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A EXPERIÊNCIA ESPACIAL DE CAMINHAR EM PEREGRINAÇÃO

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO 
DE 9 A 12 DE OUTUBRO 
 
 1711 
A EXPERIÊNCIA ESPACIAL DE CAMINHAR EM PEREGRINAÇÃO 
 
JOSÉ ARILSON XAVIER DE SOUZA1 
 
Resumo 
O texto aborda a geografia como um saber relacionado com a experiência que os homens têm dos 
seus espaços vividos. Nessa perspectiva, entende-se que a prática de caminhar em peregrinação 
funda uma experiência espacial significativa, multívoca. Tal experiência é compreendida a partir de 
duas dimensões: física e simbólica. Para refletir sobre a geograficidade da caminhada em 
peregrinação, elementos naturais e as noções de homem religioso e fé são considerados como 
expressões da experiência. 
Palavras-chave: Experiência espacial; Geografia; Caminhar; Peregrinação. 
 
Abstract 
The text treat with geography as knowledge related to the experience that people have of their lived 
spaces. From this perspective, it is understood that the practice of walking on pilgrimage founded a 
significant spatial experience, multi-valued. This experience is understood from two dimensions: 
physical and symbolic. To reflect on the geographicity walk on pilgrimage, natural elements and 
religious man notions and faith are considered as expressions of experience. 
Keywords: spatial experience; geography; walk; Pilgrimage. 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
 A geografia é um saber situado nas práticas e experiências que os homens 
desenvolvem com os espaços e lugares, sejam familiares aos seus cotidianos ou 
não. Antes de ser uma ciência, assim entendida pelo geógrafo Eric Dardel (2011), a 
geografia está no anseio do homem em explorar e conhecer a terra. Nesta 
perspectiva, a geografia pode ser traduzida por meio da relação entre homem e 
terra. Um saber que se reporta ao material, ou seja, responde por uma base física 
de reflexão, mas também se refere a um saber simbólico, de valorização dos 
significados que o homem cria com o seu mundo. Com efeito, viver para o homem é 
um ato eminentemente geográfico (CLAVAL, 2010). 
 No que toca aos aspectos espirituais e religiosos, o homem desenvolve sua 
experiência na terra por diversos modos, dada sua crença e criatividade. Para a 
 
1
Doutorando em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do 
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura (NEPEC). E-mail: 
arilsonxavier@yahoo.com.br 
 
mailto:arilsonxavier@yahoo.com.br
 
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO 
DE 9 A 12 DE OUTUBRO 
 
 1712 
geografia enquanto ciência, essa experiência é interessante em sua dimensão 
espacial. As atividades e as práticas do homem religioso acontecem no espaço, e 
seus saberes fazem referências a determinadas parcelas do espaço consideradas 
qualitativamente distintas – refere-se à sacralidade do espaço. Em nome da fé, os 
homens, individualmente ou agregados em instituições religiosas, (re)organizam 
seus espaços de vida, redefinindo territórios, reconfigurando lugares e marcando 
paisagens. 
 Dentre as experiências espaciais que o homem religioso desenvolve, a 
caminhada em peregrinação chama a atenção, e é aqui “objeto” de reflexão 
geográfica. Interessamo-nos pela cultura de peregrinos a pé no que concerne aos 
seus depoimentos de vida com relação as suas motivações e relações com o 
espaço em termos de experiência física e simbólica. Ao se pôr a caminho, o 
peregrino a pé experimenta a gravidade do terreno, sente o sol e o vento no rosto, 
aproveita das sombras das árvores, refresca-se com a água dos riachos 
encontrados no percurso e dorme sob um céu de estrelas. A experiência ainda é 
composta por encontros com outros que buscam o espaço sagrado. 
 As reflexões que se seguem dão continuidade aos nossos estudos sobre 
peregrinações a pé (SOUZA, 2015, 2015a), quando tomamos como base empírica a 
Romaria de Nosso Senhor do Bonfim, Natividade-TO – área de análise em nível de 
doutoramento em Geografia (UERJ). Apresenta-se, pois, o texto em duas seções: 
1ª) a experiência do espaço: sobre a religião; 2ª) caminhar em peregrinação: 
experiência espacial física e simbólica. A primeira de caráter teórico; a segunda, 
desdobrada em subseções, destaca depoimentos de peregrinos somados com um 
ensaio de análise científico-poético. 
 
2. A EXPERIÊNCIA DO ESPAÇO: SOBRE A RELIGIÃO 
 
Há tantas experiências espaciais quanto variadas forem as condições de 
relação do homem com o meio em suas múltiplas feições. Neste sentido, a ideia de 
habitar é relevante para entender a experiência do espaço, uma vez que 
compreende o morar, o trabalhar, o visitar, enfim, o estar presente. Para além de 
dispor de um lugar para se resguardar da sociedade, habitar é também encontrar 
 
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DE 9 A 12 DE OUTUBRO 
 
 1713 
pessoas, levar uma vida social. Assim, a casa, a vizinhança, o comércio, a escola, a 
paróquia, são espaços de habitação com os quais se tece fortes experiências 
espaciais (CLAVAL, 2010). 
Diante da sensibilidade humana, os espaços jamais são neutros. Os espaços 
transmitem mensagens que cada indivíduo e grupo social os compreendem de 
acordo com seus modos de pensar. A maior ou menor compreensão do conteúdo 
das mensagens, seja por quaisquer motivos, definirá o grau de relação e experiência 
com espaço. Então, a relação com o espaço é carregada de subjetividades. 
Atentemos para as palavras de Paul Claval (2010, p. 39): 
Viver é evoluir entre paredes ou se encontrar ao ar livre. Viver é estar em 
contato com o meio ambiente em todos os sentidos: com a visão, a audição, 
o olfato, o tato. É se mover em um ambiente selvagem, cultivado ou 
urbanizado, é percebê-lo enquanto paisagem. As pessoas têm uma reação 
emotiva diante dos lugares em que vivem, que percorrem regularmente ou 
que visitam eventualmente. 
 
 Ainda segundo Claval, as paisagens, os lugares, tanto podem agradar pela 
beleza, por relações de identidade, ou por emanarem emoções que cativam e 
trazem segurança, como também podem ser repulsivos. Para o nosso estudo, é de 
interesse os primeiros tipos de paisagens e lugares mencionados: atração que o 
espaço sagrado exerce na vida do homem religioso. 
 O tema da atração do espaço foi revalorizado na geografia pelo geógrafo Yi-
Fu Tuan, a partir de 1960, com base na noção de topofilia (o amor aos lugares), 
contribuindo com as análises de cunho geográfico e de outras ciências sociais. Na 
obra “Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente”, Tuan 
(1980, p. 288), reconhece a complexidade do estudo sobre a experiência do homem 
com o espaço e, nas suas palavras finais, dispensa tal ponderação: 
Os seres humanos persistentemente têm procurado um meio ambiente 
ideal. Como ele se apresenta, varia de cultura para outra, mas em essência 
parece acarretar duas imagens antípodas: o jardim da inocência e o cosmo. 
Os frutos da terra fornecem segurança, como também a harmonia das 
estrelas, que além do mais, fornecem grandiosidade. Deste modo nos 
movemos de um para outro: de sob a sombra do boabá para o círculo 
mágico sob o céu; do lar para a praça pública, do subúrbio para a cidade; 
dos feriados praianos para o deleite das artes sofisticadas; procurando um 
ponto de equilíbrio que não é deste mundo. 
 
 
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DE 9 A 12 DE OUTUBRO 
 
 1714 
 Embora estivesse discorrendo sobre o homem de modo geral, 
compreendemos uma riqueza nas palavras de Tuan no que concerne ao imperativo 
do homem religioso, válido, de modo mais particular, para os peregrinos a pé. 
Pontuamos, assim, dois níveis de interpretação que se apresentam inter-
relacionados: 1) o homem religioso procura um ambiente ideal, o que pode explicar, 
em parte, porque se coloca na condição de viajante a fim de visitar um santuárioem 
específico e, nesse caso, a relevância da igrejinha de seu bairro não lhe é suficiente; 
2) o homem religioso, em meio aos transtornos vividos socialmente, movimenta-se 
no espaço procurando um ponto de equilíbrio que não é desse mundo, reporta-se a 
“outros mundos” e valoriza-se o futuro como tempo de vida2. 
 A prática da religião está associada à experiência que os homens têm da terra 
como base da existência humana (DARDEL, 2011), de como constroem suas 
identidades e se realizam no espaço e no tempo sagrado (ROSENDAHL, 2006). A 
religião é ainda um modo de pensar o espaço, especialmente visível quando se trata 
de grandes sistemas religiosos que, enquanto fatos sociais e culturais, oferecem aos 
crentes uma explicação da ordem do universo (SANTOS, 2006). Em termos 
simbólicos, considerando o elemento fé, o nível de experiência no espaço religioso 
(poder-se-ia aqui dizer espaço sagrado) é ainda definido pela relação do homem 
com as formas arquitetônicas ali dispostas e pelo caráter de festividade. 
 A experiência do espaço para o homem religioso nasce com vistas em 
emoções e sentimentos que superam as questões produtivas da vida. “Ao nível da 
experiência, os fenômenos sagrados são aqueles que se destacam do comum e 
interrompem a rotina [...] A palavra “sagrado” significa separação e definição; sugere 
também ordem, integridade e poder” (TUAN, 1978, p. 84). Mircea Eliade destaca 
que o homem toma conhecimento do sagrado porque ele se manifesta – hierofania – 
, qualificando o espaço, deste modo, “a experiência religiosa de não-homogeneidade 
do espaço constitui a uma „fundação do mundo‟” (ELIADE, 2008, p. 25). 
 
2
 O geógrafo Paul Claval (2008) fala de “outros mundos” como um problema epistemológico da 
geografia. A essa noção, o autor refere-se à idealização por parte do homem religioso de um céu, 
paraíso, a ser habitado na vida eterna como recompensa por uma vida espiritual de providências. 
Ver: CLAVAL, Paul. Uma, ou Algumas, Abordagem(ns) Cultural(is) na Geografia Humana? In: 
Espaços culturais: vivências, imaginações e representações. SERPA, Angelo (Org). Salvador: 
EDUFBA, 2008. Para a geografia, interessa o quão o homem guia suas ações por essa crença e, 
assim, desenvolve arranjos espaciais pensados para facilitar os seus objetivos. 
 
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 Reconhecendo a peregrinação como um tema topofílico, ao darmos 
sequência com as reflexões sobre a experiência da caminhada em peregrinação, 
segue uma sutil citação que pode servir de nexo entre as seções: 
Os homens são ao mesmo tempo sedentários e nômades: eles ficam felizes 
em ter um cantinho seu, mas não hesitam em deixá-lo. Alguns só se 
decidem a fazê-lo raramente; outros só se sentem bem na estrada 
(CLAVAL, 2010, p.45). 
 
3. CAMINHAR EM PEREGRINAÇÃO: EXPERIÊNCIA ESPACIAL FÍSICA E 
SIMBÓLICA 
 
Os problemas fundamentais da cultura humana têm interesse humano e 
devem se tornar acessíveis em termos de saberes ao público geral (CASSIRER, 
2012). Os antropólogos Turner e Turner (1978), ao analisarem peregrinações na 
Europa e no México durante a década de 1970, defenderam a tese de que o estudo 
das peregrinações permite certo aprofundamento na compreensão da dinâmica da 
vida social. Seguindo tais apontamentos, entendemos que uma leitura cultural dos 
significados direcionados pelos peregrinos à sua prática religiosa e ao espaço 
sinalizará para uma inteligibilidade das sociedades em questão. 
A peregrinação a pé configura-se como objeto de estudo desafiador ao 
geógrafo. É preciso saber que as espacialidades das peregrinações não estão 
dadas, dependem do método adotado e dos objetivos do pesquisador. A análise 
empírica será sempre essencial para a evolução dos estudos. Rosendahl assinala 
que “a palavra peregrino não aparece nos dicionários básicos de geografia, embora 
se refira a uma experiência humana repleta de significados e de nítida dimensão 
espacial” (2006, p. 119). Dentre as maneiras possíveis de peregrinar, as 
peregrinações a pé – conhecidas como “autênticas peregrinações” – exprimem uma 
geograficidade3 extraordinária. Conservar os pés na terra, como o faz o peregrino a 
pé, torna-o um agente religioso espacial singular, fazendo desses espaços “textos” 
que merecem decodificação dos geógrafos4. 
 
3
 Refere-se a uma dimensão espacial da existência humana. Para Eric Dardel, “amor ao solo natal ou 
busca por novos ambientes, uma relação concreta liga o homem à Terra, uma geograficidade 
(géographicité) do homem como modo de uma existência e de seu destino” (DARDEL, 2011, p.1). 
4
 “A linha interpretativa dentro da geografia cultural recente desenvolve a metáfora da paisagem como 
„texto‟ a ser lido e interpretado como documento social” (COSGROVE e JACKSON, 2007, p. 137). 
 
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O caminho da peregrinação, para além de seus aspectos físicos, solicita do 
pesquisador a consideração de questões fundamentais da vida do homem. 
Caminha-se sempre dentro de um contexto natural e social (LABUCCI, 2013), 
representando um elevado modo de (r)e(s)xistência5 na terra. A vida tem pulsão no 
instante da peregrinação. “Caminhar é uma modalidade do pensamento” 
(LABBUCCI, 2013, p.9), que embora possa representar fuga do homem religioso ao 
mundo da técnica, é uma afirmação direta e explícita da condição de ser humano. 
Caminhamos com o nosso corpo. Esse simples fato nos remete à vida nua, 
aos seus elementos e às suas necessidades mais elementares: comer, 
beber e dormir, frio e calor, cansaço e repouso, dor e prazer; a vida na qual 
os nossos sentidos estão todos trabalhando com uma potência e uma 
capacidade maravilhosas, que não experimentamos normalmente. Por isso, 
quem caminha volta logo sabendo que algo se perdeu, do qual não temos 
mais consciência: as estações, o clima. Estes são os protagonistas, 
frequentemente incômodos, das narrativas de viagem a pé. (LABBUCCI, 
2013, p. 23-24). 
 
Ao caminhar em peregrinação o homem religioso idealiza se colocar numa 
situação de engrandecimento espiritual. Ele busca o sagrado que está concentrado 
nos templos, e se faz do sagrado que o acompanha passo a passo. Por este ponto 
de vista, entende-se que o sagrado se dá ao ver e ao sentir do homem religioso; 
sagrado que encontra qualificação em rituais e formas espaciais religiosas não só 
encontradas, mas também reconhecidas pelo peregrino. 
Para Sandra de Sá Carneiro (2013) o conceito de peregrinação deve ser 
compreendido a partir da percepção do peregrino. Ninguém melhor do que ele para 
definir o que é a experiência de caminhar em peregrinação. Assim, 
metodologicamente, os estudos devem perceber e valorizar a pluralidade das 
experiências e narrativas desses agentes espaciais, pois o sentido da experiência é 
constituído e elaborado de diferentes universos de significado. As percepções sobre 
o local, a paisagem e a mobilidade ganham destaque na concepção da autora 
acima. Após analisar um conjunto de narrativas de peregrinos sobre o Caminho de 
Santiago de Compostela, vejamos a reflexão de Carneiro (2013, p.136): 
 
Ver: COSGROVE, Denis; JACKSON, Peter. Novos rumos da geografia cultural. In: CORRÊA, 
Roberto Lobato; ROSENDHAL, Zeny (Org). Introdução à geografia cultural. Rio de Janeiro: Bertrand 
Brasil, 2007. 
5
 Labucci compreende a arte de caminhar (incluímos a caminhada em peregrinação) como uma 
revolução. Para este autor, “não existe nada mais subversivo, mais alternativo em relação ao modo 
de pensar dominante, que o caminhar” (LABUCCI, 2013, p. 9). 
 
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[...] as peregrinações são descritas como experiências que podem 
proporcionar aos peregrinos “conhecimento de si mesmos”, “introspecção”, 
“despojamento material” em uma dimensão mais subjetiva. Mas também 
pode favorecer o contato dos peregrinos com “paisagens”, com uma 
“natureza exuberante” e com “belos quadros da natureza”. Além disso, 
valoriza-se a possibilidade de se conhecerem, durante o percurso, 
“patrimônios nacionais”, “sítios históricos e arqueológicos”, ruínas etc. Ao 
mesmo tempo aponta-se uma dimensão da experiência de se realizar esses 
caminhos que pode significar também uma peregrinação “mística” ou 
“religiosa”, por meio da qual podemos ter “aproximação de Deus”, contato 
com o “Criador” e “fervor religioso”. 
 
Salvaguardando as “(im)possibilidades” de se projetar como peregrino a pé e 
imaginar o que possa significar tal experiência, a tarefa de gerar interpretações 
sobre os depoimentos dos que caminham em peregrinação, mesmo que não de 
modo intencional, parece forjar ao pesquisador um exercício de alteridade. 
Pensando na experiência de peregrinos, desenvolvemos, assim, uma sequência de 
três tópicos para essa seção que coloca em destaque elementos e expressões 
psicológicas, fisiológicas e naturais que visam rememorar a condição de ser humano 
do peregrino e nos servirão de fios condutores para uma reflexão geográfico-poética. 
A saber, a divisão das subseções: a gravidade e o corpo, o sol e o vento; a 
árvore, o riacho e um céu de estrelas; o encontro com o espaço sagrado. Esses 
tópicos apresentam breves descrições da experiência de peregrinos investigados em 
2014 e reconhece a peregrinação a pé como fundadora de uma experiência única, 
mas multívoca em referência às paisagens percorridas e horizontes formulados6. 
 
3.1. A Gravidade e o Corpo, o Sol e o Vento 
 
Eu tinha que pagar minha promessa a pé mesmo. De outro jeito eu não queria. O 
negócio de meter o pé na estrada, ter fé e acreditar que tudo vai dar certo. Não dá 
pra pensar nas dificuldades [...] O corpo se acostuma e você só tem que ir em frente 
(Junior, 14/08/2014). 
 
 
6
 Ver: SOUZA, José Arilson Xavier de. Peregrinações a pé: experiências e a expressão espacial do 
horizonte. In: 33º CONGRESSO DA CONF. OF LATIN AMERICANIST GEOGRAPHERS (CLAG) – 
“Interfaces do Espaço Latino Americano”. Anais eletrônicos... Fortaleza-CE: UFC, 2015. Disponível 
em: http://media.wix.com/ugd/ccfc55_5a4a3e684c334060b256e4d8748d3e70.pdf. Acesso em 06 jul., 
2015. 
http://media.wix.com/ugd/ccfc55_5a4a3e684c334060b256e4d8748d3e70.pdf
 
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 A decisão de se colocar num caminho de peregrinação acontecera meses 
atrás, em virtude de um problema de saúde na família. Valeu-se da graça de Nosso 
Senhor do Bonfim no que concerne ao pedido de cura, e ali nascia a promessa: 
peregrinar por um trajeto de 245 km em sinal de agradecimento. Para a realização 
da “façanha” – para utilizar um termo pronunciado pelo próprio peregrino –, ganhou 
a companhia do amigo e compadre, que já fizera a caminhada em outras 
oportunidades. 
De outro jeito, a não ser a pé, “teria graça”. O religioso se achava tão devedor 
e, concomitantemente, grato, que só a caminhada lhe satisfaria a alma. Pra começar 
dar tudo certo, de fato, uma coisa lhe parecia clara: tenho fé, mas precisava 
manifestar isso com os pés. Era preciso sentir a gravidade que lhe ligava a terra, 
sentir o “peso” do terreno por meio do corpo, sentir o sol castigar, deixando as 
maçãs do rosto numa cor encarnada7. Peregrinar, inclusive, para sentir o atrito do 
vento e depois de alguns dias de caminhada, deixar o corpo ser levado à frente. 
O astro-rei não só castiga. Ele abre os caminhos e descortina paisagens. 
Todos os dias, dois espetáculos são certos lá do horizonte: o nascer, anunciado pela 
aurora, e o pôr do sol, dando início ao crepúsculo. Durante esses dois movimentos, 
na caminhada em peregrinação, são quase certas as lembranças da bondade de 
Deus. As paisagens da terra mudam de coloração e percebe-se que algo de novo 
chega e algo vai embora. O movimento de renovação se mostra natural. Reza-se 
com mais firmeza logo ao acordar, tendo como tela à frente um horizonte que 
encandece a visão e preenche os corações de sentimentos que brotam de dentro de 
cada ser – um sujeito que, diante da experiência, se compreende renovado em seus 
pensamentos. 
 
3.2. A Árvore, o Riacho e um Céu de estrelas 
 
 Depois de algumas horas caminhando, a chegada junto àquela árvore, vista 
agora antes lá no horizonte, inaugura uma parada. Para-se nesse local a fim, 
sobretudo, de aproveitar da sombra ofertada pela copa. Momento de descansar as 
 
7
 Na entrevista, o religioso referiu-se a cor vermelha. Encarnada é uma expressão que lembra a cor 
da carne (vermelha). 
 
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 1719 
pernas, encostar o cajado, tirar o tênis velho para que os pés respirem, e sacar da 
mochila algo para comer. Faz-se uma refeição sem mesa, nem cadeira. Os 
peregrinos que passavam na estrada agora ganham espaço na roda e contam das 
suas experiências e proezas no caminho. A roda ganha em prosa e os jogos dão o 
tom. Ali, os finos colchões também podem ser desdobrados e as redes armadas 
sobre os galhos da árvore. Contudo, logo que “o sol esfria”8, lembra-se que o 
caminho é o que há para ser vivido e experienciado. 
 
A caminhada não é fácil, mas o Senhor do Bonfim está com a gente. É uma 
experiência pra quem está disposto a descansar pouco, mas, por outro lado, manter 
contato com a natureza e, quem sabe, até se encontrar aqui (Fátima, 14/08/2014). 
 
 A persistência física do peregrino é sustentada pela “companhia” do Santo. 
Peregrinar é colocar o corpo em exaustão, não tem como não ser assim. Por outro 
lado, é estabelecer uma experiência com a natureza que poucas práticas humanas 
permitem. Qual o mal em acompanhar os passarinhos com os olhos e imaginar para 
onde vão? Por que não se colocar em cima daquela montanha e de lá pensar na 
vida? Como é bom sentir o cheiro de mato... Por ocasião, vale até falar com a 
natureza e pedir licença para passear. Pois bem, é preciso caminhar... A paisagem 
tem no seu horizonte a imagem de um riacho. A paisagem ganha o som da água em 
corrente pela vegetação. Caminha-se para lavar o rosto, banhar-se e abastecer os 
reservatórios de água. 
 Com o anoitecer, sob um céu de estrelas, na areia branca do rio, armam-se 
as barracas de camping, enquanto outros se responsabilizam por apanhar a lenha e 
acender a fogueira. A paisagem é outra; o horizonte causa medo. A fogueira serve 
para esquentar os corpos, afugentar os animais, e em volta dela é bom de ficar 
“jogando conversa fora”. 
 
3.3. O Encontro com o Espaço sagrado 
 
 
8
 Essa é uma expressão comum ao homem do campo no Brasil. Quer sê-a dizer que os raios solares 
já não atingem a terra com tanta intensidade. 
 
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 Se a peregrinação pudesse ser equiparada à escalada de uma montanha, o 
encontro com o espaço sagrado seria a chegada ao seu cume. Todo o esforço físico 
e a fé no objetivo da caminhada, escalada, teria valido a pena. A alma teria 
passeado por muitas paisagens9 e horizontes antes de se juntar ao corpo diante do 
altar – refere-se a altar como a visão que se tem do cume da montanha, bem como 
ao altar da igreja buscada; enquanto objetos de culto, os dois são considerados 
santuários: o primeiro natural, o segundo construído. No espaço sagrado, comoem 
geral dizem os peregrinos, sente-se que o dever foi cumprido. A divindade é sentida 
de modo mais intenso ali. A promessa é paga nesse encontro entre homem e 
espaço sagrado. 
 Na experiência do peregrino a pé, ao contrário da experiência do escalador de 
montanhas, o encontro com o espaço sagrado minimiza a persistência do horizonte. 
Enquanto aquele que escala a montanha encontra-se em estado de graça diante da 
imensidão do horizonte, se deixando imbuir de devaneios, o peregrino que chega ao 
santuário do santo já não tem tamanha preocupação com o horizonte. A cada curva 
ultrapassada, a cada monte deixado pra trás, o sol e a lua que vieram e se foram 
algumas vezes, sabia-se que o santuário estava além dos horizontes que não 
permitiam sua visualização. Com efeito, a paisagem mais buscada pelo peregrino 
tem a forma do santuário no horizonte. Não se caminha em peregrinação por acaso. 
 
Chegar ao Santuário do Bonfim depois de toda essa caminhada é uma recompensa 
que só os peregrinos de verdade sabem o que é (Marcondes, 15/08/2014). 
 
 Só sabe o que é peregrinar quem peregrina. Só sabe o que é imaginar a 
experiência de um peregrino quem tem a iniciativa de imaginar. O peregrino 
imagina-se a caminho e no caminho, imagina-se chegando ao espaço sagrado e 
pronto pra cumprir um ritual. A chegada faz com que as batidas do coração se 
acelerem e os olhos sejam marejados. É uma etapa especial da peregrinação, o que 
requer uma espécie de ritual individual de celebração: vai-se direto ao santuário, e lá 
se curva diante da imagem do santo; fica-se em silêncio e se realiza uma rápida 
 
9
 Recomenda-se a leitura de: BESSE, Jean-Marc. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a 
geografia. Tradução de Vladimir Bartalini. São Paulo: Perspectiva, 2006. 
 
 
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oração de agradecimento, o que pode ser feito ainda com o cajado em mãos e a 
mochila nas costas; assiste-se a missa do peregrino, inclusive na companhia de 
familiares que esperavam ansiosos; busca-se o velário, para assim se acender uma 
vela e pedir intercessão, aliás, já pensando na caminhada em peregrinação do ano 
seguinte. 
 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 A religião, a religiosidade, universo no qual se inclui a fé e as expressões de 
sua manifestação, em práticas, comportamentos e saberes, apresenta uma 
perspectiva a partir da qual se tem algo a dizer sobre o conjunto da experiência 
humana na terra (GEERTZ, 1978), apresentando-se como tema de discussão 
geográfica, como saber cotidiano ou enquanto sistematização científica 
(ROSENDAHL, 1996). Sobre a prática religiosa da caminhada em peregrinação, 
geograficamente, a análise deve compreender a experiência em suas dimensões 
física e simbólica. 
 A identidade do peregrino a pé se constrói no tempo e no espaço da 
caminhada. A experiência espacial da peregrinação a pé traz consigo um saber 
geográfico, de paisagens e de lugares, que outra maneira de peregrinar não é capaz 
de proporcionar. Mesmo que de modo efêmero, o homem em peregrinação habita o 
espaço da terra e desenvolve relações, seja com as pessoas ou com os elementos 
naturais encontrados no percurso. Mais do que o desempenho físico, o viço das 
paisagens é o que mais conta para aqueles que buscam contato com a natureza e 
um reencontro consigo. Com efeito, existem laços sensíveis do homem religioso 
com o espaço da peregrinação. Caminha-se em peregrinação para tornar a vida 
mais significativa. O peregrino a pé só o é quando tem a experiência de caminhar. 
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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Tradução de Vladimir Bartalini. São Paulo: Perspectiva, 2006. 
 
 
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São Paulo: Contexto, 2010. 
 
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GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 
 
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século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. 
 
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