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1 NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS BELO HORIZONTE / MG 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO À NEUROPSICOLOGIA ............................................................................................ 3 NEUROPSICOLOGIA – DADOS HISTÓRICOS ................................................................................. 3 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ................................................................................................ 5 ATENÇÃO ......................................................................................................................................... 7 MEMÓRIA ......................................................................................................................................... 8 Memória de curto prazo ou operacional ......................................................................................... 9 Memória de longo prazo .................................................................................................................. 9 LINGUAGEM ....................................................................................................................................10 FUNÇÕES EXECUTIVAS .................................................................................................................13 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM CARACTERIZADA, PRIMARIAMENTE, POR TRANSTORNOS DO FUNCIONAMENTO NÃO VERBAL ................................................................16 HABILIDADES NEUROPSICOLÓGICAS .........................................................................................16 ADOLESCENTES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ......................................................19 ADULTOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM .................................................................21 APRENDIZAGEM E MEMÓRIA ........................................................................................................22 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA LINGUAGEM ...........................................................................22 NEUROPSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO .............................................................................24 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA INFÂNCIA .......................................................................26 DISLEXIA .........................................................................................................................................29 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM .................................................................................................30 SÍNDROME FETAL ALCOÓLICA ......................................................................................................35 SÍNDROME DE WILLIAMS ..............................................................................................................36 SÍNDROME DO X FRÁGIL ...............................................................................................................37 NEUROFIBROMATOSE TIPO 1 (NF-1) ............................................................................................38 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................38 NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 3 INTRODUÇÃO À NEUROPSICOLOGIA NEUROPSICOLOGIA – DADOS HISTÓRICOS Dados de relatos sobre dificuldades de linguagem em um paciente com lesão craniana já eram descritos nos papiros de Edwin Smith em 3500 a.C. Desde então diversos estudos cognitivos vêm sendo descritos ao longo do tempo. Gall (1809) – por meio de sua doutrina, a frenologia, defendia que a superfície do cérebro fosse associada a diferentes órgãos cerebrais, tendo cada um uma função e traços de caráter. Carl Wernicke (1874) - descreveu a relação entre lesão no giro temporal dominante e a afasia sensorial ou de compreensão. Descreveu também a afasia de condução, cuja lesão ocorre nas fibras que conectam o giro temporal ao giro frontal no hemisfério esquerdo, com compreensão e expressão preservadas de forma razoável no contexto de dificuldades de repetição de palavras ou frases. Paul Broca (1961) - sugeriu que o hemisfério cerebral esquerdo tinha relação com a linguagem, especificamente a fala e a dominância manual. 1913 - o termo neuropsicologia surge pela primeira vez numa conferência nos Estados Unidos, mencionado por William Osler. Em seguida é citado na obra de Donald Hebb (1949), porém para a maioria dos pesquisadores, essa especialidade teve início com os estudos de Paul Broca. Surgimento de uma nova escola: Localizacionista - devido às pesquisas sobre subdivisão e localização de centros específicos da linguagem. Outros estudos foram publicados associando áreas cerebrais a determinadas funções cognitivas. Panizza (1855) – relacionou o quadro de cegueira com a região occipital. Jonh Harlow (1849) – descreveu alterações de comportamento no caso Phineas Gage depois de uma lesão frontal. Fim do século XX e início do século XXI – Vygotsky e Luria apresentaram uma proposta diferente da Localizacionista. Eles se basearam em três princípios centrais das funções corticais: PLASTICIDADE, SISTEMAS FUNCIONAIS DINÂMICOS E PERSPECTIVA A PARTIR DA MENTE HUMANA. A psicologia cognitiva (1950) - objetivou estudar os processos cerebrais e cognitivos em indivíduos normais, incluindo a memória, linguagem, pensamento e funções perceptivas. Fim da década de 1960 – surge na Inglaterra a neuropsicologia cognitiva, a qual se baseou em paradigmas de processamento de informações para a análise dos subcomponentes das habilidades cognitivas. No Brasil (1950) - o neuropediatra, também graduado em psicologia, Antônio Frederico Branco Lefèvre do departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) realizou os primeiros estudos sobre neuropsicologia com enfoque na psicopatologia da afasia em crianças. Sua esposa, Beatriz Helena Lefèvre, da Divisão do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP expandiu esses estudos. Em 1971 - a psicóloga Cândida Helena Pires de Camargo e o neurocirurgião Raul Marino Jr. criaram a Unidade de Neuropsicologia da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, objetivando auxiliar no diagnóstico, planejamento cirúrgico e monitoramento dos pacientes com doenças neurológicas e neuropsiquiátricas. Em 2004, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconheceu a neuropsicologia como especialidade da psicologia pela resolução nº002/2004. (MIOTTO, 2012). NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 4 A neuropsicologia é a ciência que objetiva o estudo da relação entre o cérebro e o comportamento humano (LURIA, 1981). Para Lezak (1995), a neuropsicologia pode ser definida como a análise sistemática das alterações de comportamento desencadeadas por lesões, doenças e malformações que acometem o cérebro. A neuropsicologiaé uma área relativamente nova. É a área da psicologia e das neurociências que tem como objetivo estudar as relações entre o sistema nervoso central (SNC), o funcionamento cognitivo e o comportamento. As principais atuações se referem ao diagnóstico complementar e intervenções clínicas voltadas para as várias patologias decorrentes de alterações no SNC, bem como pesquisa experimental e clínica na presença ou não de afecções. Possui uma inter-relação com as áreas de neurologia, psicologia, psiquiatria, pedagogia, geriatria, pediatria, fonoaudiologia, forense e, recentemente com economia e marketing (MIOTTO, 2012). Vale salientar que a maior contribuição para a neuropsicologia se deu com Luria (1966). A partir de uma base clínica e experimental, ele examinou pacientes com lesões 5 cerebrais adquiridas na Segunda Guerra Mundial. As observações meticulosas e os estudos experimentais proporcionaram o desenvolvimento de uma teoria das funções cerebrais e um método de investigação significativo para o diagnóstico localizatório e a reabilitação. Luria publicou um livro com o resumo de 20 anos de pesquisa no ocidente. Essa obra forneceu subsídios para a avaliação neuropsicológica e para a prática clínica a milhares de pessoas pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Possibilitou aqui no Brasil, a “entronação” definitiva da avaliação neuropsicológica como parte do instrumento para auxílio ao diagnóstico e planejamento cirúrgico dos pacientes com doenças neurológicas e neuropsiquiátricas no início da década de 1970, na Divisão de Neurocirurgia Funcional, do Instituto de Psiquiatria – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP (LURIA, 1966; CAMARGO, BOLOGNANI e ZUCCOLO, 2008). Os exames de neuroimagem também são fundamentais na avaliação neuropsicológica, pois, permitem a visualização da localização de lesões e disfunções sutis. A avaliação concentra o interesse também no estabelecimento da extensão, do impacto e das consequências cognitivas, comportamentais e na adaptação emocional e social que lesões ou disfunções cerebrais podem ocasionar nos indivíduos (CAMARGO, BOLOGNANI e ZUCCOLO, 2008). A neuroimagem propicia o conhecimento de circuitos cerebrais que são responsáveis por áreas específicas da cognição do ser humano. Permite a visualização da estrutura e funcionamento do cérebro, podendo identificar a anatomia de alguns distúrbios mentais (VIEIRA et. al., 2007). As técnicas de neuroimagem possibilitam a diferenciação de doenças psiquiátricas de outras patologias. Facilita a visualização para exclusão de tumores, lesões isquêmicas que desencadeiam sintomas semelhantes dos transtornos mentais. Facilita a pesquisa em relação a alterações estruturais ou funcionais como fator primário de transtornos psiquiátricos com o auxílio da morfologia e da fisiologia do encéfalo (VIEIRA et. al., 2007). Os profissionais da educação e da saúde em geral têm percebido a importância do entendimento em relação às alterações cognitivas. Eles têm se deparado com cada vez mais solicitações para diagnóstico e cuidados que excedem o que pode ser feito com base apenas nos métodos da medicina. Já se sabe que algumas doenças têm impacto significativo em várias áreas do funcionamento do indivíduo. O reconhecimento dessas dificuldades era antigamente mais fácil nas doenças de impacto primário sobre o cérebro, porém nos últimos anos essa identificação ou suspeita vem sendo feita em relação às outras desordens, inclusive psiquiátricas e somáticas (TARTER, EDWARDS e VAN THIEL, 1998; YUDOFSKY,1992). NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 5 É importante salientar também que algumas doenças podem ter efeito potencialmente adverso no funcionamento neurológico, tais como infecções, traumas, exposição a agentes tóxicos, problemas renais, cardíacos, de fígado e outros. Os efeitos neurológicos secundários dessas alterações podem afetar a cognição e, consequentemente, a capacidade adaptativa do indivíduo, ocasionando problemas no manejo agudo e em longo prazo, caso não sejam reconhecidos (TARTER, EDWARDS e VAN THIEL, 1998). O neuropsicólogo atua na avaliação (exame, avaliação neuropsicológica) e no tratamento (reabilitação neuropsicológica) no que se refere às disfunções ou sequelas do SNC. Essas sequelas ou alterações podem estar associadas ao desenvolvimento anormal do sistema nervoso central como, por exemplo, transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, esquizofrenia, dislexia ou as sequelas adquiridas em algum momento da vida representadas por: traumatismo cranioencefálico, acidente vascular encefálico, demências (COSENZA, FUENTES e MALLOY-DINIZ, 2008). Nos últimos anos vários estudos vêm mostrando os benefícios da identificação e do diagnóstico precoce de déficits cognitivos e emocionais por meio da avaliação neuropsicológica nos quadros neuropsiquiátricos. A identificação com precisão dos componentes com déficits, das forças cognitivas e da personalidade e da forma como se articulam auxilia a tomada de decisões e o manejo a curto e longo prazo, portanto a 7 investigação do funcionamento e dos sintomas por meio de uma vasta avaliação que integre dados de várias áreas do conhecimento se faz necessária (CAMARGO, BOLOGNANI e ZUCCOLO, 2008). AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA O objetivo da avaliação neuropsicológica consiste em: A quantificação e a qualificação detalhadas de alterações das funções cognitivas, objetivando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas em quadros neurológicos e transtornos psiquiátricos, tanto em clínica como em pesquisa. Investigar a natureza e o grau de alterações cognitivas e comportamentais. Monitorar a evolução de quadros neurológicos e psiquiátricos, tratamentos clínicos, medicamentosos e cirúrgicos. Planejar programas de reabilitação voltados para as alterações cognitivas, comportamentais e de vida diária. Avaliação com foco para os aspectos legais, gerando informações e documentos sobre as condições ocupacionais ou incapacidades mentais de pessoas que sofreram algum dano cerebral ou doença, afetando o sistema nervoso central (MIOTTO, 2012; MÄDER-JOAQUIM, 2010). A avaliação é realizada por meio da aplicação de entrevistas, testes neuropsicológicos quantitativos e qualitativos das funções cognitivas (atenção, percepção, memória, linguagem e raciocínio). Alguns métodos já são utilizados há algum tempo, porém outros estão ainda em construção (MÄDER- JOAQUIM, 2010). É importante lembrar que a avaliação neuropsicológica não é somente a aplicação, correção e interpretação de testes de cognição. Ela contribui para o raciocínio, baseado em hipóteses diagnósticas, possibilita a identificação de maneira pormenorizada o tipo e a extensão da alteração cognitiva, enfatiza as funções cognitivas preservadas e comprometidas, a presença de alterações do comportamento e de NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 6 humor, bem como o impacto destas nas atividades de vida diária, ocupacional, social e pessoal do indivíduo. A avaliação consiste também investigar as alterações de humor e do comportamento por meio de escalas (MIOTTO, 2012). A avaliação neuropsicológica é indicada em indivíduos comalterações cognitivas devido a eventos que atingiram primária ou secundariamente o SNC. São os traumatismos cranioencefálicos (TCEs), tumores cerebrais (TUs), epilepsias, acidentes vasculares encefálicos (AVEs), demências, desordens tóxicas, doenças endócrinas ou desordens metabólicas, deficiências vitamínicas e outras desordens (CAMARGO, BOLOGNANI e ZUCCOLO, 2008). QUADRO- AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Em algumas circunstâncias, o prognóstico do paciente vai depender de seus recursos cognitivos e emocionais prévios e remanescentes. A avaliação neuropsicológica pode identificar esses recursos com bastante precisão, mapeando as forças e as fraquezas cognitivas e assim contribuindo para prever o que esperar quanto à evolução. FONTE: Neuropsicologia: Teoria e Prática, 2008 (Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo, Cosenza e cols) – O exame neuropsicológico e os diferentes contextos de aplicação. (pp.110). A avaliação neuropsicológica também é indicada nas situações em que os recursos cognitivos e adaptativos não são suficientes para o manejo da vida prática acadêmica, profissional ou social pela questão dos indivíduos apresentarem a organização de suas funções mentais de formas diferentes ou discrepantes do que é habitual. Os portadores do transtorno específico do desenvolvimento, os transtornos globais do desenvolvimento, o retardo mental e até mesmo quadros de transtornos de personalidade incluem a categoria dos indivíduos que podem ter benefícios por meio da avaliação e posteriormente uma reabilitação objetivando uma melhor adaptação social. A dislexia, o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e o transtorno afetivo bipolar (TAB) na infância e adolescência também se beneficiam com a avaliação, pois, a mesma pode fornecer subsídios individuais que contribuem para o auxílio do tratamento (CAMARGO, BOLOGNANI e ZUCCOLO, 2008). As funções cognitivas fazem parte do nosso funcionamento e são fundamentais para que possamos realizar as atividades do nosso dia a dia de forma automática e com maestria, porém quando as mesmas estão alteradas por algum motivo, começamos a entrar em contato com limitações que podem nos causar uma série de transtornos desde os físicos até emocionais. A seguir veremos cada uma das funções cognitivas que fazem parte do nosso funcionamento. A seguir alguns testes neuropsicológicos – checar a padronização brasileira, pois, nem todos os testes estão validados para uso no Brasil (MIOTTO, 2012). Funções intelectuais – WAIS-III, WISC-III, WPPSI, Stanford-Binet, matrizes de Raven. Memória de curto prazo ou operacional – Dígitos (WAIS-III E WISC-III), Span Espacial (WMS-III), Sequencia Letra e Número (WAIS-III), WRAML, NEPSY Memória episódica verbal: evocação imediata, tardia e reconhecimento – Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT), Hopkins Verbal Learning Test-R (HVLT-R), memória logica (WMS-III), reconhecimento de palavras (Warrington Recognition, Camden Memory Tests) Memória episódica visuoespacial: evocação imediata, tardia e reconhecimento – Brief Visual Memory Test-R (BVMT-R), figura de Rey, evocação de figura (AMIPB), três figuras e três palavras, WRAML, NEPSY Memória semântica – vocabulário e informação (WAIS-III), Pyramid Palm and Trees, fluência categórica (Animais) Memória implícita – figuras e palavras fragmentadas de Gollins NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 7 Linguagem – Boston Naming Test (Nomeação), Token Test (Compreensão) Habilidades acadêmicas – teste de desempenho escolar (leitura, escrita e cálculo). Funções visuoperceptivas e visuoespaciais – visual object and Spatial Perception Battery (VOSP), completar figuras (WAIS-III), Hooper Praxias – Cubos – WAIS-III (praxia construtiva), desenho do relógio e cópia de figuras bi e tridimensionais, imitação do uso de objetos (praxia ideomotora), movimentos orofaciais (praxia bucofacial) Funções atencionais – Wisconsin Card Sorting Test, estimação cognitiva, semelhanças e arranjo de figuras (WAIS-III), provérbios, fluência verbal nominal (FAS) e categórica (Animais), AC, D2, NEPSY. Investigação de demência – MEEM – miniexame do estado mental, Dementia Rating Scale, Escala Mattis, Clinical Dementia Rating (CDR) Humor – SCID, escalas Beck (ansiedade e depressão), HADS, GDS ATENÇÃO Segundo Eysenck e Keane (1994), a atenção significa a capacidade de selecionar parte de um estímulo para um processamento mais intenso, porém pode também ser sinônimo de concentração ou estado mental. D’Mello e Steckler (1996) defendem que “para um organismo aprender, ele deve ser capaz de perceber os estímulos ambientais, realizar associações entre esses estímulos e arquivar informações relevantes. No entanto, para associar estímulos o organismo deve antes discriminar as diferenças entre esses estímulos, e para arquivar informações o organismo necessita primeiramente decodificar e alocar a informação em uma ou mais das muitas localizações neuronais. A eficiência do aprendizado depende de fatores como motivação, atenção, memória e experiência previa” (p.345). A Segunda Guerra Mundial proporcionou a retomada de destaque no campo das ciências em relação à atenção. A guerra desencadeou a necessidade da operação de torres de controle e redes de comunicação mais eficientes, porém percebeu-se por meio dessa tarefa que a capacidade do ser humano de processar muitas informações era bastante limitada. Devido a isso, objetivou-se estudar como o indivíduo utiliza suas capacidades atencionais para criar sistemas de comunicação que trabalhassem em harmonia com esta capacidade limitada (NABAS E XAVIER, 2004). A avaliação da atenção exige do examinador bastante cautela. É necessária a investigação de vários fatores que podem influenciar o exame dessa complexa função, como, por exemplo, cansaço, sonolência, o uso de álcool, de substâncias psicoativas, etc. Outro dado importante para avaliação se refere à importância da consideração sobre os níveis atencionais, pois, os mesmos variam ao longo dos dias e, frequentemente ao longo de um mesmo dia: o desempenho deficitário em um momento isolado não necessariamente implica comprometimento significativo dessa função (COUTINHO et. al., 2010). É válido ressaltar que o que se entende por atenção se refere a aspectos cognitivos diferentes que podem exigir tarefas específicas para sua avaliação. Para avaliar a atenção sustentada, por exemplo, é necessária a utilização de testes mais longos (raramente encontrado na prática clínica). Alguns transtornos primários de atenção, como no transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são caracterizados pela variabilidade da resposta ao longo do tempo, exigindo não apenas testes mais longos como também divididos em blocos para análise comparativa. Por último, vale destacar 11 que alguns autores consideram a atenção ou pelo menos alguns de seus aspectos como uma função executiva tendo a necessidade de ser interpretada no contexto nos demais déficits que ocorrem nas síndromes disexecutivas (COUTINHO et. al., 2010). A atenção tem papel significativo no nosso dia a dia. As atividades mentais ocorrem no contexto de ambientes com muitos estímulos, importantes ou não, que acontecem sem parar. Esses estímulos (olfatórios, visuais, auditivos, etc.) normalmente são selecionados de acordo com os objetivos pretendidos, conscientes ou não. Não podemos esquecer também que várias NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOSNEUROPSICOLÓGICOS 8 funções cognitivas dependem da atenção, mais especificamente a memória. Uma deficiência atencional pode então desencadear uma ampla gama de sintomas e em grande espectro de áreas da vida diária (COUTINHO et. al., 2010). Muitos autores vêm salientando que a atenção não se refere a apenas uma percepção unitária, mas consiste de mecanismos distintos e, muitas vezes que se completam. Segundo Muir (1996), a atenção é dividida em três formas básicas que são: atenção sustentada, dividida e seletiva. Atenção Sustentada: capacidade de manter o foco em uma determinada tarefa, assunto, etc. Atenção Dividida: capacidade de alternar o foco em duas ou mais tarefas. Atenção Seletiva: capacidade de manter a atenção para um determinado foco ignorando outros estímulos. A literatura apresenta certa controvérsia em relação à definição de atenção seletiva. Para Fuster (1995), por exemplo, defendeu que a denominação de atenção seletiva significa uma redundância em relação ao próprio conceito de atenção, já que a atenção é, por definição, seletiva, porém outros autores argumentam que atenção seletiva é definida como a capacidade de selecionar um estímulo particular. Normalmente, em tarefas utilizadas em estudos sobre atenção seletiva existem estímulos irrelevantes (distratatores) que devem ser ignorados, diferente das tarefas de atenção dividida, cujos estímulos são relevantes (NABAS e XAVIER, 2004). TESTE NEUROPSOCOLÓGICO PARA AVALIAR ATENÇÃO No que se refere à neurofisiologia da atenção, a mesma possui três grandes circuitos, sendo o primeiro deles a Rede de Atenção Visual. Esse circuito envolve o lobo parietal direito, os colículos superiores e o núcleo pulvinar do tálamo. A Rede Executiva que envolve o giro do cíngulo é a segunda rede da atenção. A Rede de Vigilância que é responsável pela manutenção do estado de alerta é o terceiro circuito. Ele envolve os lobos frontal e parietal direitos. Essa rede é ativada quando se aguarda sinais infrequentes e a rede executiva fica hipofuncionante quando essa rede está em funcionamento (COUTINHO et. al., 2010). Os testes neuropsicológicos mais utilizados para avaliar a atenção são: Teste de Stroop; Tavis-3; CPT-II; Teste de atenção concentrada (AC); Índice de Resistência à distração do WISC (COUTINHO et. al., 2010). MEMÓRIA Segundo Wilson (2011), memória é “a habilidade de adquirir, armazenar e evocar informações”. A autora ainda completa que algumas pessoas têm a tendência de comentar sobre a memória como se essa fosse somente uma habilidade, dizendo, por exemplo: “Eu tenho uma péssima memória” ou “Ela tem uma memória fotográfica”. Ela explica que existem vários tipos de memória. NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 9 Memória de curto prazo ou operacional A memória de curto prazo pode ser dividida em subsistemas específicos e independentes para diferentes modalidades de estímulos. Dois desses estímulos foram identificados: o fonológico e o visuoespacial. Essa memória tem a responsabilidade de armazenar informações na ordem de segundos ou de poucos minutos. Ela também é responsável pela manutenção e manipulação da informação para a realização de funções cognitivas superiores como a linguagem, planejamento e solução de problemas, compreensão, etc. (MIOTTO, 2012). Memória de longo prazo A memória de longo prazo se divide em memória não declarativa ou implícita, memória declarativa ou explícita, memória episódica e memória semântica (MIOTTO, 2012). Memória não declarativa ou implícita: sistema que se relaciona a aquisição de uma habilidade perceptomotora de forma gradual por meio de exposição repetida. Abrange um conjunto de subsistemas incluindo preativação, memória procedural e formação de hábito. Ela é chamada de implícita porque independe da consciência e pode ser avaliada pelo desempenho (MIOTTO, 2012). Memória declarativa ou explícita: sistema responsável pela capacidade de armazenar e evocar (recordar) ou reconhecer fatos e eventos da forma consciente (MIOTTO, 2012). Memória episódica: é responsável pelo armazenamento de informações e eventos que o indivíduo vive em determinado tempo e espaço. Essa memória nos permite a lembrança de informações como, por exemplo, saber onde estivemos ou o que fizemos no último ano, Natal ou hoje pela manhã (MIOTTO, 2012). Memória semântica: é o sistema responsável pelo processamento de informações gerais sobre o mundo no que se refere a fatos, conceitos, vocabulário. Ela acontece independentemente do contexto ou momento em que essas informações foram memorizadas pela primeira vez. A memória semântica permite saber que uma águia é um animal, mais precisamente um pássaro (MIOTTO, 2012). TESTE DE MEMÓRIA FONTE:: <http://www.casadopsicologo.net> A memória é caracterizada por processos complexos, os quais possibilitam o indivíduo se reportar a experiências impressivas, facilitando a comparação com as situações do presente facilitando, proporcionando programações futuras. A função da memória implica codificar, armazenar e resgatar informações. O objetivo da codificação é o processamento da informação que será armazenada. O armazenamento da informação que também leva o nome de retenção envolve o fortalecimento das representações enquanto estão sendo registradas e a recuperação é o processo de lembrança da informação que foi armazenada anteriormente. A recuperação pode ser realizada de forma consciente ou não, sendo a forma inconsciente ativada, por meio de associações manifestas no contexto por http://www.casadopsicologo.net/ http://www.casadopsicologo.net/ NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 10 semelhança ou necessidade (ABREU e MATTOS, 2010). PROCESSOS DA MEMÓRIA LINGUAGEM A definição da linguagem se dá a partir de aspectos biológicos e sociais que exprimem seu caráter essencial de favorecer a adaptação do indivíduo ao ambiente (MANSUR, 2010). Ela abrange diversos subcomponentes e níveis de processamento fonológico, lexical, sintático e semântico. Clinicamente há a possibilidade de avaliar os subcomponentes citados acima, considerando-se a fluência do discurso, nomeação, a compreensão auditiva, a repetição, a leitura e a escrita (MIOTTO, 2007). A comunicação humana depende da utilização que a linguagem faz de subsídios verbais, orais e gráficos. A linguagem não pode ser compreendida de forma isolada e de fácil delimitação, pois, é uma função complexa (SOARES et. al., 2012). Universalmente, a linguagem é a principal forma de comunicação, pois, por meio dela é que as pessoas se relacionam umas com as outras, porém algumas doenças neurológicas adquiridas ou indivíduos que nascem com deficiência auditiva promovem a alteração da linguagem. Foi Paul Broca que descreveu a primeira relação cérebro-linguagem por meio de estudos anatômicos (necropsia de um caso, o qual o paciente foi vítima de um acidente vascular). O paciente só conseguiaemitir o som ”Tan-Tan” devido à afasia de expressão, sendo a fala localizada na parte posterior do lobo frontal do hemisfério esquerdo (H.E.). Em 1974, Carl Wernicke descobriu a compreensão da palavra no giro temporal superior esquerdo. As duas áreas citadas são interconectadas pelo fascículo arqueado que é um feixe unidirecional de fibras que tem como função conduzir informações da área de Wernicke para a área de Broca (SOARES et. al., 2012). CÉREBRO DO PACIENTE TAN-TAN DE PAUL BROCA FIGURA 6 – PAUL BROCA <http://mortenahistoria.blogspot.com.br/search/l abel/PAUL%20BROCA>. http://mortenahistoria.blogspot.com.br/search/label/PAUL%20BROCA http://mortenahistoria.blogspot.com.br/search/label/PAUL%20BROCA http://mortenahistoria.blogspot.com.br/search/label/PAUL%20BROCA http://mortenahistoria.blogspot.com.br/search/label/PAUL%20BROCA NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 11 KARL WERNICKE ÁREA DE BROCA E WERNICKE FASCÍCULO ARQUEADO O hemisfério esquerdo é o hemisfério dominante para a linguagem em 98% dos indivíduos destros aproximadamente. Em 70% aproximadamente dos sujeitos canhotos a linguagem é também no hemisfério esquerdo. Na população restante a dominância é menos definida ou é no hemisfério direito. A comunicação verbal ocorre quando o hemisfério direito (atua nos aspectos paralinguísticos) completa o papel da linguagem do hemisfério esquerdo (SOARES, et. al, 2012) No que se refere à compreensão verbal, a mesma se divide em auditiva, visual e tátil. A descrição das mesmas segue no quadro abaixo (SOARES, et al., 2012). QUADRO – COMPREENSÃO VERBAL FONTE: Manual de Neuropsicologia – dos princípios à reabilitação, 2012 (Caixeta e Ferreira). Avaliação cognitiva em fonoaudiologia. (pp.79-92). O sistema cerebral da linguagem é associado com outros sistemas cognitivos motores, porém dentro do cérebro podem ser encontradas áreas mais específicas relacionadas. A alteração da linguagem pode ocorrer se houver uma lesão focal em alguma NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 12 área mais específica. A essa alteração podemos chamar de afasia ou distúrbios motores da fala (dispraxia e disartria) (SOARES, et. al., 2012). Segundo Mac-Kay (2003), há alguns distúrbios de linguagem mais específicos associados aos quadros de lesão do hemisfério esquerdo. Os mesmos estão descritos no quadro abaixo: QUADRO– DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM ASSOCIADOS AOS QUADROS LESÃO NO HE FONTE: Afasia e Demências, 2003 (Mac-Pay) (pp.79). As alterações decorrentes de lesões ou distúrbios cerebrais em um ou mais dos subcomponentes anteriores ocasionam os vários tipos de afasias hoje conhecidas. Podemos encontrar a afasia de Broca (motora ou expressão) que é caracterizada pela redução da produção oral, dificuldade de repetição e nomeação, alteração sintática e simplificação gramatical e compreensão razoavelmente preservada. Outra afasia que pode ocorrer é a afasia de Wernicke (sensorial ou compreensão) que é a alteração da compreensão, repetição e nomeação com alteração da produção oral no início do quadro (jargão). A afasia transcortical motora é outra alteração. Ela é caracterizada pela redução da produção oral e ocasional presença de perseverações e ecolalia, com preservação da repetição, compreensão e leitura. Outro tipo de afasia é a transcortical sensorial que se classifica pela alteração da compreensão, nomeação e alteração da produção oral no início do quadro. Nessa afasia a repetição se encontra preservada. A afasia de condução é caracterizada pela dificuldade de repetição de frases e palavras, nomeação com razoável preservação da produção oral e compreensão. A afasia anômica é a alteração da capacidade de nomeação. Temos também a afasia global 21 que é caracterizada pelo prejuízo em todas as modalidades da produção oral, compreensão, leitura e escrita (MIOTTO, 2007). TESTE DE LINGUAGEM <http://pocoescondido.blogspot.com.br/2013_03 _01_archive.html> No que se refere aos testes neuropsicológicos para a avaliação da linguagem, os mesmos se dividem em quatro categorias (testes padronizados, protocolos não padronizados, observação comportamental e escalas de desenvolvimento). Os testes e os protocolos não padronizados têm o objetivo de investigar as dimensões da linguagem (fronologia, sintaxe, semântica, pragmática). Em relação à observação comportamental, utilizam- se as escalas de desenvolvimento, pois, podem contribuir no direcionamento do diagnóstico e do processo de intervenção. Ela tem o objetivo de analisar o comportamento geral da criança em http://pocoescondido.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html http://pocoescondido.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html http://pocoescondido.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html http://pocoescondido.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 13 contextos naturais e não estruturados. Esse método é o que melhor detecta as funções comunicativas da linguagem, pois, facilita o entendimento da complexidade dos processos da aquisição da linguagem (SOARES, et. al., 2012). É importante ressaltar que uma avaliação da linguagem deve incluir a análise da fala espontânea em situação de conversa, deve avaliar também a fluência, a repetição de palavras, frases, sentenças, compreensão da fala, nomeação, leitura, escrita, prosódia, análise dos elementos estruturais da fala (sintaxe, semântica, fonologia, gramática), linguagem gestual e teoria da mente (SOARES, et. al., 2012). Os testes neuropsicológicos mais utilizados para avaliação da linguagem são: Token Test; Teste de nomeação de Boston; F.A.S. ou COW; Fluência Verbal; Prancha “Roubo dos Biscoitos”; Ditado e Cópia; Produção Oral; Leitura; Escala Weschler (WISC 22 e WAIS) e testes para avaliação da Teoria da Mente incluídos na linguagem como, por exemplo: a estória de Sally e Ann (CAIXETA e CAIXETA, 2005). FUNÇÕES EXECUTIVAS Entende-se como funções executivas “conjunto de processos cognitivos que, de forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo” (MALLOY- DINIZ et al., 2008). Mais especificamente o significado das funções executivas implica nas habilidades necessárias para se criar objetivos, monitorar um comportamento, planejamento e organização de ações desejadas, resolver novos problemas, inibir ou iniciar determinados comportamentos em relação a um contexto, raciocinar e abstrair, tomar decisões, etc. (MIOTTO, 2012). As funções executivas são de extrema importância ao indivíduo, pois, têm a finalidade de facilitar o gerenciamento no que se refere às outras habilidades cognitivas (MALLOY-DINIZ et al, 2010). É um importante marco adaptativo na espécie humana. Elas estão associadas a alguns componentes universaisde nossa personalidade como o altruísmo, a capacidade de imitar e de aprender, a utilização de ferramentas, a capacidade de lidar com grupos sabendo distinguir influências e manipulações (BARKLEY, 2001). Segundo Goldeberg (2002), as funções executivas são resultados da atividade dos lobos frontais (região pré-frontal). Atuam como um diretor executivo do funcionamento da mente humana. Ele acrescenta ainda que os lobos pré- frontais atuam como um maestro ou general que dirige outras estruturas e sistemas neurais. O CÉREBRO HUMANO Se a área cerebral que compreende as funções executivas for afetada de alguma forma o indivíduo pode sofrer várias alterações tanto no plano cognitivo como no comportamental. O paciente pode apresentar alteração de raciocínio, pensamento, impulsividade, apatia, autocrítica reduzida, ausência de planejamento, e organização na sequência e realização de atividades diárias, confabulação, desinibição, perseverança e agressividade (MIOTTO, 2012). No que se refere à avaliação das funções executivas e atencionais alguns exemplos de testes neuropsicológicos seguem abaixo (MIOTTO, 2012). O teste de fluência verbal nominal e categórica (FAS, animais, itens de supermercado) avalia a iniciação, aplicação de estratégia, inibição de respostas irrelevantes. O Wisconsin Card Sorting Test (WCST), Weigl, avaliam a flexibilidade mental, planejamento, NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 14 categorização e abstração. A inibição de resposta irrelevante, atenção seletiva, sustentada e alternada são avaliadas pelos Stroop Test, Trail Making, Color Trail, AC, D2, TEA, códigos. O teste Behavioural Assessment of the Dysexecutive Syndrome (BADS) avaliam resolução de problemas, aplicação de estratégia e monitoração de respostas. O Hayling and Brixton Tests avalia a inibição, planejamento, monitoramento, identificação de regras. Provérbios avalia a abstração verbal. DelisKaplan Executive Function System (D- KEFS) avalia a atenção sustentada, alternada, seletiva, planejamento, estratégia, flexibilidade mental e resolução de problemas. TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO - HIPERATIVIDADE Fisiopatologia Do Transtorno De Déficit De Atenção - Hiperatividade De acordo com a literatura atual, os sintomas do transtorno de deficit de atenção/hiperatividade (TDAH) são originados por disfunções no funcionamento cerebral. A variação nas manifestações clínicas do TDAH reflete, possivelmente, a complexidade dos processos biológicos implicados na origem de seus sintomas, supondo-se que alterações em diferentes sistemas de neurotransmissores (NT) devam estar envolvidas. Embora os resultados ainda não sejam definitivos, uma série de estudos de neuroimagem, neuropsicologia e bioquímica vem comprovando essa ideia (FARAONE e cols., 1998). Diferentes teorias já foram propostas para explicar a fisiopatologia do TDAH. Uma das primeiras foi a da disfunção frontolímbica, considerando que o TDAH não seria, em essência, um distúrbio da atenção, mas o resultado de uma falha no desenvolvimento dos circuitos cerebrais que possibilitam a inibição e o autocontrole. Um fraco controle inibitório da região cortical frontal sobre as funções límbicas seria a origem dos sintomas desse transtorno. Essa hipótese foi posteriormente testada e modificada por uma série de investigações. Dados de estudos neuropsicológicos mostraram que crianças com TDAH têm um desempenho prejudicado em tarefas que demandam funções cognitivas tais como atenção, percepção, planejamento e organização, além de falhas na inibição comportamental, processos relacionados com o lobo frontal e com as áreas subcorticais. O envolvimento de circuitos frontossubcorticais na fisiopatologia do TDAH também foi sugerido pelos estudos de neuroimagem. QUADRO CLÍNICO DO TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO - HIPERATIVIDADE Daremos ênfase na descrição sintomatológica das crianças e dos adolescentes acometidos por esse transtorno, sobretudo no que se refere a seus comportamentos mais comuns em casa, na escola e na sociedade. Serão discutidos os critérios diagnósticos do DSM-IV e seu tipo, dessa forma, ficará mais fácil o entendimento da apresentação de algumas peculiaridades decorrentes de cada tipo de TDAH. Em relação aos sintomas do transtorno, logo nos primeiros anos de vida, notam-se alterações no processo de desenvolvimento neurológico e emocional. Segundo alguns estudos, as mães de crianças com TDAH relatam que seus filhos se mexiam muito, mesmo antes do nascimento (vida intrauterina). Algumas crianças, desde cedo, mostram-se mais irritadiças, chorando muito nos primeiros meses de vida, movendo-se durante o sono e acordando várias vezes durante a noite. Nos primeiros passos, alguns pais podem perceber que a criança com TDAH é mais agitada do que outras de sua idade, necessitando constantemente de vigilância, já que pode cometer alguma “arte”, em geral, mais grave do que o esperado para a idade. Por exemplo, quebrar com frequência seus brinquedos, perder rapidamente o interesse por brinquedos ou situações, necessitando sempre de novos estímulos, ou até machucar-se constantemente. Nesse sentido, um estudo recente demonstrou que crianças e adolescentes com TDAH são passiveis de sofrer acidentes, precisando muito mais de atendimento ambulatorial, de emergência e mesmo de interações médicas do que os jovens que não o apresentam. O custo médico anual médio de jovens com TDAH é cerca de duas vezes maior do que o de crianças e NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 15 adolescentes sem o transtorno (LEIBSON e cols., 2001). Em geral, o comportamento da criança com TDAH pode passar despercebido pelos pais, mas, quando ela ingressa na escola, mesmo os casos mais leves tendem a se tornar mais evidentes, uma vez que existe a possibilidade de se comparar várias crianças com a mesma faixa etária, além do fato de se exigir mais atenção e da necessidade de ficar parado em um mesmo local por mais tempo. As crianças com TDAH podem apresentar algumas alterações na aquisição de habilidades linguísticas. Elas também podem apresentar um desenvolvimento inadequado em relação à noção de espaço, o que geralmente é evidenciado por meio de seus desenhos ou pela dificuldade de reconhecer símbolos gráficos semelhantes entre si, mas que se diferenciam por sua disposição espacial, por exemplo: o número 3 e a letra E, ou as letras b, d, q, p e as letras M e W (ANDRADE, 1998 e 2002; ANDRADE e cols., 2000; GHERPELLI, 2001). Outra manifestação que pode estar presente nas crianças com TDAH é a pouca coordenação motora, sendo que, muitas vezes, os pais as rotulam de “desajeitadas” ou “desastradas”. Essas diferenças ficam mais nítidas dependendo da capacidade de observação dos pais e, principalmente, se eles têm contato com outras crianças da mesma idade. Crianças com TDAH vivenciam dificuldades para ficarem sentadas na sala de aula e prestarem atenção. Muitas vezes, são rejeitadas pelos colegas por sua inquietude, o que também pode ser agravado pelos comportamentos diruptivos. Suas dificuldades acadêmicas e sociais poderão ter consequências futuras adversas quando não houver intervenção. Por outro lado, os adolescentes com TDAH passam maistempo sós ou com crianças mais novas. Ao problema de comportamento escolar, somam-se as dificuldades de completar as tarefas escolares na classe ou em casa, ao menos no tempo planejado pelos professores (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994; ANDRADE, 1998; ROHDE e cols., 1998 e 2000; CARLSON e MANN. 2000; ANDRADE e cols., 2000). Os sintomas de hiperatividade nas crianças com TDAH geralmente se manifestam por uma tendência de estar sempre se movimentando, o que constitui um dos sinais clínicos mais frequentes e exuberantes. Na maioria das vezes, os adultos passam a maior parte do tempo reprimindo, chamando a atenção da criança, ou solicitando que ela permaneça quieta por certo tempo. Isso gera, com frequência, diversos conflitos nas relações familiares. Os sintomas de hiperatividade se manifestam por intermédio dos seguintes comportamentos: agitar as mãos ou os pés ou se remexer na cadeira; abandonar sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentada; correr ou escalar em demasia (sobretudo em situações nas quais isso é inapropriado); falar demais; ter dificuldade para brincar ou envolver-se silenciosamente em atividades de lazer; parecer estar “a mil por hora” ou “a todo vapor”. Os sintomas de impulsividade, que, em geral, são observados em coexistência com os de hiperatividade, são a dificuldade em aguardar a vez (por exemplo, em filas), a emissão de resposta sem que o interlocutor tenha terminado a pergunta e a interrupção das conversas dos outros. Observam-se também os sintomas de desatenção em várias atividades comuns: dificuldade de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido em atividades escolares; não conseguir acompanhar instruções longas e/ou não terminar as tarefas escolares ou domésticas; apresentar grandes dificuldades em organizar as tarefas; evitar ou relutar em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental por um longo período (tais como ler textos longos ou livros sem gravuras); perder com facilidade coisas importantes para a realização de tarefas; distrair-se com facilidade com estímulos alheios à tarefa e esquecer as tarefas ou atividades diárias. A dificuldade para se organizar, um sintoma de disfunção executiva, é classificada, com grande equívoco, como um sintoma de desatenção. A tudo isso, adiciona-se o rendimento escolar abaixo do esperado e que, não raro, desencadeará problema nas esferas afetiva e emocional. NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 16 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM CARACTERIZADA, PRIMARIAMENTE, POR TRANSTORNOS DO FUNCIONAMENTO NÃO VERBAL A Síndrome NLD Disorder de aprendizagem Nonverbal HABILIDADES NEUROPSICOLÓGICAS A percepção auditiva-verbal, a atenção e a memória chegam a ser desenvolvidas corretamente. Realizam bem as tarefas motoras simples que são aprendidas de forma mecânica. No início do desenvolvimento, observam-se boas habilidades fonológicas. Desde os primeiros anos escolares são evidentes a recepção verbal, a repetição, o armazenamento e as associações. Esse subtipo caracteriza-se por um alto volume de output verbal. DEFICITS NEUROPSICOLÓGICOS No desenvolvimento precoce, são evidentes os deficits na percepção táctil e visual; estes incluem a atenção e a memória para os materiais proporcionados por meio dessas modalidades. Realizam-se de forma pobre as tarefas psicomotoras complexas, exceto aquelas que possam ser aprendidas por repetição extensiva. Este subtipo caracteriza-se por uma aversão às experiências novas, com consequente impacto negativo na conduta exploratória. São especialmente evidentes os problemas na formação de conceitos apropriados à idade e na solução de problemas. Os déficits principais nas habilidades linguísticas relacionam-se com as dimensões pragmáticas e de conteúdo da linguagem. Além disso, a linguagem, muitas vezes, é usada para propósitos impróprios. PSICOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Seguindo as proposições de Rosa e Ochaíta (1993) com respeito à cegueira, é possível construir uma psicologia das dificuldades de aprendizagem? Existem elementos teóricos suficientes e firmes para estabelecer o estudo das dificuldades de aprendizagem desde a psicologia? Poderemos compreender melhor as dificuldades de aprendizagem se refletirmos sobre diversas variáveis psicológicas com um peso importante na tarefa e acervo da psicologia, tais como a inteligência (SIEGEL, 1993), variáveis da personalidade e psicossociais, a interação pessoa-situação, a ansiedade, a motivação de êxitos, a personalidade tipo A, as habilidades de afrontamento e socialização, as atitudes para a integração, a modificação de conduta, os efeitos das dificuldades de aprendizagem em alterações psicopatológicas, entre outros. Parece pertinente a busca de uma integração necessária, ou de, ao menos, uma tentativa de colocar um pouco de ordem em tantas e tão complexas variáveis. Se conseguirmos apenas recolher alguns elementos e refletir sobre eles em relação às dificuldades de aprendizagem, consideramos que possa ser um bom começo. Algumas questões estão sendo pesquisadas há vários anos, como o tema das atitudes e sua modificação. Uma ilustração disso são as contribuições que a avaliação psicológica realiza no campo das dificuldades de aprendizagem. Por exemplo, Leong (1993) tenta construir um quadro para o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem da leitura. Neste quadro, entende- NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 17 se que o diagnóstico consiste em um processo de refinamento que parte da identificação, passa pela classificação e termina na avaliação. Dessa forma, o diagnóstico passaria por duas etapas, e nelas deveria incluir- se o quadro da discrepância aptidão-aproveitamento e o papel da inteligência, a eficácia da leitura de pseudopalavras, palavras irregulares e processamento morfológico e morfêmico dos itens léxicos, as tarefas de compreensão auditiva e a aplicação de sistemas computacionais de textos para falar. Para isso, a lógica de conjuntos confusos pode contribuir para o diagnóstico. Do mesmo modo, a intervenção será baseada nos princípios de compensação, prática e aprendizagem mediada por computador (LEONG, 1993). Outra ilustração é a pesquisa da inteligência em relação às dificuldades de aprendizagem e, concretamente, o estudo das implicações neuropsicológicas da inteligência e do déficit acadêmico. O papel da inteligência é um tema em pleno auge no debate científico no campo das dificuldades de aprendizagem. O fato de ter sido feita uma crítica tão exacerbada ao QI tradicional não significa que a inteligência não tenha um papel fundamental nas dificuldades de aprendizagem, tal como mostram, por exemplo, Naglieri e Reardon (1993). A inteligência atua como um bom previsor do rendimento acadêmico em todos os níveis educativos, ainda que a questão esteja sem saber o que é inteligência, sendo, provavelmente, a mais útil em relação à integração das pessoas com dificuldades de aprendizagem, ao longo do ciclo vital entre a denominada inteligência social, e que teria mais relação com o êxito social. Outra questão tem a ver com as relações entre a psicologia e as dificuldades de aprendizagem.Ainda que, em outras partes desta apostila, tenhamos feito reflexões a respeito, por exemplo, em relação ao diagnóstico diferencial dos TDAH ou no modelo de Rourke e suas concepções para o NLD, é uma questão que exigiria maior aprofundamento, que ultrapassa as pretensões desta apostila. Como exemplo recente, podemos citar o estudo de Saxby e Morgan (1993) sobre a presença de problemas de conduta em crianças com dificuldades de aprendizagem. Saxby e Morgan (1993) entrevistaram os pais de 68 crianças com dificuldades de aprendizagem para a avaliação do número e do tipo de problemas de conduta que percebiam que seus filhos apresentavam. A média de problemas de conduta percebidos pelos pais de cada criança foi de 7,4, sendo os problemas de concentração e os relacionados com o sono os predominantes; 57% dos pais que percebiam que seu filho apresentava um problema de autoagressão viam-se incapazes de afrontar essas condutas. Encontrou-se uma associação entre as habilidades de afrontamento percebidas pelos pais, o mal-estar que experimentavam e o número de problemas de conduta. A percepção de que seu filho se autoagredia, agredia a outros ou apresentava problemas de sono estava associada à maior probabilidade de que as pontuações em nível de mal-estar fossem altas. A questão é diferenciar essas dificuldades de condutas das que as crianças normais podem apresentar ao longo de seu desenvolvimento e que parecem ser bastante frequentes, tendo sido descritas até em 67% das crianças normais de dois anos (SAXBY e MORGAN, 1993). Se fossem utilizados os controles pertinentes de crianças normais, isso poderia evidenciar-se, trazendo à tona um tema importantíssimo em qualquer pesquisa psicológica e científica: o rigor metodológico e o rigor científico. Caso contrário, não podemos estar seguros da validade e confiabilidade das conclusões. CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO Uma questão importante das dificuldades de aprendizagem, e também de outros transtornos, é sua relação com a idade e com os diferentes caminhos que seguem o desenvolvimento, em uma concepção do ciclo vital. Um dos âmbitos de preocupações atuais tem a ver com a questão da continuidade do desenvolvimento, e, nesse sentido, estão sendo realizadas inúmeras pesquisas com normais (SUGARMAN, 1987; SROUFE e JACOBVITZ, 1989) e com desenvolvimentos alterados (RUTTER, 1989). NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 18 Para Rutter (1989), os princípios e conceitos do desenvolvimento devem ser revisados em relação aos problemas do ciclo vital, devendo-se considerar o desenvolvimento em seu contexto social, a duração de experiências, os fatores intrínsecos e de experiência, as continuidades e descontinuidades, as semelhanças e diferenças entre o desenvolvimento normal e anormal, as continuidades homotípicas e heterotípicas, as transições-chave da vida, os fatores de risco e protetores, as cadeias de influências indiretas e os mecanismos de mediação e a idade como um índice de fatores de maturidade e experiências. Da revisão dos estudos longitudinais, desde a infância até a fase adulta, são sugeridos, como possíveis fatores mediadores, os mecanismos genéticos, o substrato biológico não genético, a conformação do entorno, as habilidades sociais e cognitivas, a autoestima e a autoeficácia, os hábitos, os estilos cognitivos e as conexões entre experiências. Sugarman (1987) analisa a importância da descrição no desenvolvimento, fazendo uma crítica aos enfoques anteriores e propondo seis diretrizes para a pesquisa futura sobre o desenvolvimento, diretrizes que obtêm de uma análise muito rigorosa dos enfoques precedentes e clássicos da psicologia do desenvolvimento: Tratar o desenvolvimento como uma primeira premissa e não como um postulado que deva ser provado ou não. Tratar as especificações dos estados finais do desenvolvimento como um resultado da pesquisa, e não como sua premissa. Tentar especificar o curso atual do desenvolvimento, e não suas causas. Procurar especificar o que a criança faz e não o que possa fazer. Utilizar como dados que variam ao longo do tempo o que as crianças fazem concretamente e não sua execução em diferentes tarefas que permitiriam operacionalizar a mesma “competência”. Chegar ao resultado de como pensam as crianças por um procedimento com mínimas inferências dos dados, em que este resultado seja consistente com o fato de que as crianças maiores são maiores e que as crianças menores são menores. Essas inferências devem ser baseadas em uma explicação racional. Atualmente, parece amplamente assumido o fato de que as dificuldades de aprendizagem variam em relação à idade, o mesmo que ocorre com as pessoas sem dificuldades de aprendizagem (ROURKE e DEL DOTTO, 1992). A idade nunca é causa de desenvolvimento. As causas do desenvolvimento são, em última instância, a herança e o meio de forma interativa. Contudo, a idade assinala, como balizas do caminho, por onde vai o desenvolvimento, daí seu interesse no estudo dos transtornos em relação à idade (Cf. PELECHANO, 1987; VEJA 1987b). Como acontece que se deem uma série de acontecimentos, tanto no meio social e cultural como no organismo, em relação à idade, às vezes, se lhe tem atribuído um papel causal que não possui. FONTE:< tcorpening.wordpress.com>.Acesso em 27.10.2011 Um aspecto de sumo interesse é a análise dos possíveis riscos associados a determinadas trajetórias do desenvolvimento e a idades determinadas, o que permitiria a identificação precoce dos transtornos e a consequente elaboração de programas preventivos. É neste sentido que comentamos NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 19 diversos tópicos que se relacionam às dificuldades de aprendizagem e à psicologia. Segundo esse enfoque de análise dos riscos psicossociais, todos os períodos do desenvolvimento são importantes. Isso se ilustra, claramente, com o aparecimento de transtornos mentais na idade adulta diante de situações de risco psicossocial pronunciado ou problemas de drogadição na adolescência ante o predomínio de conjuntos de valores distintos aos da família ou de problemas antissociais. E mais, pode acontecer que a intervenção seja ineficaz ou contraproducente nos casos em que se atua não existindo um problema, “para que não exista no futuro”. ADOLESCENTES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO SOCIAL FIGURA 2 http://77.232.219.194/tv6.ro/public/pages/news/news/ 664 Uma indicação dessa problemática pode ser ilustrada pelas taxas de suicídio nos adolescentes que produzem grande consternação e impacto social por sua “aparente compreensão” por parte dos adultos, pais e professores (Cf. BERMAN e JOBES, 1991). A adaptação e o funcionamento social das pessoas com dificuldades de aprendizagem dependem das aptidões que possuam e do tipo de dificuldades de aprendizagem. Não são igualmente incapacitantes, no funcionamento social, as dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita ou da matemática do que as da linguagem, posto que a interação social exige um domínio das habilidades comunicativas e da linguagem, e essas são requeridas nas habilidades sociais. As pessoas com dificuldades deaprendizagem da linguagem seriam as mais propensas, pelo menos teoricamente, a apresentar algum déficit nas habilidades sociais. Realmente a adolescência é difícil para pessoas com dificuldades de aprendizagem, uma vez que a transição para a vida adulta exige habilidades cada vez mais complexas, muitas delas do tipo acadêmico, o que influi na adaptação. Se a isso unimos diversas dificuldades cognitivas, tal como temos apresentado nesta apostila, parece compreensível a existência de dificuldades na sensibilidade e efetividade social, o que pode ter como consequência o rechaço dos iguais, dificuldades na vida social e implicações para sua personalidade em aspectos como a autoconfiança e a autoestima (BERGMAN, 1987). Indícios que assumem amplamente a existência de dificuldades de aprendizagem heterogêneas e variadas, tanto no tipo quanto na profundidade do transtorno, afetando previsivelmente a adaptação social e, consequentemente, a respectiva intervenção. Quando se trata de adolescentes com dificuldades de aprendizagem da linguagem, as dificuldades não são somente acadêmicas, mas afetam também a adaptação social. As dificuldades comunicativas interferem em uma expressão adequada socialmente da frustração, da agressividade ou dos conflitos, podendo ter manifestações emocionais e de conduta. Posto que uma dificuldade de aprendizagem da linguagem costuma caracterizar-se por atraso no desenvolvimento da fala, erros nas expressões verbais, deficits no estabelecimento e captação de frases, no seguimento de instruções e em diversos aspectos pragmáticos da comunicação, com frases simples, diretas, isso pode afetar todos os processos de interação social e de adaptação, que se baseiam em processos de natureza comunicativa. As dificuldades de comunicação complexas afastarão o adolescente com http://77.232.219.194/tv6.ro/public/pages/news/news/664 http://77.232.219.194/tv6.ro/public/pages/news/news/664 http://77.232.219.194/tv6.ro/public/pages/news/news/664 NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 20 dificuldades de aprendizagem dos outros, desenvolvendo-se nele um sentimento de solidão e incompreensão. Ao apresentar dificuldades no uso e/ou compreensão das metáforas, duplos sentidos, ironias, esses jovens parecerão ser antissociais, às vezes, ofensivos e mal- educados, sendo uma consequência do não cumprimento das máximas comunicativas de Grice. Isso pode provocar reações emocionais como ansiedade, rigidez, frustração, compulsões, agressividade, isolamento, hostilidade e apatia. A intervenção neste tipo de adolescente deverá ser dirigida tanto para promoção de um maior desenvolvimento nas habilidades comunicativas e linguísticas como atuando sobre as consequências sociais e em sua personalidade – algum tipo de intervenção psicoterapêutica pode ser necessário. Enfocar a intervenção no desenvolvimento de estratégias compensatórias para a comunicação pode, em geral, ser um bom caminho tanto em crianças quanto em adolescentes ou adultos com dificuldades de aprendizagem de linguagem. TRANSTORNO NÃO VERBAL O transtorno de aprendizagem não verbal é suscetível especialmente de apresentar dificuldades de adaptação social principalmente na adolescência. Trata- se das denominadas dificuldades de aprendizagem não verbais, estudadas nos últimos anos, em profundidade, por Rourke e colaboradores (HARNADEK e ROURKE, 1994; ROURKE, 1989) e em sua relação com fatores de personalidade. Trata-se de uma dificuldade de aprendizagem com problemas espaciais e organizativos, com os marcos do desenvolvimento retardados, lentidão motora, com déficits específicos lateralizados. Segundo as evidências da avaliação neuropsicológica, pode ser confundida, às vezes, com a deficiência mental ou pode ser detectada tardiamente ao final da adolescência, com desenvolvimento adequado da fala e da sintaxe. Em razão da lentidão motora que apresenta, pode haver retardamento nas habilidades de interação com os iguais. A intervenção deveria enfatizar os aspectos motores e visomotores, posto que, ao iniciar-se a leitura, pode apresentar dificuldades em função dos déficits nas habilidades de análise da informação, mas é superável rapidamente pelo efeito da linguagem e das habilidades no campo fonológico, que estariam conservadas. Contudo, suas dificuldades serão manifestadas logo após na compreensão leitora e verbal, na memória contextual e no raciocínio abstrato, tudo isso em virtude dos problemas do tipo organizativo. Quando chegam à adolescência, essas pessoas com NLD ou transtorno visoespacial específico manifestam uma fala e um afeto deprimidos e estereotipados. A pragmática é deficitária, loquaz, superficial, inadequada fugindo do tema e do significado da conversação, com entonação ausente e dificuldades sérias de interpretação da comunicação não verbal. Seu modo de se relacionar com as pessoas é similar à sua pragmática, estereotipada, automática, perseverativa, sem significado, sem captar os gestos nem as expressões visuais dos outros. Isso é também um reflexo de suas dificuldades com a informação visual e espacial, que incidirá nas situações novas e estressantes. Um transtorno com essas características (NLD), na adolescência, apresentará alterações na adaptação social e nas relações interpessoais, inconsistência social, interações estereotipadas. Como não pode interpretar corretamente os códigos e demandas dos outros, não compreenderá o entorno social, não compreenderá as emoções e sentimentos dos outros, não preverá as intenções dos outros, não apresentará códigos não verbais ou terá dificuldades no uso do raciocínio lógico não verbal. Em outros lugares, denominou-se a esta habilidade o desenvolvimento de uma teoria da mente, e parece ser o transtorno nuclear das pessoas com autismo. Como, nos extremos, às vezes, é difícil diagnosticar de maneira diferencial as pessoas com autismo de alto nível das síndromes de Asperger (um tipo de autismo de alto nível) das dificuldades de aprendizagem com NLD mais graves, Schopler inclusive chegou a falar de certo contínuo dos transtornos. Como as situações sociais são complexas, será difícil avaliar as consequências de sua conduta, de suas expressões ou de sua linguagem, que serão inapropriadas, parecendo NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 21 fora de lugar, insensíveis e grosseiras, o que lhes transforma no alvo ideal em que possam “nutrir- se” os outros e converte-lhes em objeto de rechaço. Como consequência, se produzem reações emocionais sérias ou se convertem em pessoas isoladas, ansiosas e deprimidas, com o que vão parecendo, progressivamente, mais transtornadas e, inclusive, psicóticas. Uma análise recente dessas problemáticas, transtornos pragmáticos no contínuo autista, foi apresentada por Mecedes Belinchón (1993), na qual se estabelece, com grande profundidade, o debate sobre o fato de as alterações pragmáticas serem uma característica autista ou mais uma característica psicótica que formaria um contínuo com a esquizofrenia e, talvez, com as dificuldades de aprendizagem. Como podemos ver, a pesquisa no diagnóstico diferencial, que pode ser potencializada com programas de intervenção diferencial, nesses transtornos limítrofes é sumamente atraentee deverá potencializar-se no futuro. A personalidade daqueles que sofrem um NLD é muito vulnerável, com pobre autoimagem, não captação de mensagens não verbais, ausência de segurança emocional. Nessas condições, torna-se difícil uma vida independente, requerendo-se alta estruturação e ajuda, devendo-se desenvolver, sobretudo, habilidades de sobrevivência, por meio de situações reais, por exemplo, nas quais se ensinam habilidades sociais e autoinstrução verbal, utilizando-se muitos ensaios altamente estruturados e incluindo-se também o treinamento em estratégias cognitivas de adaptação como as autoinstruções, sendo mais eficazes os enfoques de conduta do que os psicoterapêuticos clássicos. Provavelmente, uma das explicações pelas quais os enfoques de conduta são mais eficazes é que se baseiam mais nas capacidades que as pessoas têm do que nos déficits. Quando se diagnostica uma dificuldade de aprendizagem, estão sendo criadas expectativas sobre essa pessoa da qual se espera que aja de uma maneira determinada. Igualmente, os efeitos da rotulação têm sido nefastos, chegando a refletir- se na idade adulta, quando se inicia a busca de emprego. Daí que a rotulação de dificuldades de aprendizagem possa ter efeitos negativos, o que não ocorre com os enfoques de conduta. No caso dos adolescentes, que são tão influenciáveis pelo entorno, já que irão entrar no mundo dos adultos, esses efeitos são muito negativos. Um enfoque de conduta haverá de superar esses efeitos, centrando-se mais nas capacidades que permanecem ou estão presentes do que nos déficits. ADULTOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Alguns tipos de dificuldades de aprendizagem manifestam-se com a idade, desenvolvem transtornos socioemocionais e ansiedade excessiva. Este seria o caso das dificuldades de aprendizagem da matemática em adultos, que desenvolveriam 39 uma espécie de condicionamento aversivo frente às tarefas relacionadas com a matemática, o que se transformaria em excessiva “ansiedade matemática” e em outros transtornos socioemocionais. A pesquisa dessa questão, no futuro, será provavelmente reveladora a respeito. Uma das frentes nas quais a psicologia está fazendo incursões com implicações para as dificuldades de aprendizagem é a da prevenção ou da psicologia comunitária, enfatizando a intervenção em várias áreas, como a da família, além de tratar o transtorno. Se concebermos que as pessoas se desenvolvem em contextos específicos e que seus transtornos, tal como suas consecuções originam-se em processos interativos e de intercâmbio e negociação, parece razoável supor que os diferentes fatores psicossociais possam contribuir para a origem do transtorno e, portanto, ser utilizados para focalizar a intervenção mediante o desenvolvimento de programas mais ou menos específicos ou gerais. Temas como a colaboração com os trabalhadores sociais, como o da prevenção, o da compreensão e a mudança nas organizações, o da autoajuda e ajuda dos para profissionais e não profissionais ou o reforço da comunidade são essenciais e podem ser aplicados e considerados em relação às dificuldades de aprendizagem. NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 22 APRENDIZAGEM E MEMÓRIA As concepções que se utilizam da aprendizagem e da memória – o núcleo da cognição humana – determinarão a forma como se entendem suas alterações e transtornos. As dificuldades de aprendizagem referem-se a dificuldades nas aprendizagens da linguagem e acadêmicas, da leitura e escrita e do cálculo. Compreender algumas questões da pesquisa básica, sobretudo no desenvolvimento de modelos teóricos formais e na forma de responder ante as tarefas específicas da memória, parece relevante para as dificuldades de aprendizagem. A pesquisa básica pode servir de guia para o desenvolvimento da pesquisa mais aplicada, seja com fins de compreensão teórica das dificuldades de aprendizagem ou com fins de intervenção. Nesse sentido, fazemos algumas reflexões como: As tentativas de desenvolver modelos teóricos formais. A comparação de tarefas sobre a memória, em trabalhos empíricos. Esses dois traços principais caracterizam-se por serem conexionistas, no caso dos modelos formais, e dissocionistas no caso das pesquisas empíricas. Apresentamos, em Garcia (1993a, p. 146-150), uma síntese dos enfoques conexionistas ou processamento distribuído e paralelo. Os enfoques conexionistas supõem os avanços mais recentes, que alguns consideram a alternativa aos enfoques do processamento da informação. O uso de diversos paradigmas de pesquisa sugere sua aplicabilidade em todos os âmbitos da aprendizagem escolar e, concretamente, das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita e da matemática. As tentativas de explicar compreensivamente os distintos aspectos são manifestadas pelos modelos teóricos que entendem e apoiam a existência de conexões entre as diversas condutas relacionadas com a aprendizagem e a memória, ênfase que se vê apoiada pelas pesquisas, dado que, ao utilizar tarefas diferentes, produzem resultados diferentes, mesmo que, supostamente, se esteja investigando a mesma habilidade ou conduta. O conexionismo foi colocado ultimamente em moda e foram propostos, inclusive, terapias conexionistas. O problema é por qual modelo formal optar, dado que foram desenvolvidos inúmeros modelos. A opção por um modelo ou outro não é indiferente e tem implicações diversas tanto em nível teórico como aplicado (por exemplo, no campo da educação e, concretamente, nas dificuldades de aprendizagem). Isso levou à necessidade do estudo das semelhanças entre os modelos propostos, sobretudo os que foram contrastados empiricamente. Apesar de o dissociacionismo não ter tanta publicidade, o certo é que exerceu uma grande influência. Durante o século, os avanços nos estudos sobre a memória humana estiveram ligados à utilização de tarefas diversas, tarefas que, inclusive, há alguns anos não se consideravam referentes à memória, como medidas da percepção e da execução. Isso obrigou a análise das semelhanças e diferenças entre as tarefas. Esse enfoque foi apoiado por dados fascinantes provenientes: De pacientes amnésicos. E sobre os níveis de consciência. Hoje, é possível conceituar dissocionismo no campo dos estudos da memória como a constatação de que diferentes tarefas produzem diferentes resultados. De um lado, os enfoques dissocionistas carecem de rigor teórico, o que pode ser solucionado, em parte, utilizando-se modelos formais (conexionistas). A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA LINGUAGEM A linguagem interessa à psicologia como conduta. No entanto, a linguagem, sendo uma conduta a mais, apresenta duas características importantes: a linguagem é comunicação e representação. A linguagem traz possibilidades novas à conduta direta, permitindo níveis simbólicos e de representação, ocupando um papel-chave em toda conduta cognitiva. NEUROPSICOLOGIA, APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS 23 Entretanto, o interesse da linguagem como conduta existe enquanto procedimento comunicativo. Inicialmente, a criança desenvolve um duplo processo, que pode ser conceituado em uma dupla teoria: da mente e instrumental. A criança pode atuar diretamente sobre os objetos
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