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CIÊNCIAS SOCIAIS HISTÓRIA DO BRASIL - 01 CIÊNCIAS SOCIAIS HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS PARTE 02 PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 2 O inteiro teor desta apostila está sujeito à proteção de direitos autorais. Copyright © 2018 Loja do Concurseiro. Todos os direitos reservados. O conteúdo desta apostila não pode ser copiado de forma diferente da referência individual comercial com todos os direitos autorais ou outras notas de propriedade retidas, e depois, não pode ser reproduzido ou de outra forma distribuído. Exceto quando expressamente autorizado, você não deve de outra forma copiar, mostrar, baixar, distribuir, modificar, reproduzir, republicar ou retransmitir qualquer informação, texto e/ou documentos contidos nesta apostila ou qualquer parte desta em qualquer meio eletrônico ou em disco rígido, ou criar qualquer trabalho derivado com base nessas imagens, texto ou documentos, sem o consentimento expresso por escrito da Loja do Concurseiro. Nenhum conteúdo aqui mencionado deve ser interpretado como a concessão de licença ou direito de qualquer patente, direito autoral ou marca comercial da Loja do Concurseiro. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 3 PROGRAMA: I. HISTORIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS: 4 Brasil 500 anos. 4.1 Estrutura econômica, política, social e cultural. 4.2 Sociedade colonial. 4.3 Família real no Brasil e os períodos regenciais. 4.4 Período republicano. 4.5 Tenentismo. 4.6 Crise de 1929. 4.7 Era Vargas. 4.8 A nova republica e a globalização mundial 4.9 Aspectos históricos do Estado de Alagoas: colonização, povoamento, sociedade e indústrias. CAPÍTUL0 1 A sociedade colonial: economia, cultura, trabalho escravo, os bandeirantes e os jesuítas. Há cinco séculos, no início de março de 1500, partiu de Lisboa, a principal cidade do Reino português, uma expedição de treze navios. Ia em direção a Calicute, nas Índias. Era a maior e mais poderosa esquadra que saía de Portugal. Dela faziam parte mil e duzentos homens: famosos e experientes navegadores e marinheiros desconhecidos. Eram nobres e plebeus, mercadores e religiosos, degredados e grumetes. Parecia que todos os portugueses estavam nas embarcações que enfrentariam, mais uma vez, o Mar Tenebroso, como era conhecido o Oceano Atlântico. A expedição dava prosseguimento às navegações portuguesas. Uma aventura que, no século XV, distinguira Portugal, por mobilizar muitos homens, exigir inúmeros conhecimentos técnicos e requerer infindáveis recursos financeiros. Homens, técnicas e capitais em tão grande quantidade que somente a Coroa, isto é, o governo do Reino português, possuía condições de reunir ou conseguir. Uma aventura que abria a possibilidade de obter riquezas: marfim, terras, cereais, produtos tintoriais, tecidos de luxo, especiarias e escravos. Uma aventura que também permitia a propagação da fé cristã, convertendo pagãos e combatendo infiéis. Uma aventura marítima que atraía e, ao mesmo tempo, enchia de medo, tanto os que seguiam nos navios, quanto os que permaneciam em terra. O rei Dom Manuel I, que a seu nome acrescentara o título de "O Venturoso", confiou o comando da esquadra a Pedro Álvares Cabral, Alcaide - Mor de Azurara e Senhor de Belmonte. Dom Manuel esperava concluir tratados comerciais com o governante de Calicute, Samorim, para ter, com exclusividade, acesso aos produtos orientais. Sua intenção era, também, que fossem criadas condições favoráveis à pregação da religião cristã, por missionários franciscanos. A missão da frota de Cabral reafirmava, assim, os dois sentidos orientadores da aventura das navegações portuguesas: o mercantil e o religioso. E, ao que parece, Dom Manuel esperava ainda, com essa expedição, consolidar o monopólio do Reino sobre a Rota do Cabo, o caminho inteiramente marítimo até as Índias, aberto por Vasco da Gama, em 1498. Era preciso garantir a posse daquelas terras do litoral atlântico da América do Sul. Terras que, de direito, pertenciam a Portugal, desde a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494. Quarenta e cinco dias após a partida, na tarde de 22 de abril de 1500, um grande monte "mui alto e redondo" foi avistado e, logo em seguida, "terra chã com grandes arvoredos", chamada de Ilha de Vera Cruz pelo Capitão, conforme o relato do escrivão Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. Em Vera Cruz os portugueses permaneceram alguns dias, entrando em contato com seus habitantes. Em 26 de abril, frei Henrique de Coimbra, o chefe dos franciscanos, celebrou uma missa observada, à distância, por homens "pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos, andam nus, sem nenhuma cobertura, nem HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 4 estimam nenhuma coisa cobrir, nem mostrar suas vergonhas, e estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto", na descrição de Caminha. Os portugueses não puderam com eles conversar, porque nem mesmo o judeu Gaspar - o intérprete da frota - conhecia a língua que falavam. Neste momento de encontro, conhecido pelo nome de Descobrimento, a comunicação entre as culturas europeia e ameríndia tornou-se possível, somente, por meio de gestos. Duas culturas apenas se tocavam, abrindo margem às interpretações que ressaltavam as diferenças entre elas. Assim, quando um dos nativos "fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção a terra, e depois para o colar", Caminha concluiu que era "como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra". 1.1-VISÕES DOS CONQUISTADORES A ação missionária tornava claro o choque cultural entre os brancos e os negros da terra. Os costumes destes últimos chocaram os europeus aqui estabelecidos a partir de Colombo e Cabral. Dependendo do grau de inquietação, os elementos culturais indígenas eram definidos como bárbaros, inocentes ou diabólicos. Na América espanhola, as populações indígenas, que inicialmente encantaram os europeus, os viram endurecer em suas atitudes. Começaram a ser vistos com um misto de desprezo e curiosidade divertida, e imaginados como um povo que cultuava objetos estranhos, polígamos insaciáveis e de alimentação exótica (farinha de mandioca, batata-doce e milho). Um povo desprovido de bom senso e sem noção do valor das coisas. A nudez, as práticas sexuais, a organização comunitária e os costumes dos indígenas eram “enquadrados” e catalogados sob-rótulos já conhecidos pelos conquistadores. Enquanto o Novo Mundo, por sua natureza abundante, parecia o Paraíso, sua população era considerada bárbara, sujeita a todo tipo de pecado, vício e tentação. Mesmo assim, os indígenas dividiram as opiniões dos conquistadores, e sua inocência foi diretamente associada à inocência paradisíaca. Como se o olhar dos europeus fosse intermediado por óculos ainda muito carregados de imagens medievais e procurasse confirmar aquilo que eles já sabiam. A disposição era reconhecê-los, e não para conhecê-los. 1.2 O batismo da América A cada passo da aproximação e da conquista das novas terras, os portugueses repetiam as atitudes de Adão ao tomar conhecimento dos animais: conferiam nomes aos lugares.Primeiro,monte Pascoal, ao avistarem terras à época da Páscoa. Terra de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz para definir a vinculação das possessões à cristandade. Baía de Todos os Santos, São Vicente, São Sebastião do rio de Janeiro, São Paulo. O batismo da nova terra antecedeu o batismo dos nativos. Como na Bíblia, nomear era uma forma de exercer o domínio e o controle simbólicos daquilo que se nomeia.Desde o primeiro relato produzido após a chegada de Cabral – a conhecida carta de Pero Vaz de Caminha , a postura dos portugueses era bastante clara. Chocava-se com a nudez daqueles que “não cobrem suas vergonhas” e mostravam-se surpresos com a “preguiça”: “não lavram, nem criam. Não há boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha”, nem outro animal de criação para a alimentação dos homens. As terras, apesar de não se saber da existência de metais e pedras preciosas, possuíam “bons ares”, “águas infindas” e solos férteis, onde tudo poderia ser plantado. Apesar disso, Caminha chegou a insinuar a semelhança com o Paraíso Terrestre: “a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria menor”. Mas, ainda segundo o escrivão de Cabral, “o melhor fruto, que dela se podem tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”. A conquista do Novo Mundo foi interpretada como o acontecimento mais importante desde a encarnação de Cristo. Para muitos, a história estava chegando ao seu fim. A descoberta de milhões de homens que habitavam a América e o estabelecimento de contatos frequentes com a África e a Ásia eram vistos como a possibilidade de incorporar todos os povos pagãos ao corpo da cristandade. Assim, vivia-se uma época de preparação para o Juízo Final, de anúncio da palavra de Deus. A justificativa para a expansão marítima, de alargamento das fronteiras da verdadeira fé e de catequese universal, ficava portanto confirmada. Muitos navegadores, a começar por Colombo, imaginavam-se como auxiliares de Deus na obra da Redenção. A conversão de todos os povos, que haveria de antecipar o Fim dos Tempos, segundo os livros bíblicos, foi levada adiante pela cruz e pela espada. Aos ingênuos, àqueles considerados apenas ignorantes da verdade cristã, foram apresentados os símbolos e os dogmas da religião dos europeus. Aos pagãos, a todos os que cultuavam outros deuses e recusavam-se a abandonar suas crenças, ficou reservado o combate pelas armas. Uma nova cruzada estava em curso, PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 5 dirigida principalmente pelos ibéricos, e tinha como metas combater os infiéis (muçulmanos e judeus), converter os indígenas e purificar os pecadores (negros africanos.) Diante da responsabilidade e da urgência da missão evangélica, os padres e monges mostravam-se impacientes. No México, alguns religiosos chegaram a batizar milhares de índios num só dia. De tanto erguer a vasilha de onde derramavam água sobre as cabeças dos nativos, os religiosos mal conseguiam erguer seus braços ao final do dia, tamanha era a dor que sentiam. Batizados à força e sem prévia catequese, os índios não se comportaram como era esperado pelos seus conversores. Resultado: muitos foram espancados para abandonar seus costumes contrários à religião cristã. 1.3-Os conflitos com os nativos e a escravidão portaldoprofessor.mec.gov.br 1 À medida que os europeus se apropriavam das terras do continente, intensificavam-se os conflitos com os ameríndios. Para os conquistadores, o trabalho manual devia ser realizado pelos nativos. Nas terras hoje pertencentes ao Brasil, os portugueses trocavam roupas, chapéus, ferramentas e outros objetos pela realização de determinadas tarefas, numa relação denominada escambo. Através deste os portugueses carrearam toneladas de pau-brasil, árvore da qual se extraía um pó avermelhado utilizado em tintura. Tal situação era precária e dependia da disposição do indígena de se submeter ao trabalho. Nem todas as tribos recebiam os lusitanos de forma pacífica. Muitas promoveram sucessivos ataques aos núcleos portugueses ou fugiram do litoral para o interior do continente, de forma a escapar dos conquistadores. Estudos indicam que, em 1539, cerca de 12 mil tupis deixaram a região litorânea em direção ao Peru, em busca da Terra sem Mal. Após a travessia do interior da América, vitimados por enfermidades e fome, sobreviveram apenas trezentos. Para os lusitanos, a guerra tornou-se uma excelente alternativa para o problema da mão de obra: os prisioneiros indígenas eram transformados em escravos. A chamada guerra justa legitimava a escravidão de todos os que se mantivessem hostis aos portugueses ou impedissem a propagação da doutrina cristã. 1.4-Em nome da fé, do rei e da lei Com o início da crise do comércio com o Oriente, o tratamento dispensado às terras americanas passou a ser outro. Para garantir a defesa do território, dar sustentação ao escambo do pau-brasil e empreender a descoberta de metais e pedras preciosas, o governo português iniciou sua política de povoamento. Era necessário tornar mais lucrativos os domínios Atlânticos. Em 1532, Martim Afonso de Sousa fundou a vila de São Vicente, a primeira na América portuguesa, numa região próxima aos domínios castelhanos do sul do continente, procurando inibir suas incursões nos territórios lusos e, ao mesmo tempo, ameaçar o controle espanhol sobre a região do Prata. Mudas de cana-de-açúcar e colonos com experiência no seu cultivo e na produção do açúcar foram trazidos para a América pelo capitão-mor. Em 1534, a Coroa portuguesa resolveu lançar mão de um sistema denominado capitanias hereditárias, visando atrair investimentos privados. Nesse sistema, particulares recebiam grandes extensões de terras, sendo encarregados de promover o povoamento, realizar a exploração econômica e exercer o governo, o comando militar e os poderes de justiça. O sistema de capitanias não garantiu aos portugueses o domínio das novas terras. Conflitos com tribos indígenas e certo desinteresse demonstrado por alguns donatários, que sequer vieram conhecer suas capitanias, provocaram o fracasso da experiência colonizadora. Mas a principal dificuldade estava em estabelecer uma atividade economia estável que sustentasse a ocupação e o povoamento. Por mais que o trabalho eventual de derrubada das árvores de pau- brasil estivesse integrado à vida dos nativos, em pouco tempo o recebimento de bugigangas europeias deixou de despertar seu interesse. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 6 Apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente tiveram desempenho satisfatório, devido à implementação mais sistemática do cultivo da cana-de- açúcar, o que já apontava a solução para o controle efetivo das novas possessões. Em razão dos insucessos do sistema de exploração adotado e por considerar excessivo o poder dos donatários, a Coroa decidiu criar, em 1548, o governo- geral, numa tentativa de centralizar a política de exploração dos domínios americanos. O governador- geral, escolhido e nomeado diretamente pelo rei, era incumbido da defesa militar interna e externa, da Justiça, da arrecadação dos tributos devidos à Coroa, do estímulo às atividades econômicas e à fundação de vilas e povoações. Os governadores-gerais tiveram dificuldades para impor sua autoridade, devido às resistências dos capitães donatários e dos fazendeiros e à extensão do território a ser administrado. Nas vilas e cidades coloniais foram criadas as câmaras municipais, encarregadas das funções administrativas, judiciais, policiais e financeiras locais. Nas eleições de seus ocupantes só podiam participar os chamados “homens bons”, ou seja, homens de posses, fazendeiros, clérigos, funcionários do Império e nobres. Excluíam-se, portanto, mulheres, escravos, pobres, judeus, estrangeiros e pessoas que desenvolvessem trabalhos manuais. Com elevado grau de autonomia, as câmaras eram o principal espaço de expressão dos interesses dos poderosos dos municípios. À medida que se ampliavam os negócios na América, devido ao desenvolvimento da lavoura açucareira, a ocupação lusitana progredia. A produção de açúcar atraiu portugueses que vieram formar os primeiros núcleos populacionais com a fundação de vilas e da cidade de Salvador, primeira capital e sededo governo até 1763. A civilização do açúcar Povoar era fundamental para Portugal manter seus domínios americanos e resistir às incursões estrangeiras. Mas para povoar era necessário apresentar uma alternativa de enriquecimento e de poder que não fosse possível na Metrópole. O povoamento português só deslanchou com a vinculação das novas terras aos circuitos do comércio mundial. Para tanto, não bastava à extração do pau- brasil. Era necessário encontrar pelo menos mais um produto desejado pelos europeus e que pudesse ser extraído ou cultivado na província americana. O açúcar foi a solução e tornou-se o principal meio de viabilização econômica da Colônia, gerando altíssimos lucros para a Metrópole portuguesa ao longo de toda a colonização. Já implementada pelos lusitanos nos arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde e na Ilha da Madeira, a lavoura canavieira em larga escala foi desenvolvida em latifúndios (grandes propriedades) com a utilização de mão-de-obra escrava. A tendência dessas unidades produtivas era a monocultura de exportação, ou seja, a produção de um único gênero, no caso o açúcar, voltada para a venda no mercado mundial. Produção em larga escala, latifúndio, trabalho escravo e monocultura formaram os quatro elementos básicos de uma estrutura econômica dominante nas Américas durante o período colonial: a plantation. 1.5-ESCRAVIDÃO E ALIANÇA Os indígenas fascinaram os portugueses desde que Caminha descreveu as “vergonhas tão altas e tão cerradinhas" das índias, excitando-os a dar "aos selvagens grandes somas de prazer de que eles nunca tinham tido sequer notícias'”. Mas logo as relações entre colonizados e colonizadores tomaram outro rumo. O índio era o escravo à mão. Bastava captura-lo. E, para os portugueses, o trabalho escravo foi fundamental: o Regimento dado ao primeiro governador-geral do Brasil obrigava-o a "reduzir o gentio à fé católica". Na prática, isso significava conquistar o índio - se necessário escravizando-o - para explorar a colônia. Enquanto não se organizou a escravidão negra, o índio foi importante como aliado ou escravo. Quando uma coisa entrava em choque com outra, e os colonizadores mais ambiciosos ultrapassavam os limites aceitos pela Coroa, as punições podiam ser rigorosas. Bartolomeu Barreiros de Athayde, enviado pelo governador do Pará ao Rio Amazonas com o propósito de descobrir minas, voltou trazendo 300 índios escravos. Foi condenado porque "tinha tão indignamente violado as leis atacando sem a menor provocação os índios para escravizá-los, que acarretou sobre si um processo criminal, cujas consequências o levaram à sepultura; implicado no crime também o governador, teve o seu quinhão de desgraça", informa Robert Southey, em sua História do Brasil. Registros desse tipo induziram alguns historiadores a entender que a Coroa zelava pelos índios. Mas, nos primeiros trinta anos, o Brasil recebeu pouca atenção. O processo de colonização começou pela ocupação da terra e escravização dos índios. Pera Vaz de Gandavo, PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 7 no Tratado da terra do Brasil, diz sobre os colonos portugueses: "a primeira coisa que pretendem alcançar são escravos para lhes fazerem e granjearem suas roças e fazendas, porque sem eles não se podem sustentar a terra; e uma das coisas porque o Brasil não floresce muito mais é pelos escravos que se levantaram e fugiram para suas terras e fogem cada dia: e se estes índios não fossem tão fugitivos e mutáveis, não tivera comparação a riqueza do Brasil". O aprisionamento e a fuga de índios – enfim, a escravização – levaram à destribalização e à ruptura de seus costumes, condenando várias nações indígenas a um processo degenerativo que acabou por liquidá-las. Os índios não praticavam a escravidão: eles assimilavam à comunidade os prisioneiros que não eram executados. Com a escravidão, os portugueses introduziram entre os índios o hábito de trocar os prisioneiros de guerra por mercadorias, transformando algumas tribos em bandos militares que passaram a viver da caça aos inimigos. A escravidão indígena, no entanto, só interessava aos primeiros colonos. Contra ela ficaram os jesuítas e, a Coroa, direta ou indiretamente envolvidos no tráfico negreiro, e os próprios traficantes, que não queriam concorrência. Dessa oposição nasceram as falsas explicações sobre a índole dos índios, usadas como argumento contra a sua escravização. Os jesuítas diziam que eles eram indolentes, não resistiam às doenças e sentiam saudades da selva, quando, na verdade, morriam em consequência dos maus-tratos. Essas falsidades alimentaram o preconceito contra o caráter dos índios e serviram de justificativa para a importação de negros, lucrativa para a Coroa, para a Igreja e para os traficantes. Assim, o preconceito inicial contra a capacidade de trabalho indígena transferiu-se para o próprio índio, entendido como um "ser inferior. Para “protegê-los”, os jesuítas confinaram os seus índios em “reduções”, submetendo-os a um processo de desaculturação, impondo-lhes uma religião e punindo- os com castigos corporais sempre que resistiam. 1.6-O engenho de açúcar O engenho era verdadeiramente uma “máquina e fábrica incrível”, como observou o padre Fernão Cardim ao final do século XVI, combinando atividades agrícolas e manufatureiras. Nessa agroindústria desenvolvia-se todo o processo de produção do açúcar, do plantio da cana à embalagem do produto final. A partir de 1530 a produção açucareira espalhou-se por todo o litoral da América portuguesa, principalmente nas capitanias de Pernambuco e Bahia. O Nordeste brasileiro oferecia um conjunto de condições favoráveis para o desenvolvimento dessa lavoura: clima quente, solo de massapê e maior proximidade do continente europeu em relação às demais capitanias do Sul. Segundo o cronista Pero de Magalhães Gandavo, em 1570 havia cerca de 60 engenhos na América portuguesa, 55 deles em capitanias do Nordeste. Nos relatos de Fernão Cardim, em 1583, o número subia para 115, dos quais 106 estavam distribuídos pelas capitanias de Pernambuco, Bahia, Ilhéus e Porto Seguro. Os lucros fabulosos e as facilidades encontradas permitiram ao açúcar brasileiro dominar o mercado mundial, ao menos até as primeiras décadas do século XVII. No entanto, grande parte das lucrativas atividades açucareiras não estiveram restritas às mãos dos portugueses. O refinamento do produto, sua distribuição e até mesmo o financiamento de engenhos foram realizados por holandeses. A produção açucareira foi implantada na América em associação direta com o trabalho escravo. A produção em larga escala e o “serviço insofrível”, como qualificou Fernão Cardim, exigia um número imenso de trabalhadores submetidos a uma situação de exploração quase ilimitada. Como já foi mencionado, a maioria dos colonos portugueses que vinha ao Novo Mundo não se dispunha às desonrosas atividades manuais e desejavam, de imediato, obter terras e escravos para seu sustento. Mesmo assim, nos trabalhos mais especializados, que requeriam técnicas apuradas, utilizavam-se trabalhadores livres e artesãos. As tarefas mais rudes e árduas foram, desde o início, destinadas aos escravos. Até o final do século XVI, a escravidão indígena foi amplamente empregada nos engenhos de açúcar. Nos séculos seguintes, ela continuou sendo utilizada nas capitanias do Sul e nas regiões do Grão-Pará e Maranhão, como solução para a necessidade de braços nas lavouras. Gradativamente, os engenhos foram introduzindo negros africanos escravizados, que acabaram por se tornar a mão-de-obra característica da produção açucareira. Além da resistência dos indígenas, que se deslocavam com suas tribos para o sertão, fugiam das fazendas ou promoviam ataques aos portugueses, destaca-se o motivo fundamental dessa mudança: a lucratividade do tráfico negreiro. Transportados e comercializados pelos portugueses, osescravos PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 8 africanos geravam altíssimos lucros para a Metrópole, o que o cativeiro indígena estava longe de oferecer. Os negócios do açúcar, intimamente associados à escravidão africana, eram as “minas de ouro” da colonização portuguesa. Articulavam-se, assim, num mesmo sistema produtivo, as possessões portuguesas dos dois lados do Atlântico. Como afirma o historiador Fernando Novais: “Paradoxalmente, é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a escravidão africana colonial, e não o contrário”. O trabalho nos engenhos colocava lado a lado escravos africanos, escravos indígenas e trabalhadores livres. Os mestres e outros artesãos coordenavam as principais etapas do processo de fabricação do açúcar. A qualidade do produto dependia da perícia desses profissionais. No entanto, com o passar do tempo, algumas funções especializadas começaram a ser também realizadas por escravos. Difundindo a escravidão para essas tarefas, os senhores deixavam de arcar com os salários dos artesãos ao mesmo tempo em que controlavam mais diretamente a produção do açúcar, uma vez que detinham sobre os escravos muito mais poder de mando. Contudo, tal substituição acarretou uma diminuição da qualidade do produto, atestada por cronistas do período colonial. A lógica do escravismo impunha o domínio do senhor de engenho sobre todo o processo produtivo. Dentro dessa lógica, a perda da qualidade era preferível à perda da autoridade. Outras atividades econômicas Apesar da tendência à monocultura de exportação, no interior das propriedades canavieiras desenvolveu-se a agricultura de subsistência e a fabricação de utensílios e instrumentos de trabalho, como canoas, carroças, selas, arreios e roupas rústicas. Outras atividades complementares à produção açucareira, como a pecuária e as lavouras de fumo e algodão, também foram desenvolvidas nessas unidades. A economia colonial no século XVI assentava-se nas capitanias do Nordeste. No Sul, o transporte para a Europa encarecia o açúcar, cuja produção mesmo assim desenvolveu-se nas capitanias do Espírito Santo, de São Vicente e de Santo Amaro, destinando-se mais ao contrabando que se realizava com a América espanhola através da região do Prata. A aguardente produzida nos engenhos do Nordeste servia para o comércio de escravos africanos que se intensificava ao final desse século. EXPLORAR, CASTIGAR, MATAR. Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo há seu tempo e com regra e moderação devida; e vereis como em breve tempo Fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões e açoites, mais que qualquer outro gênero de Castigos lhes abatem o orgulho e quebram os brios.(Padre Jorge Benci, A economia cristã dos senhores no governo dos escravos, 1700.). 1.7-PESOS & MEDIDAS Os negros eram pesados e medidos. Eram "peças da África", chamados de “sopros de vida" e "fôlegos vivos". A forma de comercializá-los denuncia o processo desumanizador: não se vendia um, dois, cinquenta negros – vendiam-se “peças”. Uma peça não significava um escravo como uma tonelada não representava mil quilos de negros. A partir de 1660, uma “peça significava 1,75 metro de negro no padrão de medidas atual. Assim, cinco negros entre 30 e 35 anos, somando 8,34 metros, representavam não cinco escravos, mas 4,76 peças. Dois negros de 1,60 metro eram apenas 1,8 peça. O valor do negro media-se pelos músculos, pela idade, pelos dentes, pelo sexo, pela saúde, pelo aspecto geral. Por isso, o padrão de “peça” podia variar de 1,85 a 1,60 metro, dependendo do estado do lote. Na prática, as coisas tornavam-se mais simples. Era comum dois negros mais idosos ou duas crianças de 4 a 8 anos valerem uma peça. Três negros de 9 a 18 anos (os “molecões) valiam duas peças. Até 1718, a Coroa deteve o monopólio do comercio negreiro no Brasil. Depois, quando concedia licença a terceiros, tabelava o preço das peças, lucrando até duas vezes sobre o custo. A procura crescente de escravos criou a concorrência: holandeses, franceses, ingleses e PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 9 espanhóis entraram no mercado brasileiro. Os comboieiros - comerciantes que levavam os escravos para o interior, vendendo-os ou entregando-os aos fazendeiros – aumentavam mais o preço. Os altos juros nas transações a prazo endividavam cronicamente os compradores. Esses dados foram importantes, a partir dos estudos de Lúcio Azevedo (1855-1933), em Portugal, e de Pandiá Calógeras (1870-1934), no Brasil, para investigar quantos negros entraram no país (o pouco rigor dos primeiros historiadores exagerou o seu número). Mas também registram a transformação ideológica do negro em mercadoria, reduzido à condição de objeto de lucro, desumanizado e manipulado desde o começo do tráfico. 1.8-CONDIÇÕES DE TRANSPORTE A crônica da época é rica sobre o transporte negreiro. No começo do tráfico, predominavam navios pequenos e mal construídos, com a pior marujada portuguesa. Viajando em condições precária de higiene e alimentação, os africanos contraíam moléstias que logo se transformavam em epidemias. Autores da época contam que os negros, amontoados nos porões infectos – onde não entrava luz -, tinham de defecar no lugar em que estivessem: no geral, era impossível mover-se. Viajavam durante os 120 dias das primeiras travessias e os 20 ou 30 das últimas (século XVI ao XIX), sentados ou deitados em cima de fezes, urina e vômitos. A falta de comida fresca trazia o escorbuto – chamado mal-de-Luanda -, que atingia também os marinheiros. Muitos africanos ficavam tuberculosos, especialmente as crianças de 6 a 16 anos. Os doentes eram jogados no mar, ainda vivos, para não contaminarem o resto da “carga. Compensava-se a perda com a superlotação dos navios – os sobreviventes possibilitavam lucros que superavam os prejuízos. Os abusos foram tantos que a Coroa interveio em março de 1684, determinou normas de transporte para evitar a excessiva lotação nos tumbeiros. Com o tempo, o tráfico se tornou mais organizado e os navios melhoraram. Concluiu-se que, em vez de perder metade dos negros com a superlotação, era mais racional transportar menos africanos e perder em tomo de 20% da carga. Mesmo assim, as melhorias das condições de transporte não significaram alívio para os cativos. Eles tiveram apenas um pouco mais de espaço. Já não havia, como nos primeiros tempos, até duas camadas de negros superpondo-se nos porões abafados. Mas as doenças continuaram, e os moribundos ainda eram jogados no mar. Alguns capitães dos tumbeiros, mais cuidadosos, obrigavam de vez em quando os negros a subir ao convés para se exercitarem ao sol. Famintos e sem energia, eles se deitavam sugando o ar puro, mas sem condições de praticar nenhum exercício. Então os marinheiros os chicoteavam, obrigando-os a uma "dança" que os ajudava a desentorpecer. Depois voltavam ao porão abafado, onde continuavam a morrer. Nos navios, o espaço era "economizado" para os africanos. Também se reduzia o "supérfluo": geralmente, o alimento que os negros consumiriam na travessia da costa africana à costa brasileira. A ração de água era de um copo a cada três dias, quantidade que os capitães dos tumbeiros comprovaram ser suficiente para o escravo não morrer de sede. Para os 120 dias de travessia dos primeiros tempos de tráfico, cada negro recebia quarenta copos de água. Todas essas restrições visavam ganhar espaço eliminando-se tonéis de água. Muitos negros não suportavam o regime: era os 20% (ou 50%, em algumas ocasiões) despejados nos mares – mas os restantes compensavam. A relação entre o espaço ganho com a redução dos tonéis de água e os negros que morriam de sede favorecia os comerciantes. A maioria dos negros era capturada nas guerras tribais. Os traficantes aproveitaram até conflitos religiosos, como as guerras santas – as jihads contra os negros não muçulmanos.Os africanos capturados eram vendidos aos portugueses, holandeses, espanhóis, ingleses e franceses. Essa mercadoria custava pouco na fonte e tinha um alto preço no Brasil. Daí a possibilidade de um trato rudimentar no seu transporte. Mas, com a vigorosa repressão ao tráfico que os ingleses começaram a praticar no século XIX, era necessário perder cada vez menos negros, para compensar os confiscos de carga e muitas vezes até dos navios. 1.9 O TRABALHO NAS MINAS A partir do começo do século Xvlll, de cada 20 escravos empregados na mineração, apenas três sobreviviam. Nesse período, de cada 20 africanos trazidos ao Brasil, apenas três não seguiam para as minas. Isto é: dos que entravam no Brasil, 85% iam para a mineração; dos que trabalhavam nas minas, 85% morriam. Se chegassem três mil africanos, 2.550 iriam para as minas, e destes morreriam 2.167. Ou seja, a mineração matava 85% de seus escravos, que representavam mais de 70% dos que chegavam ao Brasil. Seiscentos mil negros morreram nas minas. No ciclo da mineração, a maior causa de PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 10 mortalidade era o trabalho. Quem trabalhava, morria. E trabalho era "coisa de negro". No entanto, na mineração houve certa mobilidade devido à peculiar organização de trabalho adotada. Primeiro, o negro não representou a totalidade da mão-de-obra: houve brancos trabalhando ao seu lado, autônomos ou assalariados. Alguns negros, embora escravos, mineraram por conta própria, pagando uma taxa ao patrão. Isso gerou uma disposição de luta social (a possibilidade de ganhar dinheiro e alforriar-se) e implicou também – justamente porque a alforria não agradava ao senhor um endurecimento repressivo. Apesar das evidências dessa situação, não faltam análises "otimistas", como a de Edison Carneiro, em O negro nas Minas Gerais: "A lenda do Chico - Rei, o rei negro de Vila Rica, ilustra, pelo menos, o sem-número de ocasiões, que tinham os escravos, de amealhar boa soma de dinheiro com que escapar às agruras de sua sorte. Pela primeira vez no Brasil, o negro foi explorado, em grande número, como negro de aluguel e, em proporção menor, como negro de ganho, cada vez mais autônomo, mais independente do senhor, mais responsável pessoalmente pelo seu trabalho e pelo seu comportamento. Tão geral foi esta ascensão social do negro em Minas Gerais que a passagem de escravo a cidadão se operou suavemente, sem choques nem episódios marcantes, depois de encerrado o ciclo da mineração". Interpretação tão simplista quanto irreal. A presença de brancos trabalhando na mineração confunde alguns historiadores, que veem nisso a predominância do trabalho livre e um sinal de relações cordiais entre senhor e escravo, como; se fosse possível haver cordialidade num regime escravocrata. As mortes, as torturas, os castigos e a própria sociedade, que às vezes mudava as formas de trabalho mas não os modos de produção, indicam o oposto. Nas minas, os escravos furtaram bastante. Furtavam pedras preciosas e ouro em pó. O furto, porém, quase sempre serviu para comprar alimentos e não para obter a alforria, como julgaram apressadamente alguns historiadores. Tabaco e bebidas eram comercializados clandestinamente nos garimpos com o que os negros surrupiavam. A venda de aguardente não desapareceu nem quando os alambiques foram proibidos. E, porque furtavam ouro e diamantes, os negros foram submetidos a uma dura vigilância. Após o trabalho, os escravos eram revistados pelos feitores e fiscais. O melhor meio de esconder pequenas pedras era introduzi-las no ânus. Quando os fiscais desconfiavam, os suspeitos recebiam clisteres de pimenta malagueta para expelir as pedras. Essa "lavagem dolorosa e humilhante, aplicada com uma brutalidade fácil de imaginar, não raro provocava graves danos ao negro. O simples fato de os escravos morrerem em grande número nas minas já nos faz pensar nas condições de trabalho que enfrentaram. As condições de vida – implicando aí o risco de morte - eram bem piores do que nos canaviais e engenhos. Os garimpeiros trabalhavam em minas mal concebidas, sem sistemas de renovação de ar, sem quaisquer cuidados elementares com a segurança das galerias. Muitos escravos morreram sufocados ou soterrados. Tinham de carregar grandes pesos - os sistemas mecânicos eram raríssimos na primitiva mineração brasileira -' e as hérnias e pneumonias foram constantes, como acentua o barão Guilherme Luís Von Eschwege (1777-1855), mineralogista alemão que trabalhou no Brasil. Ele conta que, em Minas Gerais, num único acidente pereceram cerca de 200 negros. 1.10 OS JESUITAS e a Ocupação do Vale Amazônico As missões e os fortes desempenharam papéis importantes no Vale do Amazonas quanto à expansão territorial e a consequente colonização. Contribuíram para fixar marcos da penetração portuguesa naquele território disputado por outros povos. Sempre de sentinela nas lonjuras do Vale estavam os fortes, instalados ao longo do século XVII: eram unidades pequenas, com poucos homens e escassas peças de artilharia. Isto, entretanto, não era empecilho para que enfrentassem os ataques frequentes de estrangeiros ou de nativos. Em 1669 ergueu-se o forte de São José do Rio Negro, evitando que espanhóis descessem pelo Rio Amazonas. Os fortes do Paru e Macapá, fundados em 1685, visavam impedir a passagem dos franceses da Guiana. As ordens religiosas chegaram em épocas diferentes à região. Por exemplo: os carmelitas, em 1627, e os jesuítas, em 1636. Deparavam-se, porém, com os mesmos obstáculos como a competição entre os colonos e entre as próprias ordens religiosas pelo "direito de administrar o indígena", visto tanto como mão-de-obra quanto como fiel servo de Deus. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 11 A disputa acirrada entre as ordens exigiu a intervenção governamental Na tentativa de resolver esta contenda, que envolvia também a ocupação do Vale Amazônico, inúmeras Cartas Régias fixaram as áreas de atuação das ordens. Os franciscanos de Santo Antônio receberam as missões do Cabo do Norte, Marajó e Norte do Rio Amazonas; à Companhia de Jesus couberam as dos Rios Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira; os franciscanos ficaram com as da Piedade e do Baixo Amazonas, tendo como centro Gurupá; os mercedários com as do Urubu, Anibá, Uatumã e trechos do Baixo Amazonas; e os carmelitas com as dos Rios Negro, Branco e Solimões. Nos anos finais do século XVII as missões religiosas cobriam grande parte do espaço que viria a constituir a atual região amazônica brasileira. O papel do indígena na ocupação do Vale do Amazonas era de extrema importância. Não se dava um passo sem ele, pois conhecia o território, sabendo se movimentar naquela área desconhecida pelo europeu. Os nativos eram os guias pela floresta ou pelos rios. Canoeiros, conduziam as embarcações nas longas expedições fortemente escoltadas, em meio a milhares de quilômetros, pelos cursos emaranhados d'água. Eram também caçadores, identificando a variada fauna, e coletores das "drogas do sertão", pois conheciam como ninguém a flora local. A coleta se organizou no Vale sob a coordenação dos missionários. Os padres, que monopolizavam o trabalho indígena, usavam um artifício para que os nativos extraíssem elementos da flora em grande quantidade. Alegavam que, além das partes destinadas aos adultos, aos velhos e às crianças, deveriam extrair outra, destinada a Tupã. Esta fração - "Tupã baê" - acumulada nos depósitos das missões, era, posteriormente, exportada para a Europa onde seria comercializada com grande lucro. Conduzido pelos nativos, o "homem branco" penetrava pelo coração pulsante da mata espessa, formada por imenso e heterogêneo verde, onde não bastava querer para efetivamente ocupar. Era uma tarefa complexa, em meio a terrenos submetidos a chuvas constantes que provocavam um aumento no nível das águas que,por sua vez, arrastavam e deslocavam grandes porções de terra próximas aos cursos dos rios. Por conta disto, a exploração detinha-se no que a floresta oferecia e possibilitava espontaneamente. O isolamento de alguma canoa significava extremo risco; por isto, iam em grupos pelos igarapés, sob a copa de árvores gigantes, geralmente de folhas largas, cercados pelo silêncio cortado pelo zumbido dos insetos e pelo canto das aves. Assim, pouco a pouco, estes aventureiros divisavam, no lusco-fusco da floresta equatorial, um vale repleto de diferentes espécies animais e vegetais vivendo em equilíbrio. Pelos cursos d'água - "estradas líquidas", segundo o historiador Caio Prado Júnior -, vias de comunicação natural, iam sendo coletadas especiarias diversas, aproveitadas e utilizadas no comércio: plantas alimentícias e aromáticas como cravo, canela, castanha dita do Maranhão, salsaparrilha, cacau etc. Também eram extraídas madeiras valiosas e produtos de origem animal, desconhecidos, como uma espécie de óleo utilizado na alimentação e na iluminação, obtido dos ovos da tartaruga, ou o "manacuru" (peixe- boi), exportado salgado e seco. Aos olhos dos colonizadores, o Vale Amazônico apresentava-se com possibilidades incalculáveis, inclusive dando a impressão de que seus produtos podiam substituir as especiarias das Colônias perdidas no Oriente. A colonização que ali se impôs, portanto, fundamentou- se nas atividades extrativas, compondo um sistema original e peculiar que constituiu e marcou a vida econômica da região. 1.11 RESISTÊNCIA ESCRAVA Comunidades quilombolas. Já se sabe da existência no Estado do Pará de 240 comunidades quilombolas. Acredita-se que muitas outras ainda serão identificadas. À primeira vista pode causar estranheza a existência de número tão significativo de comunidades descendentes de quilombos no Pará em função da ideia bastante difundida de que na Amazônia a escravidão não teve tanta importância. Embora o emprego da mão-de-obra negra na Amazônia não tenha alcançado as mesmas cifras que em outras regiões do país, teve uma grande importância para a economia local. Nas várias regiões do atual Estado do Pará, os escravos negros foram utilizados como mão- de-obra nas atividades agrícolas e extrativistas, nos trabalhos domésticos e nas construções urbanas. A história da escravidão no Pará foi marcada pela resistência de negros e índios que buscaram a sua liberdade por meio da fuga, da construção dos quilombos e da participação na Cabanagem. Parte dessa história é contada neste site.. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 12 Zumbi nasceu em Palmares, em 1655. Era neto da princesa Aqualtune, filha de um importante rei do Congo. Ainda bebê, Zumbi foi aprisionado pela expedição de Brás da Rocha Cardoso e entregue ao padre Antônio Melo, em Porto Calvo. Recebeu o nome de Francisco e uma educação formal. Aos 10 anos, já sabia latim e português e, aos 12, tornou-se coroinha. A inteligência do menino recebia elogios do padre, segundo relatam registros existentes. Com 15 anos, Francisco fugiu de volta a Palmares, adotando o nome de Zumbi e passando a fazer parte da Família Real, pois foi adotado pelo então rei Ganga Zumba. A nação palmarina começou a se formar por volta de 1597, com Aqualtune. Rapidamente a comunidade cresceu, porque era constantemente alimentada pela chegada de negros fugidos, de índios e de brancos pobres. Palmares chegou a ter 30 mil habitantes e, com sua organização e consequente fortalecimento, passou a ser visto como uma ameaça perigosa ao poder colonial. Além de praticarem uma agricultura considerada avançada para os padrões da época, desenvolveram uma atividade metalúrgica organizada para sua defesa e subsistência e chegaram a estabelecer comércio com localidades próximas. Entre 1596 e 1716, os palmarinos resistiram a 66 expedições coloniais, tanto de portugueses como de holandeses. Foi a maior e mais longa expressão contestatória da escravidão em todo o mundo. De todos os líderes da resistência negra, dois se tornaram conhecidos: Ganga Zumba e Zumbi. Zumbi, porém, foi o líder mais famoso da confederação de quilombos de Palmares, que se estendia pelos territórios atuais de Alagoas e Pernambuco. Ganga Zumba, cansado de muitas guerras, assinou um acordo de paz com os portugueses, em 1678. Isso desagradou uma parte significativa dos quilombolas, que viam a transferência para Cucaú como uma forma de controlar a comunidade, além de não resolver o problema da escravidão. Foi nesse momento que Zumbi rompeu com Ganga Zumba, sendo aclamado Grande Chefe por aqueles que ficaram em Palmares. Durante um ataque em 1694, Zumbi caiu ferido em um desfiladeiro, o que gerou o mito de que o herói se suicidara para evitar a escravização. No entanto, em 1695, Zumbi voltou a comandar ataques, mostrando que estava vivo. Depois de 17 anos de combates, Zumbi foi traído por um de seus principais comandantes, Antônio Soares, e assassinado durante expedição de Domingos Jorge Velho, em 20 de novembro de 1695. A cabeça de Zumbi foi decepada e levada para Recife, onde foi pendurada em local público até sua total decomposição. Palmares resistiu ainda por mais de 30 anos antes de sucumbir definitivamente. Em homenagem a Zumbi, a data de sua morte foi escolhida como Dia Nacional da Consciência Negra. FREITAS, Décio. Palmares, a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento,1973. SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Moderna, 1985. 1.12 Os bandeirantes Os bandeirantes despovoavam o sertão, mas a historiografia oficial os apresenta como “desbravadores”. Em 1911, na Sorbonne, em Paris, Oliveira Lima deu uma desculpa “sociológica” para a violência bandeirante: “É verdade que os audaciosos tiravam sua vingança sobre os índios –, reduzidos à escravidão aos milhares e trazidos para a costa, a fim de trabalharem nas plantações. Chamava-se a isso resgates. Somente os missionários resgatavam almas, trazendo ao seu credo seres sem cultura. Os bandeirantes resgatavam corpos, salvavam aqueles que eles pretendiam que fossem prisioneiros de tribos inimigas e voltados aos festins do canibalismo. A sociologia nos ensina, com efeito, que a escravidão é um progresso sobre o sacrifício humano”. Os bandeirantes tinham excelente mercado para suas capturas. O escravo índio custava 80% menos que o negro e por ser mais barato, “gastava-se” mais rapidamente. Maltratados, os índios morriam em tão grande número que em 1586, não havia alimento em São Paulo “por causa dos morados não terem escravaria com que plantar e beneficiar suas fazendas”. Em 1580, uma epidemia disentérica matou milhares de índios, além de “dois mil peças de escravos (negros)”. Índios morriam aos milhares de sífilis, tuberculose, disenteria. Enquanto isso, os bandeirantes trabalhavam avidamente: entravam pelos sertões, seqüestravam mais índios, traziam-nos e os vendiam com grande lucro. Eram mais barateiros e rápidos que os traficantes de negros. A igreja católica no Brasil defendeu os índios capciosamente. Em 1537, o papa Paulo III (1468-1549), pela bula Ventas Ipsa, proibiu a escravização dos indígenas – a não ser pelas guerras justas – sob pena de excomunhão. Mas decorreram cem anos antes que a proibição começasse a funcionar de fato no Brasil. Os jesuítas deram a impressão de proteger os índios ao denunciar – com exagero, quando lhes convinha – os abusos dos escravistas. Os padres tutelavam os índios para “reduzi-los” à fé católica. Depois foram contra a PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 13 sua escravidão quando os senhores de engenho puderam adquirir negros africanos. A razão mais forte para o fim do escravismo indígena, depois da resistência dos índios, foi a sua condenação pela Igreja e a expansão da agricultura da cana-de- açúcar, gerando capitais que compraram negros africanos a partir do final do século XVI. O índio foi escravizadopor 221 anos, de 1534 a 1755. Ao se decretar o fim da escravidão indígena, pelas leis de 1755 e 1758, promulgadas pelo marquês de Pombal, a indústria açucareira continuava em expansão – havia, portanto, dinheiro para a compra de negros africanos. Os esforços dos jesuítas e da Coroa, que tentavam acabar com o apresamento de índios por meio de denúncias e regulamentações das guerras justas em 1587, 1595, 1609, 1611, 1647, 1649, 1652, 1653 e 1680, pouco puderam fazer enquanto não houve capitais suficientes para a compra de africanos. Foi o esplendor do açúcar que afinal consolidou o comércio de negros. Quase cem anos depois de proibida a escravidão indígena, em 1846, Caxias (1803-1880) afirmou que “é uma grande desumanidade o deixarmos vagar por esses desertos ínvios sem os socorros da Religião e da civilização esses restos dos primeiros habitantes de nosso país, que tão úteis podiam ser, como muitos deles nos têm sido, enquanto que à custa de tantos perigos e desprezos vamos buscar braços africanos que nos ajudem”. São restos. Não poderiam ser aproveitados sequer como escravos. Estavam em extinção. O fato é que eles foram praticamente exterminados em poucos anos – um comprovado genocídio. O padre Antônio Vieira (1608-1697) relatou muitos crimes contra os índios. Tiranias, diz ele, que “excedem muito às que se fizeram na África: em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertões mais de dois milhões de índios e mais de quinhentas povoações, como grandes cidades, e disto nunca se viu castigo”. Os bandeirantes, não raro atuando como polícia do sistema, partiram contra os quilombos e forçaram os índios a acompanhá-los. Os índios não se solidarizavam com os negros. Aliavam-se aos portugueses e, como registra frei Vicente do Salvador (1584-1639) em sua História do Brasil, foram os primeiros capitães-do-mato e um dos fatores da derrota dos quilombos, guiando as tropas e servindo como soldados. Quase sempre aderiam aos portugueses por mercenarismo ou espírito guerreiro próprio de algumas culturas indígenas. Mas as tribos que se negaram a colaborar com os colonizadores foram exterminadas. O bandeirante Domingos Jorge Velho mandou cortar a cabeça de 200 índios que se recusaram a lutar contra os quilombos. "As aldeias de índios estão forçadas a entregar certa quantidade de seus membros aptos para realizar trabalhos (...), durante um prazo determinado. Esses índios são compensados com certa quantidade de dinheiro e destinados aos mais variados tipos de serviços." PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 14 CAPÍTULO 2: A independência e o nascimento do Estado Brasileiro 2.1 CAMINHOS E FRONTEIRAS Anhangüera, Fernão Dias, Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho, Borba Gato, Paes de Barros, Cardoso de Almeida, Cunha Gago, Amaral Gurgel, Bandeirantes. Quem já circulou pelas rodovias, avenidas, praças e ruas do estado de São Paulo e de sua capital com certeza está habituado a esses nomes. Os mais conhecidos são facilmente associados a uma espécie de imagem heróica de desbravadores do sertão brasileiro, de alargadores das fronteiras do território nacional, de responsáveis pela grandeza de nosso país e incansáveis líderes de expedições em busca de metais e pedras preciosas. De fato, desde o século XVI, colonos e aventureiros dirigiam-se em expedições rumo ao interior do continente em busca de riquezas minerais. As constantes informações das minas da América espanhola alimentavam os sonhos dos luso-brasileiros de encontrar a montanha do Eldorado e de serras resplandecentes, cobertas de ouro, prata, diamantes, rubis, esmeraldas e outras pedras preciosas. No entanto, passaram-se quase dois séculos para que as áreas mineradoras fossem descobertas pelos conquistadores, ligados diretamente à história da vila de São Paulo. Nesse período, a ação dos bandeirantes teve sempre no horizonte a busca dessas riquezas. Mas seu papel na estruturação da Colônia foi muito mais complexo. O caráter heróico com que impregnaram a imagem desses aventureiros e as homenagens que se prestam a eles ainda nos dias de hoje dificultam a compreensão do funcionamento da sociedade colonial. 2.2 A idade de ouro no Brasil “A sede insaciável do ouro estimulou tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do número de pessoas que atualmente lá estão. Contudo, os que assistiram nelas nestes últimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizem que mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nos ribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar. Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa.” André João Antonil, Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas, p.167 O jesuíta Antonil retratou bem, no início do século XVIII, o que as notícias das descobertas de ouro e pedras preciosas no interior da Colônia provocaram na América portuguesa. A corrida para a região das minas envolveu milhares de pessoas de todas as capitanias. Vilas e pequenos povoados ficaram praticamente desabitados. Cerca de 600 mil portugueses deixaram a Metrópole para se aventurarem no interior do Brasil. A febre do ouro contaminou a população colonial. Com alguns séculos de atraso, os sonhos de riqueza dos conquistadores estavam se realizando. 2.3 As regras da exploração Desde 1702 a Metrópole procurou regulamentar a distribuição das áreas a serem exploradas. Cada jazida era dividida em lotes, denominados datas. O descobridor da jazida tinha direito a duas datas e uma era destinada à Coroa. As outras eram sorteadas entre os interessados. Aqueles que possuíssem pelo menos doze escravos podiam receber uma inteira. Os demais tinham de se contentar com lotes menores, proporcionais ao número de escravos que possuíssem. Para fazer valerem as regras, impedir o contrabando e recolher os impostos devidos, a Coroa montou seu aparelho administrativo e fiscal, deslocando tropas de soldados da Metrópole para a região das minas. Não demorou para que o ouro de aluvião, ou seja, aquele encontrado nos leitos dos rios, se esgotasse. Para extraí-lo, mineradores com poucos recursos precisavam apenas de um pouco de sorte e de rústicos instrumentos com as batéias, bacias feitas de madeira ou metal. Chamados de faiscadores, esses garimpeiros perambulavam pela região, tentando suprir sua modesta sobrevivência. Os poderosos dispunham de vasta mão-de-obra escrava, máquinas hidráulicas para lavagem do cascalho e obras de represamento de rios. E os escravos continuavam a ser “as mãos e os pés de seus senhores”. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 15 Descobertas por paulistas, as minas foram, no início, um empreendimento desses moradores da capitania de São Vicente. O abastecimento dos garimpos fazia-se pelos caminhos abertos a partir das vilas vicentinas. A produção paulista, anteriormente ligada ao consumo local, ampliou-se para atender aos mineiros. Os tropeiros vindos do Sul pousavam na vila de Sorocaba, ponto de encontro dos comerciantes e local de venda de animais, de onde se dirigiam para as minas. Em poucos anos, brotaram vilas e cidades na região mineradora. O ambiente urbano ali contrastava com o das atividades açucareiras: os grandes mineradoresostentavam seu poder e riqueza nas cidades. Luxo, jóias e escravos eram expostos como insígnias de poder. 2.4 A sociedade dos mineradores e o comércio interno O mundo da sociedade mineradora era marcado pela instabilidade. A descoberta de uma região repleta de riquezas atraía aventureiros, mas, esgotada a extração de minérios ali, eles se dirigiam a outras partes, em busca do enriquecimento. A descoberta dos metais fez os preços dos gêneros de subsistência e dos escravos subirem assustadoramente. A riqueza extraída da terra atraiu mercadorias européias de luxo. O padrão social dos grupos dominantes era altíssimo e tudo custava muito caro. Muitos endividavam-se para sustentar sua posição social sem ter conseguido obter a riqueza suficiente. Jogos de azar, prostituição, rivalidades e diversas práticas ilegais conturbavam o ambiente dessa sociedade. A pequena vila de São Sebastião do Rio de Janeiro tornou-se porta de entrada de mercadorias estrangeiras para a região mineradora. Em 1763, devido a seu desenvolvimento urbano e a proximidade maior com a capitania das Minas Gerais, tornou-se sede do governo do Estado do Brasil. A Colônia, que nos primeiros séculos tivera uma estrutura econômica voltada principalmente para o mercado externo, vivia agora uma realidade mais complexa. Novos interesses surgiam e os conflitos passaram a ser mais constantes. 2.5 A economia do império colonial português Com a entrada do ouro e dos diamantes do Brasil a economia portuguesa viveu algumas décadas de prosperidade. A aristocracia lusitana entregava-se aos prazeres do consumo de artigos de luxo e da ostentação. Grandes obras foram erguidas em Portugal, como o Palácio-Convento de Mafra, de 1.300 dependências, entre salas, quartos e celas conventuais, que levou mais de trinta anos para ser construído e contou com mais de 50 mil trabalhadores para sua conclusão. Os gastos da Coroa e da aristocracia geravam um crescente déficit na balança comercial, equilibrada graças ao ouro brasileiro. A Metrópole exercia um controle cada vez maior sobre as colônias. Os caminhos das minas eram intensamente vigiados. Apenas aqueles que obtivessem autorização direta da Coroa podiam dedicar-se à procura de diariamente. O comércio e o deslocamento das pessoas eram controlados. A Coroa procurava impedir, com práticas violentas, o escoamento ilegal das pedras e garantir a cobrança da tributação devida. O aperfeiçoamento do aparelho administrativo colonial, acompanhado de uma série de medidas fiscais, realizava-se numa conjuntura de aumento acentuado do preço dos escravos africanos – para o qual contribuiu a mineração – e de deslocamento de recursos, mão-de-obra e colonos para a região das minas. Apesar das oscilações do preço do açúcar no mercado mundial e da concorrência antilhana, a atividade canavieira ainda mantinha sua importância, ao lado do tabaco, no Norte e Nordeste. O problema da mão-de-obra e a cobrança de tributos acabaram por gerar descontentamento e revoltas, que opunham os colonos às autoridades metropolitanas. 2.6 A Inglaterra e a economia portuguesa Se, de um lado, a Coroa apertava os laços do controle sobre a Colônia, de outro, abria brechas para a intensa participação de outros Estados europeus em seu império. A Inglaterra foi a maior beneficiada, com vários acordos que acabaram por vincular a economia portuguesa aos interesses britânicos. O mais célebre de todos foi o Tratado de Methuen, de 1703, pelo qual Portugal consentia na isenção de barreiras alfandegárias para os artigos de lã ingleses em troca de uma taxação menor desta em relação aos vinhos portugueses. Apesar de fortalecer um setor da burguesia lusitana, o tratado selou a sorte dos grupos manufatureiros portugueses. Carentes de recursos técnicos e de capitais, os comerciantes e produtores de tecidos sofriam agora a concorrência direta da manufatura inglesa. Assim, além de não realizar seu desenvolvimento industrial, Portugal abria a fenda de escoamento do ouro brasileiro para a economia inglesa. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 16 2.7 UM DESPOTISMO DE APARÊNCIA ILUMINISTA Uma monarquia esclarecida era o sonho de muitos iluministas: monarcas fortes, que colocassem em prática reformas racionais, eliminaram os controles mercantilistas sobre o comércio, permitiram o intercâmbio de idéias e poriam fim à censura aos livros. De fato, alguns monarcas do século XVIII instituíram reformas específicas na educação e no comércio, e combateram o poder do clero. Alguns Estados europeus economicamente atrasados, como a Prússia, a Áustria e a Rússia, procuraram agir rapidamente para alcançar o grau de desenvolvimento da Inglaterra e da França. Na Prússia, por exemplo, Frederico II, o Grande (1740- 1786), iniciou uma política de tolerância religiosa que atraiu refugiados protestantes franceses e dissidentes intelectuais, como Voltaire. Recebendo esses refugiados, Frederico deu a Berlim ma reputação de centro de cultura iluminista. Mas, por trás dessa reputação, havia a realidade do militarismo prussiano e da servidão de seus camponeses. Voltaire, que foi usado por Frederico para ganhar reputação de amante do conhecimento, acabou voltando para sua terra, desiludido com esse “despotismo esclarecido ou iluminado”. A expressão despotismo esclarecido, portanto, designa uma estratégia de governo que permitia a Estados atrasados se desenvolverem e a seus governantes propagandearem seus feitos. A idéia desses governantes era glorificar o Estado e ampliar seus poderes. Se, por um lado, suas reformas administrativas, fiscais e militares, com base em rígidas regulamentações, garantiam o enriquecimento do país, através da construção de estradas e canais, da criação de indústrias, por outro, não alteravam a estrutura arcaica da sociedade. Os camponeses permaneciam na servidão ou próximo dela, a burguesia continuava excluída do poder, a urbanização pouco se desenvolvia, enquanto a nobreza ampliava seus privilégios. A adesão à filosofia iluminista não passava de uma aparência. Em Portugal, o grande representante desse despotismo foi o Marquês de Pombal. 2.8 As reformas pombalinas Com amplos poderes, Pombal empreendeu uma série de reformas, combinando os princípios mercantilistas com orientações de caráter iluminista. No Brasil, os mineradores da capitania de Minas tinham de pagar uma quota mínima de 100 arrobas de ouro anualmente. Se a quinta parte da produção não atingisse tal volume, os demais moradores deveriam arcar com a derrama, ou seja, uma outra taxação que deveria completar as 100 arrobas fixadas pelo poder metropolitano e seria cobrada de acordo com as posses de cada habitante. Pombal procurou estimular e fortalecer as atividades econômicas de setores da burguesia manufatureira e mercantil portuguesa e limitar ao máximo o volume de importações da Inglaterra. Novas companhias de comércio foram criadas na América: Grão-Pará e Maranhão, em 1755, e Pernambuco e Paraíba, em 1m 1759. No Norte, a cultura do algodão foi estimulada para atender as manufaturas têxteis inglesas que começavam a desenvolver-se. Impopulares na Colônia, as novas orientações político- econômicas provocaram reações também na Metrópole. Tratava-se de uma luta política que se desenrolava no interior do absolutismo português. Para enfrentar a ideologia aristocrática, apegada a seus privilégios e parasitária em relação às atividades mercantis e industriais, Pombal realizou reformas no ensino e, principalmente, combateu a influência dos jesuítas na sociedade portuguesa. Novos letrados, denominados pejorativamente pelos grupos conservadores de estrangeirados, porque estariam influenciados pelas idéias francesas, cercaram a nova administração. Eram, sem dúvida, indícios de novos tempos em Portugal. 2.9 A extinção da Companhia de Jesus Pombal voltou-se contra a Companhia de Jesus, cuja influência noensino, na sociedade e na política da sociedade portuguesa era imensa na segunda metade do século XVIII. Na América, os jesuítas controlavam vastas áreas e as atividades econômicas de milhares de índios em suas missões religiosas. Se, de um lado, eles eram importantes para impedir o massacre dos ameríndios, de outro, impediam a plena integração destes na economia colonial. Além disso, após o Tratado de Madri, em 1750, a região dos Sete Povos das Missões passara a pertencer aos domínios lusitanos. Nos anos seguintes, tropas portuguesas e espanholas enfrentaram os indígenas, que foram auxiliados por jesuítas descontentes com os termos do tratado. O conflito, conhecido como guerras guaraníticas, terminou em 1757, com a destruição das missões da região. Os jesuítas foram então acusados de terem interesses particulares na América, contrários aos da Coroa portuguesa. Ainda em 1757, Pombal decretou o fim da escravidão dos índios no Maranhão e no Grão-Pará, estendendo a medida para o Estado do Brasil no ano seguinte. A administração das aldeias PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 17 passou às autoridades civis. Em 1759, por alvará régio, a Sociedade de Jesus foi extinta em Portugal, teve seus bens confiscados e seus membros expulsos de todos os domínios lusitanos. O império português deixou, assim, apenas de ser justificado por suas atribuições divinas. Não era mais o império de Deus pelos portugueses. Apesar de todas essas iniciativas, a modernização pombalina foi capaz de alterar profundamente a sorte de seu império. Além das dificuldades internas, o sistema econômico mundial apresentava mudanças consideráveis na segunda metade do século XVIII. A longa transição do feudalismo para o capitalismo estava se encerrando em algumas partes da Europa, sobretudo na Inglaterra, onde a sociedade industrial já começava a despontar. Por isso, mesmo tentando diminuir a participação dos britânicos no império luso, as ações de Pombal não tinham como deter o avanço do Estado que possuía a economia mais dinâmica da época, liderada por um poderoso setor têxtil, capaz de lhe assegurar a hegemonia internacional por mais de cem anos. Em Portugal, o poder pombalino não resistia à morte do rei d. José I em 1777. Com o reinado de d. Maria I, conhecida anos mais tarde como Maria, a Louca, setores conservadores promoveram a viradeira, movimento político que destituiu o primeiro-ministro e alterou várias de suas medidas político-econômicas 2.10 CONSPIRAÇÕES E REVOLTAS NA AMÉRICA Potência hegemônica na Europa, a Inglaterra era a vanguarda das transformações industriais e ditava as novas regras em nome da liberdade de comércio. Ao mesmo tempo, os Estados ibéricos ressentiam-se de suas manufaturas medíocres, incapazes de concorrer com a produção britânica. Através de guerras, contrabando e acordos diplomáticos, a Inglaterra conseguia ampliar seu comércio com outras metrópoles e respectivas colônias, submetendo-as a uma dependência estrutural, ou seja, reservando-lhes o papel de fornecedoras de gêneros agrícolas e matérias-primas, e de consumidoras de produtos industriais. Assim, as estruturas agrárias dos demais Estados e respectivas colônias articulavam-se às estruturas industriais da potência inglesa, numa nítida relação de dependência econômica. No limite, a Inglaterra procuraria estimular a independência das colônias para consolidá-las como mercados consumidores, livres das restrições comerciais do pacto colonial. Com a Revolução Industrial, o Antigo Sistema Colonial, baseado na exclusividade de trocas mercantis entre colônia e metrópole, surgia como obstáculo para a expansão do capitalismo. Portugal dependia da parceria inglesa para defender seu combalido império ultramarino e tornou-se uma das principais áreas de influência britânica. Dessa forma, as bases do sistema colonial português foram gradativamente solapadas até se romperem completamente no início do século XIX. Testemunhos de viajantes, rumores, notícias e livros eram agora os pregadores dos princípios liberais, que os antigos poderosos não tardaram a nomear de diabólicos. As incendiárias idéias satânicas, no entanto, representavam para muitos o fim das tiranias cometidas em nome de Deus e o começo de uma nova época da História. Uma época de questionamentos e revoluções. Nas capitanias de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, o descontentamentos dos colonos culminou na contestação do poder metropolitano. Instabilidade das atividades mineradoras, a crescente fiscalização e tributação por parte da Coroa portuguesa, o desenvolvimento de novos interesses econômicos ligados ao abastecimento interno das regiões americanas e as notícias acerca da independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa tornaram mais tensa e complexa a vida colonial. Ao contrário de outros movimentos e rebeliões ocorridos nos séculos anteriores (Revolta de Beckman, Guerra dos Emboaba, Guerra dos Mascates, Revolta de Filipe dos Santos, sem contar os inúmeros conflitos envolvendo os jesuítas), a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração do Rio de Janeiro (1794) e a Revolta dos Alfaiates (1798) punham em causa a subordinação da Colônia ao poder da Coroa portuguesa, ampliando o horizonte político das revoltas coloniais. Figura 1 A revolução dos ricos PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 18 A revolução dos ricos Uma denúncia ao visconde de Barbacena, em 1789, trouxe à tona a Inconfidência Mineira – inicialmente rotulada como movimento de aversão à cobrança alta de impostos em Minas Foi de uma denúncia feita ao visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais em 1789, que veio à tona a Inconfidência Mineira, um movimento de contestação ao governo que administrava a capitania. A acusação, feita pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, dizia que alguns indivíduos pretendiam organizar um motim contra a derrama – uma cobrança sobre cada cidadão da região para completar a quantia mínima de cem arrobas anuais de ouro. Naquele ano, Minas devia aos cofres públicos cerca de 538 arrobas, ou o equivalente a quase oito toneladas de ouro. Os revoltosos contavam com o temor da cobrança do quinto atrasado para obter apoio popular. Os sediciosos alimentavam o desejo de se ver livres das cobranças dos tributos e impostos feitas por Portugal, o que lhes garantiria liberdade comercial. Outro motivo de revolta era o ódio generalizado aos apadrinhados – pessoas que vinham para Minas Gerais, sob a proteção do governador, para administrar cargos públicos – que se aproveitavam de sua posição para se apossar de terras e rendas dos mineiros. Para diminuir o prejuízo e preservar suas riquezas, os principais fazendeiros, exploradores de ouro e diamantes, criadores de gado, militares, contratadores, magistrados e eclesiásticos resolveram aderir ao movimento. Os inconfidentes, como o poeta Cláudio Manuel da Costa, o ouvidor Tomás Antônio Gonzaga e o ouvidor e proprietário de terras Inácio José de Alvarenga Peixoto, eram quase todos escravistas e constituíam a elite letrada da época. O processo instaurado também condenou cinco religiosos: o cônego Luís Vieira da Silva, proprietário de uma das melhores bibliotecas do Brasil, e os padres Carlos Correia de Toledo, José Lopes de Oliveira, Manuel Rodrigues da Costa e José da Silva e Oliveira Rolim. Ainda foram considerados culpados o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante do Regimento de Cavalaria e a mais alta patente envolvida na Inconfidência, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Piza, o comerciante e contratador Domingos de Abreu Vieira, o cirurgião Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, os doutores Domingos Vidal de Barbosa Lage e José Álvares Maciel e os latifundiários José Aires Gomes e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, entre outros. Onze pessoas foram condenadas à morte, mas dez tiveram a pena modificada e foramdegredados para a África – os réus religiosos ficaram presos em Lisboa. O alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado líder do movimento, foi enforcado, e teve a cabeça decepada e o corpo esquartejado no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792. André Figueiredo Rodrigues é professor das Faculdades Guarulhos, do Centro Universitário Anhanguera de São Paulo e autor de "A fortuna dos inconfidentes: caminhos e descaminhos de bens de conjurados mineiros (1760- 1850)" (Globo, 2010) 2.11 A Inconfidência Mineira TEXTO AUXILIAR ...” Que estava plenamente provado o crime de lesa- majestade (...) a que premeditadamente concorriam de se subtraírem da sujeição em que nasceram e que como vassalos deviam ter a dita senhora (Dona Maria I), para constituírem uma República, por meio de uma formal rebelião, pela qual assentaram de assassinar ou depor General e Ministros, a quem a mesma senhora tinha dado jurisdição e poder de reger e governar os povos da Capitania (...) Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural, para sempre. E que depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais público dela, seja pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postas pelo caminho de Minas...” CASTRO, Therezinha de. História documental do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1968, p. 123-124. Muito mais que uma luta entre o bem e o mal, a Inconfidência Mineira foi a primeira tentativa de rompimento dos laços com a Metrópole portuguesa. Enriquecidos pelas atividades mineradoras no início do século XVIII, os habitantes de Minas Gerais viam-se agora às voltas com a queda da extração de ouro e pedras preciosas, e as constantes ameaças. Nessa situação, o confronto era inevitável. Paralelamente, muitos jovens, filhos da aristocracia local foram enviados às universidades européias, onde tomaram contato com as perigosas idéias ilustradas e liberais. Alguns deles retornaram trazendo informações sobre a recém-criada república norte-americana. PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 19 Em 1788 a Coroa nomeou Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena, para o governo de Minas Gerais. O novo governador recebeu ordens expressas de estabelecer a derrama: a cobrança das 100 arrobas anuais devidas à Metrópole, que recairia sobre todos os habitantes da capitania. O anúncio de novas medidas acirrou os ânimos e aprofundou a insatisfação. Grande parte da elite econômica e intelectual mineira figurava entre os devedores da Coroa ou estava sendo perseguida por suas vinculações com o contrabando praticado na região. Outros setores da sociedade também seriam atingidos pelo tributo. Aproveitando-se desse clima, proprietários de terras e de minas, letrados e membros da administração envolveram-se numa conspiração que pretendia assassinar o governador e tornar Minas Gerais uma república independente. Além disso, cogitava-se criar uma universidade em Vila Rica (seria a primeira nas terras americanas colonizadas por Portugal), desenvolver a manufatura (limitada até então pelo pacto colonial), libertar os escravos da capitania nascidos no Brasil, perdoar as dívidas atrasadas, transferir a capital de Vila Rica para São João Del-Rei e criar uma guarda nacional composta por cidadãos. Os planos começaram a ser elaborados em uma reunião, em dezembro de 1788, na casa de Francisco de Paulo Freire de Andrade, comandante militar da capitania. Os revoltosos marcaram o início da rebelião para fevereiro de 1789, quando imaginavam que seria cobrada a derrama. No entanto, nesse entretempo, diante da insatisfação geral, o governador adiou a derrama, que foi oficialmente comunicada em 14 de março de 1789. Alívio para grande parte dos mineiros, que desse modo escaparam à pesada tributação. Ainda assim, um grupo de endividados teria de honrar seus compromissos. Eram os contratadores, homens que compravam da Coroa o direito de cobrar alguns impostos (o dízimo da Igreja e os tributos de importação) por determinado tempo. Entre esses figurava Joaquim Silvério dos Reis que, ao saber do adiamento da derrama, procurou uma outra forma de aliviar seus débitos. Denunciando seus companheiros no dia 15 de março de 1789, ele esperava ter suas dívidas perdoadas. A devassa O visconde de Barbacena comunicou os fatos do vice- rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, no Rio de Janeiro, que instituiu uma devassa para apurá-los. Imediatamente foi preso um dos conspiradores, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, que, além de alferes, era um espécie de dentista da região. O mais entusiasta propagandista da independência não pertencia à elite colonial. Em seguida, ocorreram novas prisões e interrogatórios. Os prisioneiros negaram seu envolvimento na conspiração e muitos delataram seus companheiros. A 4 de julho, o poeta Cláudio Manuel da Costa foi encontrado morto em sua cela. Suicídio, segundo a versão das autoridades. Em janeiro de 1790, Tiradentes resolveu assumir sozinho a iniciativa da rebelião, apresentando-se como único líder do movimento. Evidentemente, não era verdade. Para a Metrópole, interessava caracterizar o movimento como insignificante, chefiado por um simples alferes inculto. Para a aristocracia mineira, Tiradentes era um excelente bode expiatório, que retirava dos poderosos a responsabilidade da conspiração. A hierárquica estrutura do império português produziria então um primeiro acordo de elites que seria uma das marcas da posterior história brasileira. Por iniciativa da rainha de Portugal, D. Maria I, conhecida como Maria, a Louca, o suposto líder do movimento foi condenado à morte por enforcamento e teve seu corpo esquartejado e exposto para intimidar a população. Numa extraordinária festa barroca, em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro. Traidor da monarquia portuguesa, que desejava separar as mãos e os pés coloniais da cabeça metropolitana, teve em seu corpo a aplicação de uma pena exemplar. Para os demais envolvidos, pena de degredo na África. A Metrópole bania os demônios coloniais para o outro lado do Atlântico, pois o sistema colonial já não funcionava mais com o purgatório dos brancos. Opulência e miséria A crise vivida nas regiões mineradoras contrastava com a situação econômica de outras partes da América portuguesa. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, a produção algodoeira era estimulada pelas necessidades crescentes de matéria-prima da indústria têxtil inglesa. Além disso, a guerra de independência norte-americana provocou a interrupção temporária do fornecimento de algodão produzido no Sul dos Estados Unidos para a Inglaterra, favorecendo os plantadores luso-brasileiros. O cultivo da cana-de-açúcar, após décadas de problemas, experimentou uma conjuntura favorável até 1830. Sua produção foi ampliada na região do Rio de Janeiro e teve seu vigor retomado em Pernambuco e Bahia. Além disso, a lavoura de algodão avançava na capitania pernambucana, enquanto o fumo trazia mais PM-AL HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DE ALAGOAS 20 prosperidade aos grandes proprietários baianos. Nessas capitanias, no entanto, artesãos e pequenos comerciantes, cujas atividades econômicas eram limitas pela sociedade escravista colonial, ressentiam-se da falta de perspectivas de participação política. Opulência e miséria continuavam a compor as características fundamentais da vida colonial. 2.12 A Revolta dos Alfaiates Os cuidados exagerados da Coroa com relação a movimentos separatistas não impediram que em 1798 a Bahia fosse sacudida por uma verdadeira revolução. A Revolta dos Alfaiates, como ficou conhecida, iniciou-se a partir
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