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O MÉTODO PSICANALÍTICO DE FREUD (1904) TÍTULO ORIGINAL: "DI E FREUDSCHE PSYCHOANALYTISCHE METHODE". PUBLICADO PRIMEIRAMENTE (SEM O NOME DO AUTOR] EM L. LÕWENFELD, DIE PSYCHISCHEN ZWANGSERSCHEINUNGEN. WIESBADEN: BERGMANN, PP. 545-51. TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKEV, PP. 3-10. TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE. ERGÃNZUNGSBAND (VOLUME COMPLEMENTAR], PP. 99-106. O MÉTODO PSICANAlÍTICO DE FREUO O método psicoterapêutico que Freud emprega e desig na como psicanálise vem do assim chamado procedi mento catártico, sobre o qual ele informou nos Estudos sobre a histeria, escritos juntamente com Josef Breuer (1905). A terapia catártica era uma invenção de Breuer, que cerca de dez anos antes, utilizando-se dela, havia curado pela primeira vez uma paciente histérica e ad quirido compreensão da patogênese dos seus sintomas. Por sugestão de Breuer, Freud retomou depois esse pro cedimento e o experimentou em um número considerá vel de pacientes. O método catártico pressupunha que o doente fosse hipnotizável e se baseava na ampliação da consciência que sucede na hipnose. Tinha como objetivo a elimi nação dos sintomas, e o alcançava fazendo o paciente retornar ao estado psíquico em que o sintoma surgira primeiramente. No paciente hipnotizado afloravam lembranças, pensamentos e impulsos até então ausen tes de sua consciência, e depois que ele comunicava ao médico esses eventos psíquicos, sob intensas manifes tações afetivas, o sintoma era superado e o seu retorno não ocorria. Essa experiência, que podia ser repetida regularmente, os autores elucidaram da seguinte forma: o sintoma se acha no lugar de eventos* psíquicos repri midos, que não chegaram à consciência; representam, portanto, uma transformação ("conversão") destes. Eles explicaram a eficácia terapêutica do seu método * No original, Vorgiinge, que também pode significar "processos"; a mesma palavra surgiu na frase anterior. 322 O MÉTODO PSICANALÍTICO DE FREUD pela descarga do afeto até então "estrangulado", que fi cou ligado às ações psíquicas reprimidas ("ab-reação") . Mas esse esquema simples de intervenção terapêutica se complicava quase sempre, pois se verificou que não era uma única impressão ("traumática") que participava da gênese do sintoma, mas, geralmente, toda uma série de las, de difícil apreensão. Assim, a característica principal do método catárti co, que o contrapõe a todos os demais procedimentos psicoterapêuticos, está em que a eficácia terapêutica não é transferida para uma sugestão proibitiva feita pelo mé dico. A expectativa é, isto sim, que os sintomas desapa reçam por si mesmos, quando a intervenção - que se baseia em determinados pressupostos sobre o mecanis mo psíquico - consegue fazer com que os processos psíquicos tomem um curso diferente daquele que resul tou na formação do sintoma. As modificações que Freud introduziu no procedi mento catártico de Breuer foram inicialmente mudanças na técnica; mas elas conduziram a novos resultados e, em seguida, tornaram necessária uma concepção diver sa do trabalho terapêutico, que não contradizia a ante rior, porém. Se o método catártico já havia renunciado à suges tão, Freud deu o passo seguinte e abandonou a hipno se. Atualmente ele trata os pacientes desta forma: faz com que se deitem comodamente, de costas, sobre um sofá, enquanto ele próprio fica sentado numa cadeira atrás deles, fora de sua visão. Não solicita que fechem os olhos e evita tocá-los, assim como qualquer outro 31.3 O MÉTODO PSICANALÍTICO OE FREUO procedimento que possa lembrar a hipnose. Portanto, uma sessão dessas transcorre como uma conversa entre duas pessoas igualmente despertas, sendo que uma de las se poupa de qualquer esforço muscular e qualquer impressão sensorial que possam impedi-la de concen trar a atenção sobre a própria atividade psíquica. Como se sabe, ser ou não hipnotizado depende da vontade do paciente, não obstante toda a habilidade do médico, e muitos indivíduos neuróticos não podem ser hipnotizados com nenhum procedimento, de manei ra que o abandono da hipnose garantiu a aplicabilida de do tratamento a um número ilimitado de pacientes. Por outro lado, faltava a ampliação da consciência, que fornecera ao médico justamente o material psíquico de recordações e ideias mediante o qual se podia realizar a transformação dos sintomas e a liberação dos afetos. Não se achando um substituto para isso, a intervenção terapêutica estava fora de questão. Um substituto desses, inteiramente satisfatório, Freud encontrou nos pensamentos espontâneos dos pacientes, isto é, nos pensamentos involuntários, geral mente vistos como inoportunos e por isso descartados em circunstâncias normais, que costumam perturbar a trama de uma exposição deliberada. A fim de apoderar -se desses pensamentos, ele solicita aos pacientes que se deixem levar nessas comunicações, "como se faz numa conversa em que se pula de um assunto a outro". An tes de lhes pedir um relato minucioso da história de sua doença, ele insiste em que falem tudo o que lhes passar pela cabeça, mesmo quando acharem que é insignifi- 324 O MÉTODO PSICANAlÍTICO DE FREUD cante ou não vem ao caso, ou não tem sentido; enfatiza sobretudo que não devem excluir nenhum pensamen to ou associação porque relatá-lo lhes seria penoso ou vergonhoso. Ao procurar reunir esse material normal mente negligenciado, Freud fez as observações que se tornaram decisivas para toda a sua concepção. Apare cem lacunas na recordação do paciente já enquanto ele relata sua história clínica: eventos reais são esquecidos, a ordem cronológica é alterada ou nexos causais são rompidos, com resultados incompreensíveis. Não existe caso clínico neurótico sem amnésia de alguma espécie. Se instamos o narrador a preencher essas lacunas da memória com maior esforço da atenção, notamos que os pensamentos que então lhe ocorrem são rechaçados com todos os recursos da crítica, até que ele sente um franco mal-estar quando a recordação se apresenta de fato. Dessa experiência Freud concluiu que as amnésias são o resultado de um processo que ele denominou re pressão, cujo motivo enxergou em sensações de despra zer. As forças psíquicas que provocaram essa repressão são percebidas, segundo ele, na resistência que surge contra a recuperação [da lembrança] . O fator da resistência tornou-se um dos fundamen tos de sua teoria. Os pensamentos espontâneos que costumam ser dispensados com todo tipo de pretextos (como aqueles mencionados acima), Freud os vê como derivados dos produtos psíquicos reprimidos (pensa mentos e impulsos), como deformações destes, em vir tude da resistência que existe à sua reprodução. Quanto maior a resistência, mais ampla é a defor- O MÉTODO PSICANALfTICO DE FREUD mação. Nesta relação dos pensamentos não intencionais com o material psíquico reprimido é que reside o seu valor para a técnica terapêutica. Quando se tem um procedimento que possibilita chegar ao material repri mido partindo dos pensamentos espontâneos, ao mate rial deformado partindo das deformações, pode-se tor nar acessível à consciência, mesmo sem hipnose, o que antes era inconsciente na vida psíquica. Com base nisso, Freud desenvolveu uma arte da in terpretação, que tem a tarefa de, por assim dizer, extrair do mineral bruto das ideias não intencionais o metal dos pensamentos reprimidos. O objeto desse trabalho inter pretativo não são apenas os pensamentos espontâneos dos pacientes, mas também seus sonhos, que permitem o acesso mais direto ao conhecimento do inconsciente, seus atos não intencionais, não planejados (atos sinto máticos) e os erros nas ações cotidianas (lapsos de fala, confusões etc.) . Os detalhes dessa técnica de interpreta ção ou tradução ainda não foram publicados por Freud. São, conforme ele indicou, uma série de regras, obtidas empiricamente, de como o material inconsciente pode ser construído a partir dos pensamentos espontâneos, instruçõessobre como entender o fato de os pensamen tos não ocorrerem, e observações sobre as resistências típicas mais importantes que se apresentam no curso de um tratamento desses. Um volumoso livro sobre a Inter pretação dos sonhos, publicado por Freud em 1900, pode ser visto como precursor de tal introdução à técnica. Talvez se conclua, dessas indicações sobre a técnica do método psicanalítico, que o seu inventor submeteu- O MÉTODO PSICANALÍTICO DE FREUD -se a um esforço inútil e fez mal em abandonar o não tão complicado procedimento hipnótico. Mas, por um lado, a técnica psicanalítica é bem mais fácil de se praticar, uma vez aprendida, do que parece por uma descrição; por outro lado, nenhum outro caminho leva à meta de sejada, de maneira que o caminho trabalhoso ainda é o mais curto. A objeção que fazemos à hipnose é que ela encobre a resistência e, desse modo, interdita ao médico a visão do jogo das forças psíquicas. Mas ela não acaba com a resistência, apenas a evita e, por isso, proporcio na informações incompletas e sucessos transitórios. A tarefa que o método psicanalítico se esforça em realizar pode ser expressa de formas diversas, que, no entanto, se equivalem na essência. Pode ser colocada assim: a tarefa do tratamento é remover as amnésias. Quando todas as lacunas de recordação são preenchi das, todos os produtos misteriosos da vida psíquica são elucidados, torna-se impossível o prosseguimento ou mesmo a renovação da doença. Essa precondição pode ser formulada de outra maneira: todas as repressões de vem ser desfeitas; o estado psíquico é, então, o mesmo daquele em que todas as amnésias são preenchidas. Há esta outra formulação, mais ampla: a questão é tornar o inconsciente acessível à consciência, o que sucede pela superação das resistências. Não se pode esque cer, porém, que esse estado ideal não existe tampouco na pessoa normal, e que raramente se consegue levar o tratamento a esse ponto. Assim como saúde e enfer midade não são distintas em princípio, mas separadas apenas por um limite quantitativo determinado na prá- O MÉTODO PSICANALÍTICO DE FREUD tica, assim também jamais teremos como objetivo do tratamento outra coisa que não a recuperação prática do paciente, o restabelecimento de sua capacidade de realização e de fruição. Numa terapia incompleta, ou de êxito parcial, obtém-se uma melhora significativa do estado psíquico geral, enquanto os sintomas podem prosseguir, mas com menor importância para o pacien te, sem marcá-lo como um doente. Excetuando pequeninas modificações, o procedi mento terapêutico é o mesmo para todos os quadros sintomáticos da multiforme histeria e para todas as for mações da neurose obsessiva. Mas não se pode dizer que a sua aplicação seja irrestrita. A natureza do mé todo psicanalítico gera indicações e contraindicações, tanto no que se refere às pessoas a serem tratadas como no que toca ao quadro clínico. Os mais favoráveis, para a psicanálise, são os casos crônicos de psiconeuroses com sintomas pouco violentos ou perigosos, ou seja, primeiramente todas as espécies de neurose obsessiva, de pensamento e atividade obsessivos, e casos de histe ria em que têm papel principal as fobias e abulias; mas também todas as formas somáticas da histeria, desde que a tarefa principal do médico não seja, como na ano rexia, a rápida eliminação dos sintomas. Em casos agu dos de histeria será preciso aguardar um estágio mais tranquilo; em todos os casos em que predomina o es gotamento nervoso, evitar-se-á um procedimento que por si mesmo exige esforço, traz apenas avanços lentos e durante algum tempo não pode levar em conta a per sistência dos sintomas. O MÉTODO PSICANAlÍTICO DE FREUD A pessoa que quiser submeter-se proveitosamente à psicanálise deve satisfazer vários requisitos. Primeiro, precisa ser capaz de ter um estado psíquico normal; em períodos de confusão ou de depressão melancólica nada se consegue, mesmo em caso de histeria. Além disso, pode-se requerer dela alguma medida de inteligência natural e de desenvolvimento ético; com indivíduos sem valor, logo o médico perde o interesse que o tor na capaz de se aprofundar na vida psíquica do paciente. Acentuadas deformações do caráter, traços de constitui ção realmente degenerada se revelam, durante a tera pia, fontes de resistências dificilmente superáveis. Nisso a constituição verdadeiramente estabelece um limite para a possibilidade de cura mediante a psicoterapia. Também uma idade próxima dos cinquenta anos cria condições desfavoráveis para a psicanálise. A massa de material psíquico já não pode ser dominada, o tempo necessário para a recuperação se torna muito longo, e a capacidade de desfazer os processos psíquicos começa a fraquejar. Apesar de todas essas restrições, o número de pes soas aptas a fazer psicanálise é muito grande, e a am pliação de nosso conhecimento terapêutico mediante esse procedimento é, segundo Freud, bastante consi derável. Freud requer períodos longos, de seis meses a três anos, para um tratamento efetivo; mas ele informa que até hoje, graças a circunstâncias diversas, que fa cilmente podem ser imaginadas, só pôde experimentar seu tratamento em casos graves, em pessoas adoecidas havia muitos anos e incapacitadas para a vida, que, de- O METO DO PSICANALlTICO DE FREUO siludidas de todos os tratamentos, buscaram como que um último refúgio em seu procedimento novo e muito questionado. Em casos de doença mais leve, a duração do tratamento seria bem mais curta e se obteria uma grande vantagem em termos de prevenção futura. 330
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