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Leigh Michaels - Em busca de um romance - Julia 398

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Leigh Michaels - Capture a shadow
Leigh Michaels
Em busca de um romance
Julia 398
Para desvendar um mistério Shelby caiu na armadilha de Mark.
Shelby não queria acreditar, mas estava mesmo apaixonada por Mark.
Shelby espreguiçou-se languidamente e preparou-se para se levantar. Mas, ao notar que usava o paletó de pijama de Mark e, pior, que ele dormia a seu lado, ficou horrorizada. Como fora permitir que isso acontecesse?
Com a desculpa de ajudá-la a desvendar um mistério que tanto a atormentava, Mark acabou por envolver Shelby com seu charme. Ela, no entanto, não alimentava ilusões de conquistar o coração daquele famoso escritor.
Título original: Capture a shadow,1987
Digitalização e revisão:Márcia Goto
CAPÍTULO I
Ela nunca vira o homem tão zangado e se assustou.
Enquanto Bob Jonas andava de um lado a outro do escritório, Shelby Stuart tentava superar o medo irracional. Afinal não ia levar uma surra. Ele estava vermelho de tanto esbravejar, mas seria preciso mais que um sujeito irritado para intimidá-la.
Entretanto, quando Bob se inclinou sobre a cadeira dela com o dedo em riste, Shelby se encolheu instintivamente. Contrariada com a própria reação, tentou reconquistar terreno.
— Na minha opinião, sr. Jonas. . .
— Não tem opinião nenhuma! Aliás, está na empresa por aci​dente, srta. Stuart!
— Sr. Jonas. . .
— Devolveu ou não o último manuscrito de Natasha Winslow?
— Sim, mas...
— E ela mandou ou não o trabalho para outra editora, que agarrou a chance de publicá-lo?
— Sim, mas...
— E o trabalho em questão está ou não na lista dos mais ven​didos desta semana segundo o New York Times?
— Não sei. O senhor fica sacudindo esse jornal no meu nariz, sem me deixar sequer dar uma olhada. . .
— Pode acreditar em mim. O livro atingiu os primeiros luga​res de vendagem. Agora, qual a sua justificativa por ter dispen​sado essa autora?
— O livro era pornográfico, e ela se recusou a abrandar o tom.
— Pornográfico segundo os critérios de quem, srta Stuart?Seus?
— E do público também. Certas passagens eram grotescas. Se o lesse, sr. Jonas, concordaria. . .
— Mas, para isso, tenho de ir até a banca mais próxima e comprar o livro, certo? Pois é esse o "x" da questão! Nós devía​mos tê-lo publicado.
— Acredite em mim, sr. Jonas, não faz o gênero que o senhor gostaria de ver associado a esta editora. . .
— Foi escrito por uma autora de best-sellers.
— Oh, agora entendo. Acha que qualquer coisa escrita por Natasha Winslow deve ser indiscriminadamente publicado?
— Tínhamos contrato exclusivo com a mulher até você deci​dir, sem mais nem menos, que o estilo dela é picante demais. . .
— A palavra certa é medíocre. Aquele tipo de linguagem é apelativo, sem nenhum valor literário.
— E não serve para os nossos leitores, é isso?
— Exatamente. E devo acrescentar que quando uma reles editora tem de lembrar esse tipo de fato ao dono da empresa. . .
— É por isso, srta. Stuart, que é uma reles editora e eu sou o dono da empresa.
Shelby manteve o controle por um fio e tentou pôr um fim à discussão.
— Seja como for, faz um ano que devolvi o manuscrito em questão. São águas passadas.
— De jeito nenhum. O episódio será lembrado por anos ainda. . . cada vez que virmos o nome de Natasha Winslow nesta lista — ele apontou para o jornal.
— Fiz o que pude — Shelby argumentou. — Tentei durante seis meses tornar o livro aceitável. Mas o problema não era só a linguagem. A personagem principal já tinha ido para a cama com seis homens diferentes por volta do capítulo cinco, e nossos leitores não apreciam esse tipo de coisa. Não esperam.. .
— Poupe-me do discurso — Bob a interrompeu. — Franca​mente pouco me importa o gosto dos leitores, contanto que con​tinuem a comprar livros.
— Mas não vê? Aí é que está o problema! Eles esperam ro mances que mexam com suas emoções. Por quanto tempo mais comprarão nossos livros se continuarmos a lhes oferecer lixo?
— Comprarão o livro pelo nome do autor. E agora de outra editora. — Bob sentou-se e cruzou os braços sobre a mesa. — Foi uma falha grave, srta. Stuart. Outro erro desses, e vai para a rua.
— Não pode fazer isso! Trabalho com os autores de maior vendagem desta editora. . .
— Os que ainda me restam, você quer dizer — ele ironizou. — Creia, srta. Stuart, não fosse por gente como Maria Martin e Valerie St. John, não teria uma segunda chance. São autoras de valor, e não posso me arriscar a perdê-las por solidariedade a você. Por isso, erga as mãos para o céu por ainda ter o emprego. Faça outra trapalhada, como perder Maria Martin ou Valerie St. John, e estará perdida também. — Ele atirou o jornal no cesto de lixo com desdém. — Tenha um bom-dia, srta. Stuart.
Não havia mais nada a dizer. Shelby voltou para sua sala, mordendo a língua para não falar o que pensava. O homem não lhe dera uma palavra de estímulo ou reconhecimento pelo bom trabalho que desempenhava. Só uma ameaça de dispensa, como uma nuvem escura de condenação a pairar sobre sua cabeça.
Sentou-se à escrivaninha, olhando para o nada.
— Ele poderia ter me vendado os olhos — murmurou —, se queria tolher o meu trabalho. — De que valia um editor incapa​citado de exercer seu julgamento?
— O homem está com a corda toda hoje? — Outra editora entrava com um maço de correspondência.
— Está. — Shelby sentiu um calafrio só de olhar para a pilha de envelopes amarelos deixados sobre a sua mesa. Teria estôma​go para ler um manuscrito naquele momento? E se cometesse mesmo um erro?
Pare com isso, repreendeu-se com firmeza. Recusar o último romance de Natasha Winslow não havia sido um erro. O homem é que estava errado.
— Ânimo — a outra disse. — Vai sair de férias na semana que vem, deixando nós todos aqui trabalhando feito loucos. Sem falar que hoje é o seu dia de sorte.
— Dia de sorte? É fácil falar. Não foi você quem recebeu a ameaça... — Então reparou no envelope cor-de-rosa no topo da pilha. — Tem razão — um sorriso iluminou seu rosto —, é meu dia de sorte.
— Quem dera eu tivesse descoberto Valerie — a outra edito​ra comentou com inveja. — Nenhum dos meus autores quer mui​to papo, a não ser quando se trata de dinheiro. Só me procuram para reclamar do mau gosto das capas, da revisão ou de cláusu​las do contrato.
— Eu sei. Valerie é exceção em tudo.
— E me mandam páginas. Se gastassem metade do tempo que perdem com essas reclamações para escrever capítulos. . .
— Eu sei, eu sei. Valerie consegue dizer mais em dois pará​grafos do que a maioria num livro. — Shelby balançava o enve​lope nas pontas dos dedos. — Vai ficar aí esperando eu abrir a carta?
— É claro que não. Sei que faz questão de privacidade nes​sas horas. Aposto como ninguém mais nesta editora inteira pre​cisa ficar sozinho para ler uma carta! Não sei para que tanto mistério. Aliás, vai ao coquetel de Lora Wilde logo mais no final da tarde?
Instintivamente Shelby rebelou-se de corpo e alma contra a idéia de se entediar no apartamento reconhecidamente suntuoso de Lora Wilde, equilibrando uma taça de champanha e um prato de petiscos, mal conseguindo ouvir e ser ouvida em meio a ruidosas conversas fúteis. Só a fumaça dos cigarros lhe daria dor de cabeça em quinze minutos. Mas, apesar da relutância, con​cordou.
— Só um idiota perderia uma festa de Lora.
— Foi o que pensei. Até mais tarde, então. — A colega de trabalho se preparou para sair. — Divirta-se com a carta.
Além do mais, Shelby pensou com seus botões, representantes de todas as editoras de Nova York compareceriam ao coquetel. Poderia especular quanto a uma vaga de editor em alguma delas. Lora mesma devia saber. Não era uma agente literária poderosa por nada; conhecia todo mundo e estava sempre por dentro das últimas fofocas do meio.
Shelby esperou a colega sair para ler a carta. Valerie nunca falava de si mesma, só de trabalho. Suas respostas a qualquer pergunta de caráter pessoal eram invariavelmente reservadas. Tratava-se de uma pessoa muito discreta.
Havia acabado de aprovar o sexto romance dela, e aquela carta devia ser uma satisfação quanto ao projeto do número sete, pro​vavelmenteem andamento àquela altura.
Que sorte o primeiro romance dela ter caído em suas mãos! Os livros de Valerie St. John davam margem a emoção e refle​xão. O enredo consistente e os temas variados tornavam o tra​balho de revisão um prazer. Quem dera que seus outros autores,incluindo a medíocre Natasha, tivessem metade do talento dela com as palavras!
Aspirou a fragrância floral impregnada no papel e se recostou na cadeira para ler a carta.
"Que bom que gostou do meu último romance! De fato tornou-se o meu favorito e, portanto, o ideal para marcar o fim de um ciclo de produções. Estou sem idéias no momento e, honesta​mente, cansada. Escrever romances em série é mais árduo do que imaginava; por isso pensei num recesso de um ano para reno​var minhas perspectivas. Entrarei em contato quando julgar que minha licença deva terminar. Por hora, agradeço-lhe toda a ajuda e. . ." 
A carta escorregou das mãos inertes de Shelby.
— Ela não pode fazer isso comigo — sussurrou. — Droga, Valerie, não pode me abandonar agora!
Podia, sim. O contrato havia expirado e, mesmo que não tives​se, nada seguraria aquela mulher. Nenhum papel a obrigaria a produzir mais do que pretendia.
Shelby apoiou a cabeça nos braços cruzados sobre a mesa. Valerie estava cansada de escrever romances e, por causa dessa decisão tornada a meio continente de distância, sua carreira como editora da Jonas Brothers estava acabada. Era simples.
Agora restava apenas esperar que Lora Wilde conhecesse algu​ma editora que pudesse lhe dar um emprego de imediato.
O burburinho incessante de vozes atordoava Shelby, parada perto de uma janela ampla com vista para as luzes de Manhattan. Tomou um gole do bloody mary que esquentava em sua mão e lançou um olhar pelo apartamento luxuoso de Lora Wilde.
O lugar havia sido redecorado desde sua última visita, desta vez para uma serena combinação de prata e azul. A anfitriã, com os cabelos negros soltos sobre os ombros, também usava a cor prata naquela noite. Mas não havia nada de sereno em seu jeito. Passava de um grupo a outro, seu riso ressoando sobre o burbu​rinho de vozes, uma longa piteira na mão.
— Nunca se pergunta — alguém cochichou ao ouvido de Shelby — como Lora justifica esse luxo todo aos clientes? Afinal são eles que pagam por isso com os dez por cento da comissão do agente. .
— Deve dizer a verdade — ela respondeu para o loiro a seu lado. — Lora nasceu em berço de ouro.
— Ah, é? Não é justo. Além de bonita, também é rica.
— Nunca pensei sob esse ponto de vista, Rodney. Lora é uma amiga. Não perco tempo invejando meus amigos. 
Ele abanou a cabeça em sinal de reprovação.
— Não irá muito longe, no mundo competitivo das publica​ções, se levar as amizades a sério, Shelby.
Rodney devia saber disso melhor que ninguém. Não tinha um amigo desinteressado no meio, graças aos contatos valiosos que possuía.
— Olhe — ele chamou a atenção dela. — Lá está Natasha. 
Shelby olhou com desdém para a porta. Natasha fazia uma entrada triunfal, num vestido vermelho acetinado tão colante às suas curvas voluptuosas que mal se podia imaginar como viera sentada no carro. Sobre os ombros trazia um boá, apesar do calor de setembro. A maquilagem pesada dava um ar teatral à mulher, que já beirava os quarenta.
— No mínimo veio promover o novo livro — Shelby co​mentou.
— É verdade. Deve ter visto que o romance está na lista dos best-sellers esta semana. — O sorriso triunfante de Rodney a irritou. Ele não perderia a oportunidade de lembrar que a edito​ra dele detinha agora o direito de publicação dos livros de Na​tasha.
— Ela vai mesmo conseguir se promover vestida daquele jeito.
— Ora, vamos — Rodney argumentou. — Não precisa ser maldosa só porque a mulher não está mais escrevendo para vocês. Experimente algum dia se vestir para fazer sucesso. Ficará sur​presa com os resultados quando parar de se esconder pelos cantos.
Shelby admitiu com relutância que ele tinha razão. Natasha Winslow era esperta e sabia que apenas os extremos atrairiam o tipo de atenção que desejava, a que vendia livros. Ele tinha razão também quanto a ela. Coquetéis a intimidavam, e preferia vestir-se com sobriedade. Não havia nada de errado com sua aparência. Os cabelos loiros possuíam um brilho natural e os olhos, seu traço mais marcante, eram de um azul quase violeta. Mas, numa sala repleta de mulheres glamourosas, quem presta​ria atenção, em mais uma loira de olhos azuis?
Talvez tivesse, afinal, um pouco de inveja de Lora Wilde e Natasha Winslow.
— Sabe qual é a última conquista dela? — Rodney a condu​ziu para o bar, entregando o copo vazio ao garçom.
— De Natasha? Não quero mais, obrigada — ela respondeu ao olhar interrogativo dele para o seu copo. — Quem se importa com quem Natasha dorme? Todos ficarão sabendo quando seu novo livro sair. O sujeito será sem dúvida o personagem prin​cipal.
— Não seria mulher, se não tivesse morrendo de curiosidade para saber — Rodney observou. — Aliás, se for boazinha comi​go, não terá de esperar o livro sair. Já o li. Podemos fazer um acordo: eu lhe contarei os podres de Natasha em troca de uma simples informação. . .
— Deixe-me adivinhar. Quer o endereço de Valerie St. John. — Não era a primeira vez que ele tentava obter aquela informa​ção. A editora dele daria mais do que fofocas para tirar Valerie do concorrente Jonas Brothers.
— O número do telefone, para ser mais exato.
— Sinto muito, Rodney. Isso é segredo profissional. Não achou mesmo que eu lhe daria essa informação, achou?
— Não. Aliás, correm boatos de que a preciosa Valerie não revelou seus dados pessoais nem mesmo a você.
Shelby se perguntou, como aquela informação teria vazado. Como Rodney havia descoberto que a solicitação dela por um número de telefone para contato tinha sido gentilmente recusada?
Apesar da raiva que isso lhe dava, devia admitir que não era difícil esse tipo de informação se espalhar. A indústria do livro era um leito de especulações, e a Jonas Brothers não constituía exceção à regra.
Seria bem feito para seu patrão se ela revelasse ao concorren​te aonde Valerie St. John poderia ser encontrada. Só não seria justo para com a própria escritora. A linha de publicações da editora de Rodney não primava pela qualidade, como a Jonas Brothers, e isso desmereceria o seu trabalho. Afinal, devia essa consideração a Valerie. Mesmo que a decisão dela lhe custasse o emprego. . . 
— Está checando de cabeça a lista dos seus colegas de traba​lho para descobrir quem deu com a língua nos dentes? — Rodney interrompeu os pensamentos dela.
— Quando tiver mais experiência no ramo — ela falou num tom deliberadamente paternalista —, aprenderá a não acreditar em tudo o que ouve.
Ele riu.
— Que tal sairmos para jantar neste fim de semana para dis​cutir melhor o assunto?
— Sinto muito, mas viajo em ferias no sábado.
— Algo excitante? 
Ela hesitou, então contou a verdade.
— Farei uma excursão por New England. Nunca fui para lá nesta época do ano, portanto. . .
— Argh! Ver as folhas amarelarem e coisas do gênero? — Rodney sentiu um calafrio. — Quero outro drinque. — Ele sorria ao voltar para o bar.
Shelby sabia que ele estava satisfeito por ter estragado sua noite com observações sarcásticas. Era tudo o que Rodney queria. Ainda bem que tinha um bom pretexto para recusar o convite para jantar. Spçtundo Bob Jonas, sondar o inimigo e habilmente extorquir alguma informação fazia parte do seu trabalho. Mas, naturalmente, o inverso era verdadeiro, e ela devia tomar cui​dado com a língua. Por consequência travavam uma batalha de nervos que sempre a deixava com .dor de cabeça.
Largou o copo e procurou refúgio no toalete, que devia estar mais calmo, se não menos enfumaçado.
Tirou os sapatos e afundou-se numa cadeira de vime branco. Com a redecoração, o banheiro mais parecia uma floresta tropi​cal. Tirava o pó compacto da bolsa quando uma fragrância floral chegou até seus sentidos.
A carta de Valerie St. John parecia uma bomba-relógio no fundo da bolsa. Ela não se atrevera a deixá-la no escritório; alguém sempre entrava para consultar seu arquivo.Também não podia tê-la deixado trancada na gaveta, pois levantaria suspeitas indesejáveis.
Apoiando os cotovelos nos braços da cadeira, pôs-se a massagear as têmporas e a refletir sobre o que faria. Àquela altura o departamento inteiro sabia que recebera a carta. Se a interpelas​sem a respeito, poderia dizer que a autora apenas expressara satisfação pela aceitação do livro. Ninguém esperaria outro ma​nuscrito em um mês; de fato, o charme daquela mulher residia em parte na imprevisibilidade. Havia épocas em que escrevia toda semana, mas de repente parecia sumir da face da Terra por um mês ou até dois.
Pensou em mandar-lhe uma carta, expondo sua necessidade de pelo menos mais um livro. Mas, pensando bem, de que adian​taria ganhar uns meses, se Valerie estivesse realmente disposta a sumir por um ano? De qualquer maneira, o patrão não lhe era simpático e estava decidido a...
Repreendeu-se pelo pensamento derrotista. Tinha de tentar pelo menos. Respirando fundo, começou a esboçar na mente a carta que enviaria à autora.
Elaborava um apelo capaz de derreter o coração até mesmo do Abominável Homem das Neves quando Lora entrou no ba​nheiro.
— Ué, pensei que tivesse ido embora. Está passando mal?
— Não, estou bem.
— Nesse caso, saia da toca antes que eu resolva começar a cobrar aluguel. Todo mundo já foi.
— Oh, desculpe! — Shelby consultou o relógio. — Perdi a noção do tempo. Estava aqui. . . admirando suas plantas.
— Meu decorador ficará lisonjeado com tanta admiração. Venha, vamos preparar um café e saquear a geladeira. Ou tem outros planos?
O estômago lembrou Shelby de que não comera nada. Além disso, o jeito espontâneo de Lora relaxou sua tensão, e ela sorriu.
— Não tenho plano nenhum.
— Devem ter sobrado petiscos para a gente beliscar.
A sala, que parecia absurdamente grande sem a multidão de convidados, tinha pratos, copos e cinzeiros sujos espalhados por todos os cantos.
— Ora, deixe para lá. — Lora fez um gesto descartando a idéia de entrarem ali. — Vamos para a cozinha, que ao menos está limpa.
Saquearam a geladeira, aproveitando o que havia ali para fa​zer um sanduíche para cada uma.
— Um atentado contra a minha dieta — Lora admitiu ao es​palhar molho picante no sanduíche.
— E contra os seus anéis de diamante também. Tenha cuida​do para não deixar penetrar migalhas de pão ou molho nessas reentrâncias minúsculas ou seu joalheiro nunca mais fala com você.
— Eu sei. Ele ficou uma fera quando cortei as unhas. Disse que meus anéis mereciam melhor exibição. Más, francamente, Shelby, não podia datilografar com as unhas compridas daquele jeito. Preciso pensar no meu ganha-pão também.
— Não encontrou uma secretária ainda?
— Nenhuma do meu agrado.
— Onde posso preencher uma ficha?
Fez-se um breve silêncio enquanto Lora terminava o sanduí​che e atacava a salada de batatas.
— Achei mesmo que estava com algum problema para se esconder no banheiro.
Shelby falou sobre o impasse em que se encontrava.
— Enfim, estou perdida. A menos que você conheça alguém necessitado de um bom editor.
— Pensei que o seu problema fosse dor-de-cotovelo.
— Lora, não me interesso por um homem há pelo menos seis meses.
— Precisa encontrar a pessoa certa. . .
— Alguém com muito dinheiro, suponho?
— Naturalmente. Assim poderia mandar Bob Jonas ir se afo​gar no rio mais próximo. Sabe, conheço uns tipos interessantes. Se quiser, posso marcar. . .
— Sabe muito bem que toda vez que arranja um encontro para mim é o maior fiasco. Os caras sempre esperam que eu seja como você.
— Nem todos. Lembra-se do corretor de seguros? Shelby ergueu o olhar com enfado.
— Sim, infelizmente, lembro-me muito bem. Acho que jamais vou encontrar alguém que aguente o meu horário de trabalho.
— Trabalho escravo.
— Trabalho tanto porque gosto. Mesmo que pudesse me dar ao luxo de viver de papo para o ar, gosto muito mais do meu emprego do que da maioria dos homens que conheci. Se ao menos Bob Tonas me deixasse trabalhar em paz. . .
— Tem isso também.
— Seja como for, preciso de um novo emprego. Não de um homem.
— É o que pensa, querida. O mercado está fechado. Ninguém está fazendo contratações. Conheço uma dúzia de pessoas desem​pregadas no momento.
— Por favor, Lora, não precisa ser tão encorajadora.
— Além do mais, ninguém quer um editor com fama de encrenqueiro, o que seria o seu caso, se deixasse a lonas Brothers agora. É melhor continuar onde está por enquanto. Ficarei com os ouvidos alerta, e assim que a vaga certa aparecer. . .
— Mas não vê que não tenho tempo? A menos que Valerie produza mais um livro para mim. Vou escrever ainda hoje para ela, se bem que. . .
— Por que perder tempo com uma carta? Não seja orgulhosa. Telefone para a mulher e suplique. Faça isso já.
— Seria simples, se eu tivesse o número do telefone dela.
— Podemos perguntar à telefonista. Francamente, Shelby. — Lora apanhou o telefone. — Qual é a cidade?
Shelby suspirou e deu a informação. Não adiantava discutir com Lora. Dez minutos depois, ela punha o telefone no gancho mordendo o lábio.
— Não há ninguém com o sobrenome St. John nessa cidade, Shelby.
— Se tivesse me deixado falar, saberia que é um pseudônimo. Todo mundo usa esse tipo de recurso e ninguém se importa com o nome que o escritor se dá, só com o produto de seu trabalho.
— Então não sabe o nome verdadeiro dessa mulher?
— Nunca precisamos saber. Se Valerie St. John queria se man​ter no anonimato, não era de nossa conta.
— Tudo que tem é o número da caixa postal?
— Exatamente.
Lora fez uma careta, enrugando a pele perfeita.
— Não se desespere, querida, mas acho que está em apuros. Se a mulher pretende deixar de escrever por um bom tempo, por que manteria a caixa postal?
— É por esse intermédio que lhe pagamos os royalties.
Lora acendeu um cigarro, a piteira prateada reluzindo entre os dedos.
— E quando será o próximo pagamento?
— Daqui a três meses. — Shelby parou para pensar. — Tal​vez ela nem verifique se há alguma correspondência nesse meio tempo, não é?
— Você verificaria? Não interessa a ela encontrar uma carta com algum tipo de pressão. Além do mais, pode ter saído num cruzeiro ou coisa parecida.
— Não faz o gênero dela.
— O que sabe de fato sobre essa mulher?
— Bem. . . é muito habilidosa com as palavras, gosta de jogar com elas. Não gosta de comida francesa. . .
— O que vem a calhar morando nos confins do mundo. Aliás, essa cidade me soa familiar. . . — Lora ficou pensativa, com os olhos semicerrados, a cabeça ligeiramente inclinada para trás e envolvida numa nuvem de fumaça. — Warren's Grove. . . Já ouvi falar desse lugar.
— Não de mim. É.a primeira pessoa com quem falo tanto sobre Valerie St. John. Se a história vazar. Lora, Deus me livre, vou...
— Que diferença isso faria a esta altura? Ela parou de escre​ver, portanto não vou atrás dela. De que serve um escritor apo​sentado para um agente? Em resumo, minha querida, não sabe nada sobre essa mulher.
— Tem razão.
— Mas alguém na cidade deve conhecê-la. Ninguém consegue manter um segredo tão grande num lugar tão pequeno.
— Como vou descobrir? Lora tragou o cigarro.
— Vai sair de férias, não?
— Sim. Vou para New England na semana que vem.
— Não vai, não. Vai para Warren's Grove procurar alguém que não coma escargot. Reconheço que o inverso seria mais fácil, mas é o que temos.
— Está brincando. Isso é impossível!
— A outra alternativa é ficar de braços cruzados rezando para a sua carta chegar às mãos dela. Além do mais, acabo de me lembrar onde ouvi falar de Warren's Grove.
— Onde?
— Pode ser mais fácil do que imaginávamos. Ou muito, mui​to mais difícil.
— Lora...
— Warren's Grove é uma espécie de meça dos escritores. Há um acampamento de verão lá, onde gente do meio literário se reúne para trocar idéias. Sei que pelo menos um de meus escri​tores frequenta o lugar. Mark pode lhe dar uma mão.
— Quem é Mark?
— Nunca ouviu falar de Mark Buchanan?
— É um que escreve poesia abstrata?
— Deus do céu, Shelby, não. Ele escreve romances policiais. E devo admitir que é muito bom. Passei um mês na Europa com os dez porcento que recebi com o lançamento de seu livro.
Shelby soltou um assobio.
— Se é alguém desse calibre, provavelmente não vai querer se incomodar comigo.
— Não se subestime, querida. Ou a mim. Mark me deve um favor. Além do mais, ele poderá transformar a experiência num livro chamado À Procura de Valerie St. John ou qualquer boba​gem assim. Vou telefonar para ele. E, você, cancele a reserva para New England e arrume as malas!
CAPITULO II
Shelby abriu os olhos e observou a paisagem outonal, onde milharais de um dourado queimado se estendiam até onde a vista alcançava. A lentidão do trem, mais sentida depois do vôo que a levara de Nova York a Chicago, dava a impressão de que não chegariam a lugar algum. Mas, segundo o itinerário, estaria em Warren's Grove ao cair da noite.
Nunca estivera naquela região a oeste de Chicago nem ansiava pela experiência. A missão louca de procurar uma mulher prati​camente desconhecida era desestimulante.
Por que se deixara convencer por Lora? Normalmente não cedia tão facilmente, mas, dessa vez, quando se dera conta, esta​va a caminho do aeroporto.
Voltou a fechar os olhos e relembrou os acontecimentos da​quela manhã, em seu apartamento.
— Pegou as passagens? — Lora perguntara. — E os cartões de crédito? Embora a gente nem saiba se terão validade naquele fim de mundo. . .
— Ora, vamos, Lora. Não estou de mudança para lá.
— Então pare de pôr tudo que tem nessa mala e venha tomar um café.
Shelby sorriu. Lora era uma boa amiga, e agradecia-lhe pelo empurrãozinho. Ali estava, a pouco mais de uma hora de War-rens's Grove, e devia se concentrar na investigação.
Tirou da bolsa a pasta contendo os originais de todas as cartas de Valerie St. John, que retirara furtivamente do arquivo na sexta-feira. Em meio àquele material esperava encontrar alguma pista que a levaria à escritora. Talvez sua missão não íosse tão impossível assim; pela primeira vez, alimentou esperanças. Mas a primeira folha que encontrou ao abrir a pasta nada tinha a ver com Valerie.
— Aqui estão o número do telefone e o endereço de Mark — Lora explicara ao lhe entregar uma folha de seu papel timbra​do. — Avisei a ele que você está a caminho.
— Aposto como ele vibrou com a notícia — Shelby havia iro​nizado.
— Disse-lhe que você ia para lá resolver um mistério, o tipo de coisa que deve interessá-lo. Ele conhece todos na cidade, pois frequenta aquele acampamento de escritores há anos.
Shelby dobrou o papel, disposta a telefonar, embora não con​tasse com muita ajuda. Se Mark Buchanan quisesse juntar-se à busca, muito bem. Se não, paciência.
Ela voltou a atenção às cartas de Valerie e, uma hora depois, guardava a pasta. Ordenou as informações enquanto o trem che​gava à estação de Warren's Grove e concluiu que não sabia quase nada a respeito da mulher a quem procurava. A maioria da correspondência referia-se a trabalho, revelando bem pouco sobre a escritora.
Shelby havia contado mais sobre si mesma à outra. Se soubes​se como seria importante, teria especulado um pouco mais.
Naturalmente fizera perguntas e insinuara algumas vezes que não era justo Valerie sonegar informações. Seus hobbies, autor preferido, família, qualquer questão de caráter pessoal havia sido habilmente contornada. A mulher sequer dedicara um dos livros a alguém, o que lhe daria alguma pista. De agora em diante, pediria uma foto de cada escritor com quem trabalhasse!
Ao descer do vagão, Shelby parou na plataforma e percorreu o olhar pela estação, colhendo a primeira impressão de Warren's Grove, Soprava uma brisa fresca enquanto o sol de punha, e o prédio mais alto, cujas luzes podia ver dali, tinha apenas uns seis andares.
Havia algumas pessoas na plataforma. Ver o trem chegar devia ser uma das atrações do lugarejo. Então viu um homem cami​nhando em sua direção com uma expressão de reconhecimento no olhar. Era alto, de cabelos castanhos e ombros caídos. Devia ser Mark Buchanan.
Não correspondia à imagem que ela fazia de um escritor de romances policiais, mas e daí? Se Lora tinha prestígio a ponto de, com um simples telefonema, obter tanta cooperação de um cliente, quem era Shelby Stuart para fazer alguma restrição?
Armou-se de um sorriso cordial e ficou atônita quando o homem a encarou com frieza, passando por ela.
— Oi, filho! — Ele abraçou um adolescente parado bem atrás de Shelby. — Como estava a vovó?
Ela quis que um buraco se abrisse sob seus pés. Mesmo que Mark Buchanan se importasse com sua vinda, não poderia ter adivinhado em que trem viria. Lora não sabia, nem ela mesma, até chegar a Chicago. Como podia ser tão idiota?
— Se fosse tão bom em romance policiais — resmungou —, teria adivinhado.
— Sim, senhorita? — Um funcionário da ferrovia parou ao lado dela. — Falou comigo?
Shelby corou. Era só o que faltava agora, começar a falar sozinha.
— Não falei, não. Mas. . . poderia me indicar algum hotel?
— Há o Warren House, subindo essa rua — ele apontou. — Não temos carregadores numa estação tão pequena, mas pode levar o carrinho, se quiser. O mensageiro do hotel o trará de volta pela manhã.
A demonstração de cordialidade a animou um pouco. Cidades pequenas tinham suas vantagens. Pegou as malas e se pôs a subir a rua indicada. Quando chegou aos degraus da varanda do hotel, a bagagem pesava como chumbo, e ela se arrependeu por não ter aceitado a sugestão do homem na estação.
Ao entrar, uma mulher veio correndo dos fundos para atendê-la com um sorriso.
— Quer um quarto?
— Sim, por mais ou menos uma semana, se houver vaga.
— Oh, sim. Estamos fora de temporada agora que recomeça​ram as aulas. — Ela lhe passou uma ficha de registro. — A diária inclui café da manhã especial, das sete às dez. Espero que goste da estada aqui, srta. Stuart. Está de férias?
Shelby hesitou. Bem que podia começar já as investigações.
— A trabalho. Sou editora e vim falar com uma escritora.
— Há muitos escritores por aqui. . . Ou melhor, havia até o Dia do Trabalho. Com qual a senhorita veio falar?
— Valerie St. ]ohn.
A mulher repetiu o nome lentamente e abanou a cabeça.
— Nunca ouvi falar. O que ela escreve?
— Romances. Esse é o pseudônimo dela. — Convencida de que aquele não era o seu dia de sorte, ela apanhou as malas e ia subir para o quarto quando algo que a mulher disse voltou-lhe à mente. — O que mencionou sobre o Dia do Trabalho?
— É quando o acampamento dos escritores fecha. Não há sistema de aquecimento lá, por isso todos vão embora quando o outono chega. Se tivesse chegado há duas semanas, teria encon​trado todo tipo de autor por aqui.
E' provavelmente Valerie. Ninguém melhor que um escritor para encontrar outro escritor. Bem, ainda tinha Mark Buchanan a quem recorrer. Sem querer perder tempo, a primeira coisa que fez, uma vez no quarto, foi telefonar para ele.
Dezessete toques depois, desistia. Aparentemente não era do tipo de homem que passava a noite de sábado em casa.
Ou. . . será que teria partido também com o fechamento do acampamento? Teria Lora recebido informação errada?
Shelby se demorou debaixo do chuveiro, tentando não pensar. Então, de pijama, sentou-se na cama e elaborou uma lista de alternativas. Ao pé da página, escreveu: "Desistir e voltar para Nova York".
Refletiu sobre esse último item por um longo tempo antes de riscá-lo. Então apagou a luz e procurou dormir.
O café da manhã correspondeu às expectativas. Havia pão e geléia caseiros, torta de amora e salsichas, cujo aroma apetitoso havia impregnado a casa logo cedo, acordando-a. O café forte e quente era de grãos recém-moídos.
Empurrou o prato, satisfeita, aceitando apenas mais uma xíca​ra de café. Ao erguer o olhar para agradecer à garçonete, notou a presença do homem que vira na estação com o filho. Corou só de lembrar do sorriso que lhe dera.
O homem cochichou alguma coisa para o companheiro de mesa; ela bem podia imaginar o quê! O outro, que estava de cos​tas para ela, virou-se para trás sem se dar ao trabalho de dis​farçar.
Shelby corou mais ainda de embaraço. Mas não se deixou inti​midar e encarou o homem. Era, sem dúvida, um operário. Tinha a pele bronzeada, e as roupasmanchadas demonstravam que lidava com tinta. O pulôver que usava não escondia o peito largo e os braços musculosos.
Enfim, ele desviou o olhar, mas sem o menor sinal de cons​trangimento. Parecia, isso sim, ter visto tudo o que queria. Endi​reitou-se na cadeira e fez um comentário ao outro, provocando seu riso.
Deixando a xícara de café intacta, Shelby saiu do refeitório. Se os homens daquela cidade tinham os mesmos modos que aqueles dois, precisaria estar constantemente na defensiva.
Voltou ao quarto e analisou a lista de alternativas. Era domin​go, e portanto não podia ir ao banco verificar se havia alguma conta em nome de Valerie St. John. Tinha a impressão de que não lhe dariam a informação, mas não custava tentar. O correio também estava fechado, impedindo-a de investigar quem alugara a caixa postal da qual tinha o número. Talvez a biblioteca fun​cionasse nos fins de semana.
Mas havia outra prioridade. Munida do endereço de Mark Buchanan, saiu à rua. Se ele ainda estivesse na cidade e tivesse farreado à noite, devia encontrá-lo dormindo ainda.
A cidade começava a despertar. Os sinos soavam na capela, e as pessoas surgiam de todas as direções. Pediu orientação sobre o endereço que tinha e rumou para a casinha branca indicada, no topo de uma colina.
A casa era velha e pequena, com uma torre que devia dar uma boa vista para o rio. Dependurado nessa torre, havia um andaime improvisado, que sustentava um homem de boné e roupa respin​gados de tinta, manuseando uma broxa. Ao se aproximar, Shelby reconheceu o sujeito que a tinha encarado ostensivamente no re​feitório do hotel.
Ela parou ao pé da torre.
— Bom-dia! — Decidiu ser civilizada, apesar da grosseria com que havia sido tratada. Mas não recebeu resposta. — Estou procurando por Mark Buchanan! — Gritou, inclinando tanto a cabeça para trás que lhe doeu o pescoço.
Houve um longo silêncio antes da resposta.
— Por quê?
— Sou Shelby Stuart.
Dessa vez o homem dignou-se a olhar para baixo.
— E daí? É também uma idiota por ficar parada bem debaixo de uma lata de tinta.
— Oh! — Ela recuou, o riso vindo de cima irritando-a ainda mais. — Poderia, por gentileza, me dizer onde posso encontrar o sr. Buchanan?
Ele hesitou, como se considerasse a idéia.
— Não, não posso. Ele está indisposto no momento.
— Suponho que isso signifique que ele está de ressaca! — Ao menos, ele continuava na cidade.
— Pode ser. Por que não volta na semana que vem?
Inconformada, Shelby entrou na varanda e tocou a campainha, imaginando maldosamente o som ecoar na cabeça de Mark Buchanan.
Mas ninguém veio atender a porta. Tocou a campainha mais duas vezes antes de desistir e dar meia-volta, apenas para esbar​rar no pintor. Com o susto, soltou um grito.
— É sempre tão nervosa? — ele perguntou, recuando.
— Só quando tenho de lidar com idiotas. Por favor, diga ao sr. Buchanan que estou hospedada no Warren House e preciso muito falar com ele.
— Sobre o quê?
De perto, a altura do homem era intimidadora. Tinha também os olhos mais expressivos que Shelby já vira. Um desperdício para um jeca.
— Diga a ele que é sobre Valerie St. John.
— Isso faz sentido. Há sempre uma mulher envolvida. O que foi desta vez?
— Por que não pergunta ao sr. Buchanan?
— Duvido que vá resolver. — O horrem se agachou para abrir uma nova lata de tinta e voltou a subir no andaime. — Quem é Valerie St. James?
— St. John!
— Errei de apóstolo. Quem é ela?
— Uma escritora.
O homem pareceu pensativo por um instante.
— Então era sobre isso que Lora tagarelava outro dia. Ela sempre esquece que a minha secretária eletrônica grava recados por apenas trinta segundos. Pretendia telefonar para ela, mas não tive tempo.
Houve nova pausa. Shelby achou que ia desmaiar. Então engo​liu em seco e encontrou voz, embora trêmula, para falar.
— Você é Mark Buchanam?
— Eu mesmo. E, como vê, não estou de ressaca. Só pintando a casa, o que também me dá dor de cabeça. . .
— Preciso de sua ajuda.
— Ah, sim. Para encontrar Valerie St. qualquer coisa, que está se escondendo de você, uma editora. Não, obrigado. Se é uma batalha entre escritor e editor, estou do lado dela.
— Pelo jeito. Lora não lhe contou a história toda.
— Lora não reconhece uma história inteira nem quando a recebe de bandeja. — Mark voltou a se concentrar no vaivém da broxa sobre as ripas de madeira.
— Não vai me ajudar? — Shelby se desesperou ao perceber que a situação escapava ao seu controle.
— Não. Na minha opinião, já existem escritores picaretas em demasia por aí sem precisar ajudar um editor a procurar mais um. Que Valerie St.Matthew- Mark-Luke-John, ou coisa que o valha, descanse em paz.
— Mas... — Shelby contou até dez e insistiu. — Não pode sequer descer daí para conversarmos melhor? Não é preciso a cidade inteira ouvir a conversa!
— Não temos mais nada para conversar. Mas, já que insiste, pode subir aqui. Aproveite e traga aquele pincel menor. Preciso dele para os cantos.
Ele sequer olhava para baixo, e Shelby sussurrou um palavrão antes de retomar o rumo para o centro da cidade. Recusava-se a continuar discutindo em altos brados.
— Tente a redação do jornal! — ele ainda gritou. — O editor às vezes está lá aos domingos!
Shelby não se incomodou em agradecer pela sugestão. A gar​galhada dele ecoou em seus ouvidos durante todo o trajeto de volta para o hotel.
A redação do jornal estava fechada, assim como a biblioteca. Passou pelos dois lugares várias vezes no decorrer do dia, sem encontrar sinal de vida. Pelo jeito a cidade inteira de Warren's Grove fazia a sesta aos domingos.
Exceto Mark Buchanan. Cada vez que ela subia a rua prin​cipal, notava o processo dele. No final da tarde, não o viu mais, e a torre reluzia com a nova camada de tinta branca.
Enfim ela deu a busca por encerrada naquele dia e passou o resto da tarde no quarto do hotel, lendo panfletos sobre Warren's Grove e imaginando meios originais de se vingar de um escritor impertinente chamado Mark Buchanan.
Acabou cochilando por uma hora. Quando batidas na porta interromperam seu sono, levou alguns instantes para se reorientar, e ainda estava zonza quando abriu a porta.
Era Mark Buchanan. Ou, pelo menos, aquele homem lem​brava Mark Buchanan. Não usava mais o boné e a roupa sujos de tinta. Os cabelos estavam penteados, sem perder o jeito rebelde. E, na mão... Shelby pestanejou, não acredi​tando no que via.
— Isso é um narciso?
— Um sinal de paz — ele lhe entregou a flor. — Ou prefere um doce? — Um bombom foi colocado na outra mão dela. — Pode me perdoar?
Shelby olhou para a flor delicada e o bombom, depois para ele. Aquele ar acabrunhado de criança repreendida não a convenceu.
— Deve ter sido atropelado por um rolo compressor para mudar tanto de atitude. — Ela cheirou a flor, mas não sentiu perfume. Era de seda.
— De certa forma, sim. Embora duvide que Lora vá gostar de ter sido chamada assim. Ela me censurou por ter sido grosseiro com você nesta manhã e me fez prometer que me ajoelharia a seus pés para pedir perdão.
— Lora sabe mesmo ser convincente.
— Só detestaria pôr a faxineira do hotel à prova desse jeito. Importa-se se não me ajoelhar?
— Francamente, você me embaraçaria se fizesse isso. Bem, o que mais quer?
— Lora me contou o seu problema, e gostaria de lutar por sua causa.
— Mas odeia editores.
— Sim, mas Lora deu um jeito nisso. Ela disse que se eu não a ajudasse a encontrar Valerie St. Peter. . .
— St. John.
— Que seja. Lora disse que, se você perder o emprego, pode acabar como secretária dela. E, como não quero ver meus trabalhos sabotados, prefiro ajudar a mantê-la na Jonas Brothers.
Shelby quis expulsá-lo dali, mas precisava de sua ajuda.
— Por que não veste algo um pouco menos amarrotado — ele sugeriu — e elaboramos uma estratégia de ação durante o jantar?
Shelby mordeu a língua para não dizer o que ele merecia ouvir e bateu a porta em sua cara para se trocar.
Mostraria a Mark Buchanan uma coisinha ou duas, pensou enquanto vasculhava o guarda-roupa. Ele não continuaria com aquela atitude paternalista por muito tempo.
CAPÍTULOIII
Mark conversava com a gerente do hotel quando Shelby desceu. Ela se sentia inexplicavelmente como uma adolescente no primeiro encontro com um rapaz. Ao notar sua presença, ele correu ao seu encontro e abriu-lhe a porta. Parecia ter trocado de modos bem como de roupa.
— Por que está pintando aquela casa, afinal? — ela quis saber ao entrarem no carro esporte verde.
— Aquela casa pertence à minha tia Pat, que não deixa qualquer um mexer nela.
— Você foi o premiado?
— Na verdade, é um hobby — ele admitiu, dando a par​tida. — Algumas pessoas usam aquarela sobre papel, outras preferem óleo em tela. Eu me dou melhor com látex sobre madeira.
— Nunca imaginaria que pintar casas fizesse o seu gênero.
— Por que não?
— Para alguém que escreve romances policiais. . .
— Entendo. Acontece que minha imaginação flui melhor quando estou com as mãos ocupadas.
— Não vá me dizer que faz tricô no inverno.
— Nunca tentei, mas não parece tão divertido quanto jogar ténis na Flórida. 
O carro passou em alta velocidade por um campo de golfe antes de entrar numa estrada sinuosa.
— Mora na Flórida?
— Às vezes. Voto em Connecticut, mas passo o verão aqui. . .
— Visitando a tia Pat.
— E o acampamento de escritores para ficar a par da com​petição.
— A julgar pelo conceito de Lora, você não precisa se preocupar com a competição.
— A gente sempre tem de se preocupar. Senão perdemos o senso crítico. — Ele estacionou. — Aqui é o country club de Warren's Grove. Como vê, a sede não é lá grande coisa. Mas, apesar da aparência, servem a melhor carne da região.
O restaurante estava quase vazio. A garçonete abriu um sorriso ao ver Mark, lançando um olhar curioso para Shelby, e conduziu-os a uma mesa de canto.
— Um casal numa mesa próxima acenou.
— A casa de Patrícia está ficando boa, Mark — o homem comentou.
Mark agradeceu com uma reverência e puxou a cadeira para Shelby.
— Mais uns dois dias e termino o serviço.
— Faz tempo que não vejo sua tia. Ela está viajando?
— Foi para uma universidade no norte participar de um seminário. Voltará na semana que vem.
— Esse é o mal das professoras. Mesmo aposentadas, não param de trabalhar.
Mark despediu-se do homem e se voltou para Shelby.
— O mal de uma cidade pequena não é um saber da vida do outro, é realmente se importarem uns com os outros.
— Por isso não deve ser difícil encontrar Valerie St. John.— Shelby observou. — É só uma questão de falar com a pessoa certa.
— Exatamente. Se ela está na cidade, alguém deve saber.— Ele pediu vinho à garçonete. — Lora disse que a mulher é misteriosa. O que sabe, de fato?
— Ela mencionou numa carta que trabalhou numa biblio​teca.
— Tia Pat trabalha na biblioteca e pode investigar. . . isto é, se for a mesma biblioteca.
— Que bom! — O entusiasmo dela durou pouco. — Mas sua tia só chega na semana que vem. . . e preciso partir no sábado, com ou sem Valerie St. John.
— Quando chegou?
— Ontem à noite. O que me faz lembrar. . . sua secretária eletrônica não estava funcionando.
— Dou folga a ela aos sábados. É muito otimista, Shelby.Uma semana não dá para uma investigação como essa.
— Eu sei. — O desânimo se abateu sobre ela. Se não en​contrasse Valerie, nem precisaria voltar.
— Bem — Mark falou. — Não faz sentido desistir antes de tentar. Quem sabe? Podemos dar sorte. Sabe de mais algum detalhe pessoal? Quantos anos ela tem?
— Não sei.
— Quer dizer que pode ter entre dezesseis e sessenta?
— Não se trata de uma adolescente. É óbvio que tem muita experiência com os homens, seus romances revelam profundi​dade e paixão. . .
Mark caiu na gargalhada e levou uns minutos para se re​compor.
— Não existe profundidade nesse tipo de romance.
Shelby quis esvaziar o copo de vinho na cara dele, mas manteve a compostura.
— Provavelmente nunca leu um romance dela, então como pode emitir opiniões a respeito?
— Espero que não me peça para ler a obra completa de Valerie para conhecê-la melhor.
Era o que Shelby tinha em mente, mas calou-se e mudou de assunto. Durante o jantar conscientizou-se de que, por mais que aquele homem a irritasse, precisava de sua ajuda.
— Valerie coleciona livros — ela lembrou.
— Já é alguma coisa. Metade dos habitantes desta cidade não lê um livro desde que saiu da escola. A outra, que fre​quenta o acampamento, escreve. Mas não deve haver muitos que colecionam livros.
— Como vamos descobrir?
— Você pode fingir que trabalha em prevenção de incên​dios. Bibliotecas domiciliares representam um grande risco, por causa do volume de papel. Se batesse de porta em porta e perguntasse quantos livros mantêm. . .
— Mark...
— Que tal, então, uma pesquisa de opinião pública? Nin​guém suspeitaria . .
— Pelo jeito, não tem um conceito muito alto dos mora​dores daqui.
— Muito pelo contrário. Um dos prazeres de morar numa cidade pequena é fazer piada dela. Naturalmente, se um forasteiro faz isso, é linchado. Mas, vindo de alguém da comu​nidade, vira motivo de riso.
— Cresceu aqui?
— Em parte. Passo as férias de verão aqui com tia Pat, irmã de meu pai, desde criança. Meu bisavô. . . Ou teria sido meu tataravô? Não me lembro. Seja como for, descendo dos Warren que fundaram esta cidade. Minha tia nunca deixou ninguém esquecer suas raízes. É muito ligada em árvores ge​nealógicas e laços sanguíneos.
Shelby imaginou a mulher como uma matrona robusta e de cabelos grisalhos, que erguia o dedinho ao tomar chá, servido pontualmente às cinco da tarde.
— Esse meu ancestral fundador da cidade foi quem cons​truiu a casa que estou pintando — Mark continuou. — É agora de tia Pat, que faz questão de preservá-la como patri​mónio histórico. — Ele serviu mais vinho. — Mas ficarmos falando de minha tia não ajudará a encontrar Valerie St. Thomas Acquinas.
A correção e um protesto estavam na ponta da língua, mas Shelby preferiu se calar.
— Por onde começamos? — Mark perguntou. — Podemos almoçar juntos no hotel amanhã e depois ir até a biblioteca.
— Pensei em começar mais cedo.
— Nada a impede. Tenho de pintar um pouco. É claro que se quiser me ajudar. . .
— Não, obrigada. Vou ao banco e ao correio em vez disso.
— Como quiser. Vai perder a oportunidade de começar um novo hobby.
Na segunda-feira, Shelby foi cedo ao correio e checou as caixas com números dourados até encontrar aquela que per​tencia a Valerie St. John. Estava vazia, como era de esperar.
Ela não havia escrito a carta com um pedido de reconside​ração, mas imaginou que, caso a tivesse feito, ainda a encon​traria ali. Entrou na fila de um dos guichês e ficou a observar as pessoas que entravam e saíam. Essa seria Valerie? Ou aquela?
— Pois não, senhorita?
Chegara a vez dela na fila e, com o coração acelerado, tirou da bolsa um dos envelopes de Valerie.
— Poderia me informar quem aluga essa caixa postal?
O homem atrás do balcão coçou a cabeça e virou-se para trás.
— Ei, Charlie! Esta moça quer saber para quem alugamos uma caixa postal. Posso dar a informação?
— De jeito nenhum. É confidencial.
O homem voltou a olhar para Shelby com expressão pesarosa.
— Não tem o nome do remetente aí, senhorita?
— Sim, mas deve haver outro. . .
— Sinto muito, mas não posso dar esse tipo de informação só para satisfazer a curiosidade de alguém. Agora, se for um caso de polícia...
Shelby negou com a cabeça. Curiosidade. . . Se o seu mo​tivo fosse tão banal! Entretanto, discutir com o funcionário do correio não a levaria a lugar algum.
— Obrigada. — Guardou o envelope na bolsa. Antes tivesse escrevido aquela maldita carta. Àquela altura, Valerie já po​deria tê-la apanhado.
Shelby deu meia-volta. Podia deixar um bilhete agora. Não levou mais de um minuto para formular um pedido para que a escritora lhe telefonasse no hotel. Então teve de entrar na fila outra vez.
— Poderia colocar este bilhete naquela caixa?
O funcionário olhou para a folha dobrada, que Shelby arran​cara da agenda, e ergueu uma das sobrancelhas,
— Sem selo, não posso.
— Mas não tenho envelope.
 O homem tirou um da gaveta.
— Aqui está. Coloque o seu endereço.— Mal dá três metros daqui até lá. Não pensei que fosse preciso endereço, quanto mais selo!
— Nosso serviço é de primeira.
Shelby reprimiu a irritação. Devia ter previsto aquela situa​ção. Mas não a pegariam desprevenida no banco. Aproveitou os minutos da caminhada até lá para esquematizar um meio de obter a informação desejada.
Quando chegou sua vez na fila, armou-se de um sorriso e colocou uma nota de vinte dólares no balcão de mármore.
— Valerie St. John me pediu para depositar esta quantia em sua conta, mas perdi o número.
— Conta corrente ou de poupança?
— Sabe que não me lembro sequer desse detalhe? — Shel​by esforçou-se para parecer transtornada.
— Posso verificar, mas levará algum tempo. 
 — Eu espero.
Pareceu levar uma eternidade. Após dez minutos de espera, Sheiby estava a ponto de desistir. Provavelmente não localiza​vam o número por não existir a conta.
A moça do caixa voltou com um pedaço de papel.
— Não encontrei nenhum registro. . . — O coração de Sheiby afundou.— ... de conta corrente — a funcionária do banco conti​nuou. — Depositarei o dinheiro na poupança, mas terá de con​firmar se era isso mesmo o que a cliente queria.
Sheiby deu adeus aos vinte dólares. Enfim, era por uma boa causa. Sentiu uma enorme vontade de pegar o papel que a moça segurava. Ali devia estar o verdadeiro nome de Valerie St. John. Afinal, não se abriam contas bancárias com nomes fictícios. Alguém no banco devia conhecer a verdadeira iden​tidade da escritora.
Ao sair do banco, consultou o relógio. Havia tempo para mais uma parada antes do encontro com Mark para o almoço. Devia ir à redação do jornal ou à biblioteca?
Resolveu deixar a biblioteca para mais tarde. Mark, devido à posição da tia, provavelmente teria mais chances de êxito. Uma busca nos arquivos do jornal poderia fornecer-lhe algu​ma pista. Se Valerie tivesse deixado o anonimato ao menos uma vez numa cidade daquele tamanho, o jornal teria regis​trado o fato.
O cheiro de tinta que pairava como uma nuvem na gráfica do jornal fez cócegas no nariz de Sheiby. O escritório mal iluminado e empoeirado na parte da frente servia como agên​cia de anúncios e papelaria. F.la pegou um bloco de anotações e uma caneta.
Uma mulher baixa, usando batom muito vermelho, aproxi​mou-se. A julgar por seu sorriso, tratava-se da primeira venda em dias.
— Preciso de informações sobre uma moradora de Warren's Grove. Vocês mantêm um arquivo de suas edições?
— Arquivo morto, quer dizer? Não exatamente. Guarda​mos todas as edições publicadas, é claro, mas em volumes di​vididos por ano. De quando gostaria de consultar?
Sheiby quis sentar-se no chão e chorar. Que tipo de jornal não manteria um arquivo das principais reportagens por or​dem de assunto?
— Não tenho uma data. . . — Sheiby pensou rápido. Rece​bera o primeiro livro de Valerie há três anos, mas sua atividade literária devia datar de mais tempo. De fato, a possibilidade de uma reportagem era maior antes de seu sucesso e consequente opção pelo anonimato. — Pode ter sido em qualquer época nos últimos cinco anos.
— Posso arrumar os volumes para a senhorita. Ou melhor,a biblioteca possui todas as edições em microfilme. Isso faci​litará a consulta.
As esperanças de Sheiby restringiam-se à biblioteca agora. Começava a ter dor de cabeça só de pensar em consultar mi​crofilmes equivalentes a cinco anos, à procura de uma repor​tagem que poderia estar em qualquer seção ou então em nenhuma.
— Obrigada, de qualquer forma. — Sheiby voltou para o hotel, esperando que Mark tivesse alguma idéia melhor. Pelo visto, era uma negação como investigadora.
Tomava café e quase desistia de esperar quando Mark fi​nalmente apareceu, com os cabelos ainda molhados do banho. Vestia calça jeans e camisa de cores vibrantes aberta ao peito e com as mangas arregaçadas.
Os olhos de Sheiby fixaram-se nele como que atraídos por um imã. Não era à toa que Lora o elogiava tanto, ela pensou, reparando no peito bronzeado coberto de pêlos. Sua amiga gos​tava de homens com jeito de homens. Era uma estupidez, mas sentiu ciúme dela.
Não era ciúme, repreendeu-se. E sim raiva por um sujeito que se achava um príncipe encantado.
— Está atrasado.
— Sinto muito. O trabalho de pintura não correu como eu esperava. Teve mais sorte com as investigações?
— Nem um pouco. Já pedi o meu almoço.
Ele sorriu para a garçonete, que parecia prestes a pular em seu colo, e pediu um cheeseburger com fritas. Na certa, todas as mulheres nos limites daquela cidade o consideravam a res​posta para suas orações.
— Não teve sorte, então? — ele retomou a conversa com Sheiby.
— Não consegui nada no correio nem na redação do jornal. Tive mais sorte no banco, mas gastei vinte dólares para des​cobrir que Valerie tem uma conta de poupança.
— Subornou o caixa do banco?
— Não! — Ela descreveu sua manhã com detalhes, o que o fez rir.
— Aprende rápido, hein, Shelby?
O divertimento estampado nos olhos negros de Mark a des​concertou, e Shelby quase perdeu o fôlego diante do fascínio daquele olhar. A reação da garçonete era compreensível. Com um sorriso daqueles, ele seria capaz de derreter uma pedra.
— Então o que faremos esta tarde? — Ele devorou o san​duíche como se estivesse faminto.
— Vamos à biblioteca. Acha que pode convencer o pessoal de lá a contar o que sabe?
— Posso tentar. Há uma mulher no departamento de pes​quisas. . .
— Vamos embora, então.
— Shelby, fiz esforço físico a manhã toda e estou com fome. A torta de pêssego daqui é deliciosa.
— Não, obrigada.
Ela esperou impacientemente Mark não só comer a torta, mas também tomar um sorvete. Finalmente ele se dispôs a ir.
— Se pode suportar voltar ao correio, preciso apanhar a correspondência de tia Pat. Então serei todo seu o resto da tarde.
Shelby quis sugerir que ele se guardasse para a garçonete, mas se conteve. Talvez ele nem tivesse falado com segundas intenções.
— Temos tempo — ela se limitou a responder.
Mark foi apanhar a correspondência da tia e voltou com um maço de envelopes e uma notificação de que havia um pacote grande demais para caber na caixa.
— Terei de entrar na fila. Essa é a famosa caixa postal. 
Shelby olhava fixamente para o seu bilhete na caixa de Valerie, como se com a força da mente pudesse fazer a mulher vir buscá-lo.
— Parece que a sua escritora recebeu uma carta — ele reparou. — Pode enxergar o remetente através do vidro?
— Sou eu.
— Que idéia original! — Ele entrou na fila para apanhar o pacote da tia.
Alguns minutos depois, Shelby o viu conversando num canto com um homem baixo, de cabelos grisalhos e o nó da gravata frouxo. Depois de alguns minutos ele voltou.
— Amigo seu? — ela perguntou.
— De certa forma. É o chefe daqui. A caixa postal em questão está em nome de...
— Você conseguiu? — ela sussurrou, incrédula.
— ... Valerie St. John. Sinto muito, Shelby. É o único nome nos registros.
— Isso é legal? Quero dizer, usar um pseudônimo...
— Não sei se é legal. O que importa é que ela conseguiu.
— Não acredito que o correio tenha permitido a alguém usar um nome fictício. . .
— Talvez não soubessem que era fictício.
— Numa cidade deste tamanho? Ora, Mark! Você mesmo disse que aqui todos se conhecem.
— Seja como for, se quer que a mulher volte a escrever para você, sugiro que não a denuncie ao Tio Sam por alugar uma caixa postal com um pseudônimo. Ela pode não gostar de você mexer no vespeiro.
Shelby não queria causar problema. Mas era insuportavel​mente frustrante estar tão perto de Valerie e não poder entrar em contato com ela.
— Quer dizer que passou pela redação do jornal e Jake não se lembrou de ter noticiado alguma coisa sobre Valerie?
— Quem é Jake? Só falei com uma mulher no escritório da frente, que garantiu não haver arquivo morto.
— Mas há um arquivo vivo. — Mark sorria como se tivesse tido uma idéia brilhante. — Toda reportagem impressa por aquele jornal em dez anos está arquivada na cabeça de Jake Baxter, o editor.
— Falar com ele parece mais fácil do que consultar micro​filmes.
— Sem dúvida. Jake tem memória excelente,melhor que um índice. Vamos falar com ele.
Encontraram o editor com os pés apoiados na escrivaninha. Mark explicou-lhe o caso, e os perspicazes olhos azuis do homem, protegidos por uma viseira verde, voltaram-se para Shelby.
— O fato é, srta. Stuart, que mantemos distância desses escritores. São uma praga, e a inveja corre solta naquele acam​pamento. Publiquei a história que um deles escreveu para mim há cinco anos, e todos passaram a exigir espaço para suas obras-primas. Bem, deve saber como é, sendo uma editora.
Shelby concordou.
— Quanto a Valerie St. John. . .
— Nunca ouvi falar.
— E o que me diz de mulheres na cidade que escrevem?— Mark perguntou. — Há alguma que poderia ser Valerie St. John disfarçada?
— Não tenho idéia. Mas diga-me, srta. Stuart, o que traz uma poderosa editora de Nova York para cá atrás dessa tal de Valerie St. John? Ela é tão boa assim?
— É, sim. Preciso falar com ela sobre o seu próximo livro.
— Mas ela não lhe deu o nome verdadeiro?
— Exatamente.
— Verei o que posso descobrir. Em todo caso, é uma no​vidade para Warren's Grove receber a visita de uma editora em vez de todos aqueles escritores. Posso tirar uma foto sua?
— Por que não? — Shelby concordou.
— Se souber de alguma coisa, Jake. . . — Mark falou en​quanto o editor procurava o melhor ângulo.
— Oh, procurarei você na casa de Patrícia ou a srta. Stuart no hotel. Prazer em conhecê-la, senhorita.
A mulher que atendera Shelby de manhã ouvia a conversa da porta sem ser notada e não se conteve.
— A senhorita conhece Valerie St. John?
— Sou editora dos livros dela — Shelby respondeu. — Mas, quanto a conhecê-la. . .
— É minha autora favorita. Li todos os seus romances. Mal posso acreditar que Valerie St. John mora bem aqui em Warren's Grove sem ninguém saber. Espere até eu contar às minhas amigas do clube de bridgei
CAPÍTULO IV
— Por que me sinto como se estivesse sendo carregada por um furacão? — Shelby indagou, a caminho da biblioteca.
— Porque possui boa intuição, minha cara. Aquela mulher é a maior fofoqueira da cidade. Jake a contratou exatamente por ela saber da vida de todo mundo.
— Ela não estava brincando, então, quanto a contar às amigas?
— O clube de bridge inteiro saberá da história pela manhã.
— Há males que vêm para bem. Com mais pessoas saben​do, a história é capaz de chegar aos ouvidos de Valerie. . . onde quer que ela esteja.
Encontraram a bibliotecária às voltas com a arrumação de uma prateleira de livros.
— Olá, srta. Branch — Mark a cumprimentou. — Esta é Shelby Stuart. Ela procura uma escritora que mora na cidade.
— Oh, temos vários escritores aqui além do sr. Buchanan, o mais famoso, é claro. Qual é o nome?
Shelby respirou fundo e contou a sua história mais uma vez.
— O pseudônimo é Valerie St. John.
A bibliotecária repetiu o nome pensativamente e abanou a cabeça.
— O que ela escreve?
— Romances. Trabalho como editora na Jonas Brothers.
— Esse gênero de livro encontra-se naquelas prateleiras ali. Quanto a descobrir quem ela realmente é. receio não poder ajndá-la.
— Possui alguma lista dos escritores locais?
— Temos uma sala referente à história local, onde guarda​mos os trabalhos de todos os moradores. Mas com certeza lá não há nada de Valerie St. John. Se quiser dar uma olhada naquelas prateleiras ali...
— Só mais uma pergunta — Shelby insistiu. — Valerie me contou que trabalhou numa biblioteca por algum tempo. Lembra-se de alguma de suas funcionárias que escrevia?
— Não, ninguém que me lembre.
Centenas de romances enchiam as prateleiras indicadas pela bibliotecária. Shelby lançou um olhar aos volumes. Cinco anos no ramo e o produto final de seu trabalho ainda lhe dava um sentimento de orgulho, de prazer. Se perdesse o emprego não saberia o que fazer.
— Então este é um exemplar do trabalho de Valerie St. John, a Divina? — Mark apanhou um livro.
— Este foi o primeiro dela — Shelby informou ao ler o título.
— É pornográfico?
— É claro que não!
— Shhh — a bibliotecária pediu silêncio.
— Ouça — Mark pôs o romance de Valerie debaixo do braço —, vamos para um lugar onde se possa conversar. — Ele entregou o livro à bibliotecária no balcão.
— Não faz o seu gênero de leitura, sr. Buchanan — a mu​lher comentou enquanto anotava o nome dele na ficha.
— É para um trabalho de pesquisa.
— O empréstimo vence daqui a duas semanas.
— Obrigado. Vamos, Shelby.
Ela o seguiu com relutância até a porta, onde estacou.
— Espere, Mark — sussurou. — A bibliotecária escreveu o seu nome no cartão para registrar a saída do livro, certo?
— Sim, Mark Buchanan. Sou eu. Por quê?
— Acaba de me ocorrer que Valerie também tinha de pes​quisar vários assuntos para os seus livros. Se fazia consultas aqui...
— Deve ter deixado o nome nos cartões dos livros que consultou — Mark concluiu o raciocínio dela. — Mãos à obra, então?
Duas horas depois, a bibliotecária informava que era hora de fechar. Shelby guardou na bolsa a folha repleta de nomes, e tomaram o rumo do hotel.
— Esta foi uma das pesquisas mais árduas que já fiz — Mark comentou, espreguiçando-se. — É como procurar agulha num palheiro. Vamos parar em algum lugar para um drinque? Que tal o Sand Bar do hotel?
— Tudo bem. — Ela examinava a lista de nomes. — Pre​cisamos passar isto a limpo, eliminando os nomes que apare​cem apenas uma vez. Se descobrirmos alguém que consultou livros sobre diversos assuntos. . .
— Teremos Valerie em nossa engenhosa rede. Mas preciso de uma bebida antes de voltar ao trabalho.
A chegada de Mark ao bar teve o efeito previsível sobre a garçonete. Desta vez Shelby não se importou, pois a moça trouxe o vinho mais rápido à mesa. Ela tomou um longo e merecido gole.
— Só espero que conheça Valerie St. John o suficiente para saber sobre o que ela precisaria pesquisar,
— Ela comentava nas cartas quando um certo assunto dava trabalho.
— O mais comum entre escritores é consultar livros de viagem. — Ele examinou a lista dela. — Mas por que cozi​nha francesa?
— Ela não gosta de comida francesa, portanto não deve ter nenhum livro em casa a respeito, e não é todo mundo que sabe a diferença entre bouillabaisse e boeuf bourguignon. Isso ela teve de pesquisar.
— Eu também teria. Se, é claro, algum dia precisar saber disso. . . o que é improvável.
— Já sei. Prefere cheeseburger com fritas. Devia enrique​cer seu paladar.
— Não com caramujo na manteiga ou como quer que aqueles bárbaros o preparem.
— Realmente caramujo também não faz o meu gênero. Ao menos como prato regular.
— Tanto melhor, porque não só me recuso a comer lesma mas também não suporto a idéia de presenciar o ato. Vamos tomar outro drinque ou já podemos ir ao restaurante pedir um cheeseburger?
— Um copo de vinho basta, obrigada. Mas ainda é cedo para jantar.
— Típica garota da cidade — Mark resmungou. — Nesse caso, posso dar uma olhada nas cartas de Valerie? Talvez eu descubra alguma coisa que você não viu.
— Boa idéia. Já as li tantas vezes que quase decorei todas elas.
Subiram ao quarto, onde ela entregou a Mark a pasta con​tendo as cartas. Ele se jogou na cama para lê-las.
— Por que papel rosa?
— Não tem imaginação? É romântico como os livros dela.
Ela se acomodou na cadeira de balanço num canto e come​çou a organizar a lista de nomes enquanto ele lia as cartas. Finalmente Mark fechou a pasta.
— Que mulher! Não revela mesmo nada.
— Sabe, gostaria de encontrar Valerie não só para conven​cê-la a continuar escrevendo. Pode parecer tolice, mas eu a tenho como uma amiga, depois desses três anos de troca de correspondência. Se ela vai voltar a escrever é outra história. — Ela baixou o olhar, imaginando ter aberto o coração a um homem que provavelmente a considerava idiota.
A cama rangeu quando ele se levantou, indo parar ao lado da cadeira dela. Shelby não ergueu o olhar, receosa pelo que poderia encontrar naqueles diabólicos olhos negros.
— Espero que a encontre. — O tom pareceu tão sincero que elaacabou por encará-lo. Então, ele a abraçou e beijou. Foi um beijo terno, e a fragrância máscula de sua colónia a envolveu como um manto reconfortante.
— Por que fez isso? — ela perguntou quando ele se endi​reitou.
— Porque você estava com jeito de quem ia chorar. Pensei que, se me esbofeteasse ou coisa parecida, esqueceria os pro​blemas por um instante.
— Mas não quero esbofeteá-lo.
— Eu sei. — Ele sorria.
— Por que estou aqui sentada antes do raiar do dia, vendo você pintar?
Mark olhou para o céu.
— Sinto muito contrariá-la, mas o dia não só já raiou como está escancarado. Já lhe disse que minha imaginação flui melhor quando estou com as mãos ocupadas. Se quiser tentar, há uma outra broxa ali.
— Não, obrigada. Penso melhor quando estou apática.
— Nesse caso, será um dia produtivo — ele ironizou. Mark a havia acordado cedo, assustando-a com as batidas inesperadas na porta, e insistira para que ela o acompanhasse.
A princípio Shelby pensara que ele tinha descoberto Valerie durante a noite e queria fazer-lhe uma surpresa, mas quando se viu sentada na lona estendida diante da casa de Patrícia Buchanan quis virar o latão de tinta sobre a cabeça dele.
Mark trabalhou em silêncio por uma hora. Entediada, Shelby começou a raspar a pintura velha das ripas de madei​ra. Se estivesse em Nova York, estaria sentada à escrivaninha com uma pilha de manuscritos e uma xícara de café, pronta para um longo dia de leitura agradável. . . interrompida por inúmeros telefonemas, intermináveis reuniões de editores e a secretária querendo saber quando pretendia responder à pilha de cartas sobre a mesa. No final do dia sempre se perguntava por que o trabalho rendia pouco, se passava o dia todo ali.
Então, do alto da escada, um grito interrompeu os pensa​mentos dela.
— Já sei!
— Sabe onde encontrar Valerie? — Shelby correu para o pé da escada.
— Oh, tinha me esquecido de Valerie. Estava pensando num tema para um livro.
— Grande.
— Vou lhe dar a idéia de graça. Se perder o emprego como editora, pode pular a cerca e tornar-se escritora.
— Não quero escrever histórias. Quero apenas...
— É sobre uma decoradora de interiores — Mark ignorou a ressalva dela — que se apaixona por um pintor chamado Chip.
— Não é um nome romântico. Que tal agora pensar em como encontrar Valerie? Afinal, por que me arrastou até aqui?
— Para podermos discutir idéias.
— Em silêncio?
— Não tenho culpa se fica tão mal-humorada de manhã que não consegue conversar. Vamos checar as livrarias hoje.
— Warren's Grove tem mais de uma?
— Se contar a banca vinte e quatro horas na esquina, sim. Aliás, gostei da idéia do autógrafo.
— De que está falando?
— De incluir a assinatura do autor na primeira página. Reparei nesse detalhe ontem à noite quando resolvi usar o livro de Valerie para atrair o sono. Deu certo, adormeci antes de terminar o primeiro capítulo. Devo admitir que a mulher revela um talento promissor no mercado de soníferos. . .
— Cale-se! Agora quer me explicar essa história de assina​tura do autor?
Mark bufou.
— Não entende inglês?
— O caso é que não imprimimos a assinatura do autor. . . Mark! O livro que retiramos da biblioteca estava autografado?
— Traz o nome de Valerie.
— Onde está?
— Já lhe disse, na primeira página.
— Não a assinatura, seu bobo. O livro! Onde deixou o livro?
— Na mesinha de cabeceira do meu quarto, o de frente para a escada dos fundos.
Shelby entrou correndo pelos fundos e perdeu um instante para admirar a cozinha antiga de Patrícia Buchanan, antes de subir a escadaria estreita e sinuosa.
O quarto era espaçoso e arejado, mais do que se poderia supor a julgar pelo exterior da casa. Shelby sentou-se na borda da cama, que parecia peça de museu, e com as mãos trêmulas de ansiedade apanhou o livro sobre a mesinha de cabeceira.
A assinatura era real. Ela reconheceu a caligrafia agres​siva de Valerie.
— A assinatura parece datar de algum tempo — comentou quando Mark entrou. — Olhe, há uma marca onde algum idiota deixou um copo e manchou a tinta.
— Não olhe para mim! Tia Pat me ensinou a nunca estra​gar um livro. . . por mais medíocre que seja. Quer dizer que é mesmo um autógrafo?
— Sim, é a assinatura dela. Mas de quando?
— Posso sondar a srta. Branch sobre quem tirou o livro antes, mas não alimente muitas esperanças.
— Posso ir com você?
— Só se prometer deixar que eu fale desta vez. Esqueci de lhe dizer. . . há uma moça lá fora querendo falar com você. Tem um pacote nas mãos.
— Não estou esperando nada.
— Não tem idéia do que a espera. — Mark sorria enigmati​camente e saiu na frente.
A moça era muito jovem, muito loira e muito nervosa. Carre​gava uma pasta repleta de papéis. Não era preciso ser especia​lista para diagnosticar que se tratava de uma escritora frustrada com um manuscrito inédito.
— Droga, Mark — cia sussurrou. — Por que não disse a ela que eu estava ocupada?
— Porque — ele sussurrou de volta — lá pela hora do almo​ço a cidade inteira saberia que você estava "ocupada" em meu quarto.
— Quem se importa com boatos?
— Valerie pode ser moralista. 
Shelby riu.
— Bem se vê que não leu muito do livro dela ontem à noite se pensa que Valerie é alguma puritana.
— Pensei que você tivesse dito que os romances dela não são pornográficos.
Shelby deu a discussão por encerrada e foi atender a moça.
— Pois não?
— Srta. Stuart? É mesmo uma editora?
— Sim.
— Bem, escrevi um livro e. . . — a moça praticamente atirou a pasta nos braços de Shelby — aqui está. Vai lê-lo?
— Na realidade, estou muito ocupada. . . — diante da expres​são de desamparo no olhar da moça, Shelby cedeu: — Está bem. Por que não? Deixarei o material na recepção do hotel quando terminar a leitura.
— Oh, que maravilha! Só mais uma coisa. . . Poderia auto​grafar isto para mim? — Ela tirou um jornal da sacola.
Shelby só entendeu o pedido ao ler a manchete na primeira página: "VALERIE ST. JOHN, QUEM É VOCÊ?". Logo abai​xo vinha a foto que o editor do jornal havia tirado dela no escri​tório.
— Mark! Olhe o que o seu amigo Jake fez comigo!
Ele havia voltado a subir na escada e desceu às pressas para apanhar o jornal das mãos trêmulas dela.
— Ora, Shel, o que esperava?
— Tudo, menos uma manchete na primeira página e uma foto que me faz parecer gorda e com uns quarenta anos de idade.
— Ah, está irritada com a foto. Tem razão, não lhe faz jus​tiça. Jake precisa melhorar a técnica com a câmara.
Shelby ficou muda de raiva.
— Para uma moça de Nova York — ele continuou —, é ingé​nua demais. Quando um jornalista pede uma foto sua, não é para guardá-la na carteira. — Mark devolveu o jornal e voltou a subir na escada. — Pense positivo! Todos nos limites desta cidade agora sabem que você procura Valerie!
Shelby assinou o nome sobre o artigo e entregou o jornal à moça. Então, ofendida, sentou-se de pernas cruzadas sobre a lona e manteve-se em silêncio absoluto por uma hora, só para provocar Mark.
Não funcionou. Ele continuou a trabalhar, assobiando uma canção popular, até esgotar a paciência dela.
— Avise-me sobre o que descobrir na biblioteca — Shelby pôs-se de pé. — Vou checar as livrarias. Tenha um bom-dia.
Os gerentes das livrarias a receberam com entusiasmo, ambos dispostos a cooperar. Mas nenhum deles soube dar informações sobre Valerie St. ]ohn.
— Diga a ela que teremos prazer em organizar uma noite de autógrafos :— um deles sugeriu. — O evento atrairia gente de todo o Estado!
Shelby sentiu um calafrio. Se Valerie soubesse disso, jamais sairia do esconderijo. De volta ao hotel, passou pela recepção para comprar o jornal. Era a primeira e provavelmente única vez que merecia uma manchete.
Virava-se em direção à escadaria, lendo o artigo, quando a mulher da recepção chamou sua atenção.
— Gostaria de levar a correspondência agora?
— Correspondência? — Um cartão de Lora, talvez? — Sim.
Qual não foi a sua surpresa quando a moça colocou uma pilha de envelopes amarelos sobre o balcão.
— Chegaram hoje — a gerente do hotel explicou.
— De uma vez?— Não. A presidente do clube de bridge veio primeiro. Então, uma dona-de-casa da zona leste da cidade. Depois. . .
— Já entendi. Será que todos nesta cidade já escreveram um livro?
— Nem todos. — A gerente sorria. — Não comecei o meu ainda, mas já tenho a idéia.
Shelby não quis ouvir mais nada e levou os manuscritos para o quarto. Iogou-se na cama com vontade de chorar.
— Valerie, a culpa é toda sua! Quando puser as mãos em você. . .
CAPÍTULO V
— Chris Sinclair... — Shelby anotava o nome numa folha de papel juntamente com o título do livro sobre caça submari​na. — Já vi esse nome em algum lugar. . .
Ela remexeu nas folhas espalhadas sobre a cama e apanhou uma.
— Chris Sinclair também consultou um livro chamado A Arte da Culinária Francesa.
Esse fato tornava a srta. Sinclair uma Valerie em potencial. O problema era haver uma dúzia de outras que se encaixavam nessa categoria tendo consultado pelo menos dois dos quatro assuntos relacionados por Shelby e Mark na biblioteca.
Shelby desejou que Mark estivesse ali. Ele provavelmente co​nhecia Chris Sinclair e todas as outras que constavam da lista. Sem a ajuda dele, ela só podia procurar cada nome na lista tele​fónica, discar o número e perguntar por Valerie. Era uma tática duvidosa, pois bastava a pessoa do outro lado da linha negar.
Ela consultou o relógio. Passava das seis e nada de Mark desde que o deixara pintando a casa de manhã. Era de esperar. Por que iria procurá-la? Havia sido rude, e não interessava a ele encontrar Valerie. Só se dispusera a ajudá-la como um favor a Lora.
— E não há razão para isso me deixar triste, ora — Shelby se repreendeu. — Não preciso de outro machão egoísta e arro​gante para a coleção.
Contudo, ela decidiu, tocando no narciso amarelo de seda sobre a mesinha de cabeceira, que lhe devia ao menos um telefonema de desculpas pela atitude daquela manhã.
A secretária eletrônica atendeu após o quarto toque, numa suave voz feminina:
— Mark está ocupado redatilografando seu novo romance. Ele detesta esse trabalho, e interrupções só o tentam a abandoná-lo de uma vez. Portanto, por favor, diga, ao som do bip e em vinte e cinco palavras ou menos, por que precisa falar com ele. O mo​tivo mais original merecerá uma resposta.
Só Mark para ter uma máquina desaforada. Se estava realmen​te datilografando, Shelby comeria o livro todo. Era mais provável ele estar ocupado com a moça que gravara a mensagem. . .
E por que isso devia provocar-lhe ciúme? Ele a beijara uma única vez e assim mesmo de um jeito que não causaria o menor embaraço em público.
Deixou um pedido formal de desculpas e desligou com a sen​sação de se ter desvencilhado de algo importante. O que era ridículo, ela pensou, enquanto voltava a trabalhar na lista de nomes.
Era uma tarefa solitária, e ela começava a dar a causa por per​dida. Se Valerie não queria ser encontrada, como uma mulher sozinha, uma estranha na cidade e com menos de uma semana para procurar dissiparia uma nuvem de anonimato que cercara a identidade da escritora por anos dentro de sua própria comu​nidade?
Precisava de uma amiga. Pegou o telefone e discou para Lora.
— Olá, querida. Como vai a vida na fronteira? Ainda não foi escalpelada?
— Não. . . embora o seu precioso Mark tenha me ameaçado várias vezes.
— Como estão se dando?
— Não estamos.
— Que pena! É um homem maravilhoso. Um destruidor de corações femininos, talvez. . .
— Notei.
— E Valerie?
— Nem sinal ainda. Quais as novidades aí em Nova York?
— Quer mesmo saber?
— O que houve?
— Rodney esteve aqui ontem à noite. Ele deve ter um infor​mante nas Jonas Brothers.
— Ele não sabe onde estou, sabe? Não é possível. . . só você sabe.
— Ele não descobriu por mim. É esperto, querida, e sabe que você não está passando as férias em New England. Mas não é isso que o incomoda.
— Então o que é?
— Não tenho certeza. Ele deixou escapar o nome de Maria Martin. Parece que os dois andaram conversando.
Num relâmpago, Shelby viu-se transportada à sala do chefe, ouvindo-o dizer "Se perder Maria Martin ou Valerie St. John, estará perdida também..."
— Não Maria! Ela não pode fazer isso comigo!
— Querida, pode não ser nada. Maria não se esconde como Valerie. Todos sabem onde encontrá-la. Rodney com certeza já conversou com ela em outras ocasiões, sem conseguir nada. Se bem que...
— O dinheiro pode falar mais alto. . .
— Não devia ter-lhe contado.
— Muito pelo contrário. Obrigada. Não tenho uma pista se​quer de Valerie e, com Maria passando para o lado inimigo, só me resta arrumar as malas e voltar para casa. Não faz sentido gastar mais tempo e dinheiro numa busca inútil.
— Mas não é certo que Maria vá deixar você. E, se precisar de dinheiro, é só pedir. Não deve desistir agora.
— Não desistirei, Lora. Sou teimosa demais para isso.
— Se precisar de alguma coisa, me telefone.
Shelby desligou, arrependida por ter telefonado para Lora. Se Maria a abandonasse também. . .
Não havia nada que pudesse fazer a respeito. Com certeza não naquela noite. Assim, voltou a concentrar-se com força de vontade redobrada na busca por Valerie.
Estava sentada na cama, cercada por tiras de papel, cada uma com o nome de um pessoa e o título de um livro, quando ouviu batidas na porta.
Receando tratar-se da entrega de outro manuscrito, pensou em não atender. Por outro lado, não podia passar o resto de sua estada na cidade escondida no quarto do hotel. Não, se queria encontrar Valerie. Aliás, podia ser a escritora em pessoa, tendo ouvido sobre a busca, . .
Era Mark. Ela perdeu a respiração de tanta felicidade ao vê-lo. Que tola! Nem se importava por nãq ser Valerie.
O que acontecia com ela, afinal? Ia deixar-se cair nas malhas de um conquistador nato?
Uma corrente de ar proveniente do corredor pôs as folhas de papel a dançar pelo quarto. Shelby soltou um palavrão e come​çou a apanhá-las.
— Você estragou o meu esquema — ela acusou, embora o coração pulsasse de alegria dentro do peito por ele ter voltado.
— O que está fazendo? — Ele se sentou ao pé da cama.
— Organizando a lista dos leitores de todos os livros que le​vantamos na biblioteca.
— E encontrou alguma pista de Valerie St. Joan of Are?
— Ainda não. Ninguém consultou todos aqueles assuntos. Acho que precisaremos de outra seção na biblioteca.
Mark gemeu.
— Não sei por que venho para ter mais disso.
Shelby não ouvia.
— Tenho três nomes e um número que podem me levar a Valerie. Mais provavelmente o número, se conheço a mulher.
— Tia Pat pode ajudar a descobrir a quem pertence o nú​mero.
— Na semana que vem. . . quando será tarde demais.
— Se tiver mesmo de partir, eu e tia Pat continuaremos a busca. Formamos uma dupla persistente. Assim que descobrir​mos a escritora misteriosa, tentaremos convencê-la a continuar produzindo. Se não conseguirmos nada com uma conversa ami​gável, posso ameaçar quebrar-lhe as pernas. Sempre funciona.
Era tolice, mas de repente Shelby sentiu-se amparada.
— Sempre faz ameaças desse tipo?
— Só quando as pessoas não fazem o que quero. — O sorriso de Mark era angelical. — Vamos jantar? Estou morrendo de fome.
— Suponho que, se eu não quiser ir, você vai ameaçar que​brar a minha perna.
— Shelby! — Ele se fez de ofendido. — Não sou uma pessoa violenta, na maior parte do tempo. Se não quiser jantar comigo, tudo bem. Só não lhe contarei o que descobri de tia Pat quando conversamos pelo telefone há alguns minutos.
— Mark! — Ela se encheu de esperança. — O que ela disse?
— Contarei durante o jantar, está bem? E não se demore. Detesto esperar. — Ele se pôs de pé. — Tem cinco minutos. Se não descer até lá, irei embora.
— Mark. . .
Ele parou à porta, erguendo uma sobrancelha.
— Por que insiste em me ajudar? — Isso soou ingrato, e ela imediatamente se corrigiu: — Quero dizer, gostei de que tenha voltado a me procurar, mas fui rude com você nesta manhã e não deve ser nada divertido perder seu tempo à procura de Va​lerie . . .
Ele sorriu, o olhar endemoniado. Shelby prendeu a respiração na expectativa do que ia ouvir.
— Tem quatro minutos agora — ele apenas lembrou antes de sair.
Shelby apanhou

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