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Saúde Mental no Cárcere

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
Ana Luiza de Moura Balbão – RA00187738
Isabela Moraes Porto – RA00183447
Julia de Barros Junqueira – RA00182891
Luiza Torturelli Gomes – RA00195400
Raissa Coelho Lopes Lucena – RA00171189
Vinicius Cassio Ferreira de Souza – RA00113081
SAÚDE MENTAL NO CARCERE:
ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂENOS DO BRASIL
São Paulo – SP
2019
1.1. 
Sumário
1.	INTRODUÇÃO	4
2.	PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: VISÃO HISTÓRICA	8
3.	SAÚDE MENTAL: DEFINIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA	12
3.1. AFINAL, O QUE É SAÚDE MENTAL?........................................................................12
4.	SAÚDE MENTAL NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO	14
5.	IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL PARA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA	17
5.1. POR QUE É TÃO IMPORTANTE TRABALHAR A SAÚDE MENTAL NO CÁRCERE? DADOS CORRELATOS E A IMPORTÂNCIA SOBRE A REINSERÇÃO NA SOCIEDADE..17
6.	CONCLUSÃO	21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS	23
2. 
INTRODUÇÃO
A priori, demonstra-se importante definir a evolução do conceito de pessoa, ao longo da história e, para tal, ganha destaque a obra de Fábio Konder Comparato[footnoteRef:1]1, na qual o autor considera a evolução do conceito de pessoa no decorrer da história. A primeira discussão do conceito de pessoa se estabeleceu em torno da identidade de Jesus, procurando compreender se sua identidade era puramente divina ou se apresentava um caráter comum, ou seja, com um pai biológico assim como todos os outros seres humanos da Terra. Após algum tempo, os padres entraram em um consenso e estabeleceram que Jesus apresentava uma dupla natureza: humana e divina. [1: 1 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013, passim.] 
A segunda fase na história da elaboração do conceito de pessoa se deu com Boécio no século VI. Através dele, a definição medieval torna-se clássica, em que "Pessoa é a substância individual de natureza racional". A definição Boeciana foi adotada por São Tomás de Aquino, e segundo ele, o homem seria composto de substância espiritual e corporal.
Tentando se desprender do fundamentalismo religioso, era necessária outra justificativa, e para os Sofistas e Estóicos, esse fundamento seria a natureza, ou seja, uma natureza igual a todos os homens. Para outros autores gregos, a igualdade essencial do homem foi expressa mediante a oposição entre a individualidade de cada homem e a máscara teatral que ele veste na vida social. Essa oposição entre a máscara e a individualidade mais tarde foi denominada como personalidade.
Foi na concepção medieval de pessoa que se iniciou a abordagem do princípio da igualdade essencial de todo ser humano. É essa igualdade de essência que forma o núcleo do conceito universal dos direitos humanos.
A terceira fase do conceito de pessoa se deu através do primeiro postulado ético de Kant, onde só um ser racional tem vontade, que é uma espécie de razão, a razão política. A análise se dá por meio de imperativos: Imperativo Hipotético (necessidade prática de uma ação, considerada como meio de conseguir algo desejado) e Imperativo Categórico (ação que é necessária por si mesma, sem relação com finalidade alguma exterior a ela - Todo ser racional existe como um fim em si mesmo, não como meio para esta ou aquela vontade).
Quando os entes não dependerem da nossa vontade, mas sim da natureza, e quando irracionais, se chamariam coisas; e quando esses entes fossem racionais, se chamariam pessoas, pois são marcados, por sua própria natureza, como fins em si mesmos, não podendo servir simplesmente como meio. A dignidade da pessoa não consistiria apenas no fato dela ser um fim em si e nunca um meio para um determinado resultado, também seria que, devido a sua racionalidade, apenas a pessoa vive em condições de autonomia. De acordo com Kant, todo homem tem dignidade e não um preço como as coisas, e cada ser humano é algo insubstituível, não podendo ser trocado por nada. A concepção kantiana da dignidade da pessoa humana como um fim em si leva a condenação de muitas outras práticas de aviltamento do indivíduo à condição de coisa, além da clássica escravidão.
A transformação de pessoa em coisa pode ser exemplificada no Gulag soviético e no Lager nazista, máquinas de despersonalização dos seres humanos. Ao entrar em um campo de concentração, o sujeito era esvaziado de seu próprio ser, de sua personalidade. O prisioneiro já não seria reconhecido como ser humano, dotado de razão ou sentimentos – suas forças seriam para lutar contra a fome, exaustão, dor – e nesse esforço seria reduzido a condição de animal.
A quarta fase na compreensão do conceito de pessoa se dá em torno de que o homem seria o único ser vivo que dirige a sua vida em função de preferências valorativas, ou seja, a pessoa humana é, ao mesmo tempo, o legislador e o sujeito que se submete voluntariamente a essas normas valorativas. Os direitos humanos foram identificados como os valores mais importantes da convivência humana, aqueles sem os quais as sociedades acabam perecendo por um processo de desagregação. A compreensão dessa realidade transformou toda a teoria jurídica, adotando a ideia de que deveria existir uma organização hierárquica dos direitos humanos.
A quinta e última fase, abriu-se no século XX com a filosofia da vida e o pensamento existencialista. Reagindo contra a crescente despersonalização do homem no mundo contemporâneo, a reflexão filosófica da primeira metade do século XX acentuou o caráter único, inigualável e irreproduzível da personalidade individual. Seguindo a visão da historiografia Estóica, reconheceu-se que a essência da personalidade humana não se confundiria com a função que cada um exerceria na vida. A pessoa não seria um personagem, e a chamada "qualificação pessoal" é uma externalidade que não diz respeito a essência do indivíduo, e que cada pessoa teria uma realidade única e insubstituível. Nesse período, analisa-se a pessoa imersa no mundo.
Por fim, a reflexão histórica contemporânea salientou que o homem não é algo permanente e imutável, primeiro porque a personalidade de cada ser humano é moldada por todo um passado. Para visualizar a mentalidade de alguém, observa-se o seu momento histórico, em que cada um de nós já nasceria moldado por um passado coletivo, carregado de valores, crenças e preconceitos. Sob esse ponto, é impossível aplicar à pessoa humana a noção de natureza adotada pela filosofia grega, de acordo com a interpretação tradicional, referindo-se sempre a algo imutável e permanente. Ademais, a essência do ser humano é evolutiva, pois a personalidade de cada um é sempre algo de incompleto e inacabado, uma realidade em contínua transformação, em que, de acordo com Heidegger, o ser humano apresentaria essa característica de um permanente inacabamento.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 de Dezembro de 1948, condensou toda a riqueza dessa elaboração teórica, ao proclamar em seu artigo VI, que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa. No entanto, os problemas não foram eliminados, e o avanço tecnológico não cessa de criar problemas, à espera de uma solução satisfatória, no campo ético.
O artigo I da Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, constituiu o nascimento dos Direitos Humanos na história. É o reconhecimento de que todos os homens são igualmente vocacionados ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. A "busca pela felicidade", repetida na declaração de Independência dos EUA, é a razão de ser esses direitos inerentes à própria condição humana; uma razão que é aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações - Uma razão universal como a própria pessoa humana.
Os direitos humanos são, dessa forma, direitos mínimos para garantir a vida e a dignidade humana. Não existem direitos concretos e solidificados desde a antiguidade, mas sim construídos de acordo com culturas e tempos históricos diferentes. Relativos a essas estruturas os Direitos Humanos apresentam-se em constante construção, uma vez que a ampliaçãodo conhecimento humano acerca da vida e de deus pré-requisitos é constante. Tais direitos, portanto, são direitos que emergem gradualmente das lutas que o homem por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem. 
O Sistema Internacional de proteção dos direitos humanos constitui o legado maior da chamada “Era dos Direitos”. Bobbio[footnoteRef:2]2 estabelece os pilares da universalização e a ampliação dos Direitos Humanos, demonstrando como tal conceito ampliou as garantias fundamentais a quaisquer indivíduos. Hoje, diferentemente da antiguidade, as classes que são englobadas pelos princípios dos Direitos Humanos foram ampliadas, não havendo, portanto, distinção entre raça, classe, opção sexual e religião. Além disso, o Sistema Internacional está em constante luta para aprimorar e atualizar, sempre, os Direitos Humanos, não os deixando enrijecer-se e tornar-se ultrapassados, confirmando como tais direitos são relativos à cultura e a ideias presentes no pensamento dos indivíduos, tal como disse Norberto Bobbio. Bem como a humanização do Direito Internacional Contemporâneo, que adquire viés jusnaturalista e fortalece a primazia do direito natural como base e constante meta do direito que rege o Sistema Internacional e suas relações. [2: 2 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, passim.] 
Por fim, mostra-se necessário definir Direitos Humanos, considerando a amplitude de conceitos dos mais diversos estudiosos, a síntese dos conceitos explicitados por Flávia Piovesan, Norberto Bobbio e Hannah Arendt tornasse apropriada para o objetivo da pesquisa: “Os Direitos Humanos são reivindicações morais humanas que não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas, nascem quando devem e podem nascer, em constante processo de construção e reconstrução” .
A contemporaneidade, contudo, enfrenta desafios para efetivar os Direitos Humanos na sociedade, tais desafios são decorrentes de questões sociais, econômicas e religiosas, com a objetivação de direitos universais frente ao relativismo cultural; a laicidade almejada em face aos fundamentalismos religiosos emergentes; a busca desenfreada pelo desenvolvimento desconsidera as assimetrias globais, tornando tal direito restritivo e, dessa forma, privilégio; a dificuldade da proteção de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais frente ao dilema da globalização; a dificuldade de conversão da diversidade com a tolerância; a preservação de direitos e liberdade públicas e o combate ao terrorismo sem a gênese de incoerências; e a implantação da justiça internacional frente ao embate entre o direito e poder de fato. Este último seria o âmbito no qual se insere a problemática da saúde mental no cárcere. Nesse sentido, deve-se questionar, qual é a fronteira entre direito e poder de fato do Estado em vilipendiar os direitos dos encarcerados, que enquanto pessoas, devem ser tratados com dignidade e em conformidade com os Direitos Humanos.
3. 
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: VISÃO HISTÓRICA
A história da humanidade é marcada por diferentes sistemas de punição, que foram se desenvolvendo e se transformando, levando muito tempo até que se chegasse ao modelo atual de privação de liberdade.
Na Idade Antiga, as civilizações Grega e Romana tiveram as primeiras formas de organização na sociedade e também as primeiras formas de punição a serem implantadas. [footnoteRef:3] [3: CALDEIRA, Felipe Machado. A evolução histórica, filosófica e teórica da pena. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, nº45, v.12, 2009.p. 272] 
Divisões entre famílias, clãs e tribos, eram características da baixa organização social.[footnoteRef:4] Dentro delas eram estabelecidas normativas visando o bem-estar comum, para a proteção de seus integrantes. A partir, porém, da determinação dessas regras de convivência, surgiu a necessidade de haver também mecanismos de defesa. [4: TELES, Ney Moura. Direito Penal Parte Geral: Art. 1º a 120. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 20] 
Como forma de manutenção da paz social, as sanções foram instituídas em uma das primeiras formas de determinação de conduta[footnoteRef:5]. Aquele sujeito que desrespeitasse o interesse de alguma outra pessoa da comunidade tinha como pena a perda de proteção de seu grupo. [5: CALDEIRA, Felipe Machado. A evolução histórica, filosófica e teórica da pena. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, nº45, v.12, 2009, p. 260] 
A partir disso, se buscava eliminar alguém considerado como inimigo do grupo, além de evitar o contágio por sua mácula, porque acreditavam na influência dos deuses e forças sobrenaturais. Além de perder a proteção do grupo, podendo ser agredido por qualquer pessoa, o sujeito transgressor também estaria exposto à ira dos deuses. Caso contrário, se o indivíduo não fosse retirado do grupo e punido devidamente, a comunidade acreditava que seria punida em sua integralidade. 
Uma das principais características dessas sanções era a desproporcionalidade, visto que a preocupação central da população residia em determinar o responsável pela infração das regras sociais, mas não analisar os motivos ou como aquele ato teria sido praticado[footnoteRef:6]. [6: CHIAVERINI, Tatiana. Origem da pena de prisão. 2009. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 02] 
O caráter totalmente vingativo da sanção é claro, visto que tentava retribuir o mal que um sujeito causara a outrem. Devido à influência do aspecto religioso, o poder sancionatório era destinado a sacerdotes, ou para aqueles com posição social mais elevada, tal como os suseranos, porque se acreditava em sua mais estreita ligação às divindades religiosas[footnoteRef:7]. Pelo temor aos deuses, os condenados aceitavam seu destino para não os aborrecerem ainda mais. [7: Coulagens; Maine apud Wolkmer, Antônio Carlos (Org.). Fundamentos de História do Direito. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 02] 
Com a necessidade de dizimar as vinganças coletivas, surgiram alguns instrumentos que buscavam codificar as punições, tal como o Código de Hamurabi, a Lei das XII Tábuas, o Código de Manu e de Sólon, por exemplo. Apesar de impor medidas severas e diferenciar classes sociais na aplicação de penas, a evolução trazida por essas normativas compreendia ao sistema punitivo que estabeleciam. 
Nessa época, o aprisionamento estava ligado ao exercício de domínio físico para realizar a punição e não se tratando de uma punição por si próprio. Os sujeitos eram mantidos em ruínas, torres ou calabouços, marcados pela insalubridade. Não havia luz ou mesmo condições de higiene e, por isso, era muito comum que presos tivessem doenças ou até mesmo que falecessem antes de serem punidos da maneira considerada própria[footnoteRef:8]. [8: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24ªed. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2002.] 
Durante a Idade Média, o cárcere ainda era mantido como custódia, ou seja, somente para garantir que os infratores seriam submetidos ao cumprimento das devidas punições. Essas punições poderiam envolver desde a amputação de membros, até a forca, fogueira, queimadura ou guilhotina, por exemplo – protagonizando espetáculos à população, que era impressionada e compelida a agir de acordo com as regras da comunidade. 
Nesse mesmo período, o poder da Igreja Católica estava em ebulição e ela, por meio das inquisições, perseguia, julgava e punia aqueles acusados de desvio de conduta imposta pelos ideais católicos. 
Entretanto, o Direito Canônico foi sendo fortalecido, porque a Igreja Católica era uma das únicas instituições organizada e centralizada naquela época. Além disso, a instituição católica também possuía diversas terras, tornando-se ainda mais poderosa[footnoteRef:9]. Por isso, a Igreja pode influenciar na legislação penal, unindo-se à justiça comum em defesa da ordem e da moralidade. [9: Tigar apud SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2010, p.240] 
A pena privativa de liberdade foi diretamente influenciada pelo Direito Canônico, que buscou a abolição de penas bárbaras, considerando a punição pública como a única correta[footnoteRef:10]. A ideia da reclusão estava na possibilidade daquele sujeito infrator refletir sobre seus atos, se arrependendo de seus pecados através da penitência e oração, corrigindo suas condutas, eis que surgiu a prisão eclesiástica[footnoteRef:11]. [10: PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Volume I, parte geral - Arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 83] [11: BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 25] 
Durante a Idade Moderna, a partir de 1453, o Renascimento e o Absolutismo fizeram com que perspectiva do mundo começasse a mudar através de ideais antropocêntricos. Por isso, a razão e o individualismo foram valorizados[footnoteRef:12]. [12: ANITUA, Gabriel Ignácio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p. 69] 
Nos estados absolutistas, a crueldade na aplicação das penas era característica comum e marcante. As punições eram vistas como espetáculos e eram feitas para que houvesse sofrimento e exposição do condenado, como forma de confirmar o poder soberano do monarca diante de seu povo.
Nessa época, o Direito Penal começou a ser usado como instrumento de preservação da ordem política e social, visto que os nobres tinham isenções de impostos e penas mais brandas e os pobres sofriam com as penas rígidas e alta incidência desses impostos[footnoteRef:13]. [13: CHIAVERINI, Tatiana. Origem da pena de prisão. 2009. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 70] 
Junto ao enfraquecimento do absolutismo, enfraquece também a ideia de um sistema penal baseado no sofrimento. A pena de morte se mostrara ineficiente com o aumento da criminalidade, porque as dificuldades econômicas geraram um aumento da miséria. Esse aumento na pobreza incorreu no crescimento dos índices de delinquência e, havendo pena de morte, portanto, haveria consequente diminuição considerável da população[footnoteRef:14]. [14: MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: As origens do sistema penitenciário (séculos XVI – XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 36] 
A preocupação com à falta de mão-de-obra era simultânea a esse quadro de pobreza, motivo pelo qual surgiu a ideia de exploração de sujeitos ociosos em favor do capitalismo. O Mercantilismo, então, trouxe uma nova concepção de trabalho ao determinar que a riqueza de um país dependeria do desempenho de seus habitantes – que deveriam trabalhar para sobreviver. 
Pela introdução de uma suposta ética ao trabalho, a forma de educar os indivíduos que não trabalhavam era inserindo-os em uma prisão, as chamadas “casas de correção” (houses of correction), que ficaram conhecidas como as primeiras manifestações de detenção laica. 
Com o marco do iluminismo, houve uma associação do conhecimento crítico para desenvolver o Estado e a sociedade, surgindo uma indignação em relação às penas cruéis e desumanas. A forma de se punir foi substancialmente alterada – influenciada, por exemplo, pela obra “Dos Delitos e das Penas”, de Cesare Beccaria, datada de 1764 – sendo combatida em relação à violência e dando garantias aos acusados. 
A partir do século XVIII, a ideia de promoção da reinserção social tomou força e o direito de punir, passou de mera vingança para uma forma de defesa da sociedade. Os sistemas de punição se voltaram para a correção dos condenados, excluindo-se o caráter de humilhação antes relacionado às penas. 
De acordo com Michel Foucault, na obra “Vigiar e Punir”, de 1998, a dor física antes objeto da punição foi substituída por uma intenção de atingir a consciência do infrator, através da pena privativa de liberdade por uma outra forma de se fazer sofrer. 
Apesar de ter sido deturpada ao longo do tempo e muitas vezes não se mostrar a situação fática das prisões, as penas deveriam ter o isolamento para reflexão. Não há, portanto, de que se afetar a dignidade da pessoa – pelo contrário, já que as condições básicas e direitos fundamentais do sujeito devem ser respeitadas - mas fazê-la refletir a respeito de sua conduta como consequência inevitável do afastamento de todas as outras relações sociais e atividades cotidianas. 
4. SAÚDE MENTAL: DEFINIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
4.1. Afinal, o que é saúde mental?
De acordo com Secretária da Saúde, saúde mental não é sinônimo de “doença mental”, isto porque, implica muito mais que ausência de enfermidades mentais. A saúde mental de uma pessoa está atrelada à forma com a reação às exigências da vida e ao modo de harmonização de seus desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções. Nesse sentido, defende a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) que a importância de um ambiente que respeite, proteja e assegure os direitos civis básicos, políticos, socioeconômicos e culturais, é fundamental para a promoção e desenvolvimento da saúde mental. 
A Organização Mundial de Saúde afirma que não existe definição "oficial" de saúde mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos, e teorias relacionadas concorrentes afetam o modo como a "saúde mental" é definida. "Saúde mental é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional. Inclui neste termo, a capacidade de um indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência psicológica. Admite-se, entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de transtornos mentais.”
Para a OMS, diversos fatores podem colocar em risco a saúde mental dos indivíduos; entre eles, rápidas mudanças sociais, condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, exclusão social, estilo de vida não saudável, violência e violação dos direitos humanos, e portanto, para atingir a saúde mental, é necessário que o bem-estar físico, mental e social estejam completos e asseguradas por direitos civis e humanos, bem como desenvolvimento de politicas sociais e programas governamentais e não governamentais com fins de integrar a promoção a saúde. 
Segundo o psiquiatra Dr. Lorusso: "saúde mental é o equilíbrio emocional entre o patrimônio interno e as exigências ou vivências externas. É a capacidade de administrar a própria vida e as suas emoções dentro de um amplo espectro de variações sem, contudo, perder o valor do real e do precioso. É ser capaz de ser sujeito de suas próprias ações sem perder a noção de tempo e espaço. É buscar viver a vida na sua plenitude máxima, respeitando o legal e o outro".
De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que no Brasil em cada 100 pessoas pelo menos 30 tenham ou venham a ter problemas de saúde mental. A depressão, a ansiedade e a síndrome do pânico são os principais problemas que assolam a sociedade brasileira. Diante dessa problemática, o Governo Federal em conjunto com o Ministério da Saúde, desenvolveu a Política Nacional de Saúde Mental que compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país para organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental. 
Tal politica abrange a atenção as pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo etc, e pessoas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, como álcool, cocaína, crack e outras drogas. O acolhimento dessas pessoas e seus familiares é uma estratégia de atenção fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias, conforme cada caso. Os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial, formada por váriasunidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de saúde.
Além das ações assistenciais, o Ministério da Saúde também atua ativamente na prevenção de problemas relacionados a saúde mental e dependência química, implementando, por exemplo, iniciativas para prevenção do suicídio, por meio de convênio firmado com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que permitiu a ligação gratuita em todo o país.
O Dia Mundial da Saúde Mental tem como data o dia 10 de outubro, instituído em 1992, pela Federação Mundial de Saúde Mental e são considerados pela OMS como prioridade devido ao grande número de dias de incapacidade que o transtorno mental pode causar. Os transtornos mentais acompanham a história da humanidade, relatos de quadros depressivos podem sem encontrados em textos antigos, como poemas gregos e a Bíblia.
5. SAÚDE MENTAL NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
Qualquer ramo do Direito precisa de suporte constitucional, principalmente se tratando do Direito Penal e Processo Penal, tendo em vista que controlam a liberdade do ser humano, indiscutivelmente um dos bens jurídicos mais protegidos pelo ordenamento pátrio[footnoteRef:15]. O art. 5o da Constituição Federal elenca os direitos e garantias fundamentais, podendo-se destacar os seguintes preceitos relativos à execução penal: [15: NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Execução Penal, 2ª edição.] 
“XLVII - não haverá penas:
 a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
 b) de caráter perpétuo;
 c) de trabalhos forçados;
 d) de banimento;
 e) cruéis;
 XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
 XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
 L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;”
Assim, entende-se que a punição não significa transformar o ser humano em objeto, de forma que o condenado, durante o cumprimento da pena, continua com todos os direitos humanos fundamentais em pleno vigor. Em consonância com os preceitos constitucionais acima destacados, estipula o Código Penal: “Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”; bem como o faz a Lei de Execução Penal (Lei No 7.210/84): “Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”
Depreende-se do artigo 41 da Lei de Execução Penal os direitos do preso, dentre os quais podemos destacar os seguintes como os que diretamente influenciam na saúde mental da população carcerária:
“I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.”
A alimentação fornecida ao preso deve ser em quantidade suficiente para mantença de sua saúde, a vestimenta não pode ser instrumento de ridicularizarão da pessoa humana, devendo ser igualmente digna a alimentação. O trabalho honesto constitui a mais importante forma de reeducação e ressocialização, e por meio dele é possível proporcionar ao recluso ou detento a formação profissional que não possua, porém deseje. Além disso, vale ressaltar que o ócio pode muitas vezes levar a depressão, de forma que a ocupação do tempo ocioso com o trabalho honesto, assim como tempo adequado de descanso e recreação, visa prevenir que o detento seja acometido por ela ou outra doença psicológica semelhante.
Tão importante quanto o trabalho honesto, se mostra a possibilidade do exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas praticadas anteriormente, desde que compatíveis com o novo sistema vivenciado.
No mais é assegurado ao preso o respeito a integridade física e moral, isso pois, a honra e a imagem de quem é levado ao cárcere já sofrem o natural desgaste imposto pela violência da prisão, com inevitável perda da liberdade e a consequente desmoralização no âmbito social, de forma que não mais exposto deve o condenado ficar, enquanto estiver sob tutela estatal[footnoteRef:16]. [16: NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Execução Penal, 2ª edição. ] 
Ainda nesta seara, é dever da administração do presídio evitar situações humilhantes de qualquer nível, o chamamento nominal é uma das formas mais sutis de mantença da dignidade da pessoa humana, inexiste sentido para numerar os presos, a não ser pelo deplorável objetivo de despersonaliza-los, para que se sintam mais objeto do que pessoas.
A Lei de Execução Penal, em seu artigo 14, garante ao preso a assistência à saúde de caráter preventivo e curativo, compreendendo assim atendimento médico, farmacêutico e odontológico, não importando ao Estado o dever de assistência psicológica. O parágrafo 2º do aludido dispositivo ainda garante que, não estando o estabelecimento penal aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em local diverso, mediante autorização da direção.
No entanto, a realidade do sistema prisional brasileiro é completamente oposta ao que dispõe nosso ordenamento jurídico. Na prática, ocorre constante e sistematicamente a violação de direitos dos presos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução das penas privativas de liberdade. Assim, a partir do momento em que o preso passa a tutela do Estado, ele perde não somente seu direito de liberdade e os outros atingidos pela sentença, mas todos os outros direitos fundamentais, passando a ter um tratamento execrável e sofrer mais variados tipos de castigos, acarretando na degradação de sua personalidade e perda de sua dignidade – o que por fim resulta em um processo que, ao invés de ressocializante, não oferece quaisquer condições de preparar o retorno útil do condenado a sociedade. 
Apesar da falta de previsão legal, a psicologia no âmbito do Sistema Prisional é adotada e reconhecida pelo Comitê Permanente de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Organizações Unidas (ONU), pelo Ministério da Justiça, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Cumpre ressaltar que o estado do Maranhão vem desenvolvendo importante trabalho de assistência psicológica para o processo de ressocialização dos presos, atuando primariamente como facilitadores do processo de inserção à instituição; atendimentos individualizados; grupos terapêuticos funcionais com temáticas variadas como: uso e abuso de drogas, redução de danos, reinserção social, inclusão familiar e outros temas; acolhimento aos familiares; suporte as demandas sociais, de saúde e jurídicas; estudo das aptidões para atividades laborais; acompanhamento aos egressos do sistema[footnoteRef:17]. [17: http://www.seap.ma.gov.br/2012/05/10/presos-do-maranhao-contam-com-assistencia-psicologica-para-o-processo-de-ressocializacao/] 
No mais, hodiernamente tramita na câmara o PL 2574/2007[footnoteRef:18], cujo teor é a criação de centros de Saúde nos estabelecimentos prisionais com mais de 100 presos, prevendo atendimento em ambulatório na própria unidade prisional por profissionais de saúde nas prisões com até 100 detentos, bem como a inclusão de previsão expressa de assistência psicológica na Lei de Execução Penal[footnoteRef:19].[18: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=379934&ord=1] [19: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2086237] 
6. IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL PARA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA
6.1. Por que é tão importante trabalhar a saúde mental no cárcere? Dados correlatos e a importância sobre a reinserção do preso na sociedade.
Segundo a Pastoral Carcerária, entidade organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, o Brasil possui mais de 725 mil pessoas presas, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos da América. Nossas prisões têm taxa de ocupação de 200 %, ou seja, elas possuem capacidade para receber somente a metade do número de presos que atualmente abrigam[footnoteRef:20]. [20: (https://carceraria.org.br/agenda-nacional-pelo-desencareramento/brasil-encarcera-em-ritmo-cada-vez-maior)] 
Um dos desmembramentos desta superpopulação é demonstrado através de dados do estado de São Paulo de 2006: há prevalência relevante de transtornos mentais na população prisional, em especial nas mulheres. A pesquisa aponta que mais de 60% dos presos tiveram pelo menos uma ocorrência de transtorno mental ao longo da vida, e 25% daqueles que estavam em regime fechado apresentaram ao menos um sintoma característico de transtorno mental. Cerca de 10% dos detentos homens e 25,5% das mulheres apresentavam transtornos mentais considerados graves[footnoteRef:21]. [21: Andreoli SB, Ribeiro SW, Quintana MIS, Higashi MK, Dintof AM. Estudo da prevalência de transtornos mentais na população prisional do estado de São Paulo [relatório científico final]. Brasília: CNPq; 2008. Andreoli SB, Abdalla-Filho E, Santos MM, Marques CM, Taborda JGV. Transtorno Mental e Prisão. In: Taborda JGV, Abdalla-Filho E, Chalub M, organizadores. Psiquiatria Forense. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2012. p. 585-597] 
Na mesma linha, pesquisa realizada em Santa Catarina vincula os sintomas de depressão não a transtornos mentais propriamente ditos, mas sim ao ambiente insalubre da prisão, à superlotação, às celas escuras, com pouca ventilação e odor fétido, à má alimentação, à falta de luz solar, à convivência com pessoas violentas, entre outras situações negligenciadas pelos estados[footnoteRef:22]. [22: Damas FB, Oliveira WF. A saúde mental nas prisões de Santa Catarina, Brasil. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental 2013; 5(12):1984-2147] 
 Da mesma forma, estudo executado na Paraíba apontou que 22,9% dos homens e 33,1% das mulheres presas apresentam depressão de moderada a grave; em estágio grave estão 10,5% dos homens e 17,2% das mulheres[footnoteRef:23]. [23: Araújo FAFM, Nakano TC, Gouveia MLA. Prevalência de depressão e ansiedade em detentos. Avaliação Psicológica 2009; 8(3):381-390] 
Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP - na região Nordeste, mais da metade (58,75%) dos estabelecimentos prisionais não dispõe de assistência médica. Se não há atendimento nem para clínica geral, infelizmente nem se cogita pensar em saúde mental, já que esta é tão negligenciada até para quem está fora dos presídios[footnoteRef:24]. [24: http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/11314-taxa-de-ocupacao-dos-presidios-brasileiros-e-de-175-mostra-relatorio-dinamico-sistema-prisional-em-numeros] 
No Rio de Janeiro, por seu turno, é latente o estresse (35,8% em homens e 57,9% em mulheres) e os sintomas depressivos moderados e graves (entre 31,1% e 47,1%, respectivamente) entre seus indivíduos encarcerados[footnoteRef:25]. [25: Minayo MC. Estudo das Condições de Saúde e Qualidade de Vida dos Presos e Custodiados e das Condições Ambientais do Sistema Prisional do Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisa: FAPERJ; 2014] 
Essas pesquisas indicam que as pessoas encarceradas têm direitos básicos ceifados devido à negligência do Estado. Há evidente urgência de maior atenção e investimento do Poder Público no sistema prisional, bem como a necessidade de ampliar e qualificar os serviços de saúde mental e valorizar o profissional da área, com o escopo de fornecer a essa parcela da população um tratamento adequado, já que todos estão sob a tutela do Estado. Certo é que o princípio da dignidade humana não deve em hipótese alguma ser mitigado devido ao crime cometido, por pior que este possa parecer. 
Há, ainda, a questão orçamentária relativa ao tutelado que tira a própria vida. O Estado deve ser responsabilizado em casos de suicídio de seus detentos? Quanto vale uma vida?
A Constituição Federal, em seu art. 37, parágrafo 6°, reza que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Diante de tal mandamento, infere-se que, em caso de suicídio de detento dentro do estabelecimento prisional, há responsabilidade objetiva do Estado, consagrando a modalidade do risco administrativo.
E assim tem decidido nosso egrégio Superior Tribunal de Justiça, como no AgRg. REsp. 1.305.259-SC. Neste julgado, consolidou-se o entendimento de que a administração pública está obrigada ao pagamento de pensão e indenização por danos morais às famílias de detentos que se suicidam dentro de presídio mantido pelo Estado.
Assim, em dada hipótese, não é necessário demonstrar eventual culpa da administração pública, pois, a responsabilidade civil estatal pela integridade dos presidiários é objetiva em face dos riscos inerentes ao meio no qual foram inseridos pelo próprio Estado.
Concluímos, portanto, que o Estado deve priorizar a prevenção de doenças mentais, quadros de estresses e outras síndromes causadas pelo confinamento, em detrimento aos gastos com indenizações às famílias de detentos suicidas. Prevenir sempre será o melhor remédio.
No tocante à sanção e à ressocialização do infrator, extrai-se do art. 59 do Código Penal que o Brasil adotou a teoria mista das funções da pena. Isso significa que o juiz, ao decidir pela pena a ser aplicada ao caso concreto, deve ter por base dois objetivos: a reprovação e a prevenção do crime. 
Dessa forma, a pena deve retribuir com o “mal” da sanção o mal causado pela infração, inibir a generalidade dos cidadãos a praticarem crimes e também evitar que o penalizado volte a reincidir, ressocializando-o e preparando-o para conviver novamente em sociedade.
Mas como pensar em ressocialização dos encarcerados, se, como visto, eles sequer possuem apoio psicológico? Se os presídios são lugares inóspitos, inadequados e corruptivos?
Acreditamos que é necessária a criação de centros de atendimento permanentes ou pelo menos de funcionamento regular, compostos por equipes multidisciplinares, com o escopo de resolverem de maneira rápida e eficiente todas as demandas que eventualmente possam surgir.
 O profissional da psicologia e da psiquiatria deve acompanhar o sujeito marginalizado socialmente, durante e logo após o cumprimento da pena, para evitar o surgimento de quadros clínicos de desordem mental. O tratamento deve ser voltado a retomar a estabilidade psíquica, com o fim de tornar menos desgastante o processo de ressocialização. 
Frisa-se que tal processo, quando feito de maneira humana e respeitosa, é benéfica não só para o preso, mas também para toda a sociedade, já que diminui os níveis de reincidência. Deve-se verificar o que levou o individuo a praticar tal ato, quais as circunstâncias em que ele cometeu e seu histórico, para que se elabore um plano de intervenção individualizado.
Noutras palavras, a saúde metal no cárcere deve ser trabalhada para auxiliar as pessoas que estão em cumprimento de pena privativa de liberdade a perceberem seu papel como cidadão na sociedade, resgatando nelas vários interesses que, sem dúvidas, ficaram latentes por muito tempo enquanto cumprem a pena.
 Assim, essa intervenção faz com que surja perspectiva de mudança em suas vidas e também a esperança de reinserção na sociedade, posto que muitos dos que estão cumprem penadentro da instituição carcerária já eram excluídos da sociedade de alguma forma e nunca tiveram oportunidade de fazer valer seu papel como cidadão.
Exemplo de sucesso é o projeto “Tempo para Despertar”, desenvolvido pela ilustríssima Promotora de Justiça Gabriela Mansur. Através dele, homens condenados por ameaça ou por outros crimes tipificados pela Lei Maria Da Penha recebem acompanhamento para que a escalada de agressão não evolua para estupro ou feminicídio. 
Com isso, os homens refletem sobre seus atos e tomam consciência do que ele fez em uma sociedade onde ainda há expressa desigualdade entre homens e mulheres. O homem passa a entender a cultura do estupro e a repensar suas atitudes. Em Taboão da Serra, cidade pioneira do projeto, reduziu-se a reincidência de 65% para 1% em crimes de violência doméstica contra a mulher. Graças à atuação do Ministério Público e da sociedade, “Tempo de Despertar” foi implementado no estado de São Paulo, através da Lei n° 16659/2018.
7. CONCLUSÃO
Juntamente ao enfraquecimento do Absolutismo, há o enfraquecimento da ideia de um sistema penal baseado no sofrimento. A partir deste momento, a pena de morte passou a ser considerada ineficiente para o combate da criminalidade. Uma das causas para esta alteração de percepção está no próprio aumento da miséria, que fez aumentar os índices de criminalidade e, em último caso, a quantidade de penas de morte aplicadas e assim, a população produtiva de um país.
A preocupação com a falta de mão-de-obra agregada a este quadro de pobreza extrema fez com que surgisse, durante o Mercantilismo, a concepção de que a riqueza de um país depende do desempenho laboral de seus habitantes.
Pela introdução de uma suposta ética ao trabalho, a forma de educar os indivíduos que não trabalhavam era inserindo-os em uma prisão, as chamadas “casas de correção”, como ficaram conhecidas como as primeiras instituições de detenção laica. 
Ademais, a partir do Iluminismo, percebe-se uma latente e frequente preocupação da sociedade em relação à aplicação de penas cruéis, dada a associação do conhecimento científico crítico para desenvolver a própria sociedade.
É por isso que se percebe, por exemplo, a preocupação da comunidade internacional para que os Direitos Humanos abranjam a dignidade da pessoa humana, não apenas no campo teórico, mas no prático também. Neste sentido, temos não apenas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também a própria Constituição Federal, que normatiza internamente o princípio da dignidade da pessoa humana como basilar do Brasil.
No entanto, quando saímos da análise do plano formal, percebemos que o Brasil ainda deixa muito a desejar no que tange aos Direitos Humanos, e em especial, no que tange à dignidade dos presos. A exemplo disso, temos que as prisões brasileiras possuem taxa de ocupação de 200%, ou seja, possuem capacidade de receber somente metade do número de pessoas que atualmente recebem.
Dentro deste cenário de completo abandono dos presos, é facilmente perceptível que sua saúde mental é totalmente ignorada pelo Estado, já que mal são tratados como pessoas, uma clara afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
É por isso que a ressocialização dos presos deve estar intimamente conectada também ao acompanhamento psicológico adequado, já que apenas este tipo de tratamento é capaz de entender as subjetividades do ser a ponto de fazer com que ele crie as próprias condições que facilitarão sua reinserção no mercado de trabalho e na vida social.
A exemplo disso, temos o projeto “Tempo para Despertar”. Nele, homens condenados por ameaça ou por outros crimes tipificados pela Lei Maria Da Penha recebem acompanhamento para que a escalada de agressão não evolua para estupro ou feminicídio. Assim, os homens refletem sobre seus atos e tomam consciência do que ele fez em uma sociedade onde ainda há expressa desigualdade entre homens e mulheres. O homem passa a entender a cultura do estupro e a repensar suas atitudes. Em Taboão da Serra, cidade pioneira do projeto, reduziu-se a reincidência de 65% para 1% em crimes de violência doméstica contra a mulher.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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