA AMAZÔNIA .................................................... 70 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 77 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................82 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 83 UNIDADE 2 – DINÂMICAS DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO .......................................... 85 TÓPICO 1 – ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO – AS CIDADES ........................................................................................................................... 87 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 87 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE .............................................................. 87 2.1 O ENQUADRAMENTO DA CIDADE NO ESTATUTO ............................................................ 89 sumário VIII 3 O CRESCIMENTO ECONÔMICO E A DINÂMICA DA CIDADE ........................................... 93 3.1 PLANEJAMENTO URBANO ........................................................................................................ 94 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 109 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 110 TÓPICO 2 – ÁREAS METROPOLITANAS ........................................................................................ 111 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 111 2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O ESPAÇO METROPOLITANO ........................................... 111 2.1 ESPAÇOS COLONIZADOS ........................................................................................................... 114 2.2 ESPAÇOS MARGINAIS .................................................................................................................. 116 3 DINÂMICA DA METRÓPOLE ......................................................................................................... 118 3.1 COMÉRCIO E EMPREGO .............................................................................................................. 120 3.2 O CONSUMO ................................................................................................................................... 121 3.3 POLÍTICAS SOCIAIS ...................................................................................................................... 125 4 O CAOS NA METRÓPOLE ................................................................................................................ 126 4.1 DESASTRES AMBIENTAIS EM REGIÕES METROPOLITANAS ............................................ 129 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 132 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 133 TÓPICO 3 – VIDA, PODER E MEIO AMBIENTE NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS ........ 135 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 135 2 SUSTENTABILIDADE URBANA ..................................................................................................... 135 3 PAISAGEM URBANA E QUALIDADE AMBIENTAL ................................................................. 139 3.1 PARQUE URBANO EM ALGUMAS METRÓPOLES BRASILEIRAS ..................................... 144 4 ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO METROPOLITANO: O EXEMPLO DE BRASÍLIA .... 151 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 157 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 161 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 162 UNIDADE 3 – GEOGRAFIA AGRÁRIA ............................................................................................ 163 TÓPICO 1 – QUESTÕES AGRÁRIAS NO BRASIL ......................................................................... 165 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 165 2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE GEOGRAFIA AGRÁRIA ....................................................... 165 3 A PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO: ENTRE O RURAL E O URBANO ..................................... 167 3.1 O MODELO AMERICANO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO ................................ 170 3.2 O PROCESSO PRODUTIVO NO BRASIL: RURAL E URBANO ............................................. 171 4 RESGATE HISTÓRICO DA AGRICULTURA BRASILEIRA...................................................... 172 4.1 CICLOS ECONÔMICOS ................................................................................................................. 174 5 A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA.................................................................................... 177 5.1 O AUMENTO DA PRODUTIVIDADE ......................................................................................... 178 5.2 MUDANÇAS NA RELAÇÃO DE TRABALHO.......................................................................... 179 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 183 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 184 TÓPICO 2 – REFORMA AGRÁRIA ..................................................................................................... 185 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 185 2 O “ESVAZIAMENTO” DO CAMPO ................................................................................................ 185 2.1 O ÊXODO RURAL E OS REFLEXOS DEMOGRÁFICOS .......................................................... 187 2.2 RESGATE HISTÓRICO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL .................................... 189 2.3 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO ........................................................................... 191 3 REFORMA AGRÁRIA ......................................................................................................................... 191 IX 3.1 CONDIÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA .................................... 192 3.2 POR UMA REFORMA AGRÁRIA SUSTENTÁVEL .................................................................. 194 4 ASSENTAMENTOS RURAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS AGRÁRIOS ................................ 195 4.1 OS CONFLITOS SOCIAIS AGRÁRIOS ........................................................................................ 199 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 204 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 205 TÓPICO 3 – AGROECOLOGIA: TEORIA E PRÁTICA .................................................................. 207 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 207 2 CONCEITOS E ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO DA AGROECOLOGIA ................................... 207 2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................................... 2072.2 ETAPAS PARA IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA AGROECOLÓGICO ........................... 209 3 O MODELO ALTERNATIVO DE PRODUÇÃO NA AGROECOLOGIA BRASILEIRA ....... 210 3.1 PROCESSO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA ................................................................... 213 4 MODELOS DE PROJETOS AGROECOLÓGICOS ....................................................................... 214 4.1 PROJETO QUINTAIS ORGÂNICOS E FRUTAS ......................................................................... 216 5 AGRICULTURA ORGÂNICA ........................................................................................................... 217 5.1 CONTROLE DE QUALIDADE DOS PRODUTOS ORGÂNICOS ........................................... 219 5.2 O MODELO DE AGRICULTURA ORGÂNICA.......................................................................... 221 5.3 MUDANÇAS CLIMÁTICAS - O EXEMPLO DA REGIÃO NORDESTE BRASILEIRA ....... 225 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 228 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 230 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 231 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 233 X 1 UNIDADE 1 ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • identificar as origens da pesquisa em geografia urbana no Brasil; • compreender o conceito de urbanização; • caracterizar o processo da urbanização brasileira; • analisar a dinâmica regional interna do país. Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado. TÓPICO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA TÓPICO 2 – URBANIZAÇÃO BRASILEIRA TÓPICO 3 – A REDE URBANA BRASILEIRA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 1 INTRODUÇÃO A geografia urbana é o ramo da Geografia que aborda a localização e o arranjo espacial das cidades. Ela objetiva acrescentar uma dimensão espacial à nossa compreensão dos lugares e dos problemas urbanos. Neste tópico será apresentada uma breve contextualização sobre a geografia urbana enquanto ciência, as primeiras pesquisas reconhecidas na área e, ainda, a contribuição dessa ciência no processo de entendimento e formação do espaço urbano capitalista. 2 CONTEXTUALIZAÇÕES SOBRE GEOGRAFIA URBANA Quando, enfim, o homem vier a conhecer toda a superfície do globo, da qual se diz senhor, e a expressão de Colombo – el mundo es poco (a Terra é pequena) – tiver se tornado verdade para nós, a grande obra geográfica não será mais percorrer as terras longínquas, mas estudar a fundo os detalhes da região em que vivemos: conhecer cada rio, cada montanha, mostrar o papel de cada parte do organismo terrestre na vida do conjunto [...] (ANDRADE, 1985, p. 44). Ao longo do tempo, assim como aconteceu na Geografia enquanto disciplina de amplitude geral, a geografia urbana sofreu mudanças na sua forma de atuação. Todavia, alguns estudiosos apresentam essas rupturas como fases, sendo que em cada período houve trabalhos inovadores, manuais de geografia urbana, metodologias próprias, conceitos novos e antigos renovados. A prática de análise da trajetória de uma ciência deve estar diretamente relacionada à compreensão sobre o debate científico estabelecido em cada período. A cada análise da produção geográfica, novas críticas são feitas. Muitas vezes, essas análises representam momentos de ruptura e encaminhamento para novas direções, como também servem de base para estruturar novas classificações da ciência. Conforme Vasconcelos (1997), na obra “Dois séculos do pensamento geográfico sobre a cidade”, pode-se dividir os trabalhos geográficos em grupos distintos, de acordo com a temática trabalhada pelos pesquisadores de cada período, com destaque para alguns nomes importantes, como: Humboldt (1811), extensão, posição e sítio; Reclus (1855), sistema planetário de cidades, posição, localização, nós, organismo coletivo; Michote (1931), sistematização dos estudos das cidades; George (1949), introdução de ideias sobre padrões de uso do solo, de êxodo urbano e de luta de classes; Claval (1968), trabalhos teoréticos quantitativos; UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 4 Santos (1975), criação de expressões novas como metrópoles incompletas, os dois circuitos da economia, sistemas urbanos; Clark (1982), esclarecimentos sobre a ecologia fatorial; Harvey (1989), pós-modernismo, lugar, cidades mundiais; Racine (1993), utopias e ecologismo. Além destes, muitos outros nomes tiveram importante contribuição através de suas pesquisas nestes períodos. As contradições e os contrastes surgem no cotidiano das pesquisas que, longe de serem analisados separadamente os fatos e os fenômenos observados, passam a ser analisados em sua articulação dialética, enquanto unidade na diversidade dos fatos. Não se busca, como antigamente, a regularidade dos fenômenos urbanos, mas a essência contraditória e o movimento capaz de nos levar ao entendimento da dinâmica do urbano. 2.1 A GEOGRAFIA URBANA BRASILEIRA Voltando às origens das cidades e refazendo o longo percurso do processo de urbanização, observamos que certos atributos estiveram sempre associados aos espaços urbanos, tendo perpassado a Antiguidade, a Idade Média, tendo sido mantidos durante o Renascimento, acompanharam a Modernidade e, com ela, chegaram ao século XX [...], esses atributos são: concentração demográfica, diferenciação social e unidade espacial. (SPÓSITO, 2006, p. 112). Embora o geográfico Friedrich Ratzel (1891) tenha dedicado grande atenção na relação do homem com o meio em que vive, foi somente a partir da segunda década do século 20 que o estudo dos núcleos urbanos passou a fazer parte, de forma mais intensa, do conjunto de temas das investigações geográficas. Entre as áreas do conhecimento geográfico, a geografia urbana instiga reflexões, pois estuda o espaço que se torna representativo, entre outros motivos, por aglomerar a maioria da população, como no caso do Brasil. Tal fato desperta a necessidade de pensar sobre esse espaço repleto de contradições. Na tentativa de explicar as cidades, a partir da década de 50 foram surgindo gradativamente novas formas de abordagem, de pensar e de observar o espaço urbano, primeiramente sob a ótica antiga e posteriormente sob um prisma novo, como os estudos voltados para a centralidade urbana, área de influência da cidade, as metrópoles, áreas metropolitanas, agentes modeladores do espaço, abastecimento urbano, mudanças das relações de produção, além de novos conceitos, como os de aglomerado urbano, de subúrbio, de função urbana, entre outros. A abordagem dos estudos sobre o espaço urbano consiste, portanto, em entender o seu significado, procurando defini-lo através de suas características demográficas, de sua morfologia, de suas funções e do seu papel econômico e social. O espaço urbano é assim uma produção social, e como tal é um produto histórico, pois é resultado de ações acumuladas através do tempo, mas é também a realidade presente e imediata, como sendo o resultado da dinâmica social de determinada sociedade que, ao reproduzir-se num dado modo de produção, imprime na paisagem urbana as suas particularidades. TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 5 Com relação à produção em geografia urbana, no ano de 1934, a convite do governo paulista, chegam ao Brasilos pesquisadores estrangeiros para ocupar os cargos disponíveis na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Entre eles estava o francês Pierre Deffontaines, que, após participar da fundação da Universidade de São Paulo (USP) transferiu-se para o Rio de Janeiro, sendo substituído em São Paulo pelo também francês Pierre Monbeig. Com a criação da Universidade de São Paulo e a Faculdade de Filosofia, passou a Geografia a ser ensinada em curso superior, com o propósito de formar bons professores para o magistério e pesquisadores para o trabalho de campo. Portanto, pode-se afirmar que no Brasil a pesquisa sobre geografia urbana encontra-se fundamentada em Pierre Monbeig, principalmente devido ao fato de que entre todos os estudos realizados nesta temática, apenas os seus foram publicados, em sua maioria no exterior. Desde 1990, parte de sua biblioteca e arquivo pessoal integra o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Pode-se afirmar que a pesquisa até 1940 era essencialmente realizada por pesquisadores estrangeiros, fato que influenciou a produção geográfica no período seguinte, uma vez que a institucionalização da Geografia sofreu forte influência francesa através de Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines, que fizeram do trabalho no campo, do contato direto com a observação, uma prática não apenas essencial de pesquisa, mas também de aprendizado. Quanto a Deffontaines, além da grande contribuição acadêmica, auxiliou no processo de estruturação do IBGE e foi o criador da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). Portanto, esses dois mestres auxiliaram no desenvolvimento de estudos urbanos, Pierre Deffontaines no Rio de Janeiro e Pierre Monbeig em São Paulo. FIGURA 1 – PIERRE MONBEIG E PIERRE DEFFONTAINES NO CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS EM 1965. DEFFONTAINES (ESQUERDA) E MONBEIG (DIREITA) FONTE: Disponível em: <http://confins.revues.org/6091>. Acesso em: 15 out. 2012. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 6 IMPORTANT E Pierre Deffontaines O Professor Pierre Deffontaines permaneceu no Brasil até 1939, tornando-se um grande divulgador da ciência geográfica no país. Desenvolveu vários trabalhos, resultando em inúmeras publicações nas décadas de 30 e 40 a respeito da geografia brasileira. Através das palavras a seguir, Deffontaines (1943) reflete o seu pensamento liberal de fraternidade universal. “Assim a geografia ensina, de certa forma, uma moral. (...) ensina, além disso, uma moral de responsabilidade. Cada geração inscreveu sobre a Terra a sua obra geográfica, obra de organização, obra de progresso. O homem é, de certo modo, responsável pela Terra, ele não deve degradá-la. Cada um de nós trabalha para que esta Terra seja menos áspera, mais humana. Assim é, indiscutivelmente, uma moral de fraternidade o que ensina a geografia humana, aí está toda a sua grandeza”. FONTE: Extraído do artigo A visão de mundo de Pierre Deffontaines e a ideologia da cultura brasileira nos anos 30. Disponível em: <http://www. observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal3/Geografiasocioeconomica/ Geografiacultural/01.pdf>. Acesso em: 15 out. 2012. Pierre Monbeig Monbeig permaneceu no Brasil até 1946, e visitando regularmente o país até os anos 80. Chega ao Brasil com a bagagem simples que os geógrafos, naquele momento, sabiam manejar: o trabalho de campo, a análise regional, a análise de situação. Ele ensina aos jovens geógrafos brasileiros a fazerem pesquisa de campo e tenta compreender o país analisando sua situação sob o tabuleiro econômico e político mundial. Ele é sensível à exigência de desenvolvimento que se apresenta no Brasil do Estado Novo: ele mensura o papel das cidades na exploração do espaço brasileiro e é tocado pela rapidez de seu desenvolvimento; percebe que o instrumento que constitui a análise dos gêneros de vida não dá conta do essencial num país de povoamento recente, onde a economia está em reconstrução permanente. FONTE: Adaptado por Toniolo. Disponível em: <http://confins.revues.org/6091>. Acesso em: 15 out. 2012. O período de 1939 a 1967 foi o de maior produtividade no campo da geografia urbana, sendo classificado por Corrêa (1989) como o período em que se atribuiu valor ao estudo de redes urbanas. Essa mudança acompanha a fase de intensa urbanização em que se encontrava o Brasil. A produção em geografia urbana, assim como na Geografia como um todo, sofre uma mudança entre 1968 e 1970, quando passa a adotar técnicas quantitativas (levantamento e análise de dados estatísticos). Processo que duraria quase toda a década de 70, considerada a época de maior força do neopositivismo. A cidade nesses estudos da escola neopositivista passa a receber um tratamento neutro. TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 7 IMPORTANT E Neopositivismo A escola neopositivista de Geografia se caracterizou por promover uma revolução no pensamento geográfico, na tentativa de transformar a Geografia numa ciência. A filosofia neopositivista recomenda um cuidado esmerado com a linguagem científica, assim, os geógrafos passaram a empregar a matemática, uma vez que a mesma é considerada, por excelência, a linguagem da ciência [...], através de um arsenal de técnicas matemático- estatísticas, que facilitavam as comparações entre as variáveis [...]. FONTE: Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/5917/1/ARTIGO_ ConsideracoesGeografiaNeopositivista.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2012. A falta de consistência teórica do neopositivismo torna-se passível de ataques e os autores enfatizam a necessidade de mudança, sugerindo novos rumos de pesquisa. Propõe-se, então, estudar o urbano como parte integrante de um contexto social mais amplo. Essa proposta constitui-se em um marco que transformou os modos de pensar e fazer geografia urbana; então, a partir daí novas categorias são incorporadas, o que permite um avanço nas formas de entendimento do fenômeno urbano e uma análise que se processa para além de suas manifestações formais. Esta nova orientação teórico-metodológica é denominada de geografia crítica e tem estimulado e multiplicado a produção geográfica. Conforme afirmam alguns pesquisadores, pode-se dizer mesmo, sem medo de errar, que é a partir dessa perspectiva analítica que a pesquisa urbana tem avançado mais na Geografia brasileira. 3 RESGATE HISTÓRICO SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO A morfologia do tecido urbano é o reflexo fiel de uma realidade econômica e social definida. Apenas o centro da cidade associa, e assim mesmo só em certa medida, os diferentes setores da economia e das classes sociais, na medida em que nele se concentram as atividades terciárias, serviços comerciais, administrativos, lugares de diversão etc. (SANTOS, 1981, p. 200). O processo de urbanização desenvolveu-se com o advento do capitalismo, com início na Europa, e tem uma ligação direta com as sucessivas revoluções tecnológicas ocorridas ao longo do tempo. Posteriormente se estende aos países subdesenvolvidos, daí o fato de as pesquisas associarem o conceito de urbanização ao da industrialização. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 8 O crescimento urbano mundial ligado à Revolução Industrial alcança o seu ápice entre 1850 e 1900. Entre 1900 e 1920, nota-se certa estabilidade no ritmo da urbanização ocidental, o que, para alguns economistas, está relacionado à distribuição espacial da indústria. Nos anos de 1930 e 1940, quem desponta é a União Soviética, com um grande aumento da sua população urbana (96%), graças ao novo regime imposto pela revolução. Já nos países subdesenvolvidos, a urbanização acontece de forma tardia, com ritmos intensos de crescimento entre 1950 e 1960, apresentando neste período um aumento de 59,3% da população urbana, enquanto nos países desenvolvidos, no mesmo período, o índicelimitou-se em 31%, com exceção apenas para a URSS, que teve um elevado crescimento urbano, motivado em parte como compensação da guerra dos anos 40. Para Santos (2005), a urbanização nos países subdesenvolvidos acontece de maneira diferente, ou seja, é uma urbanização terciária, com múltiplas fi sionomias, isto porque a colonização não foi feita nem com as mesmas características nem na mesma época, portanto, a presença ou a ausência de uma cultura urbana antiga, bem como as peculiaridades dos vários tipos de economia nacional, são aspectos determinantes neste processo. Ainda conforme o autor acima, existem dois tipos de urbanização nos países subdesenvolvidos, conforme segue: a) Nascimento de numerosas pequenas cidades, cujo propósito consiste em atender às necessidades básicas específi cas da população urbana e rural, sendo que estas necessidades variam conforme a peculiaridade de cada lugar, o número de habitantes, da economia regional e do comportamento socioeconômico de seus moradores. FIGURA 2 – A COMPANHIA DE TERRAS NORTE DO PARANÁ (1951) FUNDOU UMA REDE DE CIDADES, ESTENDENDO-SE DE LONDRINA A UMUARAMA FONTE: Secretaria de Estado da Indústria, do Comércio e Assuntos do Mercosul – SEIM. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES. Adaptado por Toniolo (2012). Disponível em: <http://cidadao.pr.gov.br/modules/catasg/catalogo.php?servico=384&id=e>. Acesso em: 12 nov. 2012. TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 9 A imagem refere-se aos assentamentos de núcleos básicos de colonização na rota de eixo rodoferroviário, estabelecidos progressivamente, a uma distância de 100 quilômetros uns dos outros, que definiram, em ordem, Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama, cidades estas planejadas para se tornarem grandes centros prestadores de serviços. Entre esses núcleos urbanos principais fundou- se, de 15 em 15 quilômetros, pequenos patrimônios, cidades bem menores, com a finalidade de servir como centro de abastecimento da população rural. FONTE: Disponível em: <http://www.japura.pr.gov.br/cont_melhoramentos.php>. Acesso em: 8 nov. 2012. b) A polarização urbana em função de uma cidade (quase sempre a capital); o crescimento populacional é mais intenso nessas grandes cidades, que normalmente apresentam peculiaridades que as diferenciam, como a distância entre as outras cidades, instituições de ensino, qualidade de vida, benefícios financeiros, serviços especializados etc.; no entanto, estas cidades se mostram atrativas num primeiro momento e posteriormente tem-se no cenário da paisagem urbana o reflexo dessa dinâmica: as explícitas diferenças de nível de renda apresentadas pelos arranha-céus e as favelas. FIGURA 3 – CONDOMÍNIO DE LUXO NA CIDADE DE SÃO PAULO FAZ DIVISA COM A FAVELA FONTE: Foto de Tuca Vieira. Disponível em: <http://classificados.folha.uol.com.br/ imoveis/1156506-metade-da-populacao-da-vila-andrade-mora-em-favelas.shtml>. Acesso em: 12 nov. 2012. A imagem acima é um exemplo da desigualdade social na cidade de São Paulo. A tortuosa Rua Afonso dos Santos, na Vila Andrade, separa a maior favela da cidade (Paraisópolis) de um dos condomínios mais luxuosos (Penthouse). UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 10 Ao observar a população mundial urbana é possível constatar que a expansão do seu crescimento se dá paralelamente à Revolução Industrial, constituindo-se em um novo ponto de partida para o processo de urbanização mundial, em um cenário onde a presença do homem torna-se cada vez mais importante nas cidades, contribuindo, consequentemente, para o crescimento do número de aglomerados urbanos. Para Santos (2005), nota-se um contraste bem marcante entre o rápido crescimento da população mundial de 1950 a 1960 (19%) com o crescimento bem mais lento nas três décadas anteriores: 1920-1930: 11%; 1930-1940:11%; 1940-1950: 16%, conforme segue: a) Nos países desenvolvidos após os anos 30, houve uma retomada do ritmo de crescimento da população, entretanto, a Europa na década de 50 manteve o percentual registrado no período das décadas de 20 e 30, que foi de 9%. b) Na Ásia foi observado significativo crescimento, sendo que no período de 1950 a 1960 representava 60% do aumento total da população mundial. Isso se deve ao fato de que a população da Ásia já representava 50% da população total dos países. c) Os índices de crescimento mais importantes foram registrados na África e na América Latina, sendo que na América do Sul, com exceção da Argentina e do Uruguai, o aumento populacional se deu desde a década de 20, com aceleração do processo a partir da década de 50 (31%). Na África, embora em ritmo menos rápido, acontece o mesmo processo. Verifica-se, portanto, ao analisar as estatísticas, que o recente dinamismo demográfico nos países subdesenvolvidos leva a uma nova distribuição da população mundial. GRÁFICO 1 – EXPECTATIVA DE CRESCIMENTO URBANO: GRANDES REGIÕES MUNDIAIS FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/img/revistas/rbepop/v24n2/01g1.gif>. Acesso em: 12 nov. 2012. TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 11 Um fator importante para o crescimento populacional dos países subdesenvolvidos diz respeito à diminuição das taxas de mortalidade, feito este que foi possível devido às observações realizadas, pois na medida em que os países ocidentais alcançavam um nível industrial mais avançado, apresentando uma diminuição no índice de mortalidade, os países subdesenvolvidos passaram a se beneficiar dessas descobertas, em especial as de ordem sanitária. Desta forma, com a redução da taxa de mortalidade e o avanço das atividades industriais nos países subdesenvolvidos, o processo de urbanização foi acelerado pela Revolução Industrial, herança dos países desenvolvidos, realizada conforme o modelo capitalista de produção. Tem-se então, neste contexto, o crescimento demográfico acelerado principalmente em certos países asiáticos, como Índia, por exemplo, lembrando que, por outro lado, este aumento do potencial demográfico implica várias questões ligadas ao espaço urbano, que reflete num conjunto de medidas sociais e políticas. Portanto, a década de 1950 constitui em um divisor e representa a inclusão do mundo subdesenvolvido a um novo contexto da cultura capitalista, comandado pela revolução científica representada pelas companhias internacionais. GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA TOTAL MUNDIAL - 1950-2030 FONTE: UNFPA, 2007. Disponível em: <http://www.faculdadedeengenharia.com/?p=528>. Acesso em: 14 jan. 2013. O processo de urbanização dos países subdesenvolvidos foi mais recente e mais acelerado, com características próprias, diferentemente do contexto econômico e político dos países desenvolvidos. Enquanto que nos países subdesenvolvidos é principalmente a partir da década de 50 que o processo de urbanização se apresenta com um ritmo acelerado, o oposto acontece nos países desenvolvidos, que se deparam com uma disposição à redução da população urbana. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 12 4 O ESPAÇO URBANO CAPITALISTA O espaço urbano capitalista – fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto social, resultado de ações acumulativas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço. (CORRÊA, 2004, p.11). A organização espacial da cidade ou o espaço urbano de uma cidade capitalista constitui-se por um conjunto de diferentes usos da terra, que definem as áreas centrais da cidade, o local de concentração das atividades comerciais, as áreas industriais, residenciais, lazer, entre outras. Este espaço, no entanto, é simultaneamente fragmentado e articulado, pois cada uma de suas partes se relaciona com as demais, ainda que com intensidadevariável, e essas relações são observadas através do fluxo de veículos, de pessoas e de mercadorias no dia a dia, sendo o reflexo da própria sociedade. Como reflexo da sociedade, o espaço urbano capitalista é desigual e mutável, pois acompanha o ritmo, o condicionamento e a dinâmica do sistema em vigor. Em O Direito à Cidade, o pesquisador sociólogo francês Henry Lefebvre (2006) escreve na apresentação da obra que, durante longos séculos, a Terra foi o grande laboratório do homem; só há pouco tempo é que a cidade assumiu esse papel. O fenômeno urbano manifesta hoje sua enormidade, desconcertante para a reflexão teórica, para a ação prática e mesmo para a imaginação. O autor acrescenta ainda que a sociedade urbana se forma enquanto se procura. A seguir o texto extraído de um artigo de Lefebvre, que trata a compreensão do espaço como estrutura social onde se dá a reprodução das relações de produção. IMPORTANT E A Produção do Espaço: uma reaproximação conceitual da perspectiva lefebvriana Paulo Roberto Teixeira de Godoy A tendência universalizante, homogeneizante e fragmentadora do capital pressupõe a exigência da organização da base material de modo a produzir as condições de fluidez e aceleração da circulação das mercadorias. Neste sentido, não sem conflitos e contradições, o tempo enquanto medida necessária para a definição do valor tende a suplantar os obstáculos espaciais como um meio de ampliar o potencial de acumulação do capital. Neste sentido, Lefebvre parte de quatro aspectos fundamentais para a compreensão do espaço como estrutura social. O primeiro refere-se ao design espacial. Na acepção do autor, o design espacial constitui um aspecto fundamental das forças produtivas da sociedade. Esta argumentação torna-se necessária, pois evita reduzir o espaço somente à dimensão TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 13 4 O ESPAÇO URBANO CAPITALISTA da produção. Além disso, reduzir o espaço a tal pressuposto é operar uma amputação da estrutura social e das condições de sua própria reprodução e funcionamento. O segundo aspecto refere-se à práxis como uma atividade possível em escala local que pleiteia um engajamento da ação na organização social. Para Lefebvre, é através do espaço produzido que a sociedade se reproduz em sintonia com uma determinada ordem forjada pelas relações capitalistas de produção e que está em íntima relação com o primeiro aspecto mencionado. Por outro lado, “o espaço não é apenas parte das forças e meios de produção, constitui também um produto dessas mesmas relações. Lefebvre observa que, além de haver um espaço de consumo ou, quanto a isso, um espaço como área de impacto para o consumo coletivo, há também o consumo do espaço, ou o próprio espaço como objeto de consumo” (GOTTDIENER, 1993, p. 129). Finalmente, Lefebvre aponta como quarto aspecto a problemática do conflito de classes sociais, cuja origem encontra-se na contradição das relações entre capital e trabalho que se estilhaçam mediante a pulverização gerada pelo princípio da propriedade privada dos meios de produção. Diante desses aspectos resumidamente mencionados, vale indagar a respeito do significado da ciência que efetua a leitura e análise do espaço. Neste sentido, o autor enfatiza: “Ciência do Espaço? Não. Conhecimento (teoria) da produção do espaço. A ciência do espaço (matemática, física etc.) é do domínio da lógica, da teoria dos conjuntos e coesões, sistemas e coerências. O conhecimento do processo produtivo, que faz entrar na existência social este produto que é o mais geral de todos – o espaço – é do domínio do pensamento dialético, que lhe apreende as contradições. É neste espaço dialetizador (conflitual) que se consuma a reprodução das relações de produção. É este espaço que produz a reprodução das relações de produção, introduzindo nelas contradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico.” (LEFEBVRE, 1973, p. 18-20). FONTE: Trecho extraído do Artigo disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/ publicacoes/Geousp/Geousp23/Artigo_Paulo_Godoy.pdf>. Acesso em: 25 out. 2012. 4.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO O espaço urbano é produzido por agentes sociais, que através de práticas diversas levam a cidade a um constante processo de reorganização espacial, motivada, sobretudo, pela incorporação de novas áreas urbanas. A seguir, alguns dos agentes sociais que fazem e refazem a cidade: • Os proprietários dos meios de produção, principalmente os grandes industriais. Os grandes proprietários industriais e comerciais, devido à dimensão das atividades que desenvolvem, ocupam grandes espaços, terrenos amplos com baixo valor de impostos, normalmente como fator incentivador do próprio governo, com localização estratégica, perto de ferrovias, portos, rodovias, que facilitem o acesso à população, inclusive. Sabe-se ainda que as relações entre os meios de produção e a terra urbana são complexas, devido à especulação fundiária, que muitas vezes supervaloriza o preço da terra. Os eventuais conflitos que possam surgir tendem a ser resolvidos em favor dos proprietários dos meios de produção, que, no capitalismo, UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 14 comandam a vida econômica e política. A solução desses conflitos se faz através de pressões ao Estado a fim de realizar desapropriações de terras, instalação de infraestrutura necessária às suas atividades e para a criação de facilidades com a construção de casas populares para a força de trabalho. FIGURA 4 - AS MONTADORAS DE VEÍCULOS E OS INCENTIVOS DO GOVERNO FONTE: Disponível em: <http://carros.uol.com.br/noticias/redacao/2011/12/05/governo-e-o- maior-financiador-das-multinacionais-do-carro-no-brasil.htm>. Acesso em: 14 jan. 2013. A economista Maria Abadia Silva Alves, em sua dissertação de mestrado na Unicamp, fez um interessante levantamento sobre a guerra fiscal entre estados para atrair montadoras nos anos 1990. O trabalho foi apresentado há dez anos, em novembro de 2001. A economista levantou que os incentivos estaduais fiscais (descontos em tributos) e orçamentários (infraestrutura, terrenos, capital de giro etc.) oferecidos naquela época para instalação de fábricas da Mercedes-Benz em Juiz de Fora (MG), da Renault em São José dos Pinhais (PR) e General Motors em Gravataí (RS) somaram R$ 1,8 bilhão, enquanto os investimentos das três foram de R$ 1,65 bilhão. Além dos generosos incentivos governamentais que recebem, as montadoras estão se financiando em larga medida com recursos do BNDES e entidades locais de fomento, como no caso de FNDE e BNB no Nordeste, que oferecem taxas e prazos para lá de camaradas no contexto nacional, em que prevalece há décadas a prática do maior juro do mundo. TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 15 FIGURA 5 – FUTURAS INSTALAÇÕES DA MONTADORA FIAT NA CIDADE DE GOIANA/PE FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/carros/noticia/2012/09/fiat-comeca-construcao- da-fabrica-de-goiana.html>. Acesso em: 14 jan. 2013. • Os proprietários fundiários Os proprietários fundiários de terra agem com a finalidade de obter a maior renda fundiária de suas terras, com interesse em obter o uso mais remunerador possível, especialmente os voltados para o comércio ou residências de alto padrão (condomínios fechados). Apresentam interesses em transformar a terra rural em urbana (quando o valor da terra urbana é maior que o da terra rural). A propriedade fundiária da periferia urbana, em especial as da grande cidade, constitui-se em alvos dos proprietários de terras, pelo fato de estar diretamente submetida ao processo de transformação do espaço rural em urbano. É possível ainda que esses proprietários se tornem também promotores imobiliários, através do loteamento e venda desses lotes. Periferias urbanas podem ainda, com o tempo, devido àvalorização imobiliária, se tornarem no futuro áreas nobres, como aconteceu com algumas cidades litorâneas, antigas periferias, que se transformaram em áreas enobrecidas, como, por exemplo, os bairros de Copacabana e Ipanema, no Rio de Janeiro. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 16 FIGURA 6 – DE PROPRIEDADE RURAL PARA LOTEAMENTO URBANO FONTE: Loteamento residencial e comercial no Estado de São Paulo. Disponível em: <http:// ribeiraopreto.olx.com.br/pictures/lancamento-de-loteamento-residencial-e-comercial- iid-451355766>. Acesso em: 13 nov. 2012. • Os promotores imobiliários Os promotores imobiliários são um conjunto de agentes, que executam de forma parcial ou total algumas etapas, como: a) Incorporação – o incorporador realiza a gestão do capital-dinheiro, transforma o capital em mercadoria, imóvel. b) Financiamento – levantamento dos valores monetários destinados à compra do terreno ou construção do imóvel. c) Estudo técnico – normalmente executado por profi ssionais da área, objetivando verifi car a compatibilidade da proposta do incorporador e com as leis vigentes. d) Construção ou produção física do imóvel – verifi cação da credibilidade da empreendedora e competências da equipe contratada para realização da obra. e) Comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro – acrescida de lucros; os agentes como corretores, planejadores e publicitários fi cam responsáveis por esta etapa. Ainda dentro da categoria de promotores imobiliários, tem-se a atuação do Estado e de grandes redes de bancos. • O Estado TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 17 A organização espacial da cidade apresenta uma grande influência do Estado, que ora atua diretamente como grande industrial, consumidor de espaço e de localizações específicas, proprietário fundiário, promotor imobiliário e, ainda, como um agente de regulação do uso do solo, além de ser o alvo dos movimentos sociais urbanos. O Estado dispõe de um conjunto de instrumentos que pode empregar em relação ao espaço urbano, conforme segue: a) Direito de desapropriação. b) Regulamentação do uso da terra. c) Controle e limitação dos preços da terra. d) Limitação no tamanho dos terrenos urbanos. e) Impostos fundiários e imobiliários. f) Taxas por terrenos vazios. g) Mobilização de reservas fundiárias públicas. h) Investimento público na produção do espaço. i) Organização de mecanismos de crédito à habitação. j) Pesquisas, operações-teste sobre materiais e procedimentos de construção. É preciso considerar que a ação do Estado se processa em três níveis: federal, estadual e municipal, sendo que em cada um desses níveis sua atuação muda, assim como os interesses, porém é no nível municipal que o discurso se torna menos eficaz. A atuação do Estado se faz visando a criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista. • Os grupos sociais excluídos Nas classes sociais, verificam-se diferenças no acesso aos bens e serviços produzidos no sistema capitalista. É na favela (ou comunidade, como chamam no Rio), em terrenos públicos ou privados invadidos, que normalmente os grupos sociais excluídos tornam-se agentes modeladores, produzindo o seu próprio espaço de forma independente. Este espaço produzido constitui-se, muitas vezes, em estratégias de sobrevivência. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 18 Esta busca pela sobrevivência traduz-se frequentemente em ocupação de terrenos inadequados para moradia, como encostas íngremes e áreas alagadiças. No contexto imediato, a favela torna-se uma solução para um duplo problema: a habitação e o acesso ao local de trabalho. Tem-se presenciado uma urbanização nas favelas, e a popularização desses espaços é resultado da ação dos próprios moradores, que melhoram a aparência das suas casas e desenvolvem atividades diversas somadas com a ação do Estado, que cria infraestrutura urbana, colaborando para o processo de valorização desses lugares. FIGURA 7 – REVITALIZAÇÃO DA RUA 4 NA FAVELA DA ROCINHA, RJ FONTE: Disponível em: <http://oglobo.globo.com/blogs/rioreguaecompasso/posts/2011/01/19/ boas-vindas-rua-4-357781.asp>. Acesso em: 13 nov. 2012. O arquiteto Luiz Carlos Toledo dá boas-vindas ao alargamento da rua. "A Rua 4 é a coisa mais importante feita na Rocinha até agora. É um exemplo de como se pode, sem abandonar os percursos tradicionais de uma favela, melhorá- los, adaptando à escala e à topografia do lugar. Ali, não havia como passar duas pessoas lado a lado", recorda Toledo. 4.2 MUDANÇAS NO ESPAÇO URBANO Ao falarmos de espaço, seja urbano ou rural, é sempre necessário reforçar que este apresenta especificidades, decorrentes de sua construção histórica, e daí, ainda que se possa falar de mudanças, diversificação e modernização (de múltiplas ordens, na introdução de inovações tecnológicas, nas formas e relações de produção, nas relações de trabalho, no desenvolvimento das forças produtivas etc.), em uma perspectiva geral, é no plano singular que devemos mostrar as diferenças. Portanto, o que temos são novos elementos que resultam de transformações históricas no processo de produção do espaço. (SPÓSITO; WHITAKER, 2006, p. 46). TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 19 Diante da complexidade do fenômeno urbano, considerando os diversos problemas que envolvem, produzem e explicam este espaço, faz-se necessário realizar uma abordagem sobre os diferentes agentes que intervêm na dinâmica da cidade contemporânea, bem como observar que estes fenômenos estão relacionados com as mudanças que acontecem no espaço e na vida cotidiana do homem. Sistema produtivo O sistema produtivo urbano está diretamente ligado à implantação ou deslocamento do setor industrial, que na maioria das vezes está associado à expansão e ao crescimento das empresas multinacionais, o que reflete claramente a lógica da globalização. O mundo hoje constitui um grande campo de possibilidades e oportunidades nas tomadas de decisões de qualquer um dos agentes econômicos, independente de sua amplitude e importância, ainda que comandados principalmente pelo capital financeiro. O auge das bolsas de valores, somado à oportunidade do investimento contínuo, seja na fase atual ou no futuro próximo, independente do lugar em que esteja, constitui um grande impulsionador da lógica do sistema capitalista de produção. Desta forma, pode-se dizer que a sociedade movimenta-se dentro de um sistema de redes, apoiada especialmente nos sistemas de informação, e se constitui no estudo mais amplo e complexo da atual dinâmica econômica do mundo. Dentro do contexto do sistema produtivo, das dinâmicas sociais e da produção (e consumo) da cidade e do território, o consumo de bens através dos produtos, serviços e de espaços configura-se como fator essencial na sociedade, face a um novo modelo cultural que se debate entre o local e o global, com reflexos decisivos no social e econômico, administrado por um sistema político. Esta nova configuração deve levar a uma nova classificação das atividades econômicas e a uma reflexão sobre o papel da administração. Sociedade Na medida em que a sociedade muda, aparecem novos conflitos sociais em respostas às mudanças, principalmente quando se trata de alguns temas específicos como a fragmentação da família, o aumento da violência doméstica, a luta pela igualdade dos direitos entre homens e mulheres, o aumento da marginalização dos jovens, formação de tribos urbanas, e ainda outros, relacionados às novas imigrações com maiores itinerários, que são beneficiadas pela flexibilização das fronteiras políticas tradicionais, resultando numa pluralidade cultural cada vez maior. Tem-se, em face destas mudanças, o surgimento de grupos sociais quesuperpõem, sem eliminar nem desmentir, a divisão geral da sociedade urbana em classes, embora já não seja com uma base exclusivamente econômica. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 20 Tempo As mudanças no tempo mudam as concepções e experiências. A vivência do tempo na cidade está mudando, percebe-se esta afirmativa ao observar a flexibilidade dos horários de trabalho, da velocidade dos meios de comunicação, bem como os noticiários do mundo que passam a informação em tempo real. Na década de 90, o geógrafo Milton Santos destacou a importância da diferença dos ritmos do tempo vivido por diferentes pessoas e grupos sociais, definindo um tempo rápido e um tempo lento como extremos de diferentes possibilidades de vivenciar os tempos na cidade. As mudanças no ritmo de viver o tempo influenciam progressivamente os calendários, como se pode observar através das datas comemorativas, os horários laborais, como, por exemplo, a ampliação das temporadas turísticas, o horário de trabalho diferenciado do comércio, são fatores que evidenciam uma sociedade de consumidores, ou ainda, uma sociedade do ócio, que busca o avanço da aposentadoria e a redução da jornada de trabalho. FIGURA 8 – AVISO DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO DO COLÉGIO FONTE: Disponível em: <http://pioxiicolegio.com.br/site/destaques/horario-de-atendimento-2>. Acesso em: 14 jan. 2013. Como consequência social dessas mudanças, faz-se importante destacar que se produziu uma flexibilização do tempo e o surgimento de novas estratégias na realização dos papéis sociais tradicionais das pessoas. Portanto, tornam-se cada vez mais sutis as fronteiras tradicionais entre o feminino e o masculino, entre o jovem e o idoso, entre ricos e pobres, o que permite criar novas possibilidades de estudo e novos conflitos sociais. Espaço As mudanças no espaço urbano são vislumbradas em face da crescente importância e valorização do uso deste. Normalmente ocupa o primeiro lugar das políticas públicas, além de representar a imagem cultural e social de uma determinada sociedade. A imagem do espaço urbano tem importante contribuição dos arquitetos e de outros técnicos especializados, que através das contratações TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 21 executam projetos fenomenais, obra em escala internacional em muitos espaços urbanos, o que, com exagero, é vinculado muitas vezes ao desenvolvimento da globalização. Os governantes investem cada vez mais na fixação de uma imagem de cidade competitiva no mercado internacional, com o propósito de atrair diferentes tipos de investimentos produtivos, como os imobiliários, turísticos etc. Mudança e continuidade na cidade As mudanças, por mais extraordinárias que sejam, não apagam as marcas das fases anteriores, ou seja, cada espaço é constituído por um conjunto de peculiaridades, que vão sendo impressas ao longo do tempo. A introdução das inovações tecnológicas e a aceitação às mudanças são próprias de cada sociedade, que as recebe com maior ou menor grau de resistência. Todavia, a particular articulação de resistência ou de aceitação face às inovações tem o poder de definir a essência de uma sociedade e explica suas conexões com o global. Todas as mudanças, independente da natureza, não podem ser tratadas isoladas dos momentos em que se produziram, pois é necessário documentar e contextualizar os processos, suas causas e seus ritmos. A cidade permanece como um conceito geográfico, pois possibilita incluir os aspectos físicos e morfológicos, além dos sociais, econômicos, políticos e culturais que formam a complexidade dinâmica da sociedade urbana. Todas as mudanças produzidas pela globalização da sociedade são importantes na organização da vida social urbana. IMPORTANT E Segue um artigo redigido por um ex-aluno de Pierre Monbeig, e assim como Milton Santos, este ex-aluno foi um dos grandes nomes dentro da academia geográfica brasileira – Aziz Ab´Saber! Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo Aziz Ab’ Sáber É muito difícil falar de um mestre geógrafo que era admirado e venerado pela grande maioria de seus alunos. Mas seria indigno, para qualquer um de seus discípulos vivos, deixar de registrar a memória que tem de um professor diferenciado que marcou o destino cultural de toda uma geração. Éramos gente, predominantemente, de classe média baixa sofrida e empobrecida. No entanto, tínhamos grande orgulho e satisfação íntima em alterar nosso cotidiano miserável com a alegria indiscutível de assistir às aulas e receber conselhos de uma legião de professores competentes, metódicos e atualizados com as circunstâncias de sua UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 22 época. Dentre eles, destacava-se Pierre Monbeig, que permaneceu no Brasil, trabalhando na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da recém-criada USP, por onze anos, do fim da década de 30 até a primeira década dos anos 40 (1935-1946). Repito: difícil relembrar a figura do bom, seguro e inteligente mestre que adotou o Brasil como sua segunda pátria, até o fim de seus dias [...]. A chegada ao Brasil para lecionar na Filosofia Pierre Monbeig veio ao Brasil para se agregar aos professores da missão francesa, convidada a participar da fundação da Universidade de São Paulo. Tinha, de saída, o difícil desafio de substituir um brilhante antecessor, que permanecera apenas alguns meses em São Paulo, transferindo-se depois para a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Efetivamente, o professor Pierre Deffontaines era uma personalidade aparentemente insubstituível. Dissidente da Sorbonne, mutilado de guerra, autor de livros de textos reconhecidos internacionalmente, Deffontaines havia tomado todas as iniciativas para implantar o ensino universitário das ciências geográficas em São Paulo e no Brasil. Coube a Monbeig, com sua tranquilidade, sua linguagem cartesiana, e sua coerência de pesquisador e professor, dar continuidade plena e consolidar o trabalho iniciado por Deffontaines. Havia um problema linguístico a ser superado. Não era fácil chegar a um país da então distante e marginalizada América Latina, e, de pronto, aprender o português e ministrar aulas na língua local. Enquanto aprendia e se exercitava na fala do português, Monbeig ministrava todas as suas aulas em francês. Cabia à professora Maria da Conceição Vicente de Carvalho a tarefa de paralelizar e fazer acréscimos aos temas tratados [...]. Na ocasião, por essa e outras razões culturais, todos nós ficamos devendo uma obrigação à parte a Pierre Monbeig, por nos ter permitido ingressar numa língua de importância universal para a ciência de uma época [...]. Lembro-me dele, a percorrer o longo corredor do terceiro andar da Escola Normal Caetano de Campos, transitando com rapidez pronunciada para chegar até à sala do canto, voltada para a Praça da República e a Rua Sete de Abril. Com o mesmo vigor que possuía ao ensejo das excursões de campo, subindo ou descendo morros e chapadões para obter um ponto de observação mais aprofundado sobre a paisagem ou se achegar a algum homem do campo para uma entrevista dirigida, visando à compreensão da vida agrária regional. A despeito de sua tranquilidade habitual, Monbeig era uma pequena fera crítica perante a mediocridade de alunos, candidatos a alunos, ou escritos genéricos e epidérmicos, feitos por quem quer que fosse [...]. As atividades extraclasse Terminados os exames, uma esperada lista dos resultados era afixada no centro do longo corredor Escola da Praça. O medo de ter sido reprovado, decepção para alguns, alegria inusitada para os bem-sucedidos. Outra surpresa: uma pequena nota à margem da lista dos aprovados, convocando os calouros para um primeiro dia de aula... Que deveria ser diretamente realizada no campo, através de uma excursão programada.Assinado: Pierre Monbeig, professor de Geografia Humana. Foi através dessa iniciativa que a turma de 1941 foi introduzida ao conhecimento da paisagem e dos fatos cumulativos constituídos pela história dos grupos humanos e dos processos econômicos sobre o espaço geográfico. Nada de mais importante poderia ter marcado TÓPICO 1 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE GEOGRAFIA URBANA 23 nosso destino, na escolha de uma ciência para ser cultivada pelo resto de nossas vidas, do que aquela primeira e predestinada excursão sobre o terreno. A iniciativa era da inteira responsabilidade de Monbeig [...]. Pelas suas mãos estávamos sendo iniciados na fascinante aventura cultural de compreender a organização antrópica imposta — com erros e acertos — à organização herdada da natureza [...]. Era necessário iniciar-se por trabalhos analíticos sobre temas reais, percebidos no teatro geográfico das atividades humanas, quer no mundo rural quer no urbano. Antes de se iniciar nos trabalhos de campo e na percepção das relações entre os homens e a terra, e os homens e a sociedade, era impossível teorizar. Foi um lembrete oportuno e definitivo para a formação de jovens geógrafos que um dia teriam de tratar das sérias e diferenciadas questões regionais brasileiras, desde a Amazônia até os sertões secos, as planícies costeiras e os planaltos interiores dominados por matas ou cerrados, bosques de araucárias e pradarias mistas. Locais onde a estrutura fundiária tendia a se enrijecer, o espaço geográfico tornava-se mercadoria, os trabalhadores rurais e urbanos eram tratados apenas como mão de obra braçal, sem direitos e sem proteção. Fiel ao lema de introduzir seus alunos em tarefas de iniciação, feitas diretamente no campo, Pierre Monbeig exigia deles estudos múltiplos sobre subáreas da região de São Paulo e de seus arredores. Ele sabia que nós, alunos egressos de classes pobres, não tínhamos recursos para realizar pesquisas em áreas distantes, que exigissem despesas de viagens, estadia e transportes [...]. A fim de colocar-nos em dia com o cotidiano da vida paulista e brasileira, incentivava- nos, através da leitura dos jornais, ao mesmo tempo em que chamava nossa atenção para percebermos conjunturas diferentes das ações antrópicas sobre um só e mesmo espaço territorial. Ou seja, pensar os cenários de um setor qualquer do espaço geográfico, em épocas históricas diversas [...]. Introduzindo seus alunos na geografia urbana Outro campo em que Pierre Monbeig conseguiu influenciar profundamente seus alunos foi o do terreno da geografia urbana [...]. Monbeig incentivou alunos e ex-alunos a realizarem monografias sobre os núcleos urbanos que melhor conheciam: ou por terem neles nascido, ou porque neles desenvolveram atividades de ensino. Dessa sua iniciativa surgiram vários estudos, mais tarde publicados em revistas, as mais diversas [...]. A justa preocupação de Monbeig com o estudo das cidades foi colocada em um trabalho pioneiro entre nós, publicado com o título de O estudo geográfico das cidades (SP, Revista do Arquivo, 1941). O ponto alto desse artigo foi a introdução, no Brasil, dos conceitos de sítio urbano, posição geográfica e estrutura espacial das funções urbanas [...]. Entretanto, Monbeig não se contentou com as observações iniciais que teceu sobre o estudo geográfico das cidades e, mais tarde, quando da reprodução do artigo no livro Novos estudos de Geografia Humana Brasileira (Difusão Europeia do Livro, 1957), acrescentou um apêndice incluindo novas informações bibliográficas e um grande número de conselhos metodológicos, entranhados do maior bom senso, dignos da maior reflexão. A carreira acadêmica Antes de aceitar o convite para vir ao Brasil, Monbeig era professor iniciante em Caen, na Normandia. Tinha a ideia fixa de conseguir recursos para elaborar uma tese sobre as ilhas Baleares, na Espanha [...]. Mas, aqui chegando, foi capturado pela temática de uma região brasileira que se encontrava em pleno desenvolvimento rural e urbano, ainda que estivesse nos últimos estertores com relação à monocultura cafeeira [...]. Matas sendo suprimidas, vilas de apoio criadas, imigrantes chegando das mais variadas partes do mundo, ferrovias se UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 24 estendendo com paradas de trens favorecendo a criação de importantes centros urbanos — futuras capitais regionais. Economia regional se dinamizando e se destacando no conjunto dos espaços produtivos do Brasil. Repercussões do mundo rural e urbano no crescimento de uma grande cidade candidata a metrópole. Industrialização se avolumando. Movimento cultural em pleno desdobramento: no jornalismo, no campo editorial, nas bibliotecas públicas, na vida universitária. Comparado à França provincial, onde tudo estava consolidado e aparentemente já produzido, São Paulo era um espaço geográfico de múltipla dinâmica, que encantava os observadores alienígenas. Mesmo de longe, o exemplo a ser seguido [...] Em um congresso de cientistas franceses [...], o mestre intuitivo que nele existia procurava reorientar o pensamento de seus colegas para o campo da interdisciplinaridade indispensável às tarefas de aplicação de ciências a diferentes interesses da sociedade e do desenvolvimento econômico e social [...]. Se não houver um esforço paralelo das ciências humanas para detectar defeitos da organização e do atendimento à sociedade, nenhuma ciência ou conjugação de ciências pode ser útil e ética em sua pretensão de aplicabilidade. Monbeig estava no caminho certo quando enfrentou seus colegas, deles recebendo o silêncio como resposta. Aziz Ab’Sáber (1924-2012), era geógrafo, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). FONTE: Texto parcial extraído do artigo de Aziz Ab´Saber. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141994000300024&script=sci_arttext>. Acesso em: 4 nov. 2012. 25 Neste tópico vimos que: • A geografia urbana é uma ciência que contempla as dinâmicas sociais, espaciais e econômicas que envolvem o espaço urbano. • Os franceses Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig vieram ao Brasil a convite do governador de São Paulo e participaram da fundação da Universidade de São Paulo – USP. • As pesquisas científicas urbanas brasileiras tiveram importante contribuição dos franceses Deffontaines e Monbeig. • O processo de urbanização dos países subdesenvolvidos foi tardio, comparado aos países desenvolvidos. • Nos países subdesenvolvidos a Revolução Industrial acontece em paralelo ao processo de urbanização. • O espaço urbano é produzido pelos agentes sociais, portanto é um produto histórico. RESUMO DO TÓPICO 1 26 1 O governo paulista, no ano de 1934, convidou para vir ao Brasil dois pesquisadores franceses, que tiveram uma importante contribuição para a geografia urbana no Brasil. Fale sobre os pesquisadores e das suas respectivas contribuições para o país. 2 Para o pesquisador sociólogo francês Henry Lefebvre (2006), a Terra foi o grande laboratório do homem. Aponte alguns fatores do mundo capitalista que favorecem o espaço urbano desigual e mutável. AUTOATIVIDADE 27 TÓPICO 2 URBANIZAÇÃO BRASILEIRA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Para a Geografia, a urbanização brasileira relaciona-se diretamente à redução da população rural e o consequente aumento da população urbana, pois as cidades crescem motivadas pelos avanços técnicos. Atraídas pela esperança de empregos melhores, multidões deixam seu lugar de origem, normalmente o campo, e vão para os ambientes urbanos, em busca de oportunidades melhores de vida. Todavia, muitas cidades não apresentam uma estrutura satisfatória para receber e manter esse volume numeroso de pessoas,situação esta que reflete na paisagem, através das ocupações de áreas urbanas impróprias; por outro lado, todas estas transformações contribuem para a formação e dinamização de formação das chamadas redes urbanas, em um processo de integração material e virtual dos lugares, devido, sobretudo, ao desenvolvimento dos recursos tecnológicos. 2 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL O Brasil foi, durante muitos séculos, um grande arquipélago, formado por subespaços que evoluíam segundo lógicas próprias, ditadas em grande parte por suas relações com o mundo exterior. Havia, sem dúvida, para cada um desses subespaços, polos dinâmicos internos. Estes, porém, tinham entre si escassa relação, não sendo interdependentes. (SANTOS, 2005, p. 29). Conforme Veiga (2003), o Decreto-Lei no 311, de 1938, transformou em cidades todas as sedes municipais existentes, independentemente de suas características estruturais e funcionais. Para o enquadramento na categoria das futuras cidades passou a ser exigida a existência de pelo menos 200 casas, e para as futuras vilas (sedes de distrito), um número mínimo de 30 moradias. Todavia, todas as localidades que até àquela data eram cabeça de município passaram a ser consideradas urbanas, mesmo que sua dimensão fosse muito inferior ao requisito mínimo fixado pelo decreto. Povoados e vilarejos tornaram-se cidades da noite para o dia. Faz-se necessário observar que, até 2 de março de 1938, o Brasil não contava com um modelo normativo padrão para classificar os espaços como cidade e vila, o costume era elevar a estas categorias todos os pequenos aglomerados. Neste período foi instituído o Decreto-Lei nº 311, que teve como uma de suas missões UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 28 promover a uniformidade das delimitações territoriais do quadro da República. O referido decreto-lei passou então a regulamentar as unidades territoriais administrativas no país, da seguinte forma: Art. 3º A sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome. Art. 4º O distrito se designará pelo nome da respectiva sede, a qual, enquanto não for erigida em cidade, terá a categoria de vila. Com a República surge, portanto, o interesse em estabelecer regras de definição para estes núcleos. Assim, uniformizou-se como cidade toda sede de circunscrição territorial, independente de quaisquer características estruturais. Na década de 90, através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criam-se três categorias para as áreas urbanas, sendo elas: urbanizadas, não urbanizadas e urbano-isoladas; e quatro tipos de aglomerações rurais: extensão urbana, povoado, núcleo e outros. Desta forma, entendem-se no Brasil como população urbana todos os habitantes de qualquer sede municipal, mesmo que sejam localidades desprovidas de infraestruturas básicas essenciais. Por exemplo, os dois mil habitantes que moram na sede do município de Assis, no Estado do Acre, no Brasil, são considerados urbanos, independente das funções que esta população local desempenha, do gênero de vida, da forma de civilização e do nível intelectual dos seus habitantes. Uma contradição na concepção de cidade como espaço urbano e centro regional com serviços especializados. Portanto, o rural e o urbano excedem os limites espaciais tradicionais, principalmente porque nem sempre o território é construído respeitando as fronteiras tradicionais dessa configuração, ou seja, ele não cabe dentro de uma divisão político-administrativa e deve ser entendido como um espaço socialmente construído por um determinado grupo social na produção e reprodução de sua existência. TÓPICO 2 | URBANIZAÇÃO BRASILEIRA 29 O Decreto-Lei nº 311/38 havia exigido a delimitação dos quadros urbano e suburbano das sedes municipais e distritais, conferindo ao Conselho Nacional de Geografia a atribuição de estabelecer os requisitos mínimos para a elaboração dos mapas. A uniformização pretendida foi alcançada mediante cumprimento bastante criterioso dessas normas, para as quais o prazo estabelecido era inadiável. Foi com esses atos, baixados por prefeitos num período em que não funcionavam as câmaras municipais, que se consagrou a figura legal do perímetro urbano. Mas a autonomia conferida aos estados no período pós-1946 resultou em adoção de critérios variáveis e diversas interpretações sobre o que deveria ser o perímetro urbano. (Bernardes, Santos & Walcacer, 1983:47). De qualquer forma, o que continua até hoje definindo a área urbana do município é a lei do perímetro urbano, de competência exclusiva municipal, servindo tanto para fins urbanísticos quanto tributários. É esse perímetro urbano que indica o limite oficial entre as áreas urbanas e rurais (IBGE, 2001-b: 116). FONTE: Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200105079.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2012. ATENCAO Economia Com relação ao setor econômico do país, pode-se afirmar que, até o final da Segunda Guerra Mundial, as bases financeiras das capitais brasileiras ainda estavam fundamentadas na agricultura e nas funções administrativas privadas e, principalmente, nas públicas. Tal fato justifica o crescimento populacional brasileiro, que se deu de forma desigual nas regiões do território, de acordo com o nível de influências diretas e indiretas e das decisões tomadas por autoridades que viviam em áreas distantes dos aglomerados urbanos. No Brasil, entre as décadas de 1940 a 1980, tem-se uma verdadeira inversão quanto ao lugar de moradia da população. A taxa de urbanização, que era de 26,35% em 1940, passa a 68,68% no ano de 1980. Todavia, como o crescimento populacional não acontece de maneira homogênea nas regiões, o processo de urbanização se dá de forma diferenciada, ora motivado pela expansão da fronteira agrícola, ora dinamizado pelas correntes migratórias. UNIDADE 1 | ABORDAGEM GEOGRÁFICA DO FENÔMENO URBANO 30 GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO NOS CENSOS DEMOGRÁFICOS, SEGUNDO AS REGIÕES BRASILEIRAS - 1960/2010 FONTE: Adaptado por Toniolo (2012). Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/ sinopse/index.php?dados=9&uf=00>. Acesso em: 13 dez. 2012. Pode-se afi rmar ainda que o intenso movimento de urbanização que acontece a partir da Segunda Guerra Mundial surge em resposta ao forte crescimento demográfi co, consequência da alta taxa de natalidade e baixa taxa de mortalidade, cujas causas essenciais fundamentavam-se nos avanços sanitários e na melhoria relativa no modo de vida da população, associado, muitas vezes, à própria urbanização. Diante das inúmeras transformações ocorridas no país e com as implementações das políticas públicas defi nidas nos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, o cenário político e econômico nacional muda completamente, ou seja, o Brasil deixa de ser um país agrário exportador para tornar-se urbano industrial. Portanto, tem-se o crescimento da economia brasileira, tanto para suprir a necessidade do novo mercado consumidor que está em expansão, como para atender à demanda do mercado internacional, ou seja, com o novo modelo de produção, o país se transforma num grande exportador de produtos agrícolas e de produtos industrializados. Favorável a este quadro, tem-se o desenvolvimento do trabalho científi co informatizado, proporcionando maior conhecimento TÓPICO 2 | URBANIZAÇÃO BRASILEIRA 31 territorial graças às novas possibilidades de aquisição de informação por radar e satélites. A partir daí, surgem as novas formas geográfi cas, explicitadas nas signifi cativas transformações em vários níveis e dimensões, instalando-se uma nova fase do capitalismo de produção no Brasil. FIGURA 9 – CHARGE FAZ CRÍTICA À POLÍTICA INDUSTRIAL DE JK FIGURA 10 – VOLKSWAGEN COMEÇOU DE FORMA MODESTA, NUM GALPÃO ALUGADO NO BAIRRO DO IPIRANGA, EM SÃO
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