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A DEVASTAÇÃO DA MULTICULTURALIDADE João Victor Jaques Borges1 Resumo O presente texto tem por objetivo posicionar comentários e opiniões acerca da arcaica e contemporânea luta pelo direito a diferença, a proteção da vida humana e a multiculturalidade. A partir daí, demonstrar as diferenças e conflitos entre as normas estabelecidas pelo positivismo presentes na Constituição Federal de 1988 e a prática da cultura indigenista que se baseia naturalmente nas suas crenças, ainda, discorrer acerca das explorações feitas aos povos indígenas e as suas terras, bem como, a inerente ofensa aos direitos humanos e a segregação cultural. Palavras-chave: Multiculturalidade. Positivismo. Segregação. THE DEVASTATION OF MULTICULTURALISM Abstract This article aims to position comments and opinions about the archaic and contemporary struggle for the right to difference, the protection of human life and multiculturalism. From there, to demonstrate the differences and conflicts between the norms established by positivism present in the Federal Constitution of 1988 and the practice of indigenous culture that is naturally based on their beliefs, also, to talk about the explorations made to indigenous peoples and their lands, as well as, the inherent offense to human rights and cultural segregation Keywords: Multiculturalism. Positivism. Segregation. CONSIDERAÇÕES INICIAIS É notório que para algumas adversidades e conflitos que surgem a todo o momento na sociedade, a tarefa de encontrar ou criar uma proposta de intervenção não é algo tão complicado, mas existe algumas circunstâncias em que é um verdadeiro desafio conseguir resolver as questões presentes sem fazer surgir outras subsequentes e muitas vezes até mais complexas de serem resolvidas. Não é de tempos contemporâneos que existe um conflito entre o direito natural e o direito positivo, enquanto o primeiro está centrado na ideia de algo originário e, portanto, inerente ao ser humano, baseando-se como guia de conduta moral, nos costumes e tradições, o outro, vale dizer que, surgindo de certa forma posterior na história, se 1 Acadêmico de Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, Campus de São Luiz Gonzaga, RS. origina quando já se tornara muito vago o uso de tradições consuetudinárias para disciplinar as sociedades, e, se estrutura, portanto, em algo tangível, menos suscetível a uma má interpretação por parte da sociedade, logo, afirma-se como uma ferramenta coercitiva para regular os comportamentos e condutas sociais. Doravante, serão abordadas historicidades indígenas e as várias perspectivas acerca dos conflitos entre os povos indígenas que são regidos pelos direitos naturais e que cultuam as suas crenças, e as sociedades, que são disciplinadas por um estado de direito positivo que codifica as suas normas. HISTORICIDADES INDÍGENAS Contextualizando o período que corresponde à chegada dos exploradores portugueses [1500], havia povos que desconheciam a ganância, a ambição e o capitalismo consumista e exacerbado. Logo no início do contato entre índios e portugueses, os nativos perderam a posse de suas terras, que passaram a ser de domínio dos exploradores, vale lembrar que, muitas comunidades indígenas foram extintas logo no início do século XVI, devido às doenças que chegaram do exterior, e as armas que eram utilizadas sem nenhum pudor ou resquício de humanidade, foram escravizados e utilizados como ferramenta humana para a exploração. Vale parafrasear a noção de que mesmo havendo restrições de não explorar certas áreas ou aliená-las, essas, nunca foram seguidas pelos particulares, pois contrariava os seus interesses econômicos. O período que permeia entre 1808 e 1910 fora marcado por inúmeros massacres e genocídios contra os povos indígenas, que posteriormente veio a culminar na institucionalização da proteção aos índios, algo que registrava na história, o momento inicial de uma possível causa pacifista e de cunho protetivo, visando à integração dos índios como parte de uma nação e assim sendo, titulares de direitos. Ao longo da história, surgiram diversas perspectivas preconceituosas e equivocadas, com o teor de fazer emergir uma soberania daqueles que se diziam civilizados e, portanto, subjugavam as demais culturas pelo simples fato de não as conhecer. De forma subsequente, surgem várias constituições com a premissa de positivar os direitos e deveres, e por consequência, padronizar os modos de vida e as condutas dentro da sociedade, e assim, acabar com a ideia daquilo que se julgara diferente, algo que vá em direção oposta ao positivismo. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS DOS ÍNDIOS E A RUPTURA COM A CONCEPÇÃO ASSIMILACIONISTA A constituinte de 1988 é um marco histórico, pois possibilitou aos índios a possibilidade de preservar e cultuar as suas próprias crenças e culturas. Inicia-se a garantia do direito à diferença, sendo considerado esse, um direito originário por se tratar de algo existente antes mesmo da formação de um estado de direito ou leis positivadas e codificadas. Infelizmente se teve grande ignorância quando se pensava que a integração dos povos indígenas na sociedade seria um retrocesso ou atraso na economia nacional. O direito à diferença possibilitou aos povos indígenas a não inserir-se contra a própria vontade na comunhão nacional, e desta forma, reconhecendo a multiculturalidade presente na sociedade. De modo a confirmar o que fora dito anteriormente, a Constituição Federal de 1988 afirma no caput do artigo 231, presente no capítulo VIII: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo privativamente à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Lamentavelmente, essas delimitações feitas para gerar uma proteção aos indígenas são quase que utópicas, pois mesmo estando positivados esses direitos e garantias, os mesmos sofrem com inúmeros ataques, ofensas e descasos. Erroneamente, a União diversas vezes segrega a cultura indígena tentando fazer valer o direito positivo de forma superior ao direito natural e assim gerando inúmeros e sangrentos conflitos, quando na verdade a sua incumbência seria a de estar protegendo esses povos e assim, a diversidade cultural. A AMEAÇA À DESTRUIÇÃO DO TERRITÓRIO E DA VIDA Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que realiza pesquisas e levanta relatórios anualmente com os dados estatísticos acerca das diversas violências e criminalizações feitas aos povos indígenas, a violação das terras em que vivem essas comunidades, toma maiores proporções a cada ano, a lesão corporal é a que ocorre com mais frequência, junto a ela, estão os casos de intimidações com ameaças de morte, violência sexual, racismo, abusos de poder, e outras diversas formas de discriminação, bem como os frequentes ataques às suas comunidades. O coordenador do Cimi, Roberto Liebgott analisa: “Para além da histórica impunidade e da falta de políticas efetivas para a proteção das terras indígenas, o recente desmonte dos órgãos de defesa ambientais e dos direitos indígenas e a explícita intenção de abrir estes territórios para a exploração de todos os seus recursos naturais dá um sinal verde para que os invasores intensifiquem estas práticas criminosas”. Da mesma maneira, que uma exagerada e muitas vezes desnecessária intervenção estatal, a omissão da mesma pode representar um risco ainda maior para uma sociedade, a conduta de “fechar os olhos” para o para o problema, não o resolve, apenas o posterga e o faz continuar a produzir seus efeitos maléficos. Dom Roque Paloschi, arcebispo e presidente do Conselho Indigenista Missionário discorre na seguinte passagem sobrea má administração por parte do estado: “Os povos indígenas são, historicamente, vítimas do Estado brasileiro porque, através das instituições que representam e exercem os poderes político, administrativo, jurídico e legislativo, ele atua, quase sempre, tendo como referência interesses marcadamente econômicos, e não os direitos individuais, coletivos, culturais, sociais e ambientais. A gestão pública é parcial, pois toma como lógica a propriedade privada, contrapondo-se à vida, ao bem- estar e à dignidade humana”. Consoante à falta de políticas públicas e o descaso por parte das autoridades competentes, ocorre uma institucionalização da violência aos direitos humanos, à exploração ilegal de recursos naturais, assim como, as corriqueiras invasões as terras indígenas e outras inúmeras devastações. Ao passo que aumentam as explorações ilegais em território indígena, eclodem os confrontos entre garimpeiros, grileiros, demais particulares e os povos nativos, esses últimos, mais carentes de proteção é que sofrem com as perdas tanto da vida de seus familiares, como, as possessões de suas terras. OS DIREITOS E AS GARANTIAS NATURAIS Lamentavelmente, que em pleno século XXI ainda existam desrespeitos e violações aos direitos humanos e as garantias individuais. O fato de existir uma grande diversidade de costumes e culturas, promove um confronto entre o direito natural e o direito positivo, e dessa forma, ocorre à superioridade de uma cultura sobre a outra, enquanto os povos indígenas somente querem continuar cultuando suas crenças e seguindo a sua natureza sem serem vítimas de particulares invadindo suas terras e promovendo o sofrimento, o estado se escusa de proteger esses povos e, inúmeras vezes também os explora, fazendo assim, uma grave ofensa aos direitos humanos. O Brasil, por ser signatário da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, conseguiu legislar normas que dizem respeito a esses povos, de modo a exemplificar os seguintes direitos, a propriedade intelectual, o território, e a participação política, faz-se dizer, porém, que não há uma correta aplicabilidade desses direitos e garantias. O artigo 26 a seguir, da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, afirma: 1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. [...] 3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram. Conclui-se que, quando mesmo com a existência de declarações e convenções que protegem tais minorias, ainda assim ocorrem violações e criminalizações, mostra-se então, um completo descaso para com a sociedade, ilustra-se uma completa banalização dos direitos e uma enorme decadência social e cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho ilustrou a completa omissão e desprezo a qual os povos indígenas são tratados desde o princípio em que foram encontrados, discutiu-se ainda, sobre o enorme preconceito e criminalização que se tem com tais povos. Vale dizer que, uma sociedade que vê o diferente, como inferior, caminha rapidamente em direção a sua decadência, e enquanto houver qualquer tipo de violência ou agressão tanto física ou moral, aos indivíduos simplesmente pelo fato de possuírem crenças e culturas diferentes da maioria, então haverá sido em vão, as lutas e sofrimentos daqueles que morreram para que hoje houvesse alguns direitos a essas minorias. Ainda foi visto, a antiga contraposição do positivismo ao naturalismo e a forma como esse conflito gera a violação aos direitos humanos e as garantias individuais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988. Capítulo VIII – Dos Índios, Art. 231. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 5 out. 1988. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. A violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório 2019. Brasília: CIMI, 2019. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração universal de direitos humanos. Disponível em:<https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/. > Acesso em 30 de junho de 2020. FUNAI. Fundação Nacional do Índio, 2020 Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em 30 de junho de 2020. Direitos Culturais. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado da URI – Campus Santo Ângelo – RS, BERTASO, João Martins, v.4, n.6, jan./jun. 2009. Editora – EDIURI – Campus de Santo Ângelo. FIGUEIREDO, Vaancklin dos Santos. Rev. Direitos Culturais, v.4 – n.6. p.67. Amazonas, AM. Jun. 2009. RANGEL, Lúcia Helena, Relatório de Violência contras os Povos Indígenas no Brasil, publicado em 24 de setembro de 2019. LIEBGOTT, Roberto. A maior violência contra os povos indígenas é a destruição de seus territórios. Conselho Indigenista Missionário, 2020. Disponível em: <https://cimi.org.br/ >. Acesso em: 30 de junho de 2020. PALOSCHI, Dom Roque. Idem. Conselho Indigenista Missionário, 2020. Disponível em: https://cimi.org.br/. Acesso em: 30 de junho de 2020. https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ http://www.funai.gov.br/ https://cimi.org.br/ https://cimi.org.br/
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