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vejasaopaulo.com.br 8 de julho de 2020 Plataforma chinesa de criação de vídeos curtos faz sucesso no escapismo da quarentena e vira grande negócio pra novos influenciadores TikTok sem parar TikTok sem parar TikTok sem parar VSP CAPA TIKTOK 25.indd 1 7/1/20 4:15 PM 1246323-BANCO BRADESCO S_A-2_1-1.indd 2 30/06/2020 18:55:35 1246323-BANCO BRADESCO S_A-2_1-1.indd 3 30/06/2020 18:55:36 4 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 #SPNASALTURAS Por Raul Juste Lores Nova sede dos arquitetos do Pitá no 16º andar: o Itália atrai ocupantes ex-Faria Lima sangue novo no ItálIa Alugar um escritório no Edifício Itália pode custar até um quarto do preço da Faria Lima. O aluguel sai entre 20 e 30 reais o metro quadrado, en- quanto o valor mínimo faria limer costuma ser de 80 reais... Antes mesmo da crise criada pelo “efeito XP”, o querido arranha-céu come- çou a atrair novos ocupantes. Acaba de se instalar no 16º andar o escritório Pitá, dos arquitetos Nico Salto del Giorgio e Antonio Mantova- ni (que projetaram o Cubo, do Itaú, e as sedes do LinkedIn e Civi-co). Pelo mesmo valor que pagavam por 180 metros quadrados no Jardim Paulis- tano, ficaram com meia laje no Itália, de 450 metros quadrados. A desig- ner Milena Romano também está de mudança para lá, onde já funciona há anos o Tacoa Arquitetos. Além da pechincha e do en- dereço icônico, não dói ter uma estação de metrô praticamente em frente, com as linhas Amarela e Vermelha à mão, e estar a pas- sos da Casa do Porco, do Dona Onça, do Orfeu, da balada Tokyo, do Sertó, do Esther Rooftop, al- guns dos endereços mais baca- nas da Pauliceia. Encantado com o novo endere- ço, o Pitá até organizou um livro so- bre o Itália. O sangue novo pode causar outros efeitos no edifício, que, como qualquer personalidade quase sexagenária, pede cuidados. O Circolo Italiano vive o envelheci- mento comum a outros clubes so- fo to s R EN A to N A V A R R o VSP 04_06 - V-checOK - CTR.indd 4 6/30/20 8:07 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 5 ciais, com espaços de pouquíssimo uso. Já o Terraço Itália denuncia sua idade pela decoração pesada. Implo- ra por um design contemporâneo e menos careta, à altura das matado- ras vistas e do serviço atencioso. Carpete no novo normal é insalubre. Quem sabe os vizinhos recém-che- gados possam dar uma consultoria. A galeria no térreo tem diversos espaços vazios e perdeu seu caráter de circulação entre Ipiranga e São Luís por ter a entrada para essa últi- ma fechada. Ainda não passou pela renovação que as galerias do Rock ou Metrópole vivem. Com a neces- sidade de lugares ao ar livre no pós- quarentena, sua larga calçada po- deria ser usada à noite — ou mes- mo o terração desperdiçado do Ao lado, maquete e a antiga sede: terreno de 2 382 m2 deu lugar a 52 000 m2 de área construída; distância da praça, na diagonal, definiu altura re pr o d u çã o re pr o d u çã o josé cordeiro VSP 04_06 - V-checOK - CTR.indd 5 6/30/20 8:07 PM 6 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Galeria vazia, carpete no bar e térreo vítima de penduricalhos: joia modernista pede uma recauchutagem à altura Circolo, onde a escultura do Cavalo Rampante chama atenção. O térreo também é vitima de uma poluição visual que destoa do racionalismo do arquiteto Franz Heep, autor do projeto (de 1953- 1954; só ficou pronto em 1965). Tem de inexplicáveis portas de vidro na entrada dos elevadores a pendurica- lhos no saguão — em desenho de Heep, menos deveria ser mais. Já que é para sonhar com melho- rias, que a iluminação da fachada ovalada e com quebra-sóis seja mais frequente — os prédios históricos de São Paulo precisam de mais luz, para lembrar nossa amnésica sociedade o patrimônio que pos- sui. O centro de São Paulo ganha- ria muito com melhor iluminação — os postes normalmente apon- tam para a rua, a serviço do auto- móvel, mas deixam prédios e cal- çadas no breu. O Itália também é um lembrete dos feitos da comunidade italiana, que soube fazer um concurso de ar- quitetura para escolher o projeto que resultasse mais impactante (e ga- nhou a melhor proposta). Algo bas- tante incomum no piloto automático que testemunhamos por todos os lados, e que produz sedes de ban- cos, estações de metrô e terminais de aeroporto desengonçados. Na São Paulo que cresce para os lados, até destruir os mananciais, o gigante da Ipiranga comprova o erro da legislação que inviabilizou arra- nha-céus (os dois maiores paulis- tanos foram aprovados há mais de sessenta anos, este e o Zarzur). No terreno de 2 382 m2 do antigo pa- lacete do Circolo, a prefeitura per- mitiu em 1954 a torre com 52 000 m2 de área construída, em 46 an- dares (pelas leis atuais, o Itália teria um quinto desse tamanho). Naquela época, a capital não tinha plano diretor nem zoneamento, mas permitia marcos em esquinas de destaque. O que determinava a altu- ra dos prédios era a largura da rua (quanto mais larga, mais alto pode- ria ser o prédio, sem fazer sombra ao vizinho da frente). O engenheiro Otto Meinberg e o arquiteto Franz Heep reinterpretaram a regra: a altura do Itália seria calcu- lada pela distância entre seu terre- no e a Praça da República, diagonal- mente (quase o dobro do tamanho da largura da Ipiranga). A dupla usou o mesmo expediente no primeiro prédio da Praça Roosevelt, o Icaraí — sem tirar o sol de ninguém. Hoje, faltam terrenos em áreas centrais e nos damos ao luxo de espraiar e criar “novos centros” a cada década, sem a infraestrutura da República ou da Paulista. De muitos jeitos, o Itália contém aulas do passado ao futuro. H ER N A N R EI G RAul justE loREs MARIo RoDRIGuEs VSP 04_06 - V-checOK - CTR.indd 6 6/30/20 8:07 PM Circula semanalmente com a revista VEJA, na Grande São Paulo, Litoral e nas cidades até 100 km da capital www.grupoabril.com.br www.vejasaopaulo.com.br REDAÇÃO E CORRESPONDÊNCIA: Avenida Otaviano Alves de Lima, 4400, 5º andar, Freguesia do Ó, São Paulo/SP, CEP: 02909-900. PUBLICIDADE SÃO PAULO E INFORMAÇÕES SOBRE REPRESENTANTES DE PUBLICIDADE NO BRASIL E NO EXTERIOR: www.publiabril.com.br VEJA SÃO PAULO 1917 (ISSN 2675-0546) ano 37/nº 28. VEJA SÃO PAULO é uma publicação semanal da Editora Abril, e cir cu la na Grande São Paulo, Litoral e nas cida des até 100 km da capi tal. EDIÇÕES ANTE RIO RES: Venda exclu si va em ban cas, pelo preço da últi ma edi ção em banca mais despesa de remessa. Solicite seu exem plar na banca mais pró xi ma de você. Distribuída em todo o país pela Dinap S.A., Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. VEJA SÃO PAULO não admite publicidade redacional. Serviço ao Assinante: Grande São Paulo: (11) 5087-2112 Demais localidades: 0800-775-2112 www.abrilsac.com Para assinar: Grande São Paulo: (11) 3347-2121 Demais localidades: 0800-775-2828 www.assineabril.com.br IMPRESSA NA GRÁFICA ABRIL Av. Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, CEP 02909-900, São Paulo, SP LICENCIAMENTO DE CONTEÚDO: para adquirir os direitos de reprodução de textos e imagens de Veja São Paulo acesse: www.abrilstock.com.br VICTOR CIVITA (1907-1990) Fundada em 1950 ROBERTO CIVITA (1936-2013) Editor Sênior: Arnaldo Lorençato Editores: Alessandra Balles, Helena Galante, Pedro Carvalho, Tatiane Rosset Repórteres: Fernanda Campos Almeida, Gabrielli Menezes, Guilherme Queiroz Silva, Humberto Abdo De Lima, Juliene Moretti, Miguel Barbieri Jr., Saulo Yassuda, Sérgio Quintella, Tatiane de Assis Designers: Juliana Pedrosa, Marcelo Cutti, Rafael Fujiwara Publisher: Fabio Carvalho Redator-Chefe: Raul Juste Lores PUBLICIDADE E PROJETOS ESPECIAIS Marcos Garcia Leal (Diretor de Publicidade) (Alimentos, Bebidas, Beleza, Higiene, Moda, Imobiliário, Decoração, Turismo, Varejo, Educação, Mídia & Entretenimento), Marcelo Alberto Cohen (Financeiro, Mobilidade, Tecnologia, Telecom, Saúde e Serviços), André Marini (Regionais e Governo). DIRETORIA DE MERCADO Carlos Nogueira CRIAÇÃO EMARKETING MARCAS Andrea Abelleira BRANDED CONTENT, EVENTOS E VÍDEO Sandro Ferreira Rosa PRODUTOS E PLATAFORMAS Guilherme Valente DEDOC E ABRILPRESS Irvinng Lage ABRIL BIG DATA (Big Data + SEO + MKT Digital + Advertising) Sérgio Rosa VSP 07 CTR.indd 7 7/1/20 12:45 PM Alice Padilha MeMória Trilhos esquecidos pelo tempo Localizada a cerca de 75 quilômetros de São Paulo, no caminho para Sorocaba está Mairinque, com 50 000 habitantes, uma cidade que cresceu ao redor da Es- tação Ferroviária de Mairinque. “eu trabalhei ali por mais de vinte anos. Co- mecei fazendo reparos em truques de vagão e me aposentei como inspetor. Meu pai, meu avô e meus tios trabalha- ram lá. a cidade nasceu com os ferroviá- rios. Quase todas as famílias têm um”, conta Francisco antônio de Camargo, presidente da associação Mairinquense de Preservação Ferroviária. a construção atual, inicialmente cha- mada de estação Mayrink, foi erguida em Erguida em 1906, a Estação Ferroviária de Mairinque aguarda desde 2015 a viabilização de um projeto de restauro 1906. Substituiu um tímido prédio de ma- deira, inaugurado dez anos antes, de forma provisória. Fez parte da estrada de Ferro Sorocabana, projetada para diluir o mono- pólio de exportação da antiga São Paulo railway, primeira ferrovia do estado. Os trilhos ligavam o interior (Sorocaba, itu e Campinas) à capital e ao litoral, principal- mente ao Porto de Santos. O projeto do arquiteto Victor Dubu- gras foi o primeiro do tipo a ser construído com concreto armado no país. Também inaugurou o modelo de ilha, com dupla plataforma e um amplo hall central que concentrava serviços como bilheteria, telé- grafo, armazém e despacho. Os trens com passageiros circularam entre 1937 e 1999, FOTOS PreFeiTurA de mAirinque rAPhAel nASrAllAh ASSOciAçãO mAirinquenSe VSP 08_09 R (chec ok) CTR.indd 8 7/1/20 2:30 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 9 quando a malha ferroviária foi revista e a antiga estação foi adquirida pela prefeitu- ra. O prédio foi tombado como patrimô- nio histórico pelo Condephaat, em 1986, e pelo Iphan, em 2004, ano em que o Mu- seu Ferroviário de Mairinque passou a funcionar em uma das salas do edifício. “De vez em quando a gente vai lá e tenta preservar um pouquinho. No museu tem um funcionário, mas a outra parte fica abandonada. Tem calha furada, infiltra- ções, mato alto. Você acende uma lâmpa- da e apaga a outra”, conta Camargo. Em 2014, o Condephaat realizou um concurso de projeto de restauro em que foi premiada a proposta elaborada pelos escritórios de arquitetura SIAA e HASAA. Entre as intervenções, estavam previstas a construção de uma pequena praça miran- te, a adequação de elementos de acessibi- lidade e a substituição dos antigos pisos de pedra. Aprovado no ano seguinte, o projeto foi orçado em cerca de 6 milhões de reais e, até o momento, não saiu do papel. “O nosso contrato era só para a par- te do projeto, então estamos de mãos atadas. Já está tudo detalhado. Falta, ago- ra, viabilizar”, explica Cesar Shundi, um dos arquitetos responsáveis pelo plano. Em nota, o diretor de cultura de Mairinque, San- dro Rolim, afirma que os recursos para a re- gularização virão através de emenda parla- mentar aprovada, que aguarda o empenho pelo Ministério do Turismo. “A adequação às normas do Corpo de Bombeiros é o primeiro passo para a restauração do espaço, tendo em vista que o projeto definitivo deverá ser realizado em cotas”, afirma Rolim. Ambientes da Estação Ferroviária de Mairinque nos anos de 1910 (nas imagens em preto e branco) e atualmente: primeira estação construída com concreto armado no país tem calha furada, infiltrações e mato alto Acervo AssociAção MAirinquense de PreservAção FerroviáriA reProdução rAcionAlisMo e Proto-ModernisMo dA obrA de victor dubuGrAs VSP 08_09 R (chec ok) CTR.indd 9 7/1/20 2:30 PM 10 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Estou trabalhando remotamente desde o dia 15 de março. De lá para cá, houve uma queda nos atendi- mentos particulares, tendo em vista que muitas pes- soas estão com restrições financeiras. Ao mesmo tempo, a procura por consultas pelo convênio cres- ceu. Não acredito que a terapia perca a qualidade por migrar do presencial para o on-line. Já trabalhava des- sa maneira antes do isolamento e há outras coisas para avaliar além da resposta física do paciente ao que é abordado nas sessões. Mas isso também é possível por vídeo, não compromete o diagnóstico. As queixas mais recorrentes neste período são sobre ansiedade e humor deprimido. Para o ansioso, os pensamentos repetitivos não cessam, há dificulda- des com o sono, medo do amanhã. O deprimido en- contra problemas em realizar tarefas simples do dia a dia, se sente frustrado, insatisfeito e incapaz, com menos energia. Alguns pacientes apresentam pen- samento mais catastrófico em resposta tanto à pandemia quanto à crise política e econômica que se instala no país. Estão bem pessimistas. Há uma grande dificuldade em encontrar uma res- posta para o cenário pós-Covid-19. Para quem precisou abrir mão da terapia neste momento, os sintomas podem ser piores, já que é uma perda de amparo em uma situação no mínimo complicada. Essa falta de suporte agrava situações que, por si só, já são devastadoras, como a impossibi- lidade de enterrar um ente querido. Tenho uma pa- ciente idosa que perdeu a mãe para o coronavírus em menos de três dias após o diagnóstico da doença. Ela ainda fala da mãe no presente, “mi- nha mãe é uma pessoa assim”. Tem muita dificul- dade em aceitar a morte. Parte disso se deve à falta dos ritos de passagem: não poder se despe- dir, nem ir ao velório nem enterrar. Não recebeu o amparo que normalmente é destinado às pes- soas que estão de luto. Essa paciente se queixa pois não se sente legitimada em sua dor. Diante de todo esse cenário, tenho percebido co- mo está em evidência a importância da psicologia. Isso vai quebrando os mitos e estigmas que a profis- são carrega, das crenças associadas à loucura. No entanto, lidar com esses descréditos aumenta a ne- cessidade de apoiar projetos científicos, fornecer as informações corretas, explicar. Quem trabalha na área da saúde tem essa função psicoeducativa, isso já fez parte da minha atuação profissional várias vezes. Tor- na-se quase uma obrigação para o processo de traba- lho fortalecer a ciência. Particularmente, sou uma pessoa caseira, mas sinto falta da minha rotina, do contato com os pacien- tes. Antes eu passava o dia todo na rua, me alimenta- va fora, ia à academia. Agora a rotina doméstica foi embutida na rotina de trabalho. Eu e meu marido ti- vemos pequenos impactos financeiros, mas não po- demos nos esquecer da nossa posição de privilégio de poder ficar em casa num momento como este. Beatriz Oliveira Mazzoco, 33 anos, em depoimento a Mariani Campos diário da quarentena — Beatriz oliveira mazzoco, psicóloga “ “Alguns pacientes têm apresentado pensamento mais catastrófico em resposta à pandemia” VSP 10_11 R (chec ok) CTR.indd 10 6/30/20 5:02 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 11 r o g e r io p a l l a t t a A psicóloga Beatriz Mazzoco: pacientes com ansiedade VSP 10_11 R (chec ok) CTR.indd 11 6/30/20 5:02 PM 12 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Quando tudo isso começou, as pessoas não levaram a sério. Ninguém de máscara, e a feira continuou nor- malmente. Passados os primeiros quinze dias de qua- rentena, e com o número de mortos aparecendo, as pessoas começaram a se cuidar mais. Nós, os feiran- tes aqui da Zona Leste, entramos em comum acordo de oferecer álcool em gel em toda barraca, além de máscaras. Cortamos a degustação também, tudo pensando em não sofrer restrições da prefeitura. Nosso movimento caiu em torno de 40%. As pes- soas ainda vêm à feira, mas não compram quase na- da. Mantivemos todos os nossos funcionários, claro, mas tivemos de cortar despesas em casa: nada de compras parceladas ou gastos supérfluos.Meu pai estava com um projeto de construir algumas casas para alugar, mas cancelamos. Quem sabe em 2021. Ainda que a gente tome todos os cuidados, nossa maior dificuldade tem sido os clientes. Veja bem: ins- talamos pias de inox perto de várias barracas, princi- palmente da do pastel e do caldo de cana, para as pessoas higienizarem as mãos. Muitas se recusam, dizem que não precisa. Fora as que continuam co- mendo na frente da barraca, desrespeitando a norma de “pastéis, só para viagem”. Com medo de perderem o freguês, os donos das tendas de comida não falam nada, e o problema fica por isso mesmo. A barraca da minha família vende queijos. Meu pai, com mais de trinta anos de feira, gosta de oferecer degustações aos clientes, mas corta- mos essa prática logo no início da quarentena. Mesmo assim, tem gente que chega aqui e pede para provar. Alguns, quando ouvem a nossa recu- sa, ainda falam “mas não tem ninguém olhando”. A questão não é essa, estamos em pandemia, os ca- sos estão aumentando, então precisamos ter cons- ciência. Você oferece álcool em gel à pessoa e ela se recusa a passar, diz que já se higienizou no carro. Ofe- recemos máscaras, com custo que sai do nosso bolso, Diário Dos sem-quarentena — roDrigo jalloul, feirante “ “Do pastel à degustação, tem muito freguês que não se cuida” Rodrigo Jalloul, na barraca de queijo: consumidor quer experimentar VSP 12_13 V (chec ok) CTR.indd 12 6/30/20 5:01 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 13 Querendo ou não, é uma linha de frente, né? Atendemos de 500 a 600 pessoas por dia de feira. Eu sei que estou me cuidando, mas e o próximo? Já pre- senciei pessoas de idade falando “essa porcaria não vai me pegar, não”. É difícil lidar com isso. Eu não me sinto deprimido nem nada, acho que por estar saindo de casa não me afetou dessa forma, mas eu vivo com um constante medo de me contaminar. Nós, feirantes, temos feito todo o possível para evi- tar o contágio. Além das medidas básicas, suspende- mos a xepa, por acumular muitas pessoas em busca dos preços mais baixos. Estamos trabalhando com os valores numa média entre o que custa no começo da feira e no final, assim nem cliente nem feirante são pre- judicados. Mas sempre tem os que não cooperam. Ti- vemos o caso de um comerciante aqui da Zona Leste que pegou o coronavírus e continuou vindo para a feira, disse que iria trabalhar de qualquer jeito. Quem nos avisou foi a própria esposa dele, que não queria que ele saísse de casa. Fomos até a sua barraca e dissemos que aqui ele não iria vender nada, fizemos ele ir embora. Não tem como deixar uma coisa assim acontecer. Muitos clientes de mais idade gostam de vir aqui conversar, temos amizade com eles. Durante todo esse tempo, eles se mantiveram em casa, mas depois de três meses já não aguentam mais ficar isolados, sentem falta de sair, de colocar a conversa em dia. Temos orientado que venham de manhã bem cedo, assim não tem aglomeração e eles não correm tanto risco. E mantemos a distância, claro. Em casa somos eu, meu pai, minha tia, meu tio e meu primo. Quando nós voltamos do trabalho, tira- mos toda a roupa, deixamos em um cesto separado só para isso e lavamos as peças em máquinas dife- rentes: uma para as roupas da feira e outra para as que não usamos para sair. Dentro de casa passamos álcool nas superfícies toda hora, e uma vez por sema- na nosso quintal, que é grande, é higienizado com cloro junto com o caminhão que leva os produtos. É importante ressaltar que tem muito feirante fazendo trabalho voluntário em meio a esse caos. Temos doado caixas de frutas e verduras a comuni- dades como a da Brasilândia, muito afetada pela doença. Outros têm contratado moradores de rua, ex-presidiários, pessoas que encontram dificuldade para conseguir emprego. Temos de nos unir.” Rodrigo Jalloul, 34 anos, em depoimento a Mariani Campos ro g e r io p a l l a t t a mas mesmo assim tem cliente que só diz não, que é bobeira. Meu pai tem 64 anos, é cardíaco e precisa continuar trabalhando. Fico com medo de ele se con- taminar, de eu pegar. Recentemente perdemos um parente, que também trabalhava com queijos, para a Covid-19. No começo achou que não tinha nada, con- tinuou indo trabalhar. Depois de um tempo foi interna- do e não durou uma semana, já veio a óbito. VSP 12_13 V (chec ok) CTR.indd 13 6/30/20 5:01 PM Como as escolas de Nova York têm lidado com o coronavírus? A pandemia chegou aqui com dois terços do ano letivo cumpridos (o calendário vai de setembro a junho). O último terço foi de maneira remota, tanto nas escolas par- ticulares quanto nas públicas. Agora estão todos de férias, mas a retomada das esco- las, a princípio marcada para o mês de setembro, ainda é incerta. Há universida- des dizendo que só voltarão a ter aulas presenciais em janeiro do ano que vem. Assim como São Paulo, Nova York é uma cidade desigual. Qual o impacto disso na educação pública durante a quarentena? A prefeitura de Nova York entregou 300 000 tablets com internet para os alunos que não dispunham de equipa- mentos em casa. Fizeram censo muito rápido e mapearam os que não tinham acesso. A rede municipal aqui tem 1,1 mi- lhão de alunos, praticamente o mesmo número da paulistana. A diferença de aprendizado entre estudantes pobres e ricos no Brasil pode ganhar novos degraus por causa da pandemia? Sem dúvida alguma. No Brasil, há muita gente que não tem sequer equipamento suficiente nem lugar adequado para es- tudar. Há famílias de cinco pessoas mo- rando em um, dois cômodos. Das cinco, duas ou três são crianças. Como acom- panhar o aprendizado dessas pessoas nessas condições? Ex-secretário da Educação de Kassab e Doria, pesquisador na Universidade Columbia, nos EUA, diz que professor será mais valorizado agora e que a educação andou para trás Sérgio Quintella 14 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 PAPO VEJINHA | AlexANdre SChNeider “enem deveria ser transferido para o meio do ano que vem” Diego PaDgurschi/FolhaPress VSP 14_15 - V (chec ok) - CTR.indd 14 7/1/20 4:20 PM Veja São Paulo 24 de junho, 2020 15Veja São Paulo 8 de julho, 2020 15 Repetir todo mundo ou aprovar todos seriam duas possibilidades? As duas alternativas são ruins e penali- zam os mais pobres duas vezes. O ideal seria flexibilizar o currículo e entender este e o próximo ciclos como um só. O que não for possível ensinar nesses meses, por causa da ausência de aulas, poderia ser distribuído ao longo do ano que vem. Outros países estão fazendo isso. Qualquer alternativa diferente vai provocar uma barbárie educacional. E o ensino em tempo integral na retomada das aulas poderia ser uma saída para suprir o tempo perdido? O ensino integral depende de espaço. Mais escolas teriam de ser construídas. E também há uma questão de investi- mento, não sei se estados e municípios dispõem de condições no momento. Mas é possível reduzir as desigualdades pro- curando apoiar quem mais precisa, a partir da própria avaliação do professor, estruturando reforços, acompanhando a aprendizagem e, eventualmente, até com um programa que promova a conectivi- dade das pessoas, não só das escolas. Na prática seria levar internet junto com a luz? Isso. Não é uma questão simples nem barata. Mas o Brasil precisa começar a pensar em garantir que as pessoas te- nham conexão com a internet. Aliás, isso deveria ser um direito e poderia ser um programa público. É caro, mas está na hora de começar. Como deverá ser o retorno de alunos e professores aqui? A principal política deve ser de acolhimento de todos. A pandemia, com isolamento, cria uma série de problemas mentais. Antes de começarem com a recuperação da aprendi- zagem, as escolas precisam construir um plano para que todos possam se conectar novamente e reconstruir laços de afeto. Nin- guém aprende ou ensina com a cabeça ruim. Os professores sairão mais valorizados desta pandemia? Vai ser importante a retomada do res- peitopela profissão, da autoridade do professor na sala. Obviamente, quando os pais participam, a escola fica melhor. Mas a participação deles tem de ser na melhora no coletivo. Mas muitos atra- vessam a fronteira e entendem que eles têm de dizer como o professor deve exercer seu ofício. Ou, o mais grave, en- tendem que o professor não tem direito de chamar a atenção de um estudante. Talvez este seja um bom momento de reflexão. Estamos vendo com nossos filhos como é difícil colocá-los na frente de um computador ou tablet. Este período de quarentena vai fazer falta no total dos anos escolares dos nossos alunos? Estamos falando de um período curto diante da vida escolar de crianças e de adolescentes. Mas, como eu disse, o de- safio não será pequeno, principalmente com os mais vulneráveis. Se o trabalho for benfeito, a pandemia passa e as crian- ças não terão perdas ao longo da vida. Mas para quem vai prestar o vestibular ou o Enem as perdas já estão aparecendo. O Ministério da Educação deveria trans- ferir a prova do Enem para meados do ano que vem. Deveria também fazer acor- do com universidades para os alunos que entrarem no 1º ano começarem logo de- pois da prova. Ou seja, atrasar a entrada do 1º semestre. E nesse período os secre- tários estaduais e municipais, a quem está vinculado o ensino médio, e mesmo as escolas particulares, podem fazer um reforço. Vamos ver como o próximo mi- nistro vai se sair (Carlos Alberto Decotelli pediu demissão na terça 30). Como o senhor avalia a política educacional do governo federal? Infelizmente eles patinaram nesse perío- do todo de governo, olhando mais para questões ideológicas do que para a educação em si. É importante que o mi- nistro da Educação, seja ele quem for, tenha uma conduta diametralmente oposta à dos anteriores. A educação no Brasil andou para trás. O que o senhor foi estudar nos Estados Unidos? Vim fazer duas pesquisas na área de pri- meira infância na Universidade Columbia, onde atuo como professor-adjunto. Uma delas é sobre o impacto do não acesso à creche no emprego das mulheres. A ou- tra é sobre desempenho escolar. Mas vou embora no meio de julho. Em agosto eu assumo o Instituto Singularidades, que atua na formação de professores. Vida pública nunca mais? Escolhi seguir carreira fora da área públi- ca. Por isso considero minha desfiliação ao PSD (quando saiu da prefeitura, em janeiro de 2019) uma questão importante. “A quarentena é um período curto diante da vida escolar de crianças e adolescentes. Se o trabalho for benfeito, a pandemia passa e eles não terão perdas ao longo da vida” VSP 14_15 - V (chec ok) - CTR.indd 15 7/1/20 4:20 PM TERRAÇO PAULISTANO 16 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Humberto Abdo Estilo em extinção na cidade, as ilustrações feitas em fachadas de salões de beleza são registradas desde 2015 pelo fotógrafo Marcelo Garcia, 51, que reuniu parte do acervo no inédito Segunda Não Abre, livro em processo de financiamento cole- tivo. “Dirigindo pela cidade, as pinturas chamaram minha aten- ção e, quando vi, já tinha mais de 200 fotos”, revela. Morador da Lapa, Garcia descobre boa parte dos grafites em bairros perifé- ricos, como Vila Brasilândia e Jardim Ângela, muitas vezes em comércios instalados em garagens. “Encontro coisas benfeitas e erros impressionantes também, mas admiro o artista comer- cial que trabalha sem ter as melhores ferramentas”, elogia. “A pessoa aprende enquanto faz, e as portas corrediças são uma superfície difícil de trabalhar.” Garcia publica no Instagram do projeto alguns desses achados — tanto os erros como os acertos. “Com as versões digitais feitas em gráficas, essa é uma forma de expressão artística popular que está desaparecendo.” Arte, beleza e progressiva Nos hospitais de campanha do Pacaembu e Anhembi, desenhos feitos a mão passaram a enfeitar os leitos após um grupo de arquitetos criar o Hospitais com Cor. Cerca de dez voluntários conduzem o projeto, com quatro pontos de coleta para interessados em produzir as ilustrações. “Olhando as paredes de casa, co- mecei a pintar e preenchê-las com arte, só não pintei meu marido até o momen- to”, brinca Paola Martuscelli, 34, que lançou a iniciativa. “Com meu museu casei- ro, tive a ideia de levar essa alegria pelas cores e já enviamos 1 105 desenhos em menos de um mês”, conta. “Quando as obras chegam, recebemos muitos relatos sobre a ‘injeção’ de ânimo nos médicos e pacientes. Basta doar tempo e energia.” Colocando cor no covidário ARQUIVO PESSOAL FOTOS MARcELO GARcIA VSP 16_17 - V-checOK - CTR.indd 16 6/30/20 11:19 PM Em formato radiofônico, o Teatro Oficina lançou o podcast Rádio Uzona com a peça Pra Dar um Fim no Juízo de Deus, diri- gida por Marcelo Drum- mond, 58. “Com elenco de dez pessoas, ensaia- mos pelo Zoom e grava- mos cada um em sua ca- sa”, conta o diretor. A obra de Antonin Artaud foi adaptada a partir da ence- nação feita em 1996 por Zé Celso, que também parti- cipa da nova versão, de cinquenta minutos. “No Oficina, trabalhávamos com sessenta artistas, en- tre atores e técnicos, que de repente ficaram sem renda nenhuma, então estamos fazendo de tudo e em breve teremos apre- sentações virtuais”, adian- ta Drummond. Com ingredientes típicos italianos, o chef Franco Maria Sala, 40, do restaurante Sughetto, lançou a entrega de cestas per- sonalizadas de antepastos, vendidas com itens como presunto cru, burrata, pão integral de azeitonas e um patê ou mo- lho. “Nossa comida nunca ‘viajou’ bem porque é mais elaborada, por isso lança- mos esse pacote com coisas que não precisam ser aquecidas”, resume Sala, que teve a ideia após ouvir a sugestão de um de seus amigos, o economista Marcos Lis- boa. As combinações são vendidas entre 169 e 299 reais. “Um piquenique em casa, não precisa nem trabalhar, só colocar na mesa”, defi- ne. Na quarentena, o chef aproveitou para encerrar a reforma do pequeno es- tabelecimento na Rua Augusta, ampliado para receber até quarenta clientes, e ago- ra planeja abrir uma lasanheria artesanal. Teatro para os ouvidos A designer Melina Romano, 36, lançou uma linha de estações de trabalho pensadas para profissionais em home office. Com pai- nel acústico que comporta acessórios como luminária e arquivos, o móvel está disponível para venda ou aluguel — a locação semestral custa cerca de 150 reais por mês e, a partir de 200, vem com a cadeira. “Se você aluga uma casa, por que não pode alugar os móveis?”, questiona Melina sobre o novo serviço, que tem sido contratado principalmente por grandes empresas de tecnologia e advocacia para seus colaboradores. “As pessoas não querem móveis corporativos, então nos ins- piramos em cores da natureza, como verde, terracota e tons mais neutros”, descreve. HOME OFFICE COM DESIGN G AB RI EL A CE RQ U EI RA H EN RI Q U E PE RO N CA SA F LO RÁ LI A HENRIQUE PERON CESTA NADA BÁSICA À ITALIANA Franco Maria Sala e a esposa, Claudia Pantarelli, preparam seleção de antepastos VSP 16_17 - V-checOK - CTR.indd 17 6/30/20 11:19 PM Casa quarentener Helena Galante Um cômodo essencial mas nada básico Banheiros e lavabos ganham muitas plantas, itens de aromaterapia e revestimentos que fogem dos azulejos brancos tradicionais Chegar do mercado, lavar as mãos. antes de colocar a máscara, lavar as mãos. Depois, idem. a intensificação dos hábitos de higiene fez com que os banheiros ganhassem mais atenção. “antes, muitas pessoas evitavam ter o lavabo logo na entrada. agora, faz to- tal sentido colocá-lo ali, perto de uma sapateira, para já tirar os calçados”, afirma o arquiteto Bruno Moraes. Para apartamentos pequenos, além de es- pelhos que ampliam o ambiente, ele investe na iluminação e nos revesti- mentos pouco tradicionais. “as pes- soas querem fugir dos azulejos bran- cos”, diz o arquiteto renato andrade. Junto com erika Mello, eles transfor- maram o banheiro de um apartamen- to na alamedaLorena num espaço cheio de verde. “O pedido era por uma carinha de spa e um jardim inter- no. Optamos por montá-lo dentro do Tudo cor de rosa na linha faça você mesmo, Camila Morais silva cuidou de tudo, desde a massa corrida. Depois, renovou a área do boxe com tinta rosa. Maddu Magalhães pintou o lavabo do chão ao teto no mesmo tom. Para finalizar, luminárias neon. Muito verde O sonho de um jardim interno foi realizado pelos arquitetos renato andrade e erika Mello com irrigação automatizada. Para preservar a saúde das plantas, foi preciso afastar a ducha e evitar os respingos quentes do chuveiro. fo to s re pr o d u çã o in st aG ra m VSP 18_19 V (chec ok).indd 18 6/30/20 11:36 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 19 boxe, para incluir um sistema de irriga- ção automatizado”, afirma Andrade. Mesmo quem não busca investir num projeto profissional completo en- contra boas inspirações para fazer mu- danças sozinho. A youtuber Maddu Magalhães transformou um cômodo antigo pintando do chão ao teto, in- cluindo todas as ferragens, de rosa. “Em menos de uma semana estava pronto. Para deixar mais moderno, coloquei as luminárias neon retas. Mas dá para en- contrar versões similares de LED mais baratas”, conta Maddu. Depois de ver outros banheiros rosa na internet, Cami- la Morais Silva também se aventurou por conta própria. Escolheu a tonalida- de só para o boxe e se arriscou a fazer quadrinhos e transformar uma saladeira em cuba. “Eu e meu marido ficávamos até de madrugada pintando os metais com tinta spray. O mais difícil foi esperar secar o chão”, lembra Camila. Na contra- mão dos grandes investimentos, Ana Paula Passarelli, a Passa, estreou no ano passado no seu canal no YouTube a sé- rie Casa Minimalista. “Com a materni- dade, percebi que tudo que as pessoas diziam que era preciso basicamente não era. Não queria ficar entulhando coisas desnecessárias”, compartilha. “A busca pelos gastos essenciais, por tirar o que não é necessário, me levou a um apar- tamento menor.” Para transformar os ambientes, ela investe em pequenos toques, como pingar algumas gotinhas de óleo de lavanda na hora do banho ou pendurar um ramo de eucalipto no chu- veiro. “Não precisa mobiliar o seu ba- nheiro todo para que ele seja um lugar legal. Com o vapor, o cheirinho da plan- ta já muda a sensação.” Banho perfumado Entusiasta do minimalismo, Ana Paula Passarelli, do canal do YouTube Passa em Casa, mudou- se para um apartamento menor e perfumou o banheiro colocando um ramo de eucalipto no chuveiro. Espaços pequenos bem aproveitados Bruno Moraes foca na iluminação e no uso de espelhos nos seus projetos. Boxe com revestimento e paredes pintadas são tendência.LUI S G O M ES LU IS G O M ES a r q U Iv O p ES SO a L LU IS G O M ES VSP 18_19 V (chec ok).indd 19 6/30/20 11:36 PM Vala aberta na Rua Matias Aires: barulho durante, transtornos depois VSP 20_23 CTI- R (chec ok) CTR.indd 20 7/1/20 2:11 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 21 C riado pelo então prefeito João Doria em 2017, o programa Cidade Linda Redes Aéreas tem tirado o sono de muita gente, além de causar perigos para motoristas e pedestres que trafegam pelos bairros da Conso- lação e da Bela Vista. Em vias como Peixoto Gomide, Bela Cintra, Barata Ribeiro e Dona An- tônia de Queirós, entre muitas outras, o enterra- mento de fios tem deixado um rastro de falta de cuidado antes, durante e depois dos trabalhos. “Na Rua Frei Caneca, em frente ao shopping, após o término das obras dos dois lados, reca- pearam essas partes e deixaram a metade da pis- ta com asfalto velho. Não poderiam recapear a rua toda?”, questiona o administrador de empre- sas Fabio Canova, 44. “Sem falar que deixaram ondulações, buracos e desníveis na via.” Na Rua Caio Prado, a longa faixa que margeia a calçada ficou quase um mês tampada com uma brita mis- turada com areia (imagina a lamaceira após a chuva do sábado, 27). Dias depois, a via ganhou uma camada de asfalto (ondulado e imperfeito). A cena se repete por diversas outras ruas. Dono de um café na Rua Antônio Carlos, o engenheiro Guilherme Saltini, 34, chama a aten- ção para outras questões. “As calçadas quebradas Obras de enterramento de fios geram transtornos no bairro da Consolação, e rastro de acabamentos malfeitos no asfalto e nas calçadas Sérgio Quintella o buraco é mais embaixo Ruas Peixoto Gomide (acima) e Dona Antônia de Queirós (abaixo): provisório e sem qualidade FOTOS alexandre baTTibugli VSP 20_23 CTI- R (chec ok) CTR.indd 21 7/1/20 2:11 PM 22 Veja S‹o Paulo 8 de julho, 2020 foram cimentadas de qualquer jeito. Além disso, os restos das construções ficam mui- tos dias depositados nas ruas. Cadê a pre- feitura para fiscalizar o andamento das obras?”, questiona. “A Bela Cintra e a Pei- xoto Gomide foram recapeadas há menos de dois anos. E aquele dinheiro gasto na época foi perdido?”, indaga Saltini. Essas obras na região central fazem parte de um acordo da prefeitura com a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competi- tivas (TelComp), que representa três cen- tenas de empresas do ramo. O combinado foi que 52 quilômetros de fios seriam en- terrados, tirando do caminho mais de 2 000 postes da região central e de bairros como Vila Olímpia. A escolha da área le- vou em conta locais onde a Enel (antiga AES Eletropaulo) já havia feito o enterra- mento da sua fiação aérea. A empreitada, orçada em 200 milhões de reais, será to- talmente bancada pelas teles, mas deveria ter ficado pronta em 2018. Diante do atra- so, o promotor Silvio Marques, da Promo- toria do Patrimônio Público e Social, se reuniu em novembro do ano passado com as empresas para cobrar prazos e as obri- gou a retomar as obras. Paralelamente a isso, Marques trabalha em uma ação civil pública para obrigar todas as companhias da cidade a enterrar a fiação e a utilizar apenas conexões subterrâneas. Outra queixa de quem vive os transtor- nos de perto nos bairros em que o serviço vem sendo realizado é quanto ao barulho proveniente das máquinas. “Estou ficando louco. Eles ligam a britadeira às 7 horas da manhã e vão até as 7 horas da noite. É o mesmo tormento de segunda a sábado, só param no domingo”, afirma o analista de software Giovanni Monteiro, 41, morador da Rua Avanhandava. “Com a pandemia, minha empresa entrou em home office. Canova, na Rua Matias Aires: ondula•›es e desn’veis Saltini, na Rua Ant™nio Carlos: ÒFizeram de qualquer jeitoÓ VSP 20_23 CTI- R (chec ok) CTR.indd 22 7/1/20 2:12 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 23 Imagina eu conseguir me concentrar com aquele barulho. Pareço o personagem do filme Feitiço do Tempo (Bill Murray) que sempre acorda no Dia da Marmota. O meu dia é o da britadeira.” Independentemente dos transtornos, há quem diga que a quebradeira está sendo feita no lugar errado. “Poderiam executar essas obras embaixo dos passeios, não no leito viário”, afirma a arquiteta e urbanista Saide Kahtouni. “No mundo todo utiliza- se o subsolo do leito viário para as insta- lações de esgoto, drenagem e do gás de rua, e o subsolo das calçadas de pedestre para as fiações subterrâneas das redes de caráter elétrico.” Procurada, a TelCom res- pondeu por meio de nota que a construção da rede subterrânea da Consolação será concluída de acordo com as normas esta- belecidas pela municipalidade. A gestão municipal afirma que as obras ainda estão em andamento e que os revesti- mentos do asfalto são provisórios. Além disso, assegura que as normas vigentes pre- veem construções de tubulações sob o asfal- to, não necessariamente sob a calçada. “Mas o serviço provisório precisa ter qualidade, o que não parece ser o caso”, afirma o secre- tário das Subprefeituras, Alexandre Modo- nezi. “Tenho cobrado a melhora da qualida- de do serviço das concessionárias na cidade. O Geoinfra (plataformarecém-criada) nos possibilitou um controle de quem está fa- zendo serviço na via, contratamos empresas para fazer acompanhamento tecnológico na rua. A cidade nunca teve isso.” Não é por falta de legislação que a si- tuação dos postes da nossa cidade continua a mesma. São Paulo possui quase 70 000 quilômetros de fios pendurados em 1,2 mi- lhão de postes. Em 2005, o então prefeito José Serra (PSDB) sancionou um projeto de lei que obrigava as concessionárias de energia elétrica e telecomunicações a en- terrar no mínimo 250 quilômetros de fios por ano na metrópole. A lei, contestada na Justiça, entrou para o rol das legislações que não pegaram. Em Buenos Aires, na Argentina, não há praticamente mais ne- nhum fio aéreo na região central. A medida foi incluída em uma grande reforma pro- movida na década de 1950. ■ Pedestre na Rua Dona Antônia de Queirós e moto na Haddock Lobo: dois anos de atraso F O T O S A L E X A N D R E B A T T IB U G L I VSP 20_23 CTI- R (chec ok) CTR.indd 23 7/1/20 2:12 PM A plataforma chinesa de compartilhamento de vídeos bombou na quarentena, virou o aplicativo mais baixado em 2020 e serviu de trampolim para a nova geração de influenciadores digitais Fernanda Campos Almeida F O T O S R O G E R IO P A L L A T T A Luciano do Valle, o @lucianodvs: humor de um dos maiores tiktokers da capital Fotos de capa: arquivo pessoal, Leo Martins, Rogerio Pallatta e Tiago Valente 15 segund os de fama 15 segund os de fama 15 segund os de fama VSP 24_33 CTR.indd 24 7/1/20 3:59 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 25 VSP 24_33 CTR.indd 25 7/1/20 3:59 PM 26 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 E m meio ao isolamento da quarente- na, uma rede social chinesa virou mania e está criando um novo firma- mento de influenciadores na cidade. O TikTok é uma plataforma digital de vídeos curtinhos, quase sempre de apenas quinze segundos, criados com efeitos de imagem e de som bem fáceis de aplicar. Seu alcance mundial aumentou na quarentena (só em abril, foram 107 milhões de downloads, três vezes mais que o mesmo mês de 2019, e o app já ultra- passou o 1,5 bilhão de usuários, segundo a SensorTower — números específicos do Bra- sil não são divulgados), e virou diversão pa- ra quem quer esfriar a cabeça com danci- nhas, cenas de humor e truques curiosos, quase sempre longe das discussões políticas e do noticiário pesado. Mas não é só isso, já que o leque de usuários e contas vai de professor de desenho à literatura, de recei- tas simples a maquiagem (leia mais nos quadros ao longo da reportagem). Tamanho sucesso também fez com que se destacar na plataforma fosse a tradução do sonho de ser descoberto por patrocinadores. Luciano do Valle (@lucianodvs), de 23 anos, está fazendo essa aposta. Ele abandonou o curso de engenharia civil em uma universi- dade federal na cidade mineira de Congo- nhas e se mudou para São Paulo a fim de se dedicar em tempo integral à criação de con- teúdo. “O centro das oportunidades está aqui. Já perdi muita chance de trabalho porque as marcas querem me conhecer pessoalmente.” Com 5,5 milhões de seguidores, o jovem chega a ganhar de 8 000 a 11 000 reais por ação publicitária e já fez trabalhos para mar- cas como Rexona e O Boticário. “Minha mãe chorava desesperada dizendo que eu estava jogando meu futuro pela janela”, conta. Ele era o único entre os irmãos que ingressou no ensino superior, mas afirma que não se arre- pende da mudança. “Administrando bem o dinheiro, eu consigo viver disso.” Mas o que Luciano cria de tão especial, principalmente na quarentena? É uma série de situações banais, com piadinhas idem. “Estou aqui com a panela mais triste do mundo, a panela de pressão”, diz o mineiro enquanto aponta a câmera para uma prate- leira de artigos de cozinha em um supermer- cado. Em seguida, vira um leitor de código de barras para si mesmo e brinca: “Ai, não estou valendo nada. Minha carne é fraca”. Aparece então uma bandeja de carne emba- lada. Ele também grava receitas de doces rápidos usando micro-ondas e uma caneca e faz trocadilhos sobre os ingredientes, co- mo “leite condenado” (em vez de leite con- densado) e “canela a gosto mesmo estando em maio”. Passou a incluir bebidas alcoóli- Vincynite e o primeiro viral: “Respondendo Perguntas” já chegou a 230 milhões de visualizações l e o m a r t in s VSP 24_33 CTR.indd 26 7/1/20 3:59 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 27 cas nas misturas quando a marca Jurupinga o escolheu como garoto-propaganda. Na Zona Norte de São Paulo, Luciano divide casa com outros quatro tiktokers, co- mo são chamados os criadores de conteúdo, entre eles Ingrid Stefany, 25, a Didi. Os dois se conheceram em um evento fechado para produtores selecionados pela plataforma, no qual recebem dicas de como se relacionar com marcas, no escritório da empresa na Vila Olímpia. Didi nunca imaginou que se tornaria famosa. A garota dos cabelos colo- ridos, que incorpora personagens nos esque- tes de humor, passava por uma fase difícil quando decidiu criar o perfil @didiferente no aplicativo porque sofria de depressão e transtorno de ansiedade. Criar vídeos engra- çados, para ela, foi uma forma de se sentir melhor. Diante dos 4,2 milhões de seguido- res atuais, faz posts com uma estética bas- tante caseira e usa o efeito que deixa o rosto com feições infantis para a personagem Di- dizinha, com comentários inocentes. É quase tudo assim, muito pueril — no conteúdo, é claro. Nos bastidores, a rede social chinesa ganha espaço em um jogo de gigantes, em uma trajetória recente de cres- cimento explosivo. Em 2017, a empresa By- teDance, atual proprietária do TikTok, anun- ciou a compra por 800 milhões de dólares do Musical.ly Inc, aplicativo de dublagem de músicas. As duas plataformas tiveram suas funções mescladas em um app único, Tiago ValenTe, @oTiagoValenTe Ator, escritor e leitor ávido, o objetivo de Tiago Valente, 22, é desmistificar a literatura como algo difícil. Ele cria resumos de livros como O Cortiço, de Aluísio Azevedo, em trinta segundos com direito a caracterização de personagens. Tudo sem sair do quarto. Letícia Gomes: grandes transformações apenas com make mantendo o nome do primeiro. O resultado foi um produtor de conteúdo fácil de usar, que permite a criação de clipes de quinze a sessenta segundos e possui um editor com- pleto com opções de cortes, sincronização de lábios, efeitos, trilha sonora, transições e um catálogo de músicas. Fundada em 2012 por Zhang Yiming, a ByteDance está sediada em Pequim. O pri- meiro produto da companhia foi um aplicati- vo para compartilhar informação usando in- teligência artificial, o Toutiao (“manchetes de hoje”, em português). Até agora é um dos agregadores de notícias mais populares na China. Zhang usou a mesma tecnologia anos fo to s a r q u iv o p es so a l t ia g o v a le n t e VSP 24_33 CTR.indd 27 7/1/20 3:59 PM 28 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Estamos começando a ver isso em redes sociais também. Enquanto nossos serviços, como o WhatsApp, estão sendo usados por ativistas e manifestantes de todo o mundo pe- la proteção de privacidade (...), no TikTok, aplicativo chinês, menções a esses mesmos protestos são cen- suradas, mesmo se estão aqui nos EUA. É essa a internet que quere- mos?”. O TikTok negou as acusa- ções, afirmando que as decisões de moderação nos EUA são feitas pela equipe local. O gigante Google tam- bém não ficou indiferente ao fe- nômeno TikTok. O YouTube, sua plataforma de ví deos, está desen- volvendo a função Shorts. Uma das proezas do TikTok tem sido justamente atrair in- fluenciadores já conhecidos de outras plataformas, muitos deles que se renderam mais fortemen- te ao app só na pandemia. Lá fora, enquanto a cantora Britney Spears (@britneyspears) compar- tilha coreografias profissionais, o primeiro vídeo do ator Jack Black(@jackblack) é de uma dança de- sengonçada, calçando botas de caubói, sem camisa e exibindo uma barriguinha sa- liente. Will Smith (@willsmith) chama atenção pela qualidade da produção. Para começar, ele teve ajuda de outros usuários mais jovens, como o especialista em efeitos visuais Caleb Natale (@calebnatale). O resultado são produções que parecem de cinema. No Brasil, a apresentadora Maisa Silva (@maisa), com 33 milhões no Instagram, e o youtuber Felipe Neto (@felipeneto) já possuem 8,7 milhões e 6,2 mi- lhões de seguidores no TikTok, respectivamente. Para os nomes emergentes do próprio TikTok, o jogo pelo patrocinador fica mais duro com essa concorrência. “É uma competição difícil, mas o público novo que eles trazem pode conhecer quem já é da casa”, explica Vin- cynite, 24, músico e criador do primeiro hit viral no TikTok brasileiro, chamado Respondendo Perguntas. Enquanto dançam, as pessoas estampam na tela as res- postas sobre a própria vida: nome, idade, cidade, altu- ra e até a “inicial do crush”. Vincy disse ter percebido que a forma mais rápida de viralizar é criar conteúdo mais tarde, em 2016, para lançar o Douyin, aplicativo idêntico ao TikTok, mas exclusivo para o mercado chinês. A maior diferença entre os dois é que o Douyin é adaptado às restrições chi- nesas, rodando em servidores diferen- tes. O TikTok então seria o irmão gê- meo que fez sucesso internacional- mente. Com outros quatro aplicativos lançados na Ásia, ByteDance se tornou a startup mais valiosa em 2019, esti- mada em 75 bilhões de dólares. A pandemia fez com que as pes- soas passassem mais tempo em casa e o TikTok tirou vantagem disso. Foi o aplicativo mais baixado no mundo em 2020, com 315 mi- lhões de downloads só no primei- ro trimestre, deixando para trás competidores de audiência mais envelhecida como Facebook e Instagram. Isso fez com que a concorrência se mexesse para criar funcionalidades similares e conter o avanço do rival chinês. O Instagram tem uma nova função, chamada de Reels. A aba reúne vídeos curtos que tenham algum tipo de efeito ou edição. O recurso está para o TikTok como os Stories, lançados em 2016, estavam para o Snap- chat. Na época, Mark Zuckerberg, dono do “Face” e do “Insta”, havia tentado comprar o “Snap” por 3 bilhões de dólares, mas levou a porta na cara. A so- lução de imitar o rival deu certo: em um ano, os Sto- ries já eram campeões em base de usuários diários. Com o TikTok, Zuckerberg também tem um histó- rico para lá de complicado. Segundo o site americano BuzzFeed News, Zuckerberg tentou comprar o Musi- cal.ly antes da ByteDance. O objetivo era atrair mais jovens às suas redes e entrar no mercado chinês, já que seus aplicativos são banidos na China. Deu errado. Dois anos depois, tentou copiar o TikTok com a criação do app “Lasso” (não disponível no Brasil). Deu errado de novo. Foi sem grande surpresa que apareceu com críticas diretas ao concorrente. Em um discurso sobre liberdade de expressão na Universidade Geor getown, em Washington, declarou: “Há uma década, quase todas as maiores plataformas de internet eram ame- ricanas. Hoje, seis das dez principais são chinesas. Vinicius e BárBara, @BacomVi Junte dois atores e o ócio da quarentena e o resultado são esquetes que tratam de forma bem- humorada da vida a dois durante o isolamento. Vinicius Quintal, 26, e Bárbara Regina, 24, entraram no TikTok há um mês, mas já criaram identificação entre os casais na plataforma. fo to s a r q u iv o p es so a l VSP 24_33 CTR.indd 28 7/1/20 4:00 PM Ananda Morais, 16: dublagem e coreografias VSP 24_33 CTR.indd 29 7/1/20 4:00 PM Bruno Carvente: mágico das edições leo m a r t in s VSP 24_33 CTR.indd 30 7/1/20 4:00 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 31 facilmente reproduzível por outros usuários, ou seja, produzir um áudio original para que outros criem novos vídeos em cima dele. De 100 000 seguidores, Vincy passou a ter 1,5 milhão em menos de seis meses. “Se mais produzem, mais consomem”, concorda Bruno Carvente, sobre a nova con- corrência. Carvente, 29, o iBugou (@ibugou) no TikTok, assim como Natale, cria ilusões audiovisuais com edição de vídeo. Tendo cur- sado animações 3D e efeitos especiais no exterior, ele aproveita assuntos em alta para criar conteúdo. No começo da pandemia, quando muitas pessoas armazenavam produ- tos de supermercado, brincou com a situação postando um vídeo fazendo multiplicação de papel higiênico. Com marcas como Pizza Hut, Coca-Cola e Burger King no portfólio, ele explica seu sucesso: produzir conteúdo family friend e não falar palavrões. “As pes- soas não se importam de ver publicidade se tem mágica no meio”, complementa. Anos antes de se tornar febre entre um público amplo e rivalizar com o Instagram, o TikTok já era bem conhecido dos adolescen- tes. Ananda Morais (@ananda), de 16 anos, está na rede social desde os 13 (idade mínima para ter uma conta) fazendo dublagens super- produzidas para 4,3 milhões de seguidores. Ninguém imagina que a garota tímida, antis- social e de poucos amigos se mostra confian- te no hobby que se transformou em trabalho com a ajuda dos pais, Daniela e Tom Morais. A mãe, advogada, toma conta da parte bu- rocrática de contratos de publicidade, pa- gamentos e datas de postagens, além de cuidar de maquiagem, roupa e cabelo. O pai, músico, faz o papel de assessor e de diretor de criação. “A Ananda é uma empre- sa”, conta Tom, que é filho de Bola Morais, integrante dos Novos Baianos, e vê a filha caminhando na mesma direção, com cinco músicas já lançadas. A menina precisa equi- librar a criação de conteúdo com os estudos. Cursando o último ano do ensino médio, ela assiste às aulas on-line de manhã e cria três vídeos por dia à tarde. “Meus pais me ajudam porque tem coisa que eu não conseguiria lidar tendo só 16 anos”, explica Ananda sobre a relação estreita com a família. “Se ela quises- se, sairia de casa porque já pode se sustentar sozinha”, orgulha-se o pai. Apesar de Ananda fazer sucesso com co- reografias e dublagens, carro-chefe do TikTok, o aplicativo continua criando espaço para outros talentos. Letícia Gomes, 26, transfor- ma-se em qualquer celebridade usando ape- nas maquiagem. A jovem aprendeu sozinha a técnica de contorno com luz e sombra que modifica os traços do rosto para se transfor- mar em Fátima Bernardes, Lady Gaga ou Matheus Pasquarelli, @MatheusPasquarelli O dono do cabelo mais famoso da plataforma é o designer de 23 anos, que usa o TikTok para reafirmar a beleza negra e mostrar cuidados com os crespos. O corte foi inspirado no uso do flat top (parte de cima reta) por homens negros nova- iorquinos dos anos 80. GaBriel lozer, @lozer O estudante de design gráfico de 19 anos entrou na plataforma para mostrar sua arte, mas acabou se tornando professor. Com tutoriais narrados conhecidos como “desenha e fala”, ensina os seguidores a como melhorar o traço e a perder a vergonha de mostrar sua criações. fo to s a r q u iv o p es so a l VSP 24_33 CTR.indd 31 7/1/20 4:00 PM 32 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 Ingrid Stefany: prêmio de vídeo de comédia mais curtido do TikTok Silvio Santos. Ela não imita apenas estrutura facial, rugas e cabelo, mas também os trejeitos. Usando ta- kes de cada passo, o processo que leva cerca de qua- tro horas torna-se uma mágica de trinta segundos no TikTok. Como uma nova forma de entretenimento, não só marcas de cosméticos têm procurado Letícia. A maquiadora já participou de ações para Guaraná Antarctica e Seara e inventou uma maquiagem ver- melha e branca para combinar com o logo da Claro. Para atrair ainda mais pessoas, o TikTok apostou no sistema de recompensa. O “TikBônus” é um pro- grama que imita as estratégias dos apps de delivery e oferece códigos de convite para enviar aos amigos. Só que, em vez de receber cupons de desconto, ganha- se dinheiro de verdade. Cada novo usuárioque se cadastra por meio de convite recebe 1,10 real e quem enviou o código ganha 2 reais. Diferentemente do YouTube, onde os influenciadores ganham de 0,60 a 5 dólares americanos a cada 1 000 visualizações, de- pendendo da relevância do canal, no TikTok não há monetização por views, mas dá para ganhar uma gra- ninha extra, além de contratos publicitários. Os fãs podem comprar moedas virtuais dentro do aplicativo e presentear os tiktokers durante transmissões de ví- deo. E esses influencers têm mesmo fãs. No último encontro organizado antes da quarentena, o Luciano do Valle lá do início do texto não esperava ficar mais de seis horas em pé para tirar fotos com seguidores, entre eles idosos que, antes, mais assistiam aos vídeos do que interagiam. Agora, criam as próprias contas para ter interação com familiares e se manter ativos. Renato Aragão (@renatoaragao), de 85 anos, por exemplo, já tem 1 milhão de seguidores na platafor- ma, com dancinhas e esquetes simples de humor. AMÁLIA THERESA, @VODAPOMBA O neto de Amália Theresa criou um perfil no aplicativo para registrar as brincadeiras que ajudam a família a lidar com o diagnóstico da vovó de 91 anos: Alzheimer. “É uma doença que não tem cura, então eu faço se tornar mais leve”, conta o neto, que usa máscaras engraçadas nos vídeos porque prefere não ser identificado. Médicos e terapeutas reagem aos esquetes dizendo que aprovam a forma diferente de tratar a condição. R O G ER IO P A LL A T TA A R Q U IV O P ES SO A L VSP 24_33 CTR.indd 32 7/1/20 4:00 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 33 O rosto de Jair Bolsonaro no corpo de Carminha, personagem de Adriana Esteves em Avenida Brasil, circulou com sucesso pelas redes sociais na icônica cena em que ela grita “Desgraçado! Inferno!”. A brincadeira fez alusão ao episódio em que o apresentador William Bonner entrou em um plantão do Jornal Nacional no meio da novela Fina Estampa, das 21h, para atualizar o número de mortos e de contaminados pelo novo coronavírus depois que o Ministério da Saúde decidiu divulgar essas informações somente após o horário de término do telejornal. Essa é uma das montagens com o presidente e outros políticos no lugar de personalidades, que vão de Dercy Gonçalves a Lady Gaga. E o criador é Bruno Sartori, 31, referência no Brasil da técnica chamada deepfake. A tecnologia usa inteligência artificial para criar vídeos que reproduzem não só a aparência, mas também as expressões e a voz. É uma espécie de “Photoshop” para vídeos, em que uma coleção de milhares de áudios e de fotos da pessoa é vinculada a um sistema semelhante a um programa de computador, que aprende a identificar padrões e passa a reproduzi-los em novas imagens. O processo se chama “aprendizado de máquina”, porque o computador entende sozinho as expressões do rosto em qualquer ambiente. O sistema é uma biblioteca de código aberto, ou seja, qualquer pessoa que saiba desenvolver códigos pode baixar e usar a tecnologia. Sartori trabalha com edição de vídeos desde os 15 anos e procurava tutoriais na internet sobre troca de rostos quando achou a biblioteca na plataforma americana de fóruns Reddit, em 2017. O usuário que divulgava a tecnologia utilizava o codinome “deepfake” e colocou rostos de famosas no lugar de atrizes em filmes pornográficos. “Vi potencial para usar no meu trabalho”, conta. Apesar de a tecnologia ser acessível, não é possível fazer a edição em qualquer tipo de computador. “Tentaram reproduzir o que faço em computadores domésticos e, quando perceberam a dificuldade, desistiram”, diz o deepfaker. Ele demora cerca de cinco dias para criar uma montagem usando uma placa de vídeo poderosa, que custa, em média, 11 000 reais. Sartori, que nasceu em Minas Gerais, mudou-se para São Paulo para trabalhar em uma produtora de televisão, mas teve o contrato suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus. Para que os vídeos com as montagens continuem a ser produzidos, ele criou uma campanha contínua na plataforma de financiamento coletivo apoie.se e está arrecadando cerca de 5 000 reais por mês. Sartori conseguiu transformar a técnica em uma forma de entretenimento, com vídeos DEEPFAKE: PARECE, MAS NÃO É Deepfake de Bolsonaro cantando “Cloroquina”, paródia da música de Tiririca Florentina, e como Carminha Bruno Sartori: sucesso nas redes sociais com as montagens de humor e crítica social e política, mas afirma que o surgimento de novas tecnologias traz também novas consequências. “Tenho consciência que, se utilizada de forma indevida ou ilícita, pode enganar muita gente se a população não for educada em relação à existência dessa ferramenta. Como o presidente da República nunca usaria uma peruca loira ou imitaria uma atriz de novela, os vídeos são criados em contextos absurdos para que o público se familiarize com a técnica”, diz. Como a plataforma é aberta, fotos e áudios são sempre adicionados à biblioteca, e o sistema se atualiza e a tecnologia é aperfeiçoada. ■ FO TO S RE PD O U ÇÃ O Y O U TU BE AR Q U IV O P ES SO AL VSP 24_33 CTR.indd 33 7/1/20 4:00 PM 34 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 O consenso entre psiquiatras e psicólogos é que ninguém estava preparado para enca-rar um momento como este e, por isso, a saúde mental deve ser a próxima onda da pandemia a ser enfrentada. “Por mais que o ser hu- mano tenha a capacidade de se adap- tar às novas condições, isso gera uma sobrecarga constante, que pro- duz stress e insegurança, como nu- ma situação de guerra”, diz Alfredo Maluf, psiquiatra no Hospital Albert Einstein. Transtornos de ajustamen- to, ansiedade, depressão e, nos qua- dros mais graves, até stress pós-trau- mático são alguns dos problemas que já despontam. Das indicações para encarar es- ses novos tempos, são as terapias o principal método para melhorar o grau de resiliência e reforçar o sis- tema de adaptação. No país, a tera- pia cognitivo-comportamental (mais breve e focada em um problema atual) é a mais usada e conhecida para esses casos. Porém, há um gru- po de psicólogos que tem levantado Terapia EMDR usa estímulos oculares e táteis para apagar memórias ruins e pode ser opção de tratamento de saúde mental Juliene Moretti a bandeira do Eye Movement De- sensitization and Reprocessing (EMDR), em português, dessensibi- lização e reprocessamento por mo- vimentos oculares, técnica aprovada pela Orga nização Mundial da Saúde. “É uma abordagem diferente e que tem tido bons resultados, mesmo que pouco conhecida”, diz a psicóloga Ana Lucia Castello, presidente da Associação Brasileira de EMDR. O procedimento, que tem oito fases, trabalha o reprocessamento da memória para que ela não cause mais sofrimento. São reforçadas as crenças positivas, e essas passam a ser um recurso para lidar com as situações dolorosas. “Nas primeiras etapas, o psicólogo analisa o histó- rico do paciente, seleciona a memó- ria (traumática), avalia o nível de resiliência e mostra recursos dispo- níveis para quando estiver em um momento tenso”, explica. Nas fases seguintes, são montadas a dessensi- bilização e o reprocessamento des- sas lembranças. É a parte física, quando são feitos estímulos no pa- ciente, que podem ser oculares, em que os olhos se movem de um lado para o outro, acompanhando um fei- xe de luz que passa por uma barra, ou tátil, em que sente esses estímu- los feitos pelo psicólogo com o to- que, ou mesmo com um aparelho que emite vibrações e que o cliente segura as pontas em cada mão. Enquanto sente as vibrações ou mexe os olhos, é orientado a pensar na imagem que causa dor. “Com o estímulo contínuo dos dois lados do corpo, ocorre a sincronização dos hemisférios do cérebro, o lógi- co e o emocional, e a pessoa acessa a memória e a processa até não ter mais incômodo”, explica a psicólo- Lembrança contra ansiedade VSP 34_35 - R (chec ok) - CTR.indd 34 7/1/20 4:26PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 35 ga Vanessa Gebrim, que trabalha com o método há doze anos. Quando a lembrança não causar mais efeito ruim, o indivíduo é guiado a reforçar pensamentos positivos sobre si mes- mo. “É como se a memória negativa estivesse deslocada e atrapalhando no cérebro e, na terapia, é processa- da e adaptada. No lugar, é inserida uma crença positiva, para ajudar quando se sentir em uma situação similar”, diz Ana Lucia. O médico residente Rafael Costa, 24, optou pela terapia quando se viu na linha de frente do atendimento dos pacientes de Covid-19 na área de oncologia do Hospital das Clíni- cas. “A gente fica muito impactado com a situação, e tudo o que é novo me deixa ansioso.” Ele já conhecia o método e faz consultas on-line para trabalhar a concentração. “Enxergo melhor a realidade e não deixo a emoção prejudicar o trabalho.” O nú- mero de encontros, que podem durar de uma hora a uma hora e meia, va- ria conforme o caso. A psicóloga Fabiana Brandão explica que outra queixa é a crença no futuro negati- vo e a falsa ideia de que vai falhar. “A pessoa nem sabe por que se sente assim, e a pandemia tem desenca- deado mais esses sentimentos.” Para a professora Gisele Inácio, 33, os hospitais causavam pânico. Em 2015, fez um transplante de medula óssea como tratamento da doença de Crohn. Além de três me- ses de isolamento no hospital, pre- cisou ficar mais um período reclusa em casa. “A doença voltou e meu mundo desabou. Procurei ajuda psi- cológica para enfrentar a depres- são.” A aversão aos centros médicos ficou mais intensa e os procedimen- tos viraram uma tortura. “Tenho de repetir os exames todo ano e era horrível para mim.” Com o tema trabalhado no EMDR, ela melho- rou. “Eu mesma preparo a solução que preciso ingerir antes dos proce- dimentos.” O isolamento atual che- gou a preocupar, mas logo foi pro- cessado e superado. Já para o consultor D.R.M., 37, uma turbulência vivida em uma via- gem há quase dez anos fez surgir o medo de voar. “Só de comprar as pas- sagens minha mão começava a suar e, quando viajava, precisava de um dia para descansar o corpo, de tão tenso que ficava.” Por quatro anos, para evitar o stress, inventava descul- pas para não viajar e isso começou a prejudicá-lo. “Estava cético com o método e só na terceira sessão come- cei a levar mais a sério, e deu certo.” Hoje, comemora as férias passadas em Pernambuco e no Canadá. ß S im o n e G o l o b /G e t t y i m a G e S VSP 34_35 - R (chec ok) - CTR.indd 35 7/1/20 4:26 PM A calça jeans e o sutiã nunca estiveram tão fora de mo- da. Na quarentena, tudo o que aperta e compromete o bem-estar deu lugar ao que é leve e confortável. Com os novos há- bitos, roupas para vestir em casa ou na rua se misturam e populari- zam itens como o moletom, até então relegado aos dias de des- canso. “A tendência de optar por usar tênis e outros calçados no lugar do salto alto, que já crescia há anos, agora deve se estabelecer ainda mais”, afirma Fernanda Leite, professora de moda do Centro Universitário Belas Artes. Essas escolhas feitas no período de isolamento devem ser reprodu- zidas nas roupas usadas após a pandemia. “Com o crescimento do home office, as pessoas apos- taram mais na compra de tops, camisas e camisetas, pois são os produtos que aparecem nas video- chamadas”, observa Fernanda. Tecidos com acabamento antiviral são outra novidade e ajudam a eli- minar o coronavírus após alguns minutos — marcas nacionais, co- mo a catarinense Dalila Têxtil, já investem na tecnologia protetora. “E o ‘faça você mesmo’ tem sido mais uma forma de revisitar o guarda-roupa”, acrescenta Ana Julia Büttner, professora de de- sign de moda da Universidade Anhembi Morumbi. “Talvez as pessoas passem a comprar itens que sejam diferentes, chamem a atenção e sejam personalizados.” A seguir, confira as apostas de tendências da moda para um mun- do pós-Covid-19. Do moletom às pantufas, como os hábitos durante o isolamento devem influenciar as tendências da moda após a pandemia Humberto Abdo conforto tá na moda Meio social Inspirada pelo home office, a Whatever Inc. desenvolveu um conjunto de pijamas que mistura moletom e camisa social — meio business, meio relaxado, na definição da própria empresa japonesa. O modelo representa uma possível tendência pós-pandemia entre trabalhadores remotos, que precisarão pensar no que vestir para aparecer nas videochamadas diárias sem abrir mão do conforto durante o expediente dentro de casa. Para dentro e fora de casa Peças com elastano e conjuntos apropriados para atividades físicas podem fazer parte de algumas das novas combinações. “Mesmo para momentos fora da academia”, enfatiza a professora Ana Júlia Buettner. A ideia é integrar tecidos leves e maleáveis, que não fiquem rentes ao corpo. Outra possível herança do período de isolamento será o loungewear, cujas peças feitas para ficar em casa devem ganhar mais texturas e estrutura sofisticada, combinadas com tecidos “respiráveis”. il u st rA çõ es A d ri A n A k o m u rA VSP 36_37 R (chec ok) CTR.indd 36 6/30/20 11:10 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 37 Rei da nova era Peça recorrente na pandemia, o moletom resume o look quarentener: prático e confortável. “Algumas marcas já apostam em roupas sofisticadas e bem construídas com moletom como matéria- prima”, ressalta Fernanda Leite. Entre modelagens ajustadas ao corpo e versões oversized, com dimensões volumosas, o material já é moda entre os famosos, como Jennifer Lopez. Nas combinações, vale apostar tanto no clássico cinza-claro como em versões coloridas. Sono arrumadinho Em todas as apostas fashion, as definições “roupas para sair” e “para ficar em casa” se misturam cada vez mais, até mesmo no caso das usadas para dormir, com os excêntricos pijamas da moda street style. Impossível dizer se os brasileiros sairão de casa vestindo pijamas modernos e estampados, mas versões mais elegantes, com botões e tecidos acetinados, prometem fazer parte do guarda- roupa — resquício do desejo de investir em boas noites de sono durante a quarentena. Cores e aconchego No lugar das lingeries fabricadas com tecidos sintéticos, as fibras naturais e os modelos sem costura passam a ser mais valorizados e preservam o lema “conforto e praticidade”. “A lingerie tem uma fabricação sem aros, bojos ou enchimentos”, traduz Fernanda. “E marcas que ‘abraçam’ diversos corpos.” As opções assumem cada vez mais tons alegres, de cores vivas a estampas com pequenos detalhes. Produção caseira A onda de atividades manuais durante o isolamento também deve influenciar como nos vestimos. Além de peças em tricô e crochê, a técnica tie dye ganhou espaço e rende resultados bem coloridos, em degradê. “É um método de tingimento milenar, muito usado no Oriente e popularizado pela cultura hippie”, explica Fernanda Leite. “Feito manualmente, mistura pigmentos e fica com aquele efeito ‘manchado’.” Nos últimos tempos, o estilo ficou ainda mais conhecido por alguns dos looks da cantora e atriz Manu Gavassi. ■ Não é bem pantufa Nos pés, as novidades também privilegiam o conforto. “Sapatos com pelinhos dentro, pares com cara ‘fashionista’ e materiais que fogem do couro”, exemplifica a professora Fernanda. Linhas de chinelo de veludo podem começar a surgir nas lojas. “Não são pantufas, e sim calçados que também servem para sair de casa, com matérias-primas leves, peças de veludo e malha.” VSP 36_37 R (chec ok) CTR.indd 37 6/30/20 11:10 PM 38 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 ARTIGO Arnaldo Lorençato Guloso assumido e autor do best-seller culi- nário do século XIX A Fisiologia do Gosto, o francês Brillat-Savarin enalteceu em seu livro o primeiro restaurateur de que se tem notí- cia. “Ele foi o criador dos restaurantes e es- tabeleceu uma profissãoque chama a fortu- na sempre que exercida com boa-fé, ordem e habilidade.” Esses predicados, válidos até hoje, não foram suficientes para salvar res- taurantes que caíram no gosto do paulista- no diante dos efeitos nefastos causados pela pandemia do novo coronavírus. Tam- bém não ajudaram a manter vivos bares, botequins, lanchonetes, cafés, docerias... Para uma parcela significativa de estabeleci- mentos, da qual uma amostra se encontra nesta e nas próximas páginas, não adianta- ram talento culinário, acolhimento, nem mesmo bons preços. Ao longo de mais de três meses, donos de casas espalhadas por toda a cidade viram seu projeto de vida de- finhar até morrer. Ainda não se tem o núme- ro preciso de quantos lugares encerraram em definitivo as atividades, estatística que tende a aumentar, levando com ela cardá- pios, receitas, empregos, sonhos... Entre perdas tão significativas, chama atenção o fim do Pettirosso Ristorante. A casa italiana, aberta em 2007 como Oste- ria del Pettirosso pelo casal Marco e Érika Renzetti, viveu altos e baixos ao longo de treze anos. A estabilidade chegou quando Marco, cozinheiro italiano intuitivo, teve o endereço familiar reconhecido por VEJA SÃO PAULO Comer & Beber três vezes co- mo a melhor trattoria da cidade entre 2013 e 2015. Mais recentemente, o chef deu uma guinada no estilo do cardápio, pas- sou a oferecer pratos autorais e adotou o novo nome. Com quatro das cinco estrelas máximas do guia anual, era o segundo me- lhor restaurante italiano da cidade, depois Sem volta: o desaparecimento de restaurantes que fizeram história na gastronomia paulistana TADEU BRUNELLI ROMERO CRUZ Também deixarão saudades para os clientes fiéis bares, lanchonetes e outros estabelecimentos fechados precocemente Salão do Pettirosso, onde reinava o cacio e pepe (à dir.): o chef Marco Renzetti pretende voltar em março de 2021 com uma nova marca, também nos Jardins VSP 38_41-v1.indd 38 7/1/20 8:56 PM Clayton vieira do Fasano. Marco me confidenciou que ainda está tentando digerir a decisão de encerrar e prosse- gue a partir de agora com a nova marca para en- tregas e retiradas, Petti per te, na Rua Oscar Freire, 216, onde terá um menu que vai mudar toda se- mana. Também projeta voltar a atender nesse endereço, provavelmente em março de 2021, mas adaptado às atuais condições de mercado. Além do ambiente acolhedor, ficarão na memória íco- nes da gastronomia de Roma, como o espaguete à carbonara e o tonarelli cacio e pepe, típico mo- lho de pimenta e queijo pecorino que Renzetti ajudou a popularizar na capital. Esses clássicos devem estar no menu do novo negócio. O primeiro dos restaurantes de alta qualidade a dar baixa durante a pandemia foi o La Frontera, na Consolação, ainda em março. Na época, a restaura- trice Ana Maria Massochi, que, felizmente segue no ramo servindo carnes de excelência no Martín Fier- ro, na Vila Madalena, optou por fechar. Do contrário, as finanças do restaurante, que vinham numa espi- ral de problemas, entrariam num looping de prejuí- zos que poria fim também à churrascaria. Quando encerrou definitivamente com quase catorze anos de história, o quatro-estrelas levava com ele receitas inesquecíveis como o nhoque de batata assada e a milanesa assada de bife de chorizo. Mas deixa como herança ter revelado o talento do chef Filipe Leite, que segue com Ana no delivery do Martín Fierro. roMero CrUZ ri Ca rd o d `a ng el o “ Os donos de casas espalhadas por toda a cidade viram seu projeto de vida definhar até morrer” O La Frontera quando ainda operava e varanda do Galeto’s (abaixo, à dir.): marcas consagradas que vão desaparecendo VSP 38_41-v1.indd 39 7/1/20 8:56 PM 40 Veja São Paulo 8 de julho, 2020 “ É torcer para que até aqui a aritmética de perdas não vire progressão geométrica entre os estabelecimentos devotados à gastronomia” Bend Café Jardins (acima), onde podiam ser comprados brigadeiros com ganache, e o bar Buraco, no centro: encerrados durante a quarentena ARTIGO A crise pôs um ponto-final na rede Galeto’s, aquela do franguinho assado, iniciada em 1971, pelo português Adelino Gala, e que chegou a ter doze endereços. Hoje, concentra-se em um único ponto nos Jardins, ainda não reaberto, e duas unidades de delivery. Desapareceram também a casa especializada em bons pratos de camarão, o Tomates & Bananas, nascida em 2006, o alemão Konstanz, de 1981, atualmente só com entregas, o italiano Giardino, com 25 anos de história, e a franquia americana Tony Roma’s, trazida ao país em 2014. Em comum, todos esses lugares ficavam em Moema. Ende- reço argentino com estilo de bar, o Malba Cocina y Bar, no Campo Belo, de 2016, veio ampliar o número de locais extintos. Tam- bém findaram-se restaurantes mais recentes, como o Satú, em Pinheiros, e o Miu e o Côl, no Itaim Bibi. Até o hipster Capivara, ponto especializado em ótimos pescados na Barra Funda, não existe mais. Por causa do isola- mento social, não teve tempo de se despedir, já que o fechamento estava previsto. No segmento de bares, o tsunami não foi menor. Uma atração para quem não dispen- sa uma boa taça, os wine bars não costumam ter vida longa. Mas a do Ovo e Uva , na Vila Madalena, foi abreviada pelo isolamento so- cial. Até que o proprietário tentou resistir e a decisão do final foi tomada em 14 de junho, já que não conseguiu negociar com o pro- prietário do imóvel um ajuste no valor do aluguel. Para piorar, a pandemia foi decreta- da depois de janeiro e fevereiro, que costu- mam ser os piores meses do ano em fatura- mento para quem trabalha no segmento. Acabou assim a chance de parar naquele lu- gar charmoso e pedir um tinto chileno com uma porção de bolovinho de codorna, ou um branco nacional para harmonizar com uma porção de mexilhões à provençal. Mas o Ovo e Uva não desaparece por completo. Se os planos dos donos vingarem, prossegue como um e-commerce e com as confrarias e cur- sos, anteriores à abertura do bar, em 2014. Um dos primeiros points a fazer sucesso na região conhecida como Baixo Augusta, o Exquisito! também deu seu último suspiro em março. A proposta inicial para o bar de pegada latina era manter-se na ativa até de- gladstone campos thiago travesso claYton vieira VSP 38_41-v1.indd 40 7/1/20 8:56 PM Veja São Paulo 8 de julho, 2020 41 “ A pandemia foi decretada depois de janeiro e fevereiro, os piores meses do ano em faturamento para quem trabalha no segmento” Fachada do wine bar Ovo e Uva: degustações sem espaço físico zembro, o que vai ser difícil — o imóvel que a casa ocupava deverá ser entregue a uma incorporadora. Endereço que foi moda na época em que abriu, em 2014, instalado na Galeria Metrópole, o Mandíbula interrom- peu as atividades no início do distanciamen- to social. Os sócios, porém, não se deram por vencidos. Planejam voltar com os gins- tônicas ao som de rock executado por um DJ em outro ponto. Também não resistiram à quarentena o Cateto, em Pinheiros, cele- brizado pela cervejas artesanais, e o Bura- co, um bar quase escondido no centro, que virou Buco e faz delivery de pizzas e também de drinques prontos. O obituário dos endereços de comidi- nhas não é menos triste. Premiada pelo Co- mer & Beber em 2011, a hamburgueria But- cher’s Market, no Itaim Bibi, que ajudou a consolidar o conceito dos bifes de carne moída altos, anunciou o fechamento em 10 de junho. Para evitar maiores prejuízos, o dono Ryan Kim ficará só com o bar Noname, em Pinheiros. Até o gigante Cia Tradicional de Comércio sentiu os efeitos deletérios e desistiu da unidade da Bráz Elettrica no Shop ping Higienópolis. Embora as unidades da Pompeia, da Santa Cecília e de Moema continuem firmes e fortes, outra pizzaria ba- queada foi a Divina Increnca, que encerrou a filial de Perdizes em abril. Uma pena, já que era um bom lugar para comer pizza com as mãos, tomar vinho barato e passar horas
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