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SOLDADO PM-BA Direito Constitucional APOSTILA de acordo com Edital 02/2019 Estrutura formal da Constituição de 1988: Preâmbulo, Disposições permanentes e Disposições transitórias .......................................................................... 3 Direitos e garantias fundamentais: aspectos históricos, relação entre Direitos e garantias fundamentais e política, jusnaturalismo, positivismo jurídico, jurisprudência dos valores, área de regulação e área de pro- teção dos direitos fundamentais, titularidade dos direitos e garantias fundamentais, direitos e garantias fundamentais em espécie. Garantias sociais. Da Ordem Social ..................................................................................... 6 Da organização do Estado. Da organização político-administrativa. Da União. Dos Estados federados. Do Distrito Federal e dos Territórios. Da Administração Pública. Dos servidores públicos. Dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Da Segurança Pública .......................................................................... 31 Constituição do Estado da Bahia .................................................................................................................................... * Dos Servidores Públicos Militares ................................................................................................................................ 47 Da Organização dos Poderes e competências dos poderes. Atribuições do Governador do Estado. Do Poder Judiciário: Disposições Gerais. Justiça Militar, Ministério Público, Procuradorias, Defensoria Pública ...................... 48 * Acesse a Constituição do Estado da Bahia atualizada através do link https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/ id/70433/CE_BA_EC_24.pdf?sequence=11&isAllowed=y SUMÁRIO Direito Constitucional PM-BA D ir E it o C o n st it u C io n A l 3 Direito ConstituCional Gabriel Moraes Vieira CONCEITO E OBJETO DA CONSTITUIÇÃO Constituição é a Lei Maior, a reunião de todos os valores supremos de um Estado, instituída para regular a atuação governamental, as relações jurídicas existentes na socieda‑ de, bem como proteger os indivíduos de abusos do Poder Público. Para Alexandre de Moraes (2006, p. 2), deve ser entendida como a lei fundamental e supre‑ ma de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos Poderes públicos, à forma de governo e à aquisição do poder de governar, à distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. segundo José Afonso da silva (2008, p. 37-38), a constituição do Estado, considerada a sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídi‑ cas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus ór‑ gãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado. Podemos identificar, nos conceitos citados anterior‑ mente, três objetos da Constituição: organização do Estado, estrutura política e direitos e garantias fundamentais. Concepção de Constituição Existem três principais concepções: 1ª Concepção (Jurídica): a Constituição é a lei maior do Estado. Concepção influenciada pelas ideias de Hans Kelsen. 2ª Concepção (Política): a Constituição é vista como um conjunto de opções políticas do Estado. ideia baseada na corrente decisionista de Carlos schmitt. 3ª Concepção (Sociológica): a Constituição é encarada como o conjunto de fatores reais de poder. Esta concepção é baseada na obra de Ferdinand lassalle, que entendia a constituição sob o aspecto formal como mera “constituição de papel”, que não poderia prevalecer sobre a vontade da sociedade. Elementos segundo José Afonso da silva (1998), uma constituição contém cinco tipos de elementos: • Elementos orgânicos: definem a estrutura do Estado (ex.: arts. 2º e 101 da CF). • Elementos limitativos1: limitam a atuação do Estado, restringindo sua capacidade de intervenção na esfera privada (ex.: art. 5º da CF). • Elementos socioideológicos: opções de ordem social, econômica etc. (ex.: arts. 6º e 7º da CF). 1 sobre o papel restritivo desses elementos, vide a aplicabilidade das normas constitucionais, em especial no que tange aos direitos de primeira geração. • Elementos de estabilização constitucional: garantem a estabilidade da constituição (ex.: art. 60, § 4º, e art. 102, i, a, da CF). • Elementos formais de aplicabilidade: são verda‑ deiros “manuais de instrução” para a aplicação da constituição. Definem, portanto, como a carta política deve ser interpretada e aplicada (ex.: art. 5º, § 1º, da CF). Estado Elementos que compõem o Estado Soberania: capacidade de decidir em última instância, sem influências externas. Povo: é o conjunto de pessoas que possui a nacionalidade de um determinado estado. É composto, portanto, segundo critérios de nacionalidade. não deve ser confundi‑ do com a ideia de população, que segue critério demográfico, bem como com a ideia de cidadão, que é determinada por critério político. Território: é o espaço físico no qual o Estado exerce a soberania. Classificação do Estado Forma de Estado Federação: Estado em que há uma descentralização política, compondo-se de entes dotados de autonomia. Unitário: Estado em que não se verifica divisão em entes autônomos. A confederação se distingue da federação porque nela, os entes que se reúnem possuem soberania, possuindo o poder de secessão, podendo, assim, sair da confederação quando bem entenderem. Cabe lembrar que soberania não se confunde com au‑ tonomia. A república Federativa do Brasil possui soberania, enquanto a união, os Estados, o Distrito Federal e os Muni‑ cípios possuem autonomia. o Brasil é uma federação. Forma de Governo República: forma de governo caracterizada pela eleti‑ vidade, temporariedade dos cargos e responsabilidade do governante. Monarquia: é caracterizada pela hereditariedade, vitali‑ ciedade e irresponsabilidade do governante. o Brasil é uma república. Sistema de Governo Presidencialismo: a figura central é o Presidente. Chefe de Governo (chefia da Administração Pública) também atua como Chefe de Estado (representa a figura estatal). Ex.: Brasil Parlamentarismo: a figura central é o Parlamento, composto por representantes do Povo. o Chefe de Governo necessita de apoio do Parlamento para se manter no Poder. Ex.: inglaterra. o Brasil adota o presidencialismo. Regime Político Democrático: regime em que há a participação popular. Marcado pela ideia de soberania popular, segundo a qual todo o poder emana do Povo. Autoritário: regime em que não há participação po pular D ir E it o C o n st it u C io n A l 4 Divisão do regime democrático: DEMOCRACIA Direta Plebiscito: consulta pública realizada previamente à edição de ato administra‑ tivo ou de lei. Referendo: consulta pública realizada posteriormente à edição de ato admi‑ nistrativo ou lei. Iniciativa Popular de Lei: possibilidade de o povo iniciar projeto de lei. Ação Popular: ação ajuizada com a finalidade de se anular ato lesivo ao patri‑ mônio público, à moralidade administrativa, ao patrimônio histórico e cultural e ao meio ambiente. Denúncia direta ao TCU: possibilidade de o cidadão instaurar procedimento jun‑ to ao tCu para verificar a existência de irregularidade no trato da coisa pública. Indireta (realizada por meio de representantes) A democracia indireta é feita por meio do voto direto, secreto e com igual valor para todos. Classificação da Constituição Existem diversos critérios para se classificar uma consti‑ tuição. Vejamos as principais classificações. Quanto ao Conteúdo Formal: sob o aspecto formal, a Constituição é composta pelos elementos que são inseridos em seu texto,tratando ou não de questões fundamentais ao Estado. A constituição formal consiste em um documento escrito que foi estabelecido solenemente pelo poder constituinte originário. Material: a Constituição sob o aspecto material envolve e é formada apenas por elementos essenciais à figura estatal, tal como estrutura política, organização do Estado e direitos e garantias fundamentais. no mesmo sentido, conceitua-se a Constituição, quanto ao aspecto material, como o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo e aos direitos individuais e sociais da pessoa humana. Quanto à Forma Escrita: formalizada em documento único, sistematizado. Não Escrita: pode ser composta por leis esparsas, além de usos e costumes. não são sistematizadas em documento único. Quanto ao Modo de Elaboração Dogmática: é elaborada em determinado momento histórico, exprimindo os valores de uma determinada época. Histórica: feita paulatinamente, por meio de um longo processo histórico. Quanto à Origem Outorgada: é a Constituição imposta a um determinado povo. Promulgada: é a Constituição democrática, votada. Cesarista: é a Constituição que depende de referendo popular. Quanto à Extensão Prolixa/Analítica: trata de forma detalhada os temas que aborda. Sintética: trata de forma resumida os institutos constan‑ tes de seu texto. Estabilidade Imutável: não admite alteração. É intangível. Rígida: permite alteração, mas exige um procedimento complexo, específico, como o da proposta de emenda consti‑ tucional que é adotado no Brasil. Para alguns autores, nossa Constituição seria considerada superrígida, tendo em vista que, além de ser rígida, possui certos pontos que sequer podem sofrer alteração, como as cláusulas pétreas. Semirrígida ou Semiflexível: em parte é rígida e em outra parte é flexível. Flexível: alterada por mero processo legislativo. Quanto ao Modelo Existem dois principais modelos de constituição: a constituição-garantia e a constituição-dirigente. A constituição-garantia, que é o modelo clássico, preo‑ cupa-se em estabelecer a divisão dos Poderes, os direitos fundamentais etc. Em suma, preocupa-se com a manutenção do status quo, limitando os poderes do Estado em prol de uma ideologia liberal. A constituição-dirigente, além de estabelecer limitações ao poder estatal, prevê metas de evolução política. É marcante, nas constituições dirigentes, a existência de normas programáticas, que estabelecem pro‑ gramas a serem cumpridos por meio da atividade legislativa e da atuação do Poder Executivo. A Constituição Federal de 1988 é formal, escrita, dogmá‑ tica, promulgada, analítica e rígida. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Fundamentos nosso País é denominado república Federativa do Brasil. república representa nossa forma de governo. na repú‑ blica a figura estatal possui um caráter público, deixando, assim, de pertencer a uma monarca. A forma de governo republicana pressupõe alguns elementos que a diferenciam da forma monárquica: • temporariedade dos cargos; • eletividade; • responsabilidade dos governantes. Federação é nossa forma de estado. A forma fe derativa de estado traduz-se na descentralização política do país, tornando-o uma reunião de entes autônomos, que não podem se desvincular dessa união, ou seja, não podem exer‑ cer direito de secessão. A autonomia dos entes fe derados não pode ser confundida com a soberania que possui o país. Esta pressupõe a não sujeição a qualquer vontade D ir E it o C o n st it u C io n A l 5 externa aquela, por sua vez, apenas impõe a existência de três elementos: • auto-organização (capacidade de estabelecer legisla‑ ção própria); • autogoverno (eleição de seus representantes); • autoadministração (prestação de serviços públicos). no Brasil, a federação compõe-se pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. É também um princípio fundamental de nosso país o fato de constituirmos um Estado Democrático de Direito, o que significa que o Estado obedece às imposições legais, que são elaboradas de maneira democrática (feitas pelo povo e para o povo). o art. 1º da Constituição Federal define cinco fundamen‑ tos, quais sejam: a) soberania; b) Cidadania; c) Dignidade da Pessoa Humana; d) Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; observe a seguinte assertiva cobrada em prova: caso o Governo Federal decidisse adotar medidas a partir das quais o Estado passasse a planejar e dirigir, de forma determinante, a ordem econômica do país, inclusive em relação ao setor privado, essas medidas violariam o valor constitucional da livre iniciativa. e) Pluralismo Político. importante observar que pluralismo político não é sinônimo de pluripartidarismo político. Pluralismo Políti- co significa liberdade de adoção de concepções políticas. o pluripartidarismo, por sua vez, que está previsto no art. 17 da Constituição Federal, traduz-se na possibilidade de se criar, no País, mais de um partido político. no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal já se encontra traduzida a soberania popular. segundo a Consti‑ tuição Federal, “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Separação dos Poderes Visando à limitação dos poderes estatais, desenvolveu-se a teoria da tripartição dos poderes. Parte-se do pressuposto de que a divisão das principais funções estatais para serem exercidas separadamente, evita a formação de poderes ab‑ solutos. sendo assim, desenvolveu-se, inspirada nas ideias de Montesquieu, a técnica de separação das três principais funções do Estado (admi nistrar, legislar e julgar) para que sejam exercidas por três poderes. no Brasil foi adotada uma separação que, podemos dizer, não se mostra absoluta, já que as funções não são exercidas de maneira exclusiva por um dos agentes estatais. Define o art. 2º da Constituição Federal que “são Poderes da união, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o Exe‑ cutivo e o Judiciário”. um poder não poderá, dessa forma, intervir nas atividades do outro, mas a atuação dos poderes será harmônica, envolvendo todos os poderes na execução das políticas públicas. tendo em vista que a execução de uma função não é atribuída de forma exclusiva a nenhum dos poderes, desenvolveu-se a divisão de funções em típicas e atípicas. As funções típicas são aquelas para as quais um determinado poder é criado, representando a vocação dessa estrutura política. A função atípica representa uma atribuição exercida de maneira excepcional por um determinado poder, isto é, é concebida como uma função típica de outro poder. o Poder Judiciário possui a função típica de julgar, exer‑ cendo, porém, a função atípica de administrar quando, por exemplo, realiza um concurso público. o Poder legislativo possui as funções típicas de legislar e de fiscalizar, exercendo, por outro lado, a função atípica de julgar, quando julga os crimes de responsabilidade, bem como a função atípica de administrar, quando, por exemplo, realiza uma licitação. nesse sentido, observe a seguinte assertiva de prova: no Brasil, as funções atípicas, relacionadas à teoria da separação de poderes, possibilitam ao senado Federal julgar o Presidente da república por crime de responsabilidade. o Poder Executivo exerce função típica de administrar, mas também exerce atividade atípica ao legislar, editando medidas provisórias ou leis delegadas. A busca pela harmonia das funções exercidas pelo Estado levou à adoção de um mecanismo denominado checks and balances, checks and counter checks, ou freios e contrapesos. o referido sistema consiste na previsão de freios mútuos, que servem à manutenção do equilíbrio de forças entre os Poderes. Objetivos Fundamentais De acordo com o art. 3º da Constituição Federal, são objetivos fundamentais da república Federativa do Brasil: • construir uma sociedadelivre, justa e solidária; • garantir o desenvolvimento nacional; • erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; • promover o bem de todos, sem preconceitos de ori‑ gem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. As normas definidoras dos objetivos fundamentais são, por sua natureza, normas programáticas. isso não significa que elas possam ser esquecidas pelo poder público. As nor‑ mas programáticas vinculam o Estado mas são sujeitas à reserva do possível, que significa a necessidade de o Estado implementar políticas públicas dentro do que é considerado economicamente viável. o princípio da reserva do possível não pode servir de estímulo ao total desprezo das normas programáticas, já que há um mínimo existencial a vincular a implementação de tais objetivos. Quando o Poder Judiciário intervém na atuação administrativa para determinar o respeito a tais objetivos, tem-se o que é denominado ativismo judicial. Princípios Aplicáveis às Relações Internacionais os princípios aplicáveis nas relações internacionais estão definidos no art. 4º da Constituição Federal. tais princípios são sempre aplicáveis com vistas à reciprocidade, princípio geral que incide em nossas relações internacionais. Estão listados no referido artigo os seguintes princípios: • independência nacional; • prevalência dos direitos humanos; • autodeterminação dos povos; • não intervenção; • igualdade entre os Estados; • defesa da paz; • solução pacífica dos conflitos; • repúdio ao terrorismo e ao racismo; • cooperação entre os povos para o progresso da huma‑ nidade; • concessão de asilo político. A república Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América latina, visando à formação de uma comunidade latino-ame‑ ricana de nações. D ir E it o C o n st it u C io n A l 6 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS os direitos fundamentais ganham destaque principal‑ mente após a revolução Francesa, momento em que diversas correntes filosóficas e políticas como o racionalismo e o contratualismo inspiram a vontade popular de impor limites ao Estado, reconhecendo um núcleo mínimo de proteção do indivíduo perante o Estado. A ideia de direitos fundamentais surge da tentativa de se estabelecer um rol de direitos que seria inerente à própria condição humana, que não depen‑ desse de uma vontade política. são, por isso, considerados direitos naturais. nossa Constituição relaciona os direitos fundamentais em seu título ii, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. A posição “geográfica” desse título, logo no início do texto constitucional, demonstra a importância dos direitos fundamentais em nossa ordem constitucional. Partindo do pressuposto de que o constituinte não utiliza palavras inúteis, podemos concluir que direitos e garantias possuem diferenças axiológicas. os direitos possuem um ca‑ ráter declaratório, enquanto as garantias possuem um nítido sentido assecuratório. os direitos se declaram, enquanto as garantias se estabelecem, demonstrando que as garantias são elementos instrumentais que garantem o respeito aos direitos que são declarados na Constituição Federal. Titularidade dos Direitos Fundamentais os direitos fundamentais podem ser exercidos tanto pelas pessoas físicas quanto pelas pessoas jurídicas. Apesar de o art. 5º, caput, da Constituição Federal referir-se tão somente aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, entende-se que os estrangeiros em geral, ainda que apenas visitando a república Federativa do Brasil, também são titulares desses direitos. A título de exemplo: Pablo, argentino e residente na Argentina, solteiro, de dezoito anos de idade, de passagem pelo Brasil, com destino aos Estados unidos da América, foi interceptado em operação da PrF. nessa situação hipotéti‑ ca, não obstante Pablo não seja residente no Brasil, todos os direitos individuais fundamentais elencados no caput do art. 5º da CF devem ser respeitados durante a referida operação policial. As pessoas jurídicas também podem ser titulares de direitos fundamentais, mas apenas daqueles direitos que são com elas compatíveis. são, assim, impedidas de exercer certos direitos como os direitos políticos (votar, ser votado etc.). Até mesmo as pessoas jurídicas de direito público são titulares de direitos fundamentais. Geração dos Direitos Fundamentais os direitos fundamentais não surgiram de forma instantâ‑ nea. A conquista dos direitos fundamentais ocorreu ao longo da história, de tal forma que podemos identificar diversas gerações de direitos, que nada mais são do que a represen‑ tação de momentos históricos e os direitos ali conquistados. As gerações de direitos também podem ser denominadas dimensões de direitos fundamentais, termo que deixa mais claro o fato de que as gerações não são superadas, mas sim incorporadas às novas gerações de direitos fundamentais. Primeira Geração surge no século XViii, no âmbito da revolução Fran‑ cesa. os direitos fundamentais conquistados nessa época configuram liberdades negativas (status negativus), já que representam um impedimento à atividade estatal, uma omissão, um não fazer. trata-se dos direitos civis e políticos. Segunda Geração Desenvolvem-se no século XiX, inspirados pela revolu‑ ção industrial, sendo reconhecidos constitucionalmente no século XX. tais direitos possuem um caráter positivo (status positivus) e exigem uma prestação do Estado. inserem, assim, uma obrigação de fazer, uma ação do ente estatal. são os direitos sociais, econômicos e culturais. Terceira Geração os direitos de terceira geração, desenvolvidos no sé‑ culo XX, voltam-se à defesa dos interesses de titularidade coletiva, denominados interesses difusos. Esses direitos são supraindividuais, já que não pertencem a um indivíduo especificamente, mas sim a uma coletividade. são exemplos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a proteção do idoso. A primeira geração remonta ao ideal de liberdade. A segunda geração volta-se à igualdade. Por fim, a terceira geração preocupa-se com a fraternidade ou solidariedade. temos, assim, a célebre frase, que marcou a revolução Fran‑ cesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Há quem defenda a existência de quarta e quinta geração de direitos fundamentais. não há, porém, um consenso sobre quais sejam esses direitos fundamentais. Características dos Direitos Fundamentais Relatividade – os direitos não são absolutos: eles podem ser relativizados, principalmente quando entram em choque. Até mesmo o direito à vida, que pode ser considerado o mais fundamental dos direitos, pode ser relativizado. Exemplo de relativização do direito à vida é encontrado no caso da pena de morte, autorizada na hipótese de guerra declarada. A relativização dos direitos fundamentais pode advir da capacidade de conformação que é dada ao legislador. Assim, mesmo nos casos em que não existe uma reserva legal, ou seja, mesmo quando a constituição não faz referência à lei é possível que o legislador venha a delimitar a forma de utilização dos direitos fundamentais. no caso de choque de direitos fundamentais, teremos de observar certos parâmetros. Em primeiro lugar, deve ser observado o princípio da legalidade. segundo esse princípio, a atuação do intérprete deve ser pautada nos critérios de necessidade e adequação. Além disso, a hipótese de choque de direitos fundamentais também inspira a utilização do princípio da harmonização ou da concordância prática, que requer que o aplicador adote uma interpretação que evite o sacrifício total de um dos direitos em conflito. Inalienabilidade – não é possível transferir um direito fundamental. Irrenunciabilidade – não é possível renunciar totalmente a um direito fundamental. Imprescritibilidade – os direitos fundamentais não são alcançados pela prescrição. A prescrição corresponde à perda de uma pretensão em virtude do decurso dotempo. Historicidade – os direitos e garantias fundamentais possuem origem histórica. Inviolabilidade – não podem ser violados os direitos fundamentais. Efetividade – o Estado deve primar por garantir o res‑ peito e a efetividade dos direitos fundamentais. Universalidade – os direitos fundamentais alcançam a todos. D ir E it o C o n st it u C io n A l 7 Obs.: os direitos e as garantias fundamentais consagra‑ dos constitucionalmente não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados na mesma Carta Magna. Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Assim dispõe o art. 5º da Constituição Federal: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual‑ quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Em primeiro lugar, há que se frisar que o dispositivo acima transcrito reproduz o princípio da isonomia, que consiste na proibição de criação de distinções que não sejam funda‑ mentadas. Assim, impõe a Constituição que os iguais sejam tratados de forma igual e que os desiguais sejam tratados de forma desigual. Assim, por exemplo, justifica-se a existência de critérios diferenciados para homens e mulheres em uma prova física em um concurso público ante as nítidas diferen‑ ças fisiológicas entre os gêneros. Denomina-se igualdade material aquela que permite a existência de diferenciações, desde que devidamente justificadas. A igualdade formal que impede a estipulação de distinções em qualquer hipótese muitas vezes resultará em injustiças, pois deixa de considerar as peculiaridades de certas formações sociais. A igualdade em nossa ordem constitucional deve ser le‑ vada em conta tanto na lei quanto perante a lei. A igualdade na lei é verificada quando da elaboração legislativa, impondo a formação de leis que tenham como pilar a inexistência de diferenciações odiosas. A igualdade perante a lei impõe o tratamento igualitário por parte do aplicador do direito, ou seja, por parte daquele que venha a interpretar a norma e a aplicar a disposição abstrata a um caso concreto. Passamos a comentar os setenta e oito incisos que com‑ põem o art. 5º da Constituição Federal. I – homens e mulheres são iguais em direitos e obriga- ções, nos termos desta Constituição; Comentário: trata-se de mais uma decorrência do prin‑ cípio da isonomia. A previsão acima, porém, não impede a existência de distinções entre homens e mulheres. tais diferenciações podem ser feitas tanto no âmbito constitu‑ cional quanto na órbita legal. A Constituição Federal de 1988 estabelece uma série de prerrogativas para as mulheres, como a proteção de seu mercado de trabalho, prazo dife‑ renciado para a licença à gestante, prazo reduzido para a aposentadoria e inexistência de obrigação de alistamento militar em tempos de paz. II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Comentário: traduz esse inciso o princípio da legalidade. todos nós podemos fazer tudo o que a lei não proíba, o que exprime a nossa capacidade de autodeterminação, também chamada autonomia das vontades. A autonomia das vontades definida no art. 5, ii, da Cons‑ tituição Federal não pode ser confundida com o princípio da legalidade estrita ou restrita, que está descrito no art. 37 da Constituição Federal. o referido artigo, ao estipular a necessidade de observância da legalidade, impõe que o administrador público apenas faça o que está previsto em lei. Podemos assim distinguir as duas legalidades: Autonomia das vontades (art. 5º, ii, da CF) legalidade estrita (art. 37 da CF) Vincula os particulares. Vincula o administrador público. Permite que se faça tudo o que a lei não proíba. Apenas admite que se faça o que a lei prevê. o princípio da legalidade não pode ser confundido com o princípio da reserva legal. A reserva legal impõe que certas matérias sejam regidas apenas por lei em sentido estrito. É o caso, por exemplo, da previsão de crimes e cominação de penas, que somente pode ser feita por lei. III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Comentário: cuida o dispositivo da dignidade da pessoa humana. Este inciso está em consonância com o que dispõe o art. 1º, iii, da Constituição Federal. IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; Comentário: a liberdade de expressão, como todo di‑ reito fundamental, não é absoluta. Diversos limites serão encontrados no exercício concreto de tais direitos. Primei‑ ramente, não se pode utilizar a liberdade de expressão para cometer atos ilícitos, ofendendo os direitos fundamentais. Assim, impede-se, por exemplo, a utilização desse direito com a intenção de ofender alguém. A repressão contra a má utilização dos direitos fundamentais somente é efetiva se acompanhada de identificação do responsável. o anonimato é vedado justamente por impossibilitar a responsabilização daqueles que venham a utilizar o direito fora dos limites constitucionais. V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Comentário: duas possíveis punições contra quem uti‑ liza de forma errada sua liberdade de expressão estão aqui dispostas. Primeiramente, temos o direito de resposta, que exige do ofensor a concessão de meios para que o ofendido venha a defender-se publicamente. A segunda forma de punição corresponde à indenização por dano material, moral ou à imagem. A Constituição não define parâmetros para a fixação do valor da indenização, que deverá ser fixado, em regra, pelo Poder Judiciário. VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Comentário: a liberdade acima descrita alcança os fenô‑ menos, possibilitando o livre exercício das crenças religiosas e a livre adoção de concepções científicas, filosóficas, políticas etc. sendo o Brasil um país laico, não é mais aceita a previsão de religião oficial no País. VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de inter- nação coletiva; D ir E it o C o n st it u C io n A l 8 Comentário: são considerados locais de internação coletiva os hospitais, as prisões e os quartéis, por exemplo. VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir‑se de obrigação legal a todos imposta e recusar‑se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; Comentário: são consideradas obrigações a todos im‑ postas, a obrigação de votar e o alistamento militar, que em tempos de paz obriga a todos os homens de nacionalidade brasileira. se alguém oferecer uma excusa de consciência para deixar de cumprir uma obrigação a todos imposta, terá de se sujeitar ao ônus de uma obrigação alternativa. se, porém, a obrigação alternativa não for cumprida, será aplicada, por exemplo, a pena de perda dos direitos políticos, nos termos do art. 15, iV, da Constituição Federal. IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Comentário: a proibição da censura não impede que o Estado venha a limitar a atividade de comunicação social, impedindo que os meios de comunicação venha a oferecer programação que não seja condizente com os valores da sociedade ou que sejam ofensivos a determinados grupos. A classificação indicativa de diversões públicas e a limitação à publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, remédios, terapias e agrotóxicos são exemplos desse tipo de atividade, que é plenamente legítima. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Comentário: a proteção ao direito de intimidade pode ser relativizado quando entra em choque com outros direi‑ tos, como o direito de informação, que será estudado mais à frente. A proteção da intimidade, como veremos a seguir, é apta até mesmo para justificar o segredo de justiça, que impede a publicidade de atos processuais. o direito de imagem envolve aspectos físicos, inclusive a voz. Fica configurada a proteção, por exemplo, com a utili‑ zação comercial da imagem sem a autorização do titular do direito. Pessoas públicas possuem uma tendência à relativi‑ zação do direito de imagem frente ao direito de informação da sociedade. XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; Comentário: a penetração sem o consentimento do mo‑ rador pode ocorrer a qualquer hora do dia quando se tratar de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro. Para que o ingresso no domicílio seja realizado mediante determinação judicial, porém, é necessário que ele ocorra durante o dia, considerado esse o período entre a aurora e o crepúsculo, ou seja, aquele em que há luz solar. o ingresso por determinação judicial está limitado por reserva jurisdicional, o que significa que não poderá ocorrer por determinação de qualquer outra autoridade (polícia, Ministério Público etc.) ou por comissão parlamentar de inquérito. o conceito de casa para efeito de inviolabilidade de do‑ micílio não se limita ao conceito civil, alcançando os locais habitados de maneira exclusiva. são incluídos no conceito os escritórios, as oficinas, os consultórios e, ainda, os locais de habitação coletiva, como hotéis e motéis. A título de exemplo: no curso de uma investigação cri‑ minal, a autoridade policial competente encontra indícios de que bens furtados há um ano de uma repartição pública estejam guardados na residência dos pais de um dos inves‑ tigados. A autoridade policial dirige-se, então, ao imóvel, durante o dia, onde, sem o consentimento dos moradores e independentemente de determinação judicial, efetua busca que resulta na localização dos bens furtados. nessa hipótese, será inadmissível, no processo, por ter sido obtida de maneira ilícita. XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comuni- cações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; Comentário: os sigilos, assim como todos os demais direitos fundamentais, não são absolutos. Eles podem sofrer limitação legal ou judicial. Em relação ao sigilo das comunicações telefônicas, verifica-se a previsão de uma reserva jurisdicional. sendo assim, somente por ordem ju‑ dicial é possível quebrar o referido sigilo. outra imposição posta em relação ao sigilo das comunicações telefônicas é a necessidade de que somente seja determinada a quebra para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. não é possível quebrar o referido sigilo em causas cíveis. Além disso, é necessário que seja observada a forma estabelecida em lei. o sigilo das comunicações telefônicas não pode ser confundido com o sigilo dos dados telefônicos. o extrato das ligações telefônicas é protegido pelo sigilo de dados, que não está sujeito à reserva jurisdicional. o conteúdo das ligações é o que se denomina sigilo telefônico e está protegido pela reserva jurisdicional. o sigilo de dados engloba, por exemplo, os dados ban‑ cários, fiscais e telefônicos. não estão sujeitos à reserva jurisdicional o sigilo da cor‑ respondência, das comunicações telegráficas e de dados. As‑ sim, é possível que a quebra seja determinada, nesses casos, por ordem de uma CPi – Comissão Parlamentar de inquérito. XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Comentário: esse inciso dispõe sobre norma de eficácia contida, já que a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão pode ser restringida pela lei que venha a estabele‑ cer qualificações profissionais para determinada profissão. Dessa forma, a inexistência de uma lei regulamentadora de certa profissão não é impedimento ao seu exercício, mas sim a garantia de uma ampla liberdade de acesso à atividade profissional. A liberdade profissional não engloba, porém, atividades ilícitas. o princípio da legalidade, anteriormente estudado, permite que se faça tudo que não seja proibido por meio de lei. Assim, não se pode exercer a “profissão” de traficante de drogas porque tal atividade é ilícita, proibida pela legislação. Por outro lado, a prostituição é totalmente livre em nosso País porque não existe lei regulamentando a atividade. D ir E it o C o n st it u C io n A l 9 XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e res- guardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; Comentário: o direito de informação pode ser encarado sobre duas óticas. sob o ponto de vista privado, o direito de informação da sociedade englobará, por exemplo, a atividade jornalística, que pode divulgar informações, ainda que pessoais, que sejam de interesse da sociedade. Admite-se, nessa atividade, porém, o sigilo da fonte, quando for necessário ao exercício profissional. Esse sigilo não impede, porém, a responsabi‑ lização do responsável pela informação no caso de ela ser inverídica, por exemplo. o direito de informação sob o aspecto privado será es‑ tudado adiante, no inciso XXXiii deste artigo. XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; Comentário: o direito de locomoção, como os demais direitos fundamentais, não é absoluto. Primeiramente, há que se observar, para o seu exercício, a prevalência da paz. Em hipóteses de guerra, que suscitam a instituição de Estado de sítio, é possível a restrição da liberdade de locomoção no território nacional. Além desse aspecto, há que se observar que o direito de locomoção inclui os bens pertencentes ao seu titular. isso não significa, porém, que os bens possuam de forma autônoma o direito de locomoção, mas sim que eles possam acompanhar o proprietário que esteja se locomovendo. o direito de locomoção é protegido pelo habeas corpus e somente é garantido dentro do território nacional. XVI – todos podem reunir‑se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autori- zação, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; Comentário: o direito de reunião, como se pode perce‑ ber, depende do preenchimento de uma série de requisitos: a) ser realizada de forma pacífica; b) seus participantes não podem estar armados; c) a reunião deve ocorrer em locais abertos ao públicos; d) exige um prévio aviso à autoridade competente, sem a necessidade, porém, de autorização dessa autoridade; e) não pode frustrar uma reunião anteriormente convo‑ cada para o mesmo local. outro requisito que pode ser inserido nesse rol é o de que a reunião seja temporária e episódica, como nos ensina o autor Alexandre de Moraes. o direito de reunião também engloba passeatas, carrea‑ tas, comícios, desfiles, assim como cortejos e banquetes de caráter político, que são formas legítimas de reunião. Caso o direito de reunião seja desrespeitado, o remédio cabível será o mandado de segurança, ação cabível para a proteção de direito líquido e certo. XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; Comentário: o direito de associação permite que pes‑soas físicas e jurídicas se agrupem em prol de um interesse comum. segundo o texto constitucional, é livre a formação de associações, desde que elas tenham um fim lícito e não possuam caráter paramilitar. Para que uma associação tenha caráter paramilitar, é necessário que ela venha a ter carac‑ terísticas similares às estruturas militares, tais como o uso de uniformes, palavras de ordem, hierarquia militarizada, táticas militares etc. XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; Comentário: como visto no inciso anterior, é livre a criação de associações. A associação de pessoas em um regime de cooperativa, porém, pressupõe o preenchimen‑ to de diversos requisitos legais, tendo em vista os diversos benefícios que são concedidos a esse tipo de associativismo. não é permitida a interferência do estado no funcionamento das associações, o que não impede que o Poder Judiciário venha a suspender ou dissolver uma associação no caso de se verificar a prática de uma atividade ilícita. A título de exemplo: cinco amigos, moradores de uma fa‑ vela, decidem criar uma associação para lutar por melhorias nas condições de saneamento básico do local. um político da região, sabendo da iniciativa, informa-lhes que, para tanto, será necessário obter, junto à Prefeitura, uma autori‑ zação para sua criação e funcionamento. nesta hipótese, a informação que receberam está errada, pois a Constituição Federal estabelece que a criação de associações independe de autorização. XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo‑se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; Comentário: como estudado no inciso anterior, as as‑ sociações podem ser compulsoriamente dissolvidas ou terem suas atividades suspensas por uma decisão judicial. A hipótese de dissolução, porém, mostra uma medida mais drástica, o que impõe que a decisão judicial seja revestida de um caráter definitivo, sem possibilidade de reforma por meio de recurso. Por conta disso, exige-se o trânsito em julgado de uma decisão judicial para que ela possa dissolver uma associação. uma decisão terá trânsito em julgado quando não for mais cabível a interposição de recurso contra ela. XX – ninguém poderá ser compelido a associar‑se ou a permanecer associado; Comentário: assim como há a liberdade de criação de associações, temos também a liberdade individual de inte‑ grar ou deixar de integrar a associação. os integrantes da associação, portanto, não poderão ser compelidos a ingressar na entidade ou de continuar compondo a associação. XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; Comentário: a principal finalidade de uma associação é, sem dúvida, a defesa de interesses dos associados. A defesa dos interesses pode ocorrer perante o poder judiciário ou de forma extrajudicial. A defesa de interesses por meio da associação, porém, depende de autorização dos associados, que podem se expressar de forma individualizada ou conce‑ der uma autorização genérica. A defesa de interesses dos associados é realizada por meio do instituto da representação processual. na represen‑ tação processual a associação fala em nome do associado e, por tal razão, precisa da autorização desse associado. D ir E it o C o n st it u C io n A l 10 Existe uma situação em que a associação atua de forma extraordinária por meio da substituição processual. trata-se da hipótese de impetração de mandado de segurança coletivo. A associação, nesse caso, defende interesses dos associados em nome próprio, razão pela qual não necessita de autorização. XXII – é garantido o direito de propriedade; Comentário: o núcleo de direitos enumerados no caput do art. 5º já dispõe sobre o direito de propriedade, consi‑ derado pela doutrina como inserido em norma de eficácia contida. isso significa que é possível que o legislador venha a restringir certos aspectos da propriedade, desde que não ve‑ nha a reduzi-la aquém de seu núcleo mínimo, ou seja, desde que não venha a desconfigurar esse direito de propriedade. XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; Comentário: a propriedade, como qualquer direito fundamental, não é absoluta, devendo ser garantida na pro‑ porção em que também garante o bem-estar da sociedade. o descumprimento da função social da propriedade pode levar, por exemplo, à desapropriação do bem, destinando-o a uma finalidade que atenda ao interesse social, como a reforma agrária. XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapro- priação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; Comentário: a desapropriação não pode ser confundida com o confisco, que é uma forma de expropriação definida no art. 243 da Constituição Federal. A desapropriação resulta na aquisição compulsória de uma propriedade por parte do Estado, que deverá fundamentar tal ato de força na neces‑ sidade pública, na utilidade pública ou no interesse social. Essa previsão demonstra bem a ideia do inciso anterior, que demonstra que o interesse do Estado está acima de interes‑ ses particulares quando se trata de dar à propriedade uma função social. A indenização devida pelo ente estatal será, de regra, justa, prévia e em dinheiro. A própria Constituição Federal, porém, excepciona tal previsão, dispondo, em seus arts. 182, §4º, iii, e 184, acerca da desapropriação-sanção, na qual a indenização é recolhida com base em títulos da dívida pública e títulos da dívida agrária. XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegu- rada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; Comentário: esse inciso trata da requisição adminis‑ trativa, que permite ao Estado a utilização compulsória da propriedade particular. Existem duas diferenças quanto à indenização paga na requisição e na desapropriação. Pri‑ meiramente, a indenização na requisição administrativa não representará o valor total do bem, mas apenas o valor do dano eventualmente causado. Em segundo lugar, tendo em vista que o perigo iminente não é previsível, temos que o pro‑ prietário somente será indenizado posteriormente ao uso, e não de forma prévia, como acontece na desapropriação. XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua ati- vidade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; Comentário: a penhora consiste na utilização de bens do devedor para a quitação de sua dívida. o Poder Judiciário, porém, não poderá utilizar-se desse instituto para penhorar propriedades rurais se estiverem presentes alguns requisitos: – tratar-se de uma propriedade pequena, tal qual defi‑ nido em lei; – for a propriedade trabalhada pela família; – a obrigação objeto do inadimplemento referir-se a dívida contraída para a produção. tendo em vista a impossibilidade de penhora dessas terras, torna-se pouco interessante o empréstimo de valores aos respectivos produtores rurais. Por tal razão, dispõe a Constituição que a lei disporá sobre os meios de financiar seu desenvolvimento, que muitas vezes é fomentado pelo Estado. XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utiliza- ção, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; Comentário: a propriedade intelectual também é pro‑ tegida no âmbito constitucional. Aqui estamos a tratar dos direitos autorais, que protegem bens imateriais destinados essencialmente a uma função estética (obras literárias, músicas, pinturas etc.). Compete à legislação a definição do prazoo qual os herdeiros poderão usufruir dos direitos patrimoniais da propriedade intelectual. XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras co- letivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; Comentário: a coautoria, por exemplo, também deve ser protegida, tendo em vista que o texto constitucional protege as participações individuais em obras coletivas. A imagem e a voz humanas também são protegidas, independentemente de sua utilização comercial. Cabe lembrar, porém, que tanto a imagem quanto a voz podem sofrer divulgação, independen‑ temente de autorização, quando houver um interesse público de informação. nesse caso, a relativização desse dispositivo encontra amparo no art. 5º, XiV, da Constituição Federal, que trata do direito de informação. o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras é feito, por exemplo, por meio do ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Dis‑ tribuição, entidade que arrecada e distribui direitos autorais. XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos indus- triais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Comentário: apesar de se relacionar também com a propriedade intelectual, a propriedade industrial se difere do direito autoral em virtude do caráter pragmático da in‑ venção, que se volta à utilidade da atividade criativa. Como a utilidade deve ser regulada segundo o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, o privilé‑ gio de utilização dessa propriedade será apenas temporário. Após um determinado período, uma invenção, por exemplo, poderá ser produzida e comercializada sem necessidade de D ir E it o C o n st it u C io n A l 11 licença de seu inventor ou do detentor do direito de pro‑ priedade industrial. XXX – é garantido o direito de herança; Comentário: o direito de herança, como todos os de‑ mais direitos fundamentais, não é absoluto, podendo ser relativizado, por exemplo, quando a ele se opõem débitos decorrentes de atividades ilícitas praticadas pelo de cujus, como estudaremos no dispositivo a seguir. XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônju- ge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus; Comentário: a Constituição brasileira tenta proteger cônjuge e filhos brasileiros quando da partilha de bens de estrangeiros situados no Brasil. Para tanto, dispõe que deve ser aplicada a lei mais favorável aos familiares brasileiros, mesmo que, para tanto, seja necessário afastar a legislação civil brasileira para que seja aplicada a legislação do país de origem do de cujus, ou seja, do estrangeiro falecido. impor‑ tante salientar que essa regra, por questões de soberania, somente é aplicável aos bens situados no Brasil. XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Comentário: o Direito Constitucional constitui a base de diversos ramos do Direito, instituindo as diretrizes necessá‑ rias para que o legislador venha a criar a base legal necessária à plena eficácia de seus preceitos. isso é exatamente o que ocorre com o Direito do Con‑ sumidor. Estudar o Direito Consumerista sob a ótica cons‑ titucional é visitar os preceitos que servem de base para a instituição de diversas garantias, tal qual aquelas definidas no Código de Defesa do Consumidor. sendo assim, não se cuida aqui de estudar o Direito do Consumidor, mas sim as disposições inseridas dentro da ótica constitucional. Esse é um ponto que merece destaque no presente estudo. A Constituição Federal começa a referir-se ao consumidor em seu art. 5º, XXXii, que assim determina: “XXXii – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”. Verifica-se que a Constituição Federal não elabora lista‑ gem sobre o que venha a ser o direito do consumidor. Por outro lado, traz a obrigação constitucional de sua proteção pelo Estado. tal defesa será efetivada por meio da edição de leis, como se verifica no Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/1990). o referido código também possui previsão no Ato das Disposições Constitucionais transitórias (ADCt). o ADCt, em seu art. 48, determina que o Congresso nacional deveria elaborar o Código de Defesa do Consumidor dentro de cento e vinte dias após a promulgação da Constituição Federal. Esse dispositivo possui grande importância, já que criou a obrigação de legislar sobre a matéria, reduzindo, assim, a discricionariedade do Poder legislativo. o referido prazo não foi respeitado, visto a data de edição da lei nº 8.078, 11 de setembro de 1990. os consumidores também são protegidos pelo texto constitucional quando é estabelecida, no art. 24, Viii, da Constituição Federal, a competência concorrente para a edição de lei que disponha sobre a responsabilidade por dano causado ao consumidor. Amplia-se, assim, a gama de normas que podem ser editadas nesse sentido, nas órbitas federal e estadual. outro dispositivo de grande interesse para o direito do consumidor é o que garante o esclarecimento acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços. Assim dispõe o art. 150, § 5º, da CF: A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Essa disposição constitucional ganha destaque pelo fato de consistir em obrigação destinada ao ente Estatal, que institui tributos. Demonstra-se, assim, que o Direito do Con‑ sumidor não se restringe a impor obrigação ao fornecedor de bens ou serviços, mas também a todos aqueles que possam atingir a categoria dos consumidores. Por fim, destacamos a disposição expressa no art. 170, V, que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica. A inserção do direito consumerista em nossa ordem econômica representa um contrapeso ao liberalismo econômico, destacado pela liber‑ dade de iniciativa. Demonstra que a atividade econômica, apesar de livre, não se situa em posição de anarquia, tendo em vista o papel cogente dos direitos fundamentais, como do consumidor. Essas são as disposições constitucionais relacionadas ao Direito do Consumidor. XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; Comentário: o direito de informação pode ser encarado sob ótica pública ou privada. sob o aspecto privado, refere-se ao direito de ser informado, independentemente de censu‑ ra. sob a ótica pública, podemos entender tal prerrogativa como o direito que possuímos de obter, junto aos órgãos públicos, informações de interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral. Esse direito é essencial, tendo em vista a adoção de forma de governo republicana, que insere a ideia de que o Estado é uma coisa pública, de todos, razão pela qual deve imperar o princípio da publicidade. A lei definirá o prazo no qual, sob pena de responsabilidade, a informação será prestada. Há, porém, exceções a esse princípio e que possibilitam a existência de informações sigilosas nos órgãos públicos. Esse sigilo deverá estar amparado na segurança da sociedade e do Estado. interessante notar que os fundamentos para o sigilo das informações constantes dos órgãos públicos recebeu funda‑ mento diverso do segredo de justiça, que, segundo o art. 5º, lX, da CF,será possível nos casos de proteção do interesse social ou da intimidade. XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; Comentário: trata o presente inciso de uma gratuidade constitucional incondicionada, o que significa dizer que a cobrança de taxas para o exercício do direito de petição ou do direito de obter certidões será sempre inconstitucional. Há que se ressaltar que a constituição dispõe também sobre a gratuidade de duas certidões específicas: de óbito e de D ir E it o C o n st it u C io n A l 12 nascimento, no art. 5º, lXXVi, da CF, que no âmbito consti‑ tucional alcança apenas os reconhecidamente pobres, nos termos da lei. XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judici- ário lesão ou ameaça a direito; Comentário: cuida-se da inafastabilidade da jurisdição ou do princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário, que demonstra a intenção do constituinte de submeter ao Poder Judiciário toda lesão ou amea ça de lesão a direito, afastando, assim, o modelo francês de contencioso administrativo, ou seja, de submissão de questões administrativas a tribunais específicos. sendo assim, seria inconstitucional, por exemplo, a estipulação de taxas judiciárias elevadas ou fixadas em per‑ centuais sobre o valor da causa, sem limite, pois impedem o amplo acesso da população ao Poder Judiciário. Em certos casos é possível transacionar acerca do direito de acesso à máquina judiciária, por exemplo, nas hipóteses de convenção de arbitragem livremente acordada em um negócio jurídico. É possível também que a Fazenda Pública venha a condicionar um parcelamento tributário à renúncia do direito de discutir o débito perante o Poder Judiciário. Em alguns casos, o prévio acesso à via recursal adminis‑ trativa se mostra necessário para a configuração do interesse de agir, condição para o ajuizamento de uma ação. Para a impetração de habeas data, por exemplo, é necessário que o interessado em obter acesso ou a retificação de seus dados pessoais comprove a existência de prévia negativa do detentor do banco de dados. A justiça desportiva possui uma precedência sobre o sistema judicial no que se refere às causas relativas à dis‑ ciplina e às competições desportivas. nesse caso, a justiça desportiva terá o prazo de 60 dias, a partir da instauração do processo, para proferir sua decisão final. somente após o esgotamento da instância desportiva é que será possível submeter a causa ao Poder Judiciário. XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; Comentário: nosso sistema constitucional adota a ideia de irretroatividade da lei, impedindo, assim, que uma nova lei produza efeitos sobre atos anteriormente realizados, até mesmo sobre os efeitos futuros desses atos. A irretroativida‑ de, porém, não é total. A proibição constitucional limita-se aos casos em que a aplicação retroativa da lei prejudica o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A lei de introdução às normas do Direito Brasileiro, o Decreto-lei nº 4.657/1942, define o alcance dos referidos termos da seguinte forma: Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; Comentário: a proibição da existência de juízo ou tribunal de exceção impede que alguém seja julgado por um órgão judicial que não seja aquele ordinariamente competente para o julgamento da causa. A vedação do dispositivo, porém, não se limita a esse aspecto, relativo à competência. A proibição também visa a evitar que no processo seja utilizado proce‑ dimento diverso daquele previsto em lei, ofendendo, assim, a legislação processual. XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a orga- nização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; Comentário: o júri configura uma forma de exercício direto da soberania popular, tendo em vista que assegura ao povo o julgamento de crimes dolosos contra a vida. no tribunal do júri, o conselho de sentença, formado por pes‑ soas leigas, do povo, será o juiz de fato, sendo que o juiz de direito, togado, apenas terá a função de coordenar os atos processuais. Como foi dito, o tribunal do júri possui competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, que são aqueles crimes cometidos intencionalmente e que se voltam diretamente contra o bem “vida”. são exemplos de crimes contra a vida o homicídio, o aborto, auxílio ou a instigação ao suicídio e o in‑ fanticídio. Para que o crime seja julgado pelo júri, é necessário que ele se volte diretamente contra a vida, não sendo cabível o julgamento de crimes que se destinam a ofender outros valores, mas que acabam por atingir também a vida da vítima, tais como o latrocínio e a lesão corporal seguida de morte. no júri, é admitida a utilização de quaisquer meios lícitos para o convencimento do conselho de sentença, garantia que a Carta Maior denomina plenitude de defesa. também será garantido o sigilo da votação, o que impede que os juízes leigos sejam ameaçados ou que sejam feitas tentativas de suborno, por exemplo. Por fim, cabe lembrar que o vere‑ dicto resultante do julgamento do conselho de sentença é soberano, o que impede que o juiz-presidente do tribunal venha a alterar alguma conclusão decorrente da votação. isso não impede, por outro lado, que sejam interpostos recursos contra a decisão proferida pelo tribunal do júri, ocasião na qual é possível que o julgamento seja desconstituído. XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; Comentário: trata-se do princípio da reserva legal ou da anterioridade da lei penal. A definição de crimes e a comina‑ ção de penas somente é possível por meio de lei em sentido estrito, excluindo-se portanto atos normativos primários, como as medidas provisórias. A previsão constitucional desse inciso, porém, não impede a existência de leis penais em branco, que admitem a existência de complemento a ser veiculado por normas infraconstitucionais, como a lei de tóxicos, por exemplo, que possui regulamento infraconstitu‑ cional no intuito de disciplinar quais substâncias devem ser consideradas entorpecentes para efeitos penais. XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Comentário: trata-se do princípio da irretroatividade da lei penal mais maléfica, da retroatividade da lei penal mais benéfica ou da ultratividade da lei penal mais benéfica. segundo o referido princípio, a legislação penal não pode ser aplicada a fatos produzidos antes de sua vigência, salvo quando tratar-se de aplicação que beneficie o réu. D ir E it o C o n st it u C io n A l 13 Dessa forma, se uma pessoa comete um crime quando da vigência de uma lei A e, posteriormente, surge uma lei B, mais maléfica, a data do julgamento será aplicada a lei A, ainda que não mais tenha vigência, tendo em vista que não se trata de retroatividade em prol do réu. no caso de a lei posterior ser mais benéfica, a condena‑ ção aplicar-lhe-á, ainda que não vigente à época da conduta delitiva. Essa retroação pode até mesmo desconstituirdeci‑ sões que já tenham transitado em julgado. Cabe nota de que não se admite a Combinação de Leis. se a lei posterior for em parte melhor e em parte pior que a anterior, o juiz não pode se utilizar da parte benéfica de uma lei W e da parte benéfica da lei K, sob pena de agir como um legislador positivo, já que criará uma terceira lei. o juiz deverá, portanto, analisar qual das leis é mais branda para beneficiar o réu no caso concreto. Ex. 1: Crime Permanente na hipótese de crime permanente, a prática criminosa se alonga no tempo. Como na extorsão mediante sequestro, a lei será aplicada levando-se em conta o último momento em que praticado ato executório do crime. Vejamos. Ex. 2: XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; Comentário: trata-se de cláusula genérica de proteção ao próprio sistema de garantias fundamentais do cidadão. XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Comentário: primeiramente, há que se asseverar que o racismo consiste em atitude de segregação, não se limitando a ofensas verbais de conteúdo discriminatório. Ademais, o racismo não precisa estar atrelado a critérios biológicos, englobando qualquer forma de discriminação baseada em critérios étnicos, religiosos etc. A inafiançabilidade impede a concessão de liberdade provisória mediante pagamento de fiança. A imprescritibilidade impede que o Estado venha a perder sua pretensão punitiva em virtude do decurso do tempo. Por fim, a pena de reclusão impõe a aplicação de regime de pena inicialmente fechado, sendo cabível, porém, a progressão de regime. XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetí- veis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandan- tes, os executores e os que, podendo evitá‑los, se omitirem; Comentário: os delitos definidos nesse inciso não admi‑ tem o pagamento de fiança com a finalidade de se obter a liberdade provisória, bem como a concessão dos benefícios da graça ou da anistia. interessante notar que será cabível a modalidade omissiva em relação àqueles que puderem evitar esses crimes. XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; Comentário: o presente inciso disciplina o terceiro grupo de crimes que mereceram do constituinte uma repressão especial. tal qual no racismo, foi excluída a possibilidade de pagamento de fiança e de prescrição de tais delitos. sendo assim, temos o seguinte panorama no que se refere aos crimes com repressão especial, definidos cons‑ titucionalmente: – inafiançáveis: racismo, crimes hediondos, tráfico, tortura, terrorismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; – imprescritíveis: racismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; – sujeitos a reclusão: racismo; – insuscetíveis de graça ou anistia: hediondos, tráfico, tortura e terrorismo. Cabe lembrar que nada impede que a legislação venha a ampliar as características aqui listadas, prevendo, por exem‑ plo, que outros crimes também sejam sujeitas a prescrição. XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; Comentário: o princípio da pessoalidade da pena impede que a condenação penal venha a ser estendida, subjetiva‑ mente, extrapolando a figura do autor. nosso sistema repudia a responsabilidade de pena objetiva, razão pela qual a pena somente pode ser aplicada a quem seja culpado (em sentido lato) pela conduta delitiva. A referida limitação, porém, não se aplica aos reflexos patrimoniais da atividade criminosa. A obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens pode alcançar os herdeiros, desde que a execução da dívida se limite ao patrimônio efetivamente transferido. D ir E it o C o n st it u C io n A l 14 Dessa forma, ainda que os reflexos patrimoniais sejam transferidos aos sucessores, a obrigação nunca poderá ser cobrada em montante superior ao valor do patrimônio transferido, o que, de certa forma, impede a existência de uma responsabilidade penal objetiva. XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; Comentário: as penas descritas no presente inciso for‑ malizam um rol meramente exemplificativo das penas que podem ser adotadas em nosso ordenamento jurídico. Estabe‑ lece a Constituição, ainda, o princípio da individualização da pena, que impõe a pena adequada ao réu, segundo elemen‑ tos objetivos (relacionados à conduta criminosa) e subjetivos (relativos ao perfil do réu). segundo esse preceito, deve o juiz, ao proceder à dosimetria da pena, adequar a pena de forma a amoldar-se perfeitamente à situação segundo critérios de quantidade, tipo e regime de cumprimento. Por conta desse preceito já foi considerada inconstitu‑ cional a tentativa de se proibir a progressão de regime, que permite ao réu progredir, passando do regime fechado, mais grave, para os regimes semiaberto e aberto. A imposição de regime integralmente fechado retira do juiz a possibilidade de individualizar a pena segundo as peculiaridades existentes no caso, aplicando o mesmo regime de pena em qualquer situação. XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; Comentário: a pena de morte, como podemos perceber, somente é cabível quando o Presidente da república declara guerra, sendo aplicada nas hipóteses previstas na legislação penal específica. Apesar de a Constituição Federal proibir a condenação em relação a penas de caráter perpétuo, é possível que uma sentença condenatória venha a impor pena de duzentos anos de reclusão, por exemplo. ocorre que, apesar de a sentença impor pena que provavelmente extrapola a prazo de vida de um ser humano, impõe o Código Penal que a execução dessa pena não poderá ultrapassar o prazo de trinta anos, o que acaba por impedir que a condenação resulte em uma penalidade de caráter perpétuo. A pena de trabalhos forçados impede que o condenado seja obrigado a trabalhar de forma desumana, sendo obri‑ gado a empreender esforços que extrapolem o limite da capacidade humana. o banimento significa o exílio, o desterro de um nacional. Consiste na proibição de permanência no território de seu país. não pode ser confundido com a expulsão, que se refere apenas aos estrangeiros e não é propriamente uma pena, mas uma medida de resguardo da soberania do país. se fosse considerada uma pena, seríamos obrigados a obedecer a um devido processo legal para poder expulsar um estrangeiro, o que não ocorre. na expulsão, o estrangeiro é retirado do País por ter cometido ato contrário aos interesses nacionais. também não pode ser confundida com banimento a ex‑ tradição, que consiste na entrega de um estrangeiro ou de um brasileiro naturalizado a um país estrangeiro, permitindo-se, assim, seu julgamento e a aplicação de pena naquele Estado. Por fim, registramos que o banimento não pode ser confundido com a deportação, que decorre da retirada do território brasileiro daqueles estrangeiros que não cumprem com os requisitos legais migratórios. resumindo: Por fim, registra a Constituição do Brasil a proibição de aplicação de penas cruéis, já que ferem a dignidade da pessoa humana. XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordocom a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; Comentário: a medida acima visa a resguardar a figura do preso, evitando abusos em virtude da maior suscetibilidade de certos presos. Evita também que a prisão deixe de ser um local de ressocialização para se tornar uma verdadeira escola de crime, já que os presos de menor periculosidade poderiam ser influenciados pelos presos de maior tendência à criminalidade. XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Comentário: o preso fica sob a tutela do Estado, devendo ter resguardada sua integridade física e moral. o Estado será responsável tanto pelos danos gerados por seus agentes, quanto por aqueles que sejam gerados pelos demais presos, tendo em vista o dever de cuidar da integridade daqueles que estão sob sua custódia. L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; Comentário: o direito à amamentação assegura, de certa forma, a obediência ao princípio da pessoa lidade da pena, já que a criança não será afetada nem sofrerá prejuízo em virtude do fato cometido pela mãe. LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o natura- lizado, em caso de crime comum, praticado antes da natu- ralização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; Comentário: cuida-se, aqui, da primeira distinção trazida no texto constitucional acerca dos brasileiros natos e dos na‑ turalizados. Graficamente podemos representar a disposição acima da seguinte maneira: D ir E it o C o n st it u C io n A l 15 LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; Comentário: o disposto neste inciso impede que o ins‑ tituto da extradição venha a ser utilizado como forma de perseguição política. É respeitado, portanto, o pluralismo político, que é a liberdade de se optar por determinadas concepções políticas. Cabe lembrar, ainda, que a Constituição Federal, em seu art. 4º, X, prevê a concessão de asilo políti‑ co, que nada mais é do que um impedimento à extradição, concedido àqueles que sofrem de perseguição política em país estrangeiro. LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; Comentário: cuida-se do princípio do juiz natural, que garante ao jurisdicionado o direito a receber a prestação jurisdicional segundo as regras rigidamente estabelecidas em lei. se uma causa é julgada em juiz incompetente, por exem‑ plo, estamos diante de nítida ofensa ao referido princípio. Há quem defenda a existência do princípio do promotor natural, que também seria um consectário do presente inci‑ so. Esse princípio diz respeito à impossibilidade de alteração, de forma arbitrária, do membro do Ministério Público desig‑ nado para uma causa, buscando-se, dessa forma, a garantia da independência funcional, já que impede que os membros do parquet sofram qualquer pressão. LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; Comentário: estamos diante do princípio do devido pro‑ cesso legal, que impõe a observância das normas processuais vigentes para que alguém seja privado de sua liberdade ou de seus bens. A presente regra também é denominada “devido processo legal substancial” e impõe a observância da proporcionalidade de da razoabilidade. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrati- vo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Comentário: este inciso explicita o conteúdo do devido processo legal processual, estipulando duas regras básicas, que são o contraditório e a ampla defesa. o contraditório consiste no direito de con tra-argumen tar, ou seja, de apresentar uma versão que conteste as alegações feitas pela parte adversa. A ampla defesa pressupõe a possibilidade de se produzir provas no processo, juntando elementos fáticos à argumen‑ tação feita em sua defesa. LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; Comentário: no exercício da ampla defesa, não é possível juntar aos autos provas que tenham sido obtidas por meios ilícitos. A presente medida busca evitar que a atividade de produção de provas se torne um estímulo à prática de atos ilícitos. Em certos casos, porém, essa proibição é relativizada, desde que a prova obtida por meio ilícito seja o único meio de prova capaz de garantir o direito de defesa de pessoa que esteja na condição de acusada. A doutrina e a jurisprudência reconhecem a regra da prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore en‑ venenada). segundo tal regra, também serão inadmitidas no processo as provas que forem obtidas a partir de uma prova obtida por meio ilícito. Vamos supor, por exemplo, que um policial faça uma escuta clandestina, descobrindo que um crime será cometido no dia seguinte, em tal lugar, em tal hora. se esse policial presenciar o crime e fotografar a cena, tais fotos também serão ilícitas, pois somente foram obtidas a partir das informações colhidas na escuta clandestina, atividade criminosa que contamina as provas subsequentes. Por fim, ressaltamos que o simples fato de existirem provas obtidas por meios ilícitos em um processo não signi‑ fica que haverá absolvição do réu. É possível, dessa forma, a condenação se existirem no processo outras provas inde‑ pendentes e capazes de fundamentar eventual sentença condenatória. LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; Comentário: cuida o presente inciso do que comumente se denomina princípio da presunção de não culpabilidade ou da presunção de inocência. Com base nesse dispositivo, somente após o trânsito em julgado da sentença condenató‑ ria, o réu poderá ser considerado culpado. isso não significa, porém, que ele não poderá ser preso antes disso. A prisão não é atrelada à culpa, já que pode ser uma medida de cau‑ tela, evitando-se a fuga do preso ou o risco de cometimento de novos delitos. são exemplos de prisões cautelares as temporárias, preventivas, por pronúncia etc. D ir E it o C o n st it u C io n A l 16 LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; Comentário: em nosso país, privilegiando-se a presun‑ ção de legitimidade e a fé pública, adota-se como regra a identificação feita por meio de documentos civis. Em casos excepcionais, porém, desde que haja previsão legal, poderá ser feita a identificação criminal, papiloscópica ou fotográfica, por exemplo. Assim, quando alguém é detido, somente será obrigado a proceder a uma identificação criminal se, por exemplo, não possuir identificação civil, tiver identificação civil em mau estado de conservação ou cometer delitos específicos, previstos em lei. LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal; Comentário: esse é o caso da ação penal privada sub‑ sidiária da pública. Vamos aqui, de forma sintética, resumir esse trâmite. o Poder Judiciário somente age quando é provocado. A isso chamamos princípio da inércia. Dessa forma, para que o Estado possa condenar alguém pelo cometimento de um crime, é necessário que o Judiciário seja provocado por meio de uma ação penal. As ações penais podem ser ajuizadas pela vítima (ação penal privada) ou pelo Ministério Público (ação penal pú‑ blica), quando for o caso. Quando proposta pela vítima, denominamos queixa-crime; quando iniciada pelo Ministério Público, denominamos denúncia. A lei penal possui o papel de definir qual será a forma de propositura da ação, sendo mais comum a propositura pelo Ministério Público. nesse caso, se o Ministério Público não apresentar denúncia no prazo legal, abrir-se-á oportunidade de a vítima substituir o Ministério Público, por meio da ação penal privada subsidiária da pública. LX –
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