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1 A R T 2 A R T 3 A R T ISBN número: 978-85-89698-34-4 Instituto de Arte da Universidade de Brasília Programa de Pós-Graduação em Arte CNPJ: 00038174000143 Edição: 1 Ano: 2012 Local: Brasília - DF Dados da Obra: Título: Art - Arte e Tecnologia // MODUS OPERANDI UNIVERSAL Organizadores: Cleomar Rocha, Maria Beatriz de Medeiros e Suzete Venturelli Reitor da Universidade de Brasília José Geraldo de Sousa Junior Vice-reitor João Batista de Sousa Diretora do Instituto de Artes Izabela Costa Brochado Vice-diretora do Instituto de Artes Nivalda Assunção Araújo Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Arte Maria Beatriz de Medeiros 4 A R T Conselho editorial Cleomar Rocha Maria Beatriz de Medeiros Suzete Venturelli Projeto Gráfico Cleomar Rocha Capa Maria Antonia Zanta Nobre Diagramação Interna Ronaldo Ribeiro da Silva Bruno Ribeiro Braga 5 A R T Sumário 8 Apresentação Cleomar Rocha, Maria Beatriz de Medeiros e Suzete Venturelli 9 Cidade expandida: hibridismo e expansão de um conceito para o contexto das redes tecnológicas aGNuS VaLeNTe e Nardo Germano 23 Objetos Tec nopoéticos: uma abordagem da Neuroestética e da Neuroarte Alberto Semeler 33 Arte, conhecimento e livros virtuais Ana Beatriz Barroso 41 Percepção em lá menor Anna Barros 50 Interação, criação e agência Cleomar Rocha 56 Posthuman Tantra: BioCyberShamanism Uma Performance Multimídia Cíbrida. Edgar Franco 65 Registros e ausências: arte contemporânea como desafio para historiadores da arte Emerson Dionisio Gomes de Oliveira 72 A experiência estética: consciência, linguagem e narrativa Fernando Fogliano 81 Projetos Catavento e Amoreiras Gilbertto Prado e Grupo Poéticas Digitais 89 Números Hugo Rodas 93 O universal no imaginário sistêmico das poéticas cartográficas: aclopamentos e desvios nos processos de criação transmidiáticos Lucia Leão 103 A relevância da arte-ciência na contemporaneidade Lucia Santaella 112 Identidade cultural de grupo no processo de design, produção e interação na arte de transição, transiarte, uma ciberarte coletiva na Educação de Jovens e Adultos – EJA Lúcio Teles e Aline Zim 6 A R T 124 Código e linguagem: articulações e construções do visível Luisa Paraguai 129 Dança, metro e música: geração de arquivos sonoros de textos da tragédia grega Marcus Mota e Cinthia Nepomuceno 144 Kant e a neuroestética Miguel Gally 149 O ato criador (segundo especialistas da indefinição) Nelson Maravalhas Junior 158 Media Art needs Histories and Archives: New Perspectives for the (Digital) Humanities Oliver Grau 174 Narratividade e artes visuais em Brasília Pedro de Andrade Alvim 180 Rede, arte e sociedade: utopia ou distopias? Priscila Arantes 187 Sinapsis bioelectrónica de creación Raúl Niño Bernal 196 Operando por cruzamentos – processos híbridos na arte atual Sandra Rey 204 Neuroestética/bioestética no contexto da arte computacional Suzete Venturelli 213 Caracolomobile: um simbiote interativo Tania Fraga 224 A contribuição da disciplina materiais em artes: pesquisa e aplicação Thérèse Hofmann Gatti e Daniela de Oliveira 233 Design, arte e tecnologia: princípios e as novas mídias Virgínia Tiradentes Souto e Rogério Camara 241 Arte, ecologia e redes. Considerações a cerca de Fritz Müller Yara Guasque 7 A R T Autores aGNuS VaLeNTe e Nardo Germano / USP Alberto Semeler / UFRGS Aline Zim / UnB Ana Beatriz Barroso / PPG-Arte - UNB Anna Barros Cleomar Rocha / UFG Daniela de Oliveira / UnB Emerson Dionisio Gomes de Oliveira / PPG-Arte - UNB Fernando Fogliano / Centro Universitário do SENAC Gilbertto Prado / USP Lucia Leão / PUC - SP Lucia Santaella / PUC-SP Lúcio Teles / UnB Luisa Paraguai / Universidade Anhembi Morumbi Marcus Mota / Departamento de Artes Visuais- UnB Cinthia Nepomuceno / IFB-DF Miguel Gally / Departamento de Artes Visuais- UnB Nelson Maravalhas Junior / PPG-Arte - UnB Oliver Grau / Danube University - Austria Pedro de Andrade Alvim / PPG-Arte - UNB Priscila Arantes / PUC-SP Raúl Niño Bernal / Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá Sandra Rey / UFRGS Suzete Venturelli / PPG-Arte - UNB Tania Fraga / PPG-Arte - UNB Thérèse Hofmann Gatti / Departamento de Artes Visuais- UnB Virgínia Tiradentes Souto / Departamento de Artes Visuais- UnB Rogério Camara / Departamento de Desenho Industrial - UnB Yara Guasque / UDESC 8 A R T Apresentação Cleomar Rocha1, Maria Beatriz de Medeiros2 e Suzete Venturelli3 O Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (# ART) é o principal evento do Programa de Pós-graduação em Arte (PPG-Arte) da Universidade de Brasília, em 2011 ocorreu sua 10ª edição. O PPG-Arte, cuja área de concentração é Arte Contemporânea, possui cinco Linhas de Pesquisa: Arte e Tecnologia; Educação em Artes Visuais; Poética contemporâneas; Processos Composicionais para a Cena e Teoria e História da Arte, todas aqui representadas pensando a partir do eixo “modus operandi universal”. O presente livro traz, revistos e ampliados, textos de destaque da programação do 10º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#10 ART): modus operandi universal. Além de pesquisadores do PPG-Arte / UnB e dos departamentos de Arquitetura e Desenho Industrial da UnB, participam, da presente publicação, pesquisadores idependentes e das seguintes instituições: Centro Universitário do SENAC, Danube University (Áustria), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), PUC – SP, Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá (Colômbia), Universidade Anhembi Morumbi, UFG, UFRGS e USP. Esta publicação discute um conhecimento que se dá pela arte. Este conhecimento se distinue daquele que se adquire e/ou se expressa pela linguagem. O que se busca, aqui, é ir além de diferenças culturais para encontrar recorrências. O #10 ART foi realizado de 10 a 17 de agosto de 2011, no Museu Nacional da República e na Universidade de Brasília, nas dependências do Departamento de Artes Visuais. Além dos textos supracitados, neste livro encontram-se, no DVD anexo, os Anais, contendo todas as apresentações e o vídeo da exposição EmMeio#3.04, com curadoria de Tania Fraga, Maria Luiza Fragoso e Suzete Venturelli. Agradecemos à direção do Museu Nacional da República, Wagner Barja (diretor) e equipe. Destacamos o apoio das instituições de fomento à pesquisa na realização do evento: CAPES, CNPq e a parceria da Faculdade de Artes Visuais/Universidade Federal de Goiás, representada por Cleomar Rocha. Os livros, os anais e os vídeos das exposições encontram-se no site www. medialab.ufg.br/art. Brasília, 2 de abril de 2012 1 Professor adjunto da Universidade Federal de Goiás, onde coordena o Media Lab UFG. Tem experiência nas áreas de Artes, Comunicação e Design, atuando principalmente nos seguintes temas: Arte Tecnológica, Design de Interfaces e Mídias Interativas. 2 Doutora em Arte e Ciências da Arte- Universite de Paris I, Pantheon-Sorbonne, pós- doutorado em Filosofia no Collège International de Philosophie, Paris. Atualmente é professora associado 2 da Universidade de Brasília. Pesquisadora 1C do CNPq. Coordenadora Adjunta para a área de Artes na CAPES (2005-2010). Suplente na cadeira de Artes Digitais no Conselho Nacional de Cultura. Presidente da ANPAP. Coordenador do Programa de Pós-graduação em Arte-UnB. 3 Professora pesquisadora da Universidade de Brasília, Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais. Coordena o MídiaLab Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional desde 1989. Bolsista pesquisadora do CNPq. 4 Exposição coletiva que ocorreu de 05 a 15 de agosto de 2011 no Museu da República. 9 A R T Cidade expandida: hibridismo e expansão de um conceito para o contexto das redes tecnológicas aGNuS VaLeNTe e Nardo Germano1 Resumo: Este artigo discute o conceito de cidade expandida, desde sua conotação geopolítica na área de arquitetura e urbanismo até o enfoque artístico do campo expandido da escultura, para repensá-lo enquanto cidade digital, no âmbitodas redes informáticas. O texto apresenta o agenciamento estético-político de experiências artísticas, como “vendogratuitamente.com” (2006), intervenções e-urbanas conduzidas por Agnus Valente nos mecanismos de busca do Google, e “Auto-Retrato Coletivo” (1987-) de Nardo Germano, cujas intervenções participativas urbanas dialogam com obras interativas on-line. Ambos os casos entendem e problematizam a cidade expandida como absorção híbrida das duas modalidades de cidade. Palavras-chave: Hibridismo Arte/Urbanismo/Tecnologia, Cidade Expandida, Cidade Digital, Campo Expandido, Intervenção e-Urbana. Abstract: This article discusses the concept of expanded city, from its geopolitical connotation in architecture and urbanism to the artistic focus of the expanded field of sculpture, to rethink it in regard to the digital city in the context of technological networks. The text presents the aesthetic-political agency of artistic experiences as “vendogratuitamente.com”(2006), e-urban interventions conducted by Agnus Valente in the Google Search, and “Collective Self-Portrait” (1987-) by Nardo Germano, whose participatory interventions performed at urban space dialogue with interactive artworks online. Both cases understand and problematize the concept of expanded city as the hybrid absorption of the two modalities of city. Keywords: Arts/Urbanism/Technology Hybridism, Expanded City, Digital City, Expanded Field, e-Urban Intervention. Este texto corresponde às palestras que ambos apresentamos durante a Mesa Temática “Cidade e Tecnologia: interrelações”, que coordenamos no 10º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#10.ART): Modus Operandi Universal, que teve lugar no Auditório do Museu Nacional da República em agosto de 2011, na qual discorremos sobre o conceito de cidade expandida no contexto híbrido das redes tecnológicas. Para essa mesa, convidamos Fred Forest, Suzete Venturelli e Christine Mello que discorreram conosco sobre diferentes abordagens e experiências artísticas circunscritas à nossa proposta de discutir uma espécie de e-urbanidade na sociedade contemporânea, nas relações da cidade com a tecnologia ou por ela mediadas, criando situações que ressignificam e ampliam as acepções de «cidade» à medida que exploram contrastes entre sua fisicalidade e suas dimensões política, psicológica e virtual, à luz dos conceitos de «site-especific”, “campo expandido“, “cidade digital“, “cidade expandida” e “galeria expandida”. 10 A R T Participando presencialmente da mesa em Brasília, Agnus Valente palestrou sobre “vendogratuitamente.com”, sua intervenção e-urbana desde 2006 no GoogleSearch, e Suzete Venturelli apresentou o projeto “Ciberintervenção urbana interativa” (Ciurbi), desenvolvido no MídiaLab- UnB em 2011, que se constitui de projeções interativas na arquitetura em espaços da cidade de Brasília e entorno, inclusive na fachada convexa do Museu Nacional, envolvendo performance, intervenção urbana, grafite, arte computacional, redes sociais e cartografia colaborativa (ciurbi.wordpress. com). Os demais convidados participaram telepresencialmente, via Skype. Fred Forest conversou com o público a partir de New York-EUA sobre o seu recente projeto “Flux et Reflux, La Caverne d’Internet”, de 2011. Nas palavras do artista, a alegoria de Platão é transposta para formas contemporâneas, configurando uma dupla rede ativada pela presença física dos visitantes e presença virtual dos públicos conectados que, juntos, com sombras, textos e vídeos, dão forma à exposição, conexão por conexão (flux-et-reflux.net). No Brasil, a partir de São Paulo, Nardo Germano apresentou a série “Auto- Retrato Coletivo” (1987-, nardogermano.com/autoretratocoletivo), focando nas relações entre cidade, identidade e tecnologia, enquanto Christine Mello discorreu sobre a exposição “Galeria Expandida”, realizada em 2010 na Luciana Brito Galeria em São Paulo (galeriaexpandida.wordpress.com), cuja plataforma curatorial reflete sobre os circuitos da arte e da mídia, associada a uma operação curatorial que traz para a galeria trabalhos que ocorrem fora dela, sugerindo uma expansão da galeria enquanto ambiente de relações e trocas, como fluxo informacional. Desse modo, configurou-se a palestra em (tele)presença de convidados dispostos geograficamente em três pontos diferentes de convergência, numa situação de descentralização da emissão de informação que expandiu as fronteiras de Brasília, nacional e internacionalmente, bem como as fronteiras de São Paulo e New York, para a realização da própria mesa temática sobre cidade e tecnologia, constituindo-se numa prática afirmativa do conceito de cidade expandida tratado neste presente texto. Cidade expandida: percurso conceitual If clothing is an extension of our private skins [...], housing is a collective means of achieving the same end for the family or the group. Housing as shelter is an extension of our bodily heat-control mechanisms – a collective skin or garment. Cities are an even further extension of bodily organs to accommodate the needs of large groups. McLUHAN A cidade, um dos meios pensados como extensão do homem (MACLUHAN, 1994)2, é aqui considerada no contexto do hibridismo de meios e sistemas (VALENTE,2008); para isso adotamos o conceito de “expanded city” (ARNOLD, 1972), advindo do urbanismo, que nos permite associações teórico-críticas mais produtivas para a expansão conceitual que propomos para o estudo do cruzamento híbrido entre arte, urbanismo e tecnologia, de 11 A R T modo a superar a dicotomia entre cidade real e cidade digital, pois nos parece cada vez mais evidente a relação intrínseca entre as duas modalidades, que demanda uma reflexão sobre o conceito de cidade híbrida que se configura nos seus trâmites, partindo do contexto geopolítico ao tecnopolítico e vice- versa. No âmbito da linguagem, ao nos referirmos à Internet, amparamo-nos no hibridismo de conceitos de diferentes áreas do conhecimento. A web, do ponto de vista de sua associação com a urbanística, apresenta-se nos termos “endereço”, “portal”, “site”, “home” que sugerem um “mapeamento” espacial da rede, bem como nos termos de uma percepção da Internet como “ambiente” – conceito que empregamos preferencialmente ao de “espaço”. A noção de “ambiente” (ARGAN, 1983, p.223-224) instaura-se na articulação conjunta de relações e interações entre a realidade física e a realidade psicológica, parecendo-nos mais adequada para pensar a virtualidade e o expansionismo da rede, estabelecendo um contraponto necessário, e dialético, à concepção cartesiana de projeto racional de organização do “espaço”. O “ambiente” interconectado das redes telemáticas constitui uma cidade em escala planetária que efetiva uma “cidade digital” (FOREST in DOMINGUES, 1997, p. 333) para além de uma arquitetura material, pois a ela agrega-se uma arquitetura virtual antes imaginada do que fisicamente percebida. O conceito de cidade expandida fundamenta esta reflexão por corresponder a um fenômeno urbano que hoje observamos em andamento na cidade digital, nos mesmos moldes da expansão das áreas metropolitanas. É importante recordar que, “por mais caótica que tenha sido a constituição da forma do território metropolitano, ele é um todo”, sendo necessário considerar nesse processo “a dimensão da representação da metrópole enquanto cidade expandida, que abarca os vários territórios das cidades que as integram, formando um único território urbanizado” (LACERDA; ZANCHETTI; DINIZ, 2000, p.2-3), não somente sob a perspectiva de uma expansão geográfica, mas também por articulações de outra ordem: A metrópole se organiza a partir de um núcleo (a cidade centro regional) que articula espacial, econômica, política e culturalmente os outros núcleos urbanos a ele ligados em uma relação de dependência e/ou complementaridade. A conurbação entre os núcleos urbanos é extensa, embora não seja total, pois continuam a existir espaços ‘livres’entre as diversas manchas urbanas. Apesar dessa fragmentação e descontinuidade espacial, a metrópole compõe um conjunto articulado e hierarquizado. (2000, p.3, grifo nosso). Williams (1989) e Roncayolo (1997), desenvolvendo o conceito de cidade expandida, consideram que, tal como no processo de expansão das metrópoles, também não existe ruptura nem autonomia entre o campo e a cidade: ao contrário, campo e cidade são interdependentes. Nesse sentido, para nós, esse conceito é uma premissa para se pensar a relação entre a cidade real e a cidade digital, na medida em que a cidade digital não se configura necessariamente como uma ruptura absoluta ou como elemento totalmente autônomo em relação à cidade real, mas, ao contrário, pode ser pensada como sua expansão. Nessa perspectiva da cidade expandida, poderíamos então, numa paráfrase, afirmar que, no contexto tecnológico, a metrópole promove uma articulação espacial, econômica, política e cultural dos núcleos urbanos 12 A R T da web naquela mesma relação de dependência e/ou complementaridade. E, ainda que se considere a fragmentação e a descontinuidade espacial, bem como a ubiquidade do sistema, constatamos que se organiza um conjunto igualmente articulado e hierarquizado, sem ruptura nem autonomia, entre as duas modalidades de cidade, o que coloca a problemática sobre cidade e tecnologia num nível mais complexo. Focalizando “a Internet como campo expandido da urbe” (VALENTE, 2006), a noção da web como cidade expandida encontra sua coerência artística. O conceito de “campo expandido” de Rosalind Krauss (1979) demarca a passagem da arte para locações específicas do espaço rural ou urbano, em diálogo com seu entorno e não mais como objeto suspenso num entorno neutro. Conforme Krauss, “within the situation of postmodernism, practice is not defined in relation to a given medium [...] but rather in relation to the logical operations on a set of cultural terms, for which any medium […] might be used” (1979, p.42). Nesse sentido, o deslocamento das operações artísticas para o campo expandido na década de 60 em direção à paisagem e à arquitetura, tendo a cidade real como meio, incrementa-se agora em relação ao ambiente da web, tendo como meio a cidade digital – e isto porque a prerrogativa da prática pós-moderna ou contemporânea não se fixa a um dado meio, mas a operações e agenciamentos poético-políticos necessários à realização de um programa artístico. Non-site vendogratuitamente.com, de aGNuS VaLeNTe Cidade expandida: site e non-site entre o real e o digital A intervenção e-urbana “vendogratuitamente.com” é desdobramento de um projeto autoral de intervenção no espaço físico, denominado “Cogito Ergo Ludo: Logo/Jogo”, formado a partir da repetição do pattern de “Logo/Jogo” (1997), obra concebida e produzida em meio digital e proposta inicialmente como um wallpaper artístico para exibição em monitores de computador. O pattern constitui-se no díptico de um logo da palavra “logo” e de seu reverso, um logo da palavra “jogo”, que “brinca” com a função estética e referencial do signo publicitário. Posteriormente, o pattern torna-se objeto de várias proposições, configurando-se uma série artística: transferido para plotter de recorte sobre vinil auto-adesivo, ganha o espaço físico, materializando-se em milhares de logos aplicados em espaços urbanos numa sequência de intervenções nas quais ironicamente esses logos se espelham e se espalham no espaço público sem finalidade de divulgação nem venda de produto ou marca. O propósito é demarcar uma tomada de (o) posição poético-política em relação à voracidade do sistema capitalista, criando uma pausa nesse sistema ao oferecer ao público em geral a fruição gratuita e desinteressada de uma forma. Nesse sentido, a idéia que perpassa o projeto é hipostasiar no signo a sua função poética em oposição à função referencial e simbólica. Instauro e preservo assim uma questão ética: um “logo” contestatório na medida mesma de sua opção pela estética. (VALENTE, 2006, p.6). Essas intervenções urbanas cumpriram um trajeto que se iniciou no Edifício Copan, em São Paulo, onde a obra, intitulada “Atlântica” (2002), dialogou com a arquitetura de Oscar Niemeyer, interpretada como 13 A R T uma parede de azulejos de Athos Bulcão; em versão intitulada “Occulo” (2002/2003), os logos foram adesivados na extensão inteira das duas vitrines da Galeria ACBEU, em Salvador, configurando um filtro que oculta e ao mesmo tempo deixa ver o espaço interno da galeria pelos transeuntes que passavam pelo Corredor da Vitória; no Complexo Argos, em Jundiaí, a versão “Arbor” (2003) adotou como objeto de reverência uma goiabeira nascida no interior do espaço e cuidada pelos funcionários, metaforizando uma ação ecológica; e no Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, a versão “Atrium” (2004) constituiu-se de cinco gravuras, uma no chão e as outras nas janelas, hibridando os logos com o átrio e com a visão do jardim de inverno. Em cada uma dessas intervenções, os logos absorveram o entorno, ressignificando-se conforme as características do lugar, numa proposta conceitual de site-specific. Em 2006, decidi recolocar a série “Cogito Ergo Ludo: Logo/Jogo” no seu ambiente digital de origem bem como reforçar a discussão em seu princípio anticonsumista. Com esse propósito, concebi o projeto-piloto de uma intervenção na web que intitulei “vendogratuitamente.com”, num jogo de palavras com a similaridade e oposição de seus termos, enfatizando ironicamente o contraponto entre a idéia estética de “ver” e a idéia consumista de “vender”. Apesar do caráter individual de minha iniciativa, esta intervenção não é uma luta solitária e quixotesca de um artista contra moinhos de vento: o meu “Logo/Jogo” – o “Logo Lúdico que não se vende” (VALENTE, 2002) –, integra o projeto acompanhado de obras de outros artistas que em suas poéticas investem em intervenção urbana. O projeto- piloto já incluía obras e artistas convidados por afinidades ideológicas – ou poético-políticas: Regina Silveira e Julio Plaza, respectivamente com as obras “Dígito” e “Luz Azul”, que foram exibidas na década de 80 num painel eletrônico no Vale do Anhangabaú que usualmente exibia campanhas publicitárias; Carmela Gross, com a obra “Eu Sou Dolores”, exibida no Belenzinho numa das edições de “Arte/Cidade”, mega-projeto de intervenção urbana concebido por Nelson Brissac; e Nardo Germano, com a obra “Neon”, que integrou “Leit-Uras”, um projeto itinerante de poesia concreta e imagética que circulou por diversos bairros de São Paulo entre 1995-96. Posteriormente, escolhi “On Translation: Warning” de Antoní Muntadas que aceitou meu convite e cedeu imagens de sua intervenção urbana em vários idiomas para a inauguração do projeto. Recentemente, convidei Fred Forest com uma proposta de transposição para Internet de sua intervenção “Space-Media”, da década de 70, que invadia a transmissão da TV francesa Channel 2 com uma tela branca. Em 2010, convidei Augusto de Campos, outro artista da intervenção no painel eletrônico do Vale do Anhangabaú nos anos 80, que passa a integrar o projeto a partir desta edição de agosto de 2011 com o poema concreto “nãomevendo”. Penso essa intervenção numa perspectiva híbrida da cidade – perspectiva anteriormente circunscrita à relação arte/arquitetura e agora expandida para a relação arte/urbanismo/web. Por isso não conceituo minha ação como uma intervenção urbana, uma vez que não ocorre no espaço físico da cidade, mas na web. Assim configurou-se “vendogratuitamente.com” enquanto intervenção e-urbana, pois elege a Internet, esta cidade digital, como campo expandido de ação – uma cidade expandida –, colocando em 14 A R T xeque a nova configuração de fl’uxo e difusão do repertório de imagens do mundo contemporâneo. Um campo expandido significa, a meu ver, absorver um campo novo sem, contudo, perder o lastro de conhecimento acumulado no campo de origem. Compreendendo anet como ambiente de redes e-urbanas, amparo- me na Urbanística e na Arte Pública, cujo conceito de “disponibilidade”, curiosamente também empregado no meio digital, é o que coloca toda a web sob a égide do “público”, ainda que essa disponibilidade represente uma mera probabilidade de acesso (e não um acesso efetivo) na rede. Entretanto, minha intervenção busca a efetividade dessa esfera pública da rede – assim, inscrevo meu projeto de intervenção numa dimensão ética, estética e política, através de estratégias de ação da Arte Pública em termos de cobertura, disponibilidade, interação, acesso e frequência de usuários em trânsito na web. Reiterando minha compreensão de que esfera pública na contemporaneidade deve pressupor (ou incluir) o contingente humano enquanto fluxo vital que circula no fluxo telemático (de bits) da comunidade Internet, e detectando nesse fluxo uma fonte de potenciais espectadores; empreendi a e-intervenção de web-art infiltrando-a nos mecanismos de busca – um dos serviços mais requisitados da Internet –, elegendo a busca do Google como campo de ação. Numa perspectiva ideológica, a e-intervenção concentra-se especificamente no contexto do e-commerce, explorando o conceito de links patrocinados nas páginas da web. Além das traduções intersemióticas ou transposições das obras para o novo meio, cada uma delas passou também pelo que denomino “pequenas traduções intersemióticas”, que correspondem aos ads artísticos, à direita dos resultados da busca, cuja exibição visa a atrair o interesse e a curiosidade do público-internauta. Trata-se de um projeto de site-specific on-line estruturado em dois endereços. O logradouro que sofre a intervenção artística é o portal do mecanismo de busca do Google <www.google.com.br> onde o público- alvo é interceptado com a exibição desses singulares ads que são lançados subliminarmente durante sua pesquisa do resultado da busca, até que, detectados e clicados, o redirecionam para o outro logradouro, que disponibiliza todo o projeto artístico que está sediado no endereço eletrônico <www.vendogratuitamente.com>. Essa articulação entre dois logradouros mobiliza os conceitos da Land Art: “site” e “non-site” (SMITHSON, 1979). Nesse contexto, “site” é o logradouro onde ocorre a ação, no qual o público-alvo é interceptado e surpreendido pelo ad artístico e pela exibição da obra de intervenção que tem como entorno a página de resultados de busca do Google; e “non-site” é o logradouro para onde a ação é deslocada, paradoxalmente o site do projeto onde o público acessa as documentações e obras artísticas das intervenções. A partir do conceito de “site-specific”, a e-intervenção mobiliza também outras categorias específicas que definem particularidades da ação. Para o projeto ser visualizado no mecanismo de busca, investi nos serviços do AdWords, que me permite alcançar o perfil do público-alvo no momento em que estiver “procurando ativamente seus produtos e serviços”, conforme 15 A R T frisa o tutorial do Google. Para isso, articulei palavras-chave específicas do contexto do consumo (shopping, compra, cartão de crédito, dinheiro, preço etc.) e datas específicas de caráter afetivo nas quais há um incremento no e-commerce (Natal, Ano Novo, Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados etc.) para capturar e desviar esse público específico de consumidores para o “non-site” onde as obras, disponíveis para exibição gratuita, articulam ironicamente uma apropriação crítica da linguagem de “gifs animados”, banners e painéis eletrônicos ou digitais que habitam tanto a vida prática como o universo imaginário do consumismo contemporâneo em portais e redes sociais na Internet. Na rede e-urbana desde 2006 nas datas específicas, a intervenção ultrapassa 700.000 impressões de seus ads artísticos até o momento desta publicação. O projeto acumula uma visitação massiva de consumidores por meio dos mecanismos de busca e, convertendo-a não em vendas, mas em experiências estéticas, instaura uma pausa reflexiva na voracidade do sistema capitalista reproduzido na cidade expandida on-line. Reafirmando meu propósito de demarcar uma tomada de (o)posição poético-política ao consumismo, através da fruição gratuita e desinteressada de uma forma estética, “vendogratuitamente.com” reinveste na potencialidade utópica da web. Auto-retrato coletivo na cidade expandida, de Nardo Germano cidade, identidade e tecnologia A série “Auto-Retrato Coletivo” teve início em 1987, com ensaios fotográficos compostos por painéis de fotos de documento sem negativo obtidos em cabine Fotomática, com apropriação dessas imagens ready- made como autorretratos. Esse aparelho, instalado no espaço público, deflagrou desdobramentos de caráter social da identidade na minha abordagem do tema (até então realizada em espaço protegido, na privacidade de estúdio, com temática intimista focada no indivíduo). Por via dessa mudança de perspectivas, usos e funções, os ensaios iniciais da série, “Auto-Objeto” e “Sujeitos”, adotaram uma explícita ênfase social e inauguraram a discussão temática da identidade coletiva como um projeto artístico de maior envergadura. Organizada como repositório crítico da identidade coletiva, a série constituiu-se de autorretratos híbridos entre o indivíduo e o coletivo, questionando a construção de estereótipos nos mass-media sob a égide do desvio e do estigma social (GERMANO, 2007). Em 2001, retomei a série com o objetivo de estabelecer novos contrapontos identitários, investindo o processo de criação numa abertura à recepção. A partir da digitalização de “Sujeitos”, colagens compostas de autorretratos acéfalos, recortes de textos, imagens e manchetes de jornal, a série então articulou-se em estratégias de participação e interatividade para promover a inclusão de alteridade, expressões e pontos de vista dos espectadores na noção de identidade coletiva veiculada nas obras, à luz dos conceitos de “obra aberta” (ECO,1988) bem como “dialogismo e polifonia”(BAKHTIN,1970). Enquanto participantes e/ou interatores em ambiente real e/ou digital, os “espect-autores” (GELLOUZ, 2007) migram 16 A R T suas identidades para o corpus de “Auto-Retrato Coletivo” e renovam, expandem, problematizam a identidade coletiva, inscrevendo-a numa dimensão utópica de identidades abertas. Nesse contexto colaborativo, as obras da série remetem à questão identidade e espaço, partindo do pressuposto de interrelações entre as duas modalidades de cidade, num trâmite de mão dupla entre a cidade real e a cidade digital que se esclarece pelo conceito de cidade expandida. Em 2006, enquanto a obra interativa “ANDROMAQUIA on-line” era inaugurada na exposição “Cyber-Arte” (intervenção num cyber-café da rua Augusta durante a Virada Cultural-SP daquele ano), paralelamente a obra “Corpo Coletivo” – intervenção urbana e performance participativa – era inaugurada em espaços públicos, percorrendo praças e bairros da cidade de São Paulo. Já a obra “Doe Seu Rosto” (2001) propõe dupla abertura poética em diferentes condições espaciais: participação, com identidade compartilhada presencialmente em espaços públicos, e interação on-line, em telepresença no ambiente digital, onde ambos os resultados são disponibilizados conjuntamente, sem distinção de sua origem. A série “Auto-Retrato Coletivo” trata da identidade coletiva enquanto memória e compartilhamento de uma história coletiva na perspectiva da identidade nacional (SMITH in FEATHERSTONE, 1992, p.179), introduzindo uma discussão política no jogo de estereótipos e estigmas identitários. Nesse sentido, aproxima-se da noção de “sujeito sociológico” de Mead e Cooley em que “o sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘eu real‘, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores‘ e as identidades que esses mundos oferecem” (HALL, 2006, p.11). No conceito de sujeito sociológico, podemos encontrar equivalências com noções de espaço:implicações geopolíticas na constituição das identidades. O núcleo interior do “eu real” constituiria o espaço habitado primordial, numa “relación con el mundo constitutiva de su peculiar espacialidad” que Barbero (2008, p.4) associa à denominação “corpo próprio” de Merleau-Ponty e que podemos associar à primeira noção de identidade individual. Os mundos culturais exteriores corresponderiam aos demais espaços – produzido, praticado (cf. Benjamin) e imaginado – que constituem no conjunto a noção de ambiente com o qual a individualidade primordial estabelece vínculos. Enquanto espaço produzido, os meios de comunicação de massa monopolizam a construção identitária à medida que en nuestras ciudades, cada día más extensas y desarticuladas [...], la radio, la televisión y la red informática producen el único tipo de espacio compartido, esto es capaz de ofrecer formas de contrarrestar el aislamiento de los indivíduos y las famílias posibilitándoles unos mínimos vínculos socioculturales (BARBERO, 2008, p.5). Entretanto, exercendo o papel de aparelho ideológico de informação do Estado que embute, “através da imprensa, da rádio, da televisão, em todos os ‘cidadãos’, doses quotidianas de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo” (ALTHUSSER, 1980, p.63), os mass-media geralmente forjam uma falsa consciência do cidadão sobre si mesmo, que incorpora uma “identidade 17 A R T legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar a sua dominação sobre os actores sociais”, conforme analisa Cunha (2007, p.192) a partir da conceituação de Castells. As noções de espaço (habitado, construído e imaginado) são acionadas pelas proposições participativas “Corpo Coletivo” e “Doe Seu Rosto”, que ocorrem como intervenção no espaço praticado, do qual se apropriam, abolindo assim a mediação para encontrar o indivíduo diretamente no contexto social, praticando o espaço urbano, haja vista que, conforme Barbero sublinha, la ciudad se experimenta practicándola mediante los trayectos y los usos que de ella hacen y trazan sus habitantes, esas ‘motricidades espaciales’ en las se combinan estilos colectivos y usos individuales, todos ellos atravesados por cambios que trastornan los modos de pertenencia al território y las formas de vivir la identidad. (2008,p.6-7) É possível reconhecer consonâncias entre a noção de espaço praticado e o “Programa Ambiental” de Hélio Oiticica, que norteia as táticas de ação em “Corpo Coletivo” e “Doe Seu Rosto” enquanto arte participativa e intervenção urbana, na medida em que a obra se estende para a experiência cotidiana no espaço público pelo princípio de apropriação do entorno, do “mundo ambiente” (1986, p.79) como contexto. Nesse sentido, “ao situar as operações nas ruas, parques, morros, pavilhões de exposições industriais etc., Oiticica acredita que o público se aproxima sem constrangimentos, com total disponibilidade, de experiências que na arte são segregadas”, o que vale dizer que as Manifestações Ambientais instauram condições mais propícias à criação, pois “não se distinguem aí níveis – de elaboração de obras, de circulação e de significação social: a ambientação reúne artista, participantes e ‘mundo’”, sem distinções hierarquizantes, configurando-se como “lugares de transgressão em que se materializam signos de utopias (de recriação da arte como vida)” (FAVARETTO, 1992, p.121-129). Nessa perspectiva utópica, “Corpo Coletivo” se apropria de espaços públicos não protegidos, como praças públicas, ruas e largos, sobretudo aqueles cuja história os caracteriza como espaços políticos, a exemplo da Praça da Sé (palco dos movimentos pelas “Diretas-Já”, anos 80) e do Vale do Anhangabaú (palanque do movimento pelo Impeachment de Collor, anos 90), dois espaços da cidade de São Paulo que contextualizam politicamente os cidadãos como sujeitos da história – e em “Auto-Retrato Coletivo” como sujeitos e autores de sua própria identidade. Quanto ao espaço imaginado: “Corpo Coletivo” atua na relação fundante que vincula o cidadão com o Estado Nacional (BARBERO, 2008, p.5-6). Num país como o Brasil, que elencamos entre os “povos híbridos” (BURKE, 2003, p.36) no encontro de três raças no período colonial e posterior miscigenação com o processo de imigração européia pós-abolição da escravatura no final do século XIX, a diversidade cultural protagoniza as discussões sobre a identidade brasileira, no nosso imaginário. “Doe Seu Rosto”, propondo uma identidade metonímica ao solicitar a parte do rosto com a qual o indivíduo mais se identifica, aciona inicialmente o espaço habitado (do corpo próprio) e se realiza tanto no espaço praticado da cidade, quanto no espaço produzido da rede informática: enquanto imaginário coletivo, 18 A R T a diversidade étnica e cultural deflagra-se pelo recorte não indiciário das identidades pela escolha por retratar (ou não) apenas o olho que denota uma ascendência japonesa, ou a orelha na qual pende um brinco afro. A exibição dos autorretratos lado a lado, justapondo os diferentes tons de pele, tipos de cabelo e traços fisionômicos, revela uma ampla gama da diversidade brasileira. Em “ANDROMAQUIA on-Line”, a abertura para o espaço imaginado ampliou o âmbito do nacional para a noção de identidade latino-americana, como explicitada por uma colombiana, para quem “quase dizer sou brasileira que seria, como borges falava, ao igual que ser colombiana, uma questão de fe”. Essa noção reaparece numa transcrição de versos da canção “Apenas um rapaz latino-americano” do compositor brasileiro Belchior cuja letra também testemunha a migração do interior para as grandes capitais. Nessas três obras, a nossa “narrativa de nação” (HALL, 2006, p.52) aflora de diversos modos, com resquícios de nosso complexo de povo colonizado, cicatrizes do subdesenvolvimento, complexo de inferioridade em relação aos EUA e Europa, em contraponto à apologia da nossa sensualidade, da mistura de raças, da nossa hospitalidade. E paradoxalmente a situação inversa: crítica à nossa subserviência, à nossa obscenidade ou à nossa burrice, em contraponto à apologia da nossa capacidade de superação, inteligência, alegria e criatividade. Observa-se, nessa polifônica falta de unanimidade sobre os mais diversos aspectos, que a identidade, a exemplo da noção de fronteiras, é um componente cada vez mais imaginário do nacional (BARBERO, 2008, p.6). Enfim, os objetos criados nas intervenções urbanas participativas de “Corpo Coletivo” e “Doe Seu Rosto” são disponibilizados no site do “Auto- Retrato Coletivo”, na Internet, tornando-se matéria-prima para as interações de “ANDROMAQUIA on-line” e da versão on-line de “Doe seu Rosto”. Desse modo, ancorada no conceito de “Poéticas em coletividade” ou “Poéticas em coletivo” (GERMANO, 2008), que compreende o caráter polifônico da poiesis dos espectadores, a série transforma-se num campo de imersão de poéticas sem hierarquizações, valorações ou discriminações de qualquer ordem – inclusive de espaço. Instauram-se diálogos entre as contribuições obtidas tanto no espaço físico quanto nas redes informáticas, reiterando, nas conexões entre a cidade real e a cidade digital, aquela interdependência e complementaridade presentes no conceito de cidade expandida, mas à luz de uma dialética da utopia e da ideologia tal como proposta por Fredric Jameson, para quem uma hermenêutica marxista negativa, uma prática marxista da análise ideológica propriamente dita, deve ser exercida, no trabalho prático de leitura e interpretação, simultaneamente com uma hermenêutica marxista positiva, ou uma decifração dos impulsos utópicos desses mesmos textos culturais ainda ideológicos (1992,p.304,grifo do autor). Nessa dialética, fundada no entendimento de que a massificação identitária da cidade real circula na cidade digital e vice-versa, a série exerce uma crítica negativa ideológica aos estereótipos, simultaneamente a uma prática afirmativacomo decifração de impulsos utópicos, encetada com a abertura aos espectadores como signos de identidades plurais, 19 A R T viabilizando enfoques dialógicos e polifônicos para subverter, no âmbito da consciência de classes, os processos identitários hegemônicos em ambas as modalidades de cidade. Considerações finais: dialética da cidade expandida Electric lighting has brought into the cultural complex of the extensions of man in housing and city, an organic flexibility unknown to any other age. McLUHAN Parafraseando McLuhan para nossa reflexão final, podemos considerar que as redes informáticas trouxeram à cidade como extensão do homem uma flexibilidade imaterial e incomensurável que eleva à enésima potência o seu sentido de cidade expandida. A noção de expansão nesse contexto assume uma amplitude radial multidirecionada, por conta da imaterialidade, da virtualidade e do rompimento da noção de tempo e espaço promovidos pelo meio tecnológico, ucrônico e ubíquo. Na cidade real, a expansão geográfica efetiva-se horizontalmente; contudo, para abarcar a cidade digital, composta por redes físicas de transmissão de dados e redes invisíveis de transmissão via satélite, a cidade expandida absorve agora não apenas as áreas físicas periféricas e campesinas, mas também uma cidade invisível, configurada segundo a ordem sócio-política, econômica e histórica do sistema herdado da cidade real e reconfigurado na estrutura do pensamento tecnológico. Considerando que o entendimento embasado num absolutismo da cidade real ou da cidade digital não é produtivo; a adoção do conceito de cidade expandida para refletir sobre as interrelações de cidade e tecnologia aponta para a noção de absorção mútua e recíproca das modalidades de cidade, o que permite uma observação dialética e não maniqueísta da questão, significando dizer que essa absorção não é necessariamente sempre harmoniosa ou pacífica – ou seja, configura-se historicamente uma hibrid[iz]ação por conta do caráter expansionista enquanto processo de dominação hegemônica que não pode ser negligenciado por uma crítica que se deseje imparcial. Retornando a McLuhan: o autor menciona a obra “The City in History” de Lewis Munford que conta sobre a cidade de Nova Inglaterra, capaz de desenvolver o padrão da cidade medieval ideal por sua capacidade de dispensar as muralhas e misturar campo e cidade, comentando que “when a technology of a time is powerfully thrusting in one direction, wisdom may well call for a countervailing thrust” e complementa que “the implosion of electric energy in our century cannot be met by explosion or expansion, but it can be met by decentralism and the flexibility of multiple small centers” (1994, p.70) para concluir, citando a afirmação de Arnold Toynbee: “More often geographical expansion is a concomitant of real decline and coincides with a ‘time of troubles’ or a universal state – both of them stages of declines and desintegration” (apud MCLUHAN, 1994, p.71). Preocupação similar concerne à nova abrangência da cidade expandida no meio digital que permite explorar cumulativamente 20 A R T as características em comum e as especificidades antagônicas de cada uma das modalidades de cidade, fator que paradoxalmente sinaliza um período de confronto, instabilidade e crise. Se, de um lado, a cidade digital e seu potencial utópico podem exercer influências e mudanças que renovem a cidade real, tanto em sua estrutura quanto em sua ordem econômica e ideológica, a exemplo de ações artísticas na Internet e movimentos de contestação política organizados em redes sociais; de outro lado, essa expansão também representa reinauguração e/ou reforço de instâncias de poder, controle e opressão da cidade real sobre a cidade digital, numa mera reprodução do status quo e dos meios de produção já existentes. Enfim, na medida em que podemos tratar de necessidades sociais complexas via computador com a mesma segurança arquitetural de nosso espaço privado nessa interfusão de espaços e funções da aldeia global (MCLUHAN, 1994), uma dialética da cidade expandida é fundamental para promover enfoques e filtros mais críticos, de modo que, naquele espírito da crítica negativa do ideológico simultânea a uma prática afirmativa de impulsos utópicos, possamos usufruir dos avanços tecnológicos com a maior consciência possível do fenômeno como transformação, sem mascarar as problemáticas e as forças retrógradas que afetam nossa relação com as urbanidades contemporâneas. Referências ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado (notas para uma investigação). 3. ed. Lisboa: Presença, 1980. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. ARNOLD, Alvin L. 2001 AD: Real Property Law and Investment in Retrospect. Prob. & Tr. J., Boston, Massachussetts, v.7, 1972. 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Contato: agnusvalente@uol. com.br 2 Nardo Germano: Artista-pesquisador multimídia, doutorando e mestre (2007) em 22 A R T Artes Visuais (ECA/USP), Bacharel em Letras (FFLCH/USP, 2001) e, no âmbito da pesquisa, atua como membro do “Grupo Poéticas Digitais” (ECA/USP). nardogermano@uol.com.br. 3 Noção de extensão desde a aldeia: “the village, as Munford explains in ‘The City in History’, had achieved a social and institutional extension of all human faculties” (MCLUHAN,1994,p.93). 23 A R T Objetos Tec nopoéticos: uma abordagem da Neuroestética e da Neuroarte Alberto Semeler1 Resumo: Os Objetos Tecnopoéticos resultam de uma investigação artística que busca o cruzamento entre arte, ciência e tecnologia. A “teoria da imagem retiniana”, influenciada pelo aparato fotográfico, supunha que ela era o modo de construção da imagem no cérebro. Através dos conhecimentos científicos contemporâneos sobre o córtex visual, a Neuroestética desfaz o mito da arte retiniana contraposta à uma arte do intelecto. A tecnologia deve ser abordada em sua função de acoplamento e prolongamento humano/máquina e vice-versa. O sentido da visão é compreendido enquanto produtor de conhecimento e intelecto visual. Desse modo, a Neuroestética faz a convergência entre tradição e inovação. Por suas técnicas e experimentos laboratoriais – abordagem da imagem enquanto origem do indivíduo – a Neuroestética é concebida em seu aspecto abjeto/repulsivo. Com o uso desses conhecimentos, a Neuroarte potencializa a experiência e a sensorialidade na arte contemporânea, explorando os usos dos avanços científicos do funcionamento cortical para enfatizar a experiência artística. Palavras-chave: Objetos tecnopoéticos; neuroestética; neuroarte; arte abjeta. Abstract: The Technopoetic Objects is a result of artistic research that seeks the intersection between art, science and technology. The “theory of the retinal image,” influenced by the photographic apparatus, was assumed that the mode of construction of the image in the brain. Through the contemporary scientific knowledge about the visual cortex, the Neuroaesthetics breaks the myth of the art retinal opposed to an art of the intellect. The technology must be addressed in its function of coupling and extended human / machine and vice versa. The meaning of a vision must be understood as a producer of visual knowledge and visual intellect. Thus, Neuroaesthetics makes the convergence of tradition and innovation. Because of its technical and laboratory experiments - the approach of the image as origin of the individual - the Neuroaesthetics is conceived in its abject aspect / repulsive. Using these knowledges, the Neuroart potentialized and enhances sensorial experience in contemporary art, enhancing and exploring the uses of the scientific advances of cortical functioning to emphasize the artistic experience. Keywords: Technopoetic objects, neuroaesthetics, neuroart; abject art. Apesar da tecnologia possuir um status preponderantemente objetivo- científico, ela também produz efeitos na cultura e no imaginário de seu tempo. Não foi diferente com a máquina fotográfica que, com seu funcionamento técnico, inspirou o mito da imagem retiniana. A impressão da luz no negativo durante o processo de construção da imagem fotográfica no fundo da câmera obscura fez com que se pensasse que a imagem cerebral também fosse formada no fundo do olho para, posteriormente, 24 A R T ser transmitida ao cérebro. Ao assumir que o modelo fotográfico é o mesmo do funcionamento do olho na transmissão da imagem ao cérebro, o homem moderno e contemporâneo fez do funcionamento técnico do aparato fotográfico um paradigma para a percepção da imagem. Essa concepção alimentou o mito de uma “arte retiniana” que se contrapunha à uma “arte do intelecto”: fruição versus operação mental. A fotografia vista como protótipo do funcionamento da visão humana atuou como metáfora para a construção da imagem cerebral e, a partir desse mal entendido, foram produzidas algumas das grandes revoluções estéticas no mundo moderno e contemporâneo. A arte liberta-se da tradição visual e passa cada vez mais a ser pensada desde um paradigma filosófico-intelectual: a essência da arte é a linguagem. Contudo, o cérebro visual é mais antigo que o cérebro linguístico; com os recentes avanços da pesquisa científica sobre o funcionamento do olho e do córtex visual, a ideia de uma arte retiniana como contraposição à uma arte do intelecto deixa de fazer sentido e passa a ser compreendida apenas em seu valor metafórico. A incongruência dessa concepção não implica necessariamente em uma negação das investigações estéticas desencadeadas nesse processo histórico. A meu ver, os resultados desse efeito imaginário devem ser abordados no que concerne a seus avanços no campo estético. A compreensão do fracasso do modelo fotográfico enquanto meio técnico que buscava objetivar a percepção humana serve para reposicionar algumas questões referentes à visualidade enquanto forma de conhecimento. Isso decorre do fato de que a tecnologia sempre irá, de uma forma ou de outra, influenciar no pensamento e nas concepções estéticas do período histórico onde atua. Também faz-se necessário enfatizar que o conhecimento científico está sempre em mutação: o que é verdade hoje, deixa de fazer sentido com o progresso da ciência. Dito isto, a ideia de que a imagem fotográfica surge como meio técnico para substituir outras formas de representar o mundo deixa de fazer sentido. A partir da invenção da interface gráfica, o computador virtualiza todos os processos técnicos (POPPER, 2007). Com a evolução das tecnologias contemporâneas de construção e captação de imagem, pode-se pensar em uma similaridade maior entre o funcionamento dos dispositivos tecnológicos e o córtex visual: a luz e o movimento são captados em microchips – CCD2, CMOS3 – e, posteriormente, decodificados em processadores e convertidos em informação visual. Nesse sentido, o modelo tecnológico do aparato fotográfico digital assemelha-se ao processo que ocorre na retina na captação de comprimentos de onda e detectores de movimento, onde dados oriundos de nossa experiência são posteriormente convertidos em linha, cor, forma, textura, profundidade e movimento no córtex visual. O modelo da imagem informática ou de síntese parece estar mais sincronizados com o modelo real da percepção. Não se trata de substituir o modelo analógico pelo digital. É necessário repensar a fotografia enquanto mecanismo da percepção, já que isso 25 A R T implica no equívoco da imagem/anteparo decalcada no fundo do olho. É esta concepção estática e indicial do mundo que se esvanece sobre um uma realidade informacional, pois a imagem no computador reconquista um status de plasticidade pictórica: ela é literalmente pintada por processos de pós-produção (MANOVICH, 2002). Pensar os objetos técnicos pela perspectiva antropomórfica e o humano pela perspectiva tecnicista implica num equívoco, uma via de mão dupla: a negação do progresso tecnológico como um modo de existência singular, bem como o da imposição de uma modelização do humano a partir dos estágios do progresso tecnológico. Se, ao contrário, pensarmos que o humano e o tecnológico podem coabitar por acoplagem e prolongamento, como no caso dos dispositivos tecnológicos gráficos que evoluem a partir dos experimentos oriundos do universo artístico visual, é possível desmistificar seus efeitos imaginários e reais no pensamento de nossa época.O efeito da máquina fotográfica enquanto “indivíduo técnico” abstrato funcionou por prolongamento, onde o biológico foi submetido ao artificial, criando a fantasia de que o olho funcionava da mesma maneira, e propiciando avanços no campo estético. Porém, esses avanços converteram- se em um equívoco academicista. A arte enquanto produto da linguagem com uma essência linguística-textual implode: uma arte que é pensada de antemão, pobre visualmente, e que não raramente deve negar quaisquer qualidades estéticas passa a fazer parte de um discurso anacrônico. É necessário que se desfaça a relação de poder onde o homem se sobrepõe e domina a máquina, mas sim, pensar numa existência no mesmo nível dela, respeitando-a. Para o filósofo Gilbert Simondon, devemos pensar numa relação entre homem e máquina que restitua as intenções de fundo que o progresso técnico tende a esconder – o tecnológico precisa libertar-se do econômico para alcançar sua verdadeira potência. Para a “filosofia das máquinas”, a superação do individual é uma necessidade evolutiva da humanidade. Para Simondon, as técnicas não modificam a ordem natural, elas não são instrumentos de combate nem meios de resistência, elas são um prolongamento. Assim, a técnica possui o germe de uma humanidade nova. O progresso técnico relativiza a concepção tradicional de uma natureza humana imutável, agindo por acoplagem e prolongamento. Homem deve funcionar como tradutor de informações máquina à máquina. Em nossos dias, essa união já está realizada, o que falta é rever a qualidade desse regime matrimonial, sendo no transindividual que essa relação ocorre de forma autêntica. Para Simondon, o objeto técnico soluciona problemas de coerência interna, progredindo da abstração à concretização através da tecnicidade. Se, por um lado, a técnica é um retorno à natureza, por outro, é um prolongamento da mesma (CHABOT, 2003). Para Simondon, o vivente se diferencia por possuir uma pluralidade de sinais de entrada e saída, o vivo digere informação e elabora respostas, supondo um encadeamento da realidade formal concreta com uma realidade biológica informacional. Assim, a individuação é uma maneira de encontrar a vida. A individuação é uma estratégia para resolver um problema. Homem e máquina compartilham de um problema similar: 26 A R T encontrar através da existência uma solução comum que só é viável no transindividual onde homem e tecnologia são prolongamentos um do outro, sem porém abandonar suas singularidades. Baseado na cibernética, Simondon concebe o processo de individuação enquanto forma atravessada pela informação, num percurso onde o pré-individual avança em direção ao individual, evoluindo para o transindividual. O individual implica num sistema onde há fechamento (individuação) e perda de informação, e no transindividual há troca de informação com o meio. O processo artístico funciona como um modo de reflexão e construção de novas formas de interação entre o homem e os objetos tecnológicos, construindo novos sistemas ou indivíduos técnicos onde o transindividual permite a troca de informação. A relação humano/tecnológico torna-se possível através do que se pode denominar “objeto tecnopoético” que se instaura a partir de alguns cruzamentos: primeiro, pela característica modular das linguagens de programação e dos produtos dos novos meios focados na noção de objeto; segundo, porque reativa o conceito de experimento e laboratório reivindicado pelas artes de vanguarda que viam no objeto a marca diferencial entre o atelier e a fábrica. E, finalmente, no que Simondon teoriza como “modo de existência dos objetos técnicos”, pensando-os enquanto indivíduos. Desse modo, o modelo inspirado no dispositivo fotográfico como cognição do mundo encontra seu fim; a investigação visual ressurge implodindo com as concepções reducionistas que viam a arte como produto da linguagem como essencialmente conceitual e textualista (Foster, 1996). A pesquisa científica da neurobiologia contemporânea desfaz a concepção errônea de que a retina receberia a imagem como uma chapa fotográfica e, posteriormente, transmitiria ao cérebro. Para o neurologista e neurobiologista inglês Semir Zeki, esse equívoco é decorrente do fato de que a primeira área do córtex visual a ser mapeada foi a retina cortical, a qual ele denomina de área V1. Para ele, essa região conhecida inicialmente por retina cortical era descrita como uma área que receberia uma espécie de “desenho primário” da imagem oriunda do mundo externo e, portanto, teria fomentado especulações sobre instâncias de formação da imagem no fundo do olho e, numa segunda etapa, na retina cortical. Esta hipótese foi rejeitada pela ciência nos últimos vinte cinco anos. A retina cortical é denominada por Zeki de área V1, responsável pela divisão dos impulsos recebidos da retina para outras regiões como a V2, V3, V4 e V5, onde cada uma é responsável por parte da informação visual. Por exemplo, a região V4 é responsável primeiramente pela cor, a região V5 pelo movimento. A ideia de que o cérebro possui instâncias especializadas que funcionariam de forma serial foi abandonada. Atualmente o modelo paralelo é aceito como padrão de funcionamento cerebral. No paralelismo, apesar de possuírem especialização, as regiões corticais compartilham funções. Por exemplo, o processamento da cor oriundo da informação das células receptoras de comprimento de onda (cones e bastonetes), bem como o da construção da forma e detecção de movimento (células ganglionares retinianas) e das células detectoras de níveis de brilho e transmissoras de informações não-visuais a outros pontos do córtex (células ganglionares fotossensíveis 27 A R T retinais) também funcionam simultaneamente na percepção visual. Portanto, a construção da imagem no cérebro envolve o córtex visual como um todo, e por vezes outras áreas como, por exemplo, o córtex pré-motor (Zeki, 1993). A Neuroestética de Zemir Zeki surge como um conhecimento decorrente de investigações científicas da neurobiologia, propondo outra forma de abordagem da percepção e da experiência visual. Ele é o primeiro a aplicar as investigações científicas sobre o cérebro na estética. Desse modo, a Neuroestética surge como uma corrente da estética que investiga a base biológica da experiência visual. O autor analisa principalmente a pintura moderna e a arte cinética. Sua análise decorre da similaridade dos experimentos visuais usados em experiências de laboratório por neurocientistas devido à simplicidade da cartela de cores e formas oferecidas pelas obras modernas, bem como pela exploração dos efeitos perceptivos virtuais da arte cinética, que possibilitam uma análise dessas obras a partir da Neuroestética (Onians, 2007). Desse modo, são revistas questões a respeito da construção da imagem, que passa, então, a ser concebida como operação intelectual complexa do córtex visual. Para Zeki, as artes visuais são uma extensão das funções do córtex visual, e assim acabam exteriorizando as suas leis de funcionamento e, por esse motivo, devem ser investigadas à luz da ciência. Noutro sentido, ao deparar- se com seus limites, a ciência deve analisar a arte para que compreenda os mecanismos de funcionamento do cérebro, já que a mesma é uma exteriorização da maquinaria cerebral. O artista obtém conhecimento sensório-visual do mundo em sua observação investigativa e, nesse processo, decifra o funcionamento do córtex visual. Se as artes visuais são produto do córtex visual, elas são uma exteriorização do mesmo. Buscando desvendar seus mecanismos de funcionamento cortical, a Neuroestética muda o estatuto da pesquisa visual. Ora retoma questões propostas pela tradição, ora refuta-as. Questões como a ambiguidade visual, prazer visual, participação do espectador são revistas a partir de uma perspectiva científica. A percepção visual é redescoberta, porém, não como uma novidade pura propiciada pelos experimentoslaboratoriais de neurociência e da computação visual, mas sim, como um mecanismo evolutivo “arcaico”, sem ficar estagnada, pois ela segue a sua jornada evolutiva onde a investigação visual artística ocupa um lugar de destaque. No cérebro, a sensação está associada à falta de acabamento e à ambiguidade nas obras de arte. A Neuroestética desenvolve uma reflexão sobre os mecanismos cerebrais de gratificação envolvidos no processo de criação que ocorrem basicamente a partir de uma experiência de frustração. A “constância cerebral” é caracterizada pela busca cotidiana de características imutáveis nos objetos e nas experiências para que o cérebro possa construir um mecanismo mnemônico de reconhecimento. O princípio da constância cerebral é decorrente da “constância da cor”. A constância da cor é a propriedade pela qual a reconhecemos num dia de sol, num dia nublado, ao amanhecer e ao fim do dia. O cérebro desconta as variações de comprimento de onda, presentes em diferentes tipos de iluminação 28 A R T para manter a memória da cor – a cor é antes de mais nada constância. No entanto, o princípio da constância não se restringe à percepção concreta do mundo, atua também em valores subjetivos como o gosto. Assim, as propriedades dos objetos como a cor, a forma, ficam retidos em nossa memória através do que Semir Zeki denomina de “conceito sintético cerebral”. A partir de nossa experiência sensória do mundo, os conceitos sintéticos cerebrais são acrescidos cotidianamente de novas características oriundas da percepção. Nessa perspectiva, questões como a representação, a mimese, o prazer visual são revistas pela neurofisiologia cerebral. Para a neurobiologia, o prazer estético decorre da repetição da experiência e não do fato de a mesma ser agradável ou não. Através da fruição estética, o espectador ativa os mesmos centros de satisfação e recompensa cerebral usados pelo artista. Contudo, a idealização decorrente da constância cerebral acaba por produzir um sentimento de frustração e de inacabado; uma sensação de incompletude e de morte, um mal-estar profundo que tentamos superar na arte. Para a neurobiologia, a insatisfação é um mecanismo biológico evolutivo que faz com que busquemos novas soluções para evolução da espécie. Desse modo, a criação parte de um sentimento primitivo de descontentamento e frustração que o artista busca superar na arte. A criatividade é vista como uma forma do cérebro disfarçar suas deficiências. A arte tem como função apreender e criar novos conceitos do mundo para que posteriormente sejam compartilhados com toda espécie. O cérebro visual decodifica dados e constrói o mundo que percebemos — a imagem é produto do intelecto visual. A Neuroestética de Zeki encontra pontos de convergência com a teoria de Georges Bataille que relaciona o processo de criação a um sentimento profundo de medo e mal-estar. Para Bataille, para que possamos pensar o mal, se faz necessário uma divisão inicial: existem dois tipos de mal que se opõem radicalmente. Um refere-se à atividade humana que busca atingir o bem e conquistar os desejos esperados com a intenção de evitar “fazer o mal”. O outro tipo de mal está relacionado à transgressão, como, por exemplo, a ruptura de tabus: esse tipo de mal pode ser pensado como “agir mal”. O segundo tipo de mal é inerente ao processo criativo: a arte precisa do mal para evitar o tédio. Assim, a obra de arte implica em uma angústia profunda causada pela sensação de que estamos fazendo algo errado, agindo mal. Para Bataille, o escritor e o artista, em geral, desobedecem certas regras sociais e familiares, colocando-os numa situação de culpabilidade: a criação, por se opor ao mundo da produção real do trabalho, coloca o artista numa situação de desobediência, gerando culpabilidade e infantilização. O processo de criação implica numa desobediência, num avanço consciente em direção à proibição. A arte deve nos colocar em contato com a natureza humana em seu aspecto mais violento, fazer com que tenhamos a sensação de perceber o pior e nos confrontar com esse mal, fazer com que tenhamos consciência de que estamos num jogo de horror. Inspirados em Georges Bataille, alguns autores contemporâneos desenvolveram teorias da arte inspirados nesse no “princípio maligno” presente na arte. A crítica de arte Rosalind Krauss, em sua reflexão sobre o 29 A R T informal na arte contemporânea, vê no impulso informe não uma vontade de representação, mas sim, de alteração e mutilação. Em sua teoria abjeta da arte, Julia Kristeva fala de um princípio traumático oriundo de nossa relação com a imagem. A autora atribui uma função crucial à imagem “arcaica primordial” enquanto evento fundador tanto do indivíduo, quanto do processo de criação. Assim, a arte abjeta ou repulsiva é uma tendência que ganhou força nas últimas décadas do século XX e que continua presente na arte contemporânea. Esse movimento tinha como ponto de partida retomar a arte enquanto experiência sensorial e afetiva, buscando trazer à tona as relações primitivas do sujeito com a imagem. A análise abjeta do processo criativo afirma que o mesmo origina-se na paixão e repulsa primordial pela imagem. Sua manifestação estética na produção artística contemporânea decorre de uma afirmação dos aspectos estético-sensoriais e representacionais da arte em negação à arte vista apenas como abstração filosófica. Para Kristeva, a arte abjeta é uma convocação do degradado como uma espécie de choro ou apelo em nome de uma humanidade recalcada. Para muitos, na cultura contemporânea, a verdade reside no traumático e no tema abjeto, no corpo doente ou mutilado. Assim, o corpo degradado é um importante testemunho contra o poder. Em decorrência desta separação inicial, o abjeto torna-se uma potência enquanto motor imaginário de origem da poética. Portanto, para a autora, a abjeção estaria na base de todo o processo de criação artística: a repulsa e a náusea são bordas pelas quais a arte se autoriza a frequentar o espaço inexistente do abjeto, tornando-os possíveis através de si. Ao investigarem mapas de ressonância magnética nuclear durante o processo de troca de olhares entre mães e seus bebês , de experiências de amor romântico, e de apreciação de obras de arte, a neurobiologia, a neurologia e a neurofisiologia detectam nestes diferentes contexto a ativação das mesmas áreas no córtex cerebral. No caso das trocas de olhares e expressões faciais entre a mãe e a criança, comportamento este que ocorre mais ou menos até os quatro meses de idade e caracterizado pela fixação da criança ao olhar e a face da mãe, faz com que funções inatas do aprendizado visual sejam ativadas (Stamenov, 2002). Simultaneamente também é a ativada a área especializada de reconhecimento de expressões faciais e centros de recompensa (liberadores de neurotransmissores como a ocitocina) e supressão da região responsável pelo juízo crítico. Esse processo ocorre através dos “neurônios espelho”, grupo de neurônios, descobertos entre as décadas 1980 e 1990 pelo neurofisiologista Giacomo Rizzolati, revelando que o processo de aprendizado ocorre inicialmente através da observação pura. Esses neurônios, presentes no córtex pré-motor e córtex visual, mostram como podemos aprender através da imitação mesmo sem compreendermos o significado da ação e mesmo sem realizarmos nenhum movimento. Quando observamos alguém realizando uma tarefa qualquer, ativamos em nós a mesma área do córtex cerebral (ONIANS, 2007). 30 A R T Ao propor o mecanismo de ativação do processo criativo como um impulso decorrente da insatisfação inerente ao processo bio-evolutivo do cérebro, a Neuroestética acaba por reforçar algumas questões propostas pela teoria abjeta. O funcionamento dos mecanismos neurofisiológicos cerebrais, tais como, a ativação do córtex visual e regiões associadas com os neurônios espelho, a troca de olhares mãe/bebê estabelecem uma base biológicapara a relação primitiva do sujeito com a imagem, bem como a intangibilidade e idealização decorrente dos “conceitos sintéticos cerebrais” que reforçam o inacabado e o informal, relacionando a arte a um mal-estar profundo. Assim, a Neuroestética possui um aspecto abjeto/repulsivo. Primeiramente, pelo o foco nas heranças biológicas inatas decorrentes da evolução da espécie calcadas na origem da relação do sujeito com a imagem como ato fundador do mesmo; bem como, através do aprendizado com as experiências cotidianas do cérebro nos “conceitos sintéticos cerebrais” que, em sua impossibilidade, incompletude e frustração agem como um bio-drive para a evolução da espécie. E, por último, a forma como é feita a pesquisa de laboratório na neurobiologia com uso de cobaias, como macacos, ratos transgênicos, cães, gatos e pacientes com cegueira seletiva (visual blindness). Portanto, a Neuroarte deve ser abordada pela neurofisiologia cerebral e caracterizada pela visceralidade da experiência estética — a experiência sensório visual é antes de mais nada um evento neurofisiologico e bioquímico que ocorre no cérebro enquanto víscera. Através do conhecimento propiciado pelos experimentos científicos, a Neuroarte nega a concepção equivocada de que existiria uma arte retiniana contraposta à uma arte da ideia ou do intelecto. A Neuroarte também funciona por retroalimentação. As artes visuais, desde sua origem, desvendam os mecanismos cerebrais de construção da imagem. A neurobiologia e a Neuroestética analisam estes mecanismos sob o ponto de vista da ciência. E, por fim, o computador através dos algoritmos e interfaces gráficas de visualização usa esses saberes. Assim, a computação visual inerente aos exames de ressonância nuclear magnética age enquanto “imagem instrumento” (propriedade de ação em tempo real das imagens à distância – telepresença), desvendando o funcionamento dos mecanismos cerebrais do córtex visual. Num processo de retroalimentação, a Neuroarte apropria-se desse conhecimento científico para produzir objetos artísticos, potencializando e focando a experiência estética do espectador a partir desses saberes. Para concluir, é importante demarcar algumas questões instauradas pela Neuroarte: ela é anti-conceitual no sentido de que devolve à investigação visual e à fruição estética um status de conhecimento; é abjeta porque reconstrói a relação primordial com a imagem, bem como pelos modos de investigação que utiliza; a tecnologia é vista em seus estágios evolutivos, abstratos (imagem nas cavernas, perspectiva e câmera obscura) que avança por progresso e tecnicidade até modos mais concretos (fotografia de película e cinema, vídeo, fotografia e cinema digitais, vídeo de alta definição, imagem de síntese e realidade virtual) e assim é abordada por acoplagem e prolongamento. 31 A R T Referências Bibliográficas CHABOT, Pascal. La philosophie de Simondon. 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Este livro se escreve no ciberespaço e nele se dá, se transforma ou se perde, entre as malhas da ampla rede aberta, repleta de leitores navegantes, já habituados à linguagem multimídia que nela se faz presente. Palavras-chave: conhecimento, arte, livro virtual, cibercultura Abstract: This paper proposes an approach to the art as a form of knowledge and explores the hypothesis that, in this sense, we can make the book a medium extremely interesting to its development, articulation, transmission and sharing. The book we dream about, however, is not the traditional book, printed, nor the electronic one, closed and finished, but a book called virtual because of its characteristics and peculiarities. This open book is written in cyberspace and in this space it is given and can be transformed by sailors readers already familiar to the multimedia hipertextual language present in the world wide web. Keywords: knowledge, art, virtual book, cyberculture Durante muito tempo se forjou a idéia de que a arte seria uma forma misteriosa de lidar com a realidade, ora criando ilusões e escapes para as mazelas do cotidiano, ora representando fragmentos do que seria de fato o real, em toda sua crueza, beleza e desespero. O artista, dotado de gênio e sensibilidade fora do comum, seria aquele cujo poder de representar tais ilusões e fatos ou de retratar o mundo sensível, encantaria, seduziria e até convenceria as pessoas de que um outro mundo é possível, um mundo imaginário, embora concreto, uma realidade outra. Um sistema paralelo, à parte, abriria-se assim às consciências tocadas pelo poder da arte, que lhes daria em troca o passaporte infalível de acesso a esse universo fabuloso, extasiante e extraordinário. Durante muito tempo, essa talvez tenha sido a inquestionável função da arte e do artista: entreter, representar, mostrar, expressar, fazer sonhar e evadir. Se, por um lado, a indústria cultural lamentavelmente foi se apropriando cada vez mais dessa função, que ainda assim se exerce e nos encanta, por outro, novas funções e disfunções foram aparecendo. Por um processo
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