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IX ENCONTRO DA ABCP 
 
 
 
 
AT – Pensamento Político Brasileiro 
 
 
 
 
 
 
A IDÉIA DE LIBERALISMO SOCIAL NO PENSAMENTO POLÍTICO DE JOSÉ 
GUILHERME MERQUIOR 
 
 
 
 
 
 
 
Kaio Felipe (IESP/UERJ) 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília, DF 
04 a 07 de agosto de 2014 
 
A IDÉIA DE LIBERALISMO SOCIAL NO PENSAMENTO POLÍTICO DE JOSÉ 
GUILHERME MERQUIOR 
Kaio Felipe (IESP/UERJ) 
 
 
 
 
Resumo do trabalho: O propósito deste artigo é descrever e analisar o que o 
sociólogo e diplomata José Guilherme Merquior (1941-1991) entende por 
liberalismo social. Merquior defende tal ideologia política em seus escritos da 
década de 1980, buscando uma alternativa ao socialismo de estado e ao 
neoliberalismo, na medida em que considerava que estas duas ideologias não 
seriam capazes de enfrentar os desafios colocados pelo progresso das 
sociedades modernas: a socialista, pela ineficiência econômica; a neoliberal, 
por se preocupar pouco com as desigualdades sociais; e ambas, pelo déficit 
democrático. Sendo assim, o primeiro objetivo do artigo é mapear, a partir de 
ensaios e artigos de Merquior de 1980 até 1990 (ano em que concluiu sua obra 
"O Liberalismo: Antigo e Moderno"), em quais termos este autor concebe a 
doutrina do liberalismo social. O segundo objetivo é interpretar como Merquior, 
a partir de sua leitura da história do liberalismo, resgatou o ideal social-liberal, 
atualizando-o para oferecer soluções para os problemas enfrentados pelo 
Brasil no processo de redemocratização e crise econômica nos anos 1980. 
 
 
Palavras-chave: liberalismo; liberalismo social; liberdade; pensamento político 
brasileiro 
 
 
1. Introdução 
O diplomata e sociólogo José Guilherme Merquior (1941-1991) pode ser 
considerado um autor mais elogiado do que lido e estudado. Desde a sua morte 
precoce, não faltam louvores quase hagiográficos a este “fenômeno” (como diria José 
Mário Pereira); recentemente, a Academia Brasileira de Letras, da qual Merquior foi 
membro, fez uma mesa-redonda em homenagem aos 70 anos de seu nascimento. 
Surpreendentemente, no entanto, é escassa a produção acadêmica sobre sua obra. 
Embora seus escritos sobre crítica literária ainda tenham alguma recepção entre os 
scholars de Letras1, nas ciências sociais são raros os estudos sobre suas obras de 
antropologia, sociologia e teoria política. 
 
1 Exemplo disso é que o responsável pela reedição de suas obras é João Cezar de Castro 
Rocha, professor do departamento de Letras da UERJ, e que dois dos três volumes já 
publicados – Razão do Poema (1965) e Verso Universo em Drummond (1975) - são de 
crítica literária. O provável próximo livro a ser relançado é também desta área: Formalismo e 
Tradição Moderna (1974). Para mais informações, ver: FILHO, Antonio Gonçalves. Uma 
Talvez um triplo estigma político contribua para o “esquecimento” de Merquior. 
Em primeiro lugar, por ter trabalhado como assessor especial de Leitão Abreu, 
ministro da Casa Civil do governo Figueiredo2; em segundo, por ter sido um dos raros 
intelectuais públicos brasileiros que defendia posições liberais na década de 80, com 
direito a polêmicas com acadêmicos de esquerda como Marilena Chauí3, José Arthur 
Giannotti4 e Ricardo Musse5; finalmente, por ter escrito boa parte do discurso de posse 
de Fernando Collor de Mello, além da base programática do Partido Social Liberal 
Brasileiro que o ex-presidente pretendia fundar. (cf. PILAGALLO, 2002, p. 190) Tudo 
isso contribuiu para que fosse, tanto em vida quanto postumamente, estereotipado 
como “neoliberal”, “cabeça da ditadura”, “reacionário”, “guru de Fernando Collor” etc.6 
De certa maneira, José Guilherme sofre do mesmo estigma que a própria 
ideologia que defende: o liberalismo, mais especificamente em sua vertente social-
liberal. Diante de tantas pechas que vulgarmente se atribui ao pensamento liberal 
(elitista, burguês, abstrato, ultrapassado etc.), é possível recorrer às palavras de 
Antonio Paim: “Embora prevaleça a impressão equivocada de que os liberais teriam 
voltado as costas para o social, essa idéia errônea não resiste ao confronto com a 
realidade.” (PAIM, 1998, p. 45) 
A partir desse cenário, o propósito desse artigo é, em primeiro lugar, mapear, 
nos textos de Merquior de 1980 até 1990 (ano em que concluiu sua última obra, O 
Liberalismo: Antigo e Moderno), em que termos este autor concebe a doutrina do 
liberalismo social; em seguida, pretende-se interpretar como José Guilherme, a partir 
de sua leitura da história do liberalismo, resgatou o ideal social-liberal, atualizando-o 
para oferecer soluções para os problemas enfrentados pelo Brasil no processo de 
redemocratização e crise econômica nos anos 80. 
 
coleção para o polemista maior. Estadão – Cultura (site). 7 de janeiro de 2012. Link: 
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,uma-colecao-para-o-polemista-maior-imp-,819676 
2 Ver GRAIEB, Carlos. O vampiro iluminista. Revista Veja. São Paulo: Abril, edição 2348, p. 
132, 20 de novembro de 2013. 
3 Ver CORRÊA, Marcos Sá. Um mestre da polêmica. Revista Veja. São Paulo: Abril, edição 
especial nº 26, edição 1821, 24 de setembro de 2003. 
Link: http://veja.abril.com.br/especiais/35_anos/ent_merquior.html 
4 Ver MERQUIOR, José Guilherme. Retórica Ex Cathedra: Resposta a José Arthur Giannotti. 
Novos Estudos. São Paulo: CEBRAP, 2008. 
Link: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/53/20080623_retorica.pdf 
5 Ver COPETTI, Rafael Zamperetti. A Polêmica Literária no Suplemento Letras da Folha de S. 
Paulo (1989-1990). Boletim de Pesquisa NELIC v. 5, n. 6/7 - Polêmicas. Santa Catarina: 
Periódicos UFSC, 2003, pp. 58-69. 
6 Ver CUNHA, Martim Vasques da. O cadafalso da inteligência brasileira. Dicta & Contradicta 
(site). 24 de agosto de 2011. Link: http://www.dicta.com.br/o-cadafalso-da-inteligencia-
brasileira/ 
As fontes primárias para o desenvolvimento deste artigo são os ensaios A 
Natureza do Processo (1982), O Argumento Liberal (1983 [1981]) Algumas Reflexões 
sobre os Liberalismos Contemporâneos (1991 [1986]) e O Liberalismo: Antigo e 
Moderno (1991). Quanto à literatura secundária, vou recorrer a autores como Monica 
Piccolo Almeida (2008), Roberto Campos (1991), Hélio Jaguaribe (1996) e Celso Lafer 
(1996) – no caso dos três últimos, em textos da coletânea Liberalism in Modern Times: 
Essays in Honour of José G. Merquior (1996). 
Pretendo também levar em consideração o contexto histórico da fase social-
liberal de Merquior; isto é, a década de 1980, que no Brasil foi marcada pela transição 
política do autoritarismo para a democracia (cujos marcos simbólicos foram as Diretas 
Já, a Assembléia Constituinte e as eleições presidenciais de 1989) e pela crescente 
intervenção estatal na economia, através dos planos heterodoxos (Cruzado, Bresser, 
Verão e Collor). O debate ideológico que marcou aquela época também interessava a 
Merquior: diante do desgaste de doutrinas e práticas dirigistas tanto de esquerda 
quanto de direita, este autor procurou extrair lições do “renascimento liberal” na 
Inglaterra e nos Estados Unidos, mas mantendo uma postura crítica ao receio dos 
neoliberais quanto à democracia. 
Antes de tudo, cabe explicar, do ponto de vista conceitual e histórico, em que 
consiste o liberalismo social. 
 
2. Uma breve contextualização histórica e teórica do liberalismo social 
Segundo Antonio Paim (1927), o tempo e lugar em que surgiu a inflexão social 
do pensamento liberal foram a segunda metade do Século XIX, na Inglaterra. O 
avanço da industrialização e o crescimento dos centros urbanos trouxeram novos 
problemas, tais como a disseminação de favelas, epidemias, pobreza e desigualdade 
social. Diante desse cenário, alguns dos liberais britânicos compreenderam que aaglomeração urbana “cria situações em que as pessoas, normalmente divididas por 
interesses de natureza divergente, (...) encontrem-se numa condição em que emerge 
uma esfera onde a nota dominante é a comunidade de interesses.” (PAIM, 1998, p. 
50) 
Com isso, surge um conflito no interior do liberalismo, entre os liberistas (isto é, 
os liberais estritamente econômicos) – por exemplo, Herbert Spencer (1820-1903) – e 
os liberais “positivos” ou sociais, de posições mais democráticas e cívicas: 
No que tange à Inglaterra, é o caso particularmente de Thomas 
Hill Green, que teoriza uma “liberdade em sentido positivo” no 
próprio decorrer da polêmica contra os liberistas do seu tempo, 
empenhados em condenar a regulamentação estatal do horário 
de trabalho nas fábricas ou do trabalho das mulheres e das 
crianças, em nome da “liberdade de contrato” e de uma 
liberdade entendida exclusivamente como não-interferência do 
poder político na esfera privada das relações de produção e de 
trabalho. (LOSURDO, 2006, p. 297) 
Este afastamento da doutrina do laissez-faire que caracterizava o liberalismo 
clássico também é bem representado por Leonard Hobhouse (1864-1929). Em sua 
obra Liberalism (1911), este autor argumenta que é função do Estado garantir as 
condições para que os cidadãos possam ser capazes de conseguir por seus próprios 
esforços tudo aquilo que é necessário para uma plena capacidade cívica. Além disso, 
Hobhouse alega que o liberalismo procura fazer justiça tanto ao socialismo quanto ao 
individualismo, na medida em que permite conceber o bem comum em termos de 
bem-estar de todos os indivíduos que constituem a sociedade. (cf. HOBHOUSE, 1911, 
p. 68; 90) 
Sendo assim, tornou-se possível defender, sem ferir os princípios liberais (por 
exemplo, a afirmação da prevalência do indivíduo sobre o Estado), a provisão de 
serviços públicos como saneamento básico, a pensão para idosos e o seguro-
desemprego. Em meio ao debate sobre políticas públicas com os socialistas na 
transição dos Séculos XIX e XX, os social-liberais defendiam que o Estado deveria 
assumir certas responsabilidades sociais respeitando os pilares da sociedade (p.ex., a 
família) e sem desestimular a ação voluntária. Nesse sentido, acreditavam que o 
problema da proposta socialista consistia no fato de que propunha resolver problemas 
comunitários introduzindo “novas formas de organização social, comprometedoras da 
liberdade e desestimuladoras da responsabilidade individual.” (PAIM, 1998, p. 59) 
Em termos teóricos, pode-se dizer que o liberalismo social representa o 
momento que “os liberais tiveram de repensar sua atitude com relação ao Estado”. As 
transformações sociais nas primeiras décadas do século passado, principalmente as 
acarretadas pela Grande Depressão, levaram os liberais modernos a defender uma 
maior ação estatal com base na igualdade de oportunidades: 
Se determinados indivíduos ou grupos são desfavorecidos 
pelas circunstâncias sociais em que se encontram, o Estado 
tem responsabilidade social de diminuir ou eliminar as 
desvantagens para criar oportunidades iguais, ou ao menos 
não tão desiguais. (...) Os liberais modernos compartilham com 
os clássicos a preferência por indivíduos auto-suficientes que 
assumem a responsabilidade pela própria vida; a diferença 
essencial é o reconhecimento de que isso só pode ocorrer se 
as condições sociais o permitirem. Logo, o principal objetivo do 
liberalismo moderno é ajudar os indivíduos a se ajudarem. 
(HEYWOOD, 2010, p. 67) 
Outra inovação teórica do liberalismo social é a concepção mais sofisticada de 
individualidade, contrastando com a abordagem utilitarista do indivíduo que 
predominou na versão britânica do liberalismo clássico. O pioneiro dessa mudança é 
John Stuart Mill (1806-1873), que em On Liberty (1859) demonstra forte herança do 
romantismo alemão e do liberalismo cultural/humanista de Wilhelm von Humboldt 
(1768-1835) – sobre quem falaremos mais adiante. Mill contribuiu para a compreensão 
da individualidade como “realização pessoal alcançada por meio da percepção da 
identidade ou das qualidades únicas de um indivíduo”. (Ibidem, p. 65) Há, portanto, 
uma ênfase no auto-cultivo do ser humano, na formação do caráter: o indivíduo deve 
poder fazer escolhas; assim, será livre para usar e interpretar a experiência humana à 
sua própria maneira. Os costumes são úteis paras certas circunstâncias, mas não 
desenvolvem qualidades distintas; os poderes mentais e morais só se aprimoram na 
medida em que são usados. (cf. MILL, 2003, pp. 123-124) 
 
 
3. A guinada liberal em A Natureza do Processo 
Ao longo da década de 1970, José Guilherme Merquior se afastou das 
influências do marxismo ocidental e do estruturalismo francês e se aproximou de um 
estilo de pensamento mais “britânico”, portanto mais liberal e simpático à 
modernidade. O diplomata e economista Roberto Campos (1917-2001), de quem 
Merquior foi conselheiro na embaixada de Londres, e Ernest Gellner (1925-1995), seu 
orientador no doutorado em Sociologia pela London School of Economics and Political 
Science, foram alguns dos que contribuíram para essa transição ideológica. Se em 
seus ensaios dos anos 60 e 70 (principalmente Saudades do Carnaval, de 1972), 
predominava certa nostalgia por uma época em que ainda era possível um ideal 
formativo humanista, em A Natureza do Processo (1982) este autor já está convicto de 
que a crise da cultura ocidental é um desafio perfeitamente superável e que o 
progresso econômico não é algo a ser demonizado. 
Além disso, a partir de 1979 Merquior passou a participar de forma mais intensa 
no debate cultural em periódicos e jornais brasileiros, principalmente no Jornal do 
Brasil; seus artigos foram compilados em várias coletâneas, dentre elas As Idéias e as 
Formas (1981) e O Argumento Liberal (1983). É, contudo, no ensaio A Natureza do 
Processo que Merquior melhor apresenta sua nova visão de mundo, isto é, sua 
tomada de posição em prol das idéias liberais. Não por acaso, este livro é 
considerado, na opinião do filósofo Miguel Reale (1910-2006), “a mais orgânica de 
suas obras”. (cf. PEREIRA in MERQUIOR, 2013, p. 322) 
Em linhas gerais, A Natureza do Processo é um ensaio sobre a evolução social, 
política e econômica do Ocidente nos últimos três séculos. Esta obra emana uma 
filosofia da história progressista, inspirada em Hegel (1770-1831).7 Contrário ao 
“radicalismo filosófico de salão” que rejeita a ciência e o progresso, o autor defende a 
tradição moderna, corporificada em instituições como a democracia e a economia de 
mercado. (cf. MERQUIOR, 1982, p. 213) 
José Guilherme deixa claro que não parte de uma visão evolucionista da história, 
segundo a qual a civilização seria algo basicamente homogêneo e o desenvolvimento 
tecnológico alcançado pelo Ocidente moderno seria independente da diversidade das 
culturas. Segundo o autor, a história é sempre um plural de histórias: mesmo quando 
há uma modernização intencional, como a conduzida em países “em desenvolvimento” 
(como o Brasil), “o interno passa pela assimilação do externo.” O progresso humano, 
portanto, não é uma necessidade da natureza; pelo contrário, “sempre dependeu 
muitíssimo do fato de que o homem não é capaz de controlar plenamente a conduta 
social.” Baseando-se no economista Friedrich Hayek (1899-1992) e sua desconfiança 
em relação ao racionalismo planejador, Merquior afirma que “o progresso é um 
crescimento cumulativo que jamais poderia ser totalmente planejado”; sendo assim, 
ele é “um incessante e bem-sucedido processo de adaptação”. (Ibidem, pp. 31-36) 
No âmbito da economia, esta noção de que o progresso não executa um “plano 
racional” se sustenta no fato de serem justamente os países socialistas de estado, os 
quais adotaram o dirigismo (planejamento global da produção e da técnica), que 
apresentam menor velocidade de desenvolvimento e maior sensação de fracasso7 Esta influência, no entanto, é mais bem explicada em O Marxismo Ocidental. Hegel, de 
acordo com Merquior, ajudou a legitimar uma visão histórica do homem e aceitou, de forma 
madura, o espírito da sociedade moderna, “com sua crescente divisão do trabalho, a expansão 
das liberdades individuais e uma nova compreensão da capacidade do homem para moldar a 
história.” Ver MERQUIOR, José Guilherme. O Marxismo Ocidental. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1987, p. 53. 
econômico. (cf. Ibidem, p. 39) José Guilherme argumenta que a economia de 
mercado é uma forma de organização social superior, devido a pelo menos três 
fatores: o uso mais efetivo dos fatores de produção (terra, capital, trabalho); o jogo da 
oferta e da procura, que “mesmo sem levar ao equilíbrio ingenuamente suposto por 
alguns dos clássicos da teoria econômica, demonstra ser o meio mais racional de 
distribuir recursos e dirigir investimentos” (Ibidem, p. 50); e, por ser o ambiente mais 
propício ao lucro, que é o melhor indicador da minimização dos custos. 
No capítulo V de A Natureza do Processo, Merquior discute os motivos pelos 
quais a democracia liberal é a expressão política mais adequada ao progresso que 
caracteriza a modernidade. Em primeiro lugar, ela garante minimamente o exercício da 
igualdade política. O autor afirma que “o fundamento da legitimidade moderna, da 
representação democrática, é o senso da racionalidade da norma e da 
responsabilidade do poder”. Ou seja, o regime democrático se baseia na transparência 
racional do poder, portanto repele todo elitismo, pois “poder que não presta contas 
racionalmente aos interesses da sociedade não é, as olhos modernos, autoridade 
legítima, e sim, ilícita coerção.” (Ibidem, p. 116) 
Em segundo lugar, é o regime liberal-democrático o que melhor conjuga 
liberdade política (autonomia e participação) e liberdade civil (não-impedimento, o 
“gozo tranqüilo da independência individual”). No caso do primeiro tipo de liberdade, o 
moderno regime representativo, baseado no sufrágio universal, é mais aberto que 
outros sistemas de governo a “movimentos populares, reivindicatórios de direitos 
políticos e civis”; quanto ao segundo tipo, a democracia liberal permite “uma grande 
variedade de ocupações e estilos de vida”. (Ibidem, pp. 124-125) 
Em terceiro lugar, retomando a crítica à mentalidade planejadora, Merquior 
afirma: “ao nível da experiência comum dos homens (...) não há tecnocracia, não há 
sapiência especializada, que conheça melhor que nós mesmos o que nos afeta.” 
(Ibidem, p. 149) A democracia, nesse sentido, está mais a serviço da liberdade 
humana do que regimes que restringem, mesmo que se guiando pelas melhores 
intenções, a livre participação nos mecanismos decisórios. 
Por fim, há um motivo de cunho ético-moral, relacionado à virtude cívica. A 
participação regular na condução dos negócios públicos favorece “a busca individual 
de padrões de excelência nas várias formas do agir e do fazer”; ou seja, a democracia 
é “o regime político mais propício à elevação do caráter.” (Ibidem, pp. 150-151) 
No sexto capítulo desta obra também fica claro que, ainda que seja um social-
liberal, José Guilherme Merquior foi um ácido crítico do socialismo. Um exemplo é 
quando afirma que tal doutrina possuía raízes totalitárias “na própria idéia socialista, 
toda vez que ela é identificada com a ditadura de um partido ‘gnóstico’, autodesignado 
salvador do gênero humano, e a concentração em suas mãos do poder de decisão 
econômica.” (Ibidem, pp. 162-163) Sua crítica se desdobra tanto ao marxismo, o qual 
considerava superado como proposta teórica8, quanto à social-democracia – que, 
embora tenha o mérito de desligar o socialismo da “mística da igualdade absoluta” 
proveniente da fusão do marxismo com o comunismo, foi política e economicamente 
derrotada no final dos anos 70. O renascimento liberal pode ser visto como uma 
conseqüência da insatisfação generalizada com o estatismo, como demonstrou, por 
exemplo, a vitória de Margaret Thatcher (1925-2013) nas eleições britânicas de 1979. 
O tema final de A Natureza do Processo é importante para entender o elemento 
humanista do liberalismo social: no capítulo final, Merquior discute a importância da 
educação e da formação cultural para o desenvolvimento. Este autor afirma que 
“cultura sem instrução coletiva é uma vã nostalgia conservadora; instrução sem 
cultura, uma atrofia do desenvolvimento.” (Ibidem, p. 207) Em outras palavras, é 
preciso combinar especialização com cultura geral, saber técnico e perspectiva 
histórica; as tecnocracias cultas da França e do Japão são dois bons exemplos de 
elites formadas em uma educação generalista. Segundo José Guilherme, somente o 
teor crítico da genuína educação poderá reverter esse itinerário; é preciso caminhar de 
novo da vida para a cultura, ao contrário do que propõem os vitalistas e irracionalistas 
do Século XX. (Ibidem, pp. 209-211) 
O seguinte trecho demonstra a importância dada por Merquior à Cultura, no 
sentido universalista da palavra, para o pleno desdobramento dos potenciais de nossa 
civilização: 
A humanidade não é uma tribo aguardando nossa 
autocomplacência de membros - é um clube cobrando nosso 
esforço pessoal por ter o direito de ingresso. Com isso, 
 
8 “Eu acho que o marxismo está, realmente, como proposta teórica, considerada no que lhe 
possa restar de unidade, num momento de liquidação. (...) Acho que o mundo moderno se 
tornou ao mesmo tempo mais complexo na realidade e mais sofisticado intelectualmente para 
poder se permitir essa visão tão globalizante, que ainda tem uma marca religiosa, mesmo em 
espíritos tão pouco religiosos quanto Marx (...). Eu acho que o mundo moderno aposentou os 
sistemas, aposentou toda espécie de tentativa tão grandiosa de abarcar a explicação da 
história no seu conjunto.” Ver SINGER, André. O marxismo está morto: Para José Guilherme 
Merquior, o ensaísta e embaixador do Brasil no México, a teoria marxista não tem nenhuma 
perspectiva e não se sustenta à luz da razão. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 de agosto de 
1987. Link: http://almanaque.folha.uol.com.br/leituras_16set00.shtml 
Chesterton captou nada menos que a essência da cultura no 
velho sentido humanístico da palavra: cultura como autocultivo, 
cultura como fenômeno eminentemente perfectivo. A civilização 
moderna aliviou as tarefas do homem na natureza, humanizou 
as relações entre os indivíduos; mas não diminuiu nem um 
pouco a necessidade – ou a glória – desse empenho de auto-
aperfeiçoamento das pessoas e sociedades. (Ibidem, p. 212) 
Desta forma, o autor conclui o ensaio ressaltando que “a natureza do processo é 
o progresso da liberdade”, e que a democracia é o único regime capaz de lidar com a 
responsabilidade de formar uma sociedade instruída e culta “sem violentar a 
fisionomia moral do homem moderno – o seu acendrado, irredutível individualismo.” 
(Ibidem, pp. 200; 212) 
 
4. O resgate do liberalismo social em O Liberalismo: Antigo e Moderno 
Se, como vimos no capítulo anterior, Merquior fez críticas contundentes aos 
socialistas, ele também não poupou de críticas o liberismo defendido por filósofos 
como Hayek e Robert Nozick (1938-2002), pois julgava irrealista pensar que o estado 
poderia deixar de dirigir as finanças ou planejar a economia; o importante é que ele 
não a controlasse. Além disso, a coerção estatal não é o único obstáculo à liberdade; 
barreiras econômicas e sociais também o são, o que torna legítimo, para removê-las, o 
recurso à ação do estado. Ao contrário do que pensam os neoliberais (expressão 
contemporânea do liberismo), o estado pode ser um poderoso instrumento para 
promover liberdade para todos. 
A partir desta crítica aos socialistas e neoliberais, José Guilherme afirma que um 
liberalismo com preocupações sociais é a única doutrina política contemporânea que 
leva em consideração o idealdemocrático no sentido rigoroso da palavra, isto é, de 
governo do povo. Em O Liberalismo: Antigo e Moderno, sua última obra, este autor 
procura, a partir de sua leitura da história das diversas vertentes do pensamento 
liberal, rastrear as origens deste liberalismo social. 
Antes de tudo, cabe mencionar que, para Merquior, o liberalismo reflete a 
diversidade da história, tanto nos tempos antigos quanto nos modernos e 
contemporâneos. Sendo assim, é preferível fazer uma descrição comparativa do 
liberalismo, em suas diversas manifestações históricas, do que tentar uma definição 
precisa. A tolerância religiosa e o governo constitucional foram os primórdios do 
pensamento liberal, evocando sua mensagem de divisão da autoridade e limitação do 
poder. Em contraposição aos conservadores e utópicos radicais, “o liberalismo 
pressupõe uma grande variedade de valores e crenças”. (MERQUIOR, 1991a, pp. 15-
19) 
Um dos trechos mais relevantes desta obra se localiza no sub-capítulo sobre as 
três escolas de pensamento liberal. Na primeira delas, a inglesa, os pensadores 
costumavam ver a liberdade como independência, “ausência de obstáculos externos”; 
chocam-se, assim, com a tradição humanista, que se ancora nos valores cívicos. A 
tradição francesa, ao contrário, tem um viés mais republicano, defendendo a liberdade 
política em oposição aos privilégios. É, contudo, a escola alemã que oferece a 
abordagem mais instigante das três. Partindo de uma concepção mais cultural e 
humanística da liberdade, autores como Wilhelm von Humboldt (1768-1835) enfatizam 
o ideal da Bildung, isto é, o cultivo da personalidade através de uma formação 
universal: 
Humboldt exprimiu um tema liberal profundamente sentido: a 
preocupação humanista de formação da personalidade e 
aperfeiçoamento pessoal. Educar a liberdade, e libertar para 
educar – esta era idéia da Bildung, a contribuição goethiana de 
Humboldt à filosofia moral. (Ibidem, pp. 30-31) 
De acordo com José Guilherme, o conceito de Bildung está “ligado à liberdade 
política porque também salienta a autonomia; contudo, não gira em torno da 
participação política, mas em torno do desdobramento do potencial humano.” (Ibidem, 
p. 31) Nas palavras do próprio Humboldt, a verdadeira finalidade do Homem é a 
“formação a mais alta e harmoniosa possível de suas forças em direção a uma 
totalidade completa e consistente.” (HUMBOLDT, 2004, p. 143) Desta forma, o anseio 
por liberdade se origina na possibilidade de que as forças vitais possam se manifestar 
e realizar, sendo que “este vigor individual combina-se com a pluralística diversidade 
em prol da originalidade.” (Ibidem, p. 145) 
Ainda sobre este ponto, na palestra Algumas Reflexões sobre os Liberalismos 
Contemporâneos o autor enfatiza a conexão entre liberalismo e humanismo, a qual é 
“permeada pelo tema da excelência, da autoformação”. Embora não compartilhe da 
“rebelião contra o raciocínio utilitarista” que verifica em alguns liberais modernos, 
Merquior deixa explícita a sua adesão à idéia humanista de “aprimoramento pessoal”. 
(Idem, 1991b, pp. 15-16) 
Como já foi dito anteriormente, o liberal britânico John Stuart Mill se inspirou no 
ideal da Bildung para conceber uma visão mais romântica da liberdade, segundo a 
qual o bem-estar é mais bem alcançado se houver um livre desenvolvimento da 
individualidade. Stuart Mill defendia uma mescla desta concepção alemã do 
aperfeiçoamento humano com os conceitos clássicos ingleses e franceses de 
liberdade – independência pessoal e autogoverno coletivo, respectivamente. 
Segundo Merquior, a visão social-liberal consolidou-se através de pensadores 
como Thomas Hill Green (1836-1882) e Leonard Hobhouse. Green deu um caráter 
anti-utilitarista à ideologia liberal ao alegar que, quando falamos em liberdade como 
algo de inestimável, pensamos num poder positivo de fazer coisas meritórias ou delas 
usufruir. Este pensador também via a liberdade como o direito que se tem de produzir 
o melhor de si mesmo, “conjugando os valores básicos dos direitos e liberdades 
individuais com uma nova ênfase na igualdade de oportunidades e no ethos de 
comunidade.” (MERQUIOR, 1991a, p. 154) Hobhouse, por sua vez, revelava uma 
preocupação com a justiça social e com os excessos do laissez-faire preconizado pelo 
liberalismo clássico, e desejava demonstrar que a sociedade progride por força da 
cooperação humana, e não (apenas) pelo auto-interesse dos atores sociais. 
Embora mantenha caráter individualista, o liberalismo social revolta-se contra a 
liberdade negativa9, propondo um resgate de sua faceta positiva. Para esta corrente 
de pensamento, não se trata de uma discussão sobre mais ou menos estado, mas sim 
de mais ou menos liberdade: 
Os novos liberais queriam implementar o potencial para o 
desenvolvimento do indivíduo que fora caro a Mill em 
seguimento a Humboldt, e ao fazê-lo pensaram no direito e no 
Estado como instituições habilitadoras. Esta preocupação com 
a liberdade positiva levou-os a ultrapassar o Estado 
minimalista. (Ibidem, p. 165) 
José Guilherme, portanto, endossa a noção do liberalismo social de que a 
liberdade é algo a ser desfrutado por todos os membros da sociedade, contanto que 
as linhas de ação livremente escolhidas não envolvam dano a outrem. Além disso, a 
liberdade é algo valioso apenas na medida em que seja meio para um fim: o bem 
comum. Ao contrário do liberalismo conservador, cuja característica principal é a 
 
9 Sobre a dicotomia das liberdades estabelecida por Isaiah Berlin (1909-1997), eis uma breve 
explicação: a liberdade positiva é a auto-identificação com um ideal, visando a alcançar a 
independência; ou seja, é a conquista da autonomia, do domínio de si mesmo, da auto-
realização. Já a liberdade negativa significa não sofrer coerção pela vontade arbitrária dos 
outros; é a ausência de restrições ou limitações externas ao indivíduo, na medida em que cada 
pessoa deve ser independente, livre de interferências e capaz de agir segundo as próprias 
escolhas. Ver BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: Estudos sobre a Humanidade: 
Uma Antologia de Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
desconfiança sobre a democracia10, os social-liberais valorizam a participação política, 
ligando-a à idéia de aperfeiçoamento social. 
Descrito o aspecto político da adesão de Merquior ao liberalismo social, como 
ele a justifica no âmbito econômico? Para este autor, demandas distributivistas de 
caráter imediatista implicam um alto grau de intervenção na economia, levando a mais 
inflação e não a menos desigualdade. A solução, portanto, seria combater a inflação 
sem deixar de buscar a redistribuição de renda. Caberia ao estado empreender uma 
reforma fiscal e patrimonial, assegurando maior liquidez ao Tesouro e maior eficiência 
à ação governamental. (cf. ALMEIDA, 2008, p. 6) 
Se por um lado tece duras críticas ao distributivismo, por outro lado José 
Guilherme também não poupa o caráter “estatofóbico” de liberistas como Spencer11 e 
de seus herdeiros neoliberais, preocupados com a liberdade econômica, mas pouco 
atentos às desigualdades sociais. Sendo assim, defende a atualização do liberalismo 
clássico diante das novas demandas geradas pela crise que os estados capitalistas de 
modernização tardia atravessavam. Propunha, então, a manutenção dos pressupostos 
fundamentais do pensamento liberal combinada com profundas reformas do aparelho 
estatal e uma maior garantia de direitos sociais. (cf. Ibidem, pp. 9-10) 
Em suma, O Liberalismo: Antigo e Moderno prossegue a defesa de Merquior do 
liberalismo, porém em sua vertente social, não a conservadora nem a laissez-faire. 
Para este autor, o escopo da atuação do Estado não deve ser minimalista, pois lhe 
cabe a promoção das condições favoráveis à vida moral; sendo assim, a participação 
política é enaltecida, na medida em que gera virtude cívica e auto-cultivo.Sobre o 
diálogo criativo que Merquior estabeleceu com a tradição liberal, Celso Lafer (1941) 
observou certa vez que, “no pluralismo um tanto centrífugo da doutrina liberal e nas 
várias vertentes da liberdade que contempla, encontrou José Guilherme uma visão 
das coisas e do mundo que se ajustava à multiplicidade das suas curiosidades 
intelectuais e da sua personalidade.” (LAFER, 2011, p. 31) 
 
 
10 De acordo com Merquior, os liberais conservadores – dentre eles Spencer e Lord Acton 
(1834-1902) – “diferiam dos conservadores, liberais ou não, pela fidelidade aos traços básicos 
da visão liberal do mundo, como o individualismo e o latitudinarismo, e na rejeição do holismo e 
da autoridade religiosa. Mas coincidiam com os conservadores na sua inclinação contra a 
democracia”, em seu “dissabor pela política de massa ou cultura igualitária”. (MERQUIOR, 
1991, pp. 149-150) 
11 Segundo o autor, “o liberismo não significou o laissez-faire dogmático. Longe de ser um 
artigo de fé nos clássicos da economia, o laissez-faire rígido foi pregado muito mais tarde por 
não-economistas como Herbert Spencer.” (MERQUIOR, 1991, p. 81) 
Conclusão 
Espero, ao longo deste artigo, ter demonstrado a centralidade do liberalismo 
social no pensamento político de José Guilherme Merquior. Concluída a exposição, 
creio que o seguinte trecho de O Argumento Liberal sintetiza de forma clara a posição 
de Merquior: 
O liberalismo moderno é um social-liberalismo, é um liberalismo 
que não tem mais aquela ingenuidade, aquela inocência diante 
da complexidade do fenômeno social, que o liberalismo 
clássico tinha. O liberalismo moderno não possui complexos 
frente à questão social, que ele assume. É a essa visão do 
liberalismo que eu me filio. (MERQUIOR, 1983) 
Apresento abaixo dois dos comentadores da obra de José Guilherme Merquior, 
os quais permitem esclarecer e qualificar aspectos do pensamento deste autor. 
Roberto Campos, que foi fundamental para a aproximação de Merquior com o 
pensamento liberal, não concordou com todas as posições de seu pupilo em O 
Liberalismo: Antigo e Moderno: ele teria sido generoso demais em relação ao social-
liberal John Maynard Keynes12 (1883-1946) e pouco indulgente no tocante a Hayek13. 
Campos, entretanto, observou que em suas últimas conversas com o amigo, sentiu 
que ele se tornava cada vez mais “liberista”, no sentido de acreditar que, “se não 
houver liberdade econômica, as outras liberdades – a civil e a política – desaparecem.” 
Roberto Campos também alega que o diagnóstico de ambos sobre a moléstia 
brasileira era convergente: “ao Brasil de hoje não falta liberdade. Falta liberismo.” 
(CAMPOS in MERQUIOR, 1991a, p. 11) 
O sociólogo Hélio Jaguaribe (1923), um dos principais expoentes do pensamento 
nacional-desenvolvimentista, reconheceu em Merquior um intelectual politicamente 
engajado – não no sentido de uma militância partidária, mas no domínio da militância 
 
12 José Guilherme afirma que este economista tornou-se, a partir da década de 1930, “a 
principal referência do liberalismo reconstruído.” Keynes estaria certo quando escreveu que “o 
problema político da humanidade consiste em combinar três coisas: eficiência econômica, 
justiça social e liberdade individual.” Além disso, “deu ao liberalismo ortodoxo o golpe de morte 
com seu livro The End of Laissez-faire, de 1926.” (Ibidem, p. 174) 
13 Merquior alega uma “cega confiança de Hayek na ciência da evolução como tradição”, na 
medida em que ele afirma, mais do que prova, “a sabedoria oculta de instituições há muito 
existentes.” Este adesão quase mística de Hayek à “ordem espontânea” poderia justificar 
inclusive instituições intervencionistas, como o controle de preços e a taxação progressiva. 
Além disso, “a liberdade, para Hayek, é, no fundo, um instrumento de progresso; o mérito 
supremo do indivíduo ‘hayekiano’ é contribuir (inconscientemente) para a evolução social”. 
(Ibidem, p. 195) Tal visão neo-evolucionista o afasta de uma abordagem mais sofisticada, 
como o humanismo de Humboldt. 
de idéias e na construção de um pensamento que se relacionasse com o bem público. 
Sobre a evolução ideológica de José Guilherme, Jaguaribe aponta que ele se atraiu na 
juventude pela social-democracia propagada pelo diplomata San Tiago Dantas (1911-
1964), mas que em seguida passou – assim como Roberto Campos – por um profundo 
desencantamento em relação à maquinaria estatal, levando-o em direção ao 
liberalismo. (cf. JAGUARIBE, 1996, pp. 21-22) 
Ao contrário de Campos, Hélio Jaguaribe não viu no autor de O Liberalismo: 
Antigo e Moderno um deslocamento do social-liberalismo para o liberismo, e sim o 
oposto: Merquior teria começado numa vertente mais conservadora, como a de Hayek 
ou Ludwig von Mises (1881-1973), para em sua maturidade direcionar suas 
convicções liberais para uma tradição de viés mais social, dentro da qual figuram 
pensadores como Thomas Hill Green, Raymond Aron (1905-1983) e Ralf Dahrendorf 
(1929-2009). Desta forma, José Guilherme teria apoiado um liberalismo que equilibra a 
maximização da liberdade com uma ampla dose de eqüidade social; portanto, estava 
longe de endossar o neoliberalismo. (cf. Ibidem, p. 36) 
É possível perceber, assim, que obras como A Natureza do Processo e O 
Liberalismo: Antigo e Moderno agradam pensadores tão díspares como o liberal 
Roberto Campos e o nacionalista Hélio Jaguaribe. Enquanto o primeiro poderia 
enaltecer a defesa que Merquior faz da economia de mercado, o segundo ressaltaria o 
elogio de José Guilherme à participação democrática e sua preocupação com a 
redução das desigualdades sociais; como diria Rouanet, “seu liberalismo era 
inseparável de uma visão de igualdade e de justiça social.” (ROUANET, 2011, p. 20) 
 Ambos, contudo, possivelmente concordariam com a visão progressista deste 
autor diante do tema da Cultura. Em sua fé na liberdade humana, Merquior enfatiza a 
importância de combinar cultura e civilização, educação e desenvolvimento. Não é por 
acaso que algumas das páginas mais poderosas deste autor são as que dissertam 
sobre temas mais humanistas: no caso de O Liberalismo: Antigo e Moderno, as 
passagens sobre a concepção alemã de liberdade e sobre o liberalismo social evocam 
uma visão mais elevada da condição humana. 
Por fim, cabe reconhecer, sem medo de superestimá-lo, que José Guilherme 
Merquior possuía uma “fulgurante capacidade de síntese” e uma “arguta competência 
analítica”. (LAFER, 2011, p. 31) Concordo com Celso Lafer quando diz que a vida e 
obra de Merquior são uma Bildung, um processo contínuo de auto-cultivo que revela a 
construção e o despertar progressivo de uma grande personalidade que procurou 
arduamente esclarecer idéias de múltiplas maneiras. (cf. Idem, 1996, p. 215) 
Retomando um tema que abordei no capítulo 2 deste artigo, não seria errôneo alegar 
que a filiação teórica e ideológica deste autor ao liberalismo social tem bastante a ver 
com o valor que esta visão de mundo dá à individualidade, ao auto-aprimoramento. 
 
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