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AMO R,
PAZ
E
ALEGRIA
Mez do Sagrado Coração de Jesus
segundQ Santa Gertrudes.
Pelo
Revmo. P. Dr. ANDRE' PRÉVOT.
da Congreg. dos Padres do Sagrado Coração
Taubaté
Publicações S . C . J .
http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
IMPRL'IATUR
Taubate, die 22 outubris 1937
t André, Bispo Dioces.
IMPRDII POTEST
Taubat-é, die 16 novembris 1937
P. P. Storms
�raep. prov. brasil.
APRESENTAÇÃO
PELO EDITOR
Na natureza não ha saltos, nem pheno
menos isolados, infundados, sem nexo com
outros factores. Tão pouco os ha normal
mente no reino da graça. Neste como naquella
tudo está organicamente ligado, desenvolve
se aos poucos, de pequeninos germens para
flôres maravilhosas e frutos deliciosos.
Com todo direito podemos affirmar que
o culto ao Sagrado Coração de Jesús é tão
arttigo quanto o christianismo. Tem as suas
longínquas e tenues raizes no Antig� Testa
mento, porém o verdadeiro raizame nos san·
tos Evangelhos, onde se condensam as ma
nifeStações do seu divino Coração durante a
sua vida toda, privada e publica. Revelou-o
e/le sobretudo no Cenaculo e na Cruz, ins
tituindo a ss. Eucharistia e acceitando o golpe
de lança que o abriu ao mundo inteiro.
4 Desenvolvim. da dev. ao S. Cor.
Os Padres da Igreja não deixaram de ex
plicar muitos textos da Sagrada Escriptura no
sentido dessa devoção, como tambem não
deixaram de praticai-a. Sobretudo para São
Chrysostomo, Origenes e Santo Agostinho, o
Sagrado Coração de Jesús era a fonte de amor,
de graça e de meritos. Escólhem-no para nelle
estabelecerem a sua morada, o seu refugio,
na vida e na morte.
Só na Idade Média começam a multipli
car-se os testemunhos. Surgem sempre mais
almas piedosas e santas que conhecem e ve
neram o divino coração de Jesús. Entre e/las
ha duas santas irmãs, Santa Mechtilde ( 1 24 1 -
1 298 ) e a grande Santa Gertrud�s ( 1 256-
1 302) , ambas monjas benedictinas, que, fa
vorecidas de revelações extraordinarias, se sa
lientam nesse terreno com dedicar-lhe um
culto todo especial, com fazel-o objecto de
uma d(JI.)oção importantíssima,
Notavelmente promoveu o culto ao Sa
grado Coração o cartusiano Landsberger
(t 1 539) , divulgando os escriptos das 'duas
grandes santas e facilitando-o por imagens
symbólicas. E' para notar que fez elle isso
15 O annos antes de Santa Mar gari da Maria.
De modo semelhante veneram-no muitos
Desenvolvim. da dev. ao S. Cor. 5
outros, como São Bôaventura, S. Pedro Ca
nisio, Santo Aloysio, etc. S. Francisco de
Salles fundou a Visitação em 1 6 1 O com o
fim especial de tributarem as Filhas do Sa
grado Coração um culto particular ao Co
ração Divino. S. João Eudes ( 1 60 1-1680)
juntou a devoção dos Sagrados Corações de
Jesús e de Maria.
Desde as duas grandes iniciadoras da ad
m-iravel devoção 400 annos se passaram sem
que a mesma se completasse. Veiu então
Santa Margarida Maria ( 1 647-1690).., es
colhida por Deus para completal-a e introdu
zil-a publicamente, officialmente. O proprio
Nosso Senhor preparou a bemaventurada para
a sua grande missão, em apparições successi
vas, e associou-lhe o veneravel Padre de la
Colornbiere como instrumento de execução e
propaganda.
Na celebre appai:ição de Junho de 16 7 5 .
Nosso Senhor queixou-se á sua serva da frieza,
indifferença e ingratidão dos homens, sobre
tudo dos que lhe são consagrados, e isso apesar
de. tantos beneficios que lhes fazia e de tan·
tos sacrifícios que por elles havia feito. Em
càmpensação de tan.tos çrimes e injurias, exige
6 Desenvolvim. da dev. ao S. Cor.
elle dos seus devotos não só amarem-no sin
ceramente, como tambem repararem o mais
possível as injurias que lhe são feitas, por
actos de desaggravo privados e publicos, pela
communhão reparadora, mórmente nas pri
meiras sextas-feiras, e pela consagração ao seu
divino Coração de famílias, cidades, provin-
ctas e nações.
Foi por conseguinte o proprio Nosso Se
nhor quem ensinou a devoção ao seu Sagrado
Coração e apontou bem claramente os dois
elementos indispensaveis, essenciaes que della
deviam fazer parte, que se requerem e se com
pletam mútuamente como causa e effeito, isto
é, "Amor e Reparação" , mórntente pelo sa
crifício, e até pelo sacrifício da propria vida.
E' bem de admirar que o conhecimento
integral, theorico, dessa eminente devoção te
nha levado nada menos que 400 annos. A
divina Providencia destinou-a para salvar o
mundo nos ultimos tempos, quando a ingra
tidão chegar ao auge, quando a apostasia fôr
geral e a revolta contra Deus attingir o absur
do. Já vae para 300 annos que Deus espera
pela conversão geral do mundo mediante a de
voção ao Sagrado Coração, valendo-se da sua
bondade e misericordia tão patentemente ma-
Desenvolvim. da dev. ao S. Cor. 7
nifestadas. A não conversão dos homens em
grande maioria, subentende a maturidade do
mundo para o seu fim.
* * *
Sem duvida Deus encontra em todas as
gerações almas generosas que se lhe offerecem ·
em resgate de seus irmãos prevaricadores. Mas
foi só de 1 876 em diante que algumas repre
sentantes do sexo feminino começaram a fun
dar sociedades de victimas do Sagrado Cora
ção, congregações religiosas especialmente de
dicac/.as á reparação dos crimes do mundo pelos
meios mais diversos. Até o fim do seculo pas
sado só cinco chegaram a estabelecer-se, sendo
qw antes haviam fracassado varias tentativas
de sacerdotes nesse s�ntido.
Entre tantos que alimentavam a mesma
idéa, havia dois distinctos sacerdotes france
zes: o Co nego Dr. Leão Dehon (18 4 3-
1 92 5 ) e o Padre Dr. Leio Prévot ( 18 40-
1913) . Mui to favoreceu aquelle a primeira
fundação de um instituto reparador, o das
Servas· do Coração de Jesús de Saint-Quen
tin, cidade donde elle proprio era natural; e
este a segunda fundação. a das Irmãs Victimas
8 Apresentaão do autor
do Sagrado Coração de Jesús de Gnmobles,
de cuja fundadora e primeira superiorá, IrmQ.
\í eronica, escreveu posteriormente a santa vida
em mais de 1 . 000 paginas.
O Conego Dehon conseguiu em 1 8 77
fundar em Saint-Quentin a Congregação dos
Padres do Sagrado Coração, sob a divisa
"Amor e Reparação': . O Padre Leão Prévot ,
porém, não pôde realizar o intento de fun�
dar, em conjunto com outros sacerdotes, um
instituto proprio, de sacerdotes reparadores.
Logo que veiu a reconhecer, pelas disposições
da divina Providencia, a sua vocação como
membro da congregação do P. Dehon, pediu
admissão a ella e nella ingressou em maio de
1 8 8 5, vindo pela profissão a chamar-se Padre
André, chamando-se Padre João do Coração
de Jesús o fundador.
Terminado o noviciado em 1 886 , ac
ceitou o P. André desde logo o cargo, de tanta
responsabilidade, de mestre de noviços, em
Sittard (Holtanda), cargo que exerceu duran
te 2 6 anos juntamente com o de superior da
casa que allí fundou e que devia desenvolver,
como desenvolveu, maravilhosamente, como
pae e amigo de todos, fazendo jus ao epitheto
não simplesmente de "bondoso padre", porém
O servo de Deus
P. JOÃO LEÃO DEHON
Fundador da Congreg. doe Padres do S. Coração
morto no Senh.or em 12 üe Aug. de 1926.
Apresentação do autor 9
de "santo". Falleceu em 1 9 1 8 , em odor de
santidade. Talvez nos venha a ser possível
publicar um dia a santa vida do nosso vene
ravel pai espiritual e tão venerando amigo.
Já foi ella editada em varias línguas, em edi
ções completas e resumidas e em numero su
perior a 1 milhão!
Além de tudo, tornou-se tambem o P.
André escríptor fecundo, aproveitando todos
os momentos que pôde poupar aos seus muitos
affazeres. Ao todo escreveu 14 opuscu1os,
sendo 3 sobre o Sagrado Coração de Jesús, 5
sabre Nossa Senhora, 1 sobre o Divino Espí
rito-Santo, 1 sobre S. José, 2 de meditações
e finalmente 2 biographias de Madre Vero
nica. Todos elles são muito apreciados e que
ridos pelas almas interiores, devido sobretudo
á uncção do Espírito-Santo que parece pene
trai-os e animal-os. Oxalá possamos fran
queai-os a tantas almas bôas do nosso paiz,editando-os todos successivamente em língua
vernacula! Seria de immenso proveito para o
nosso patrimonio espiritual.
+ + +
\ , Abrimos a serie das relíquias ·[iterarias \UO P. André com o presente opusculo intitu-
10 Apresentação da obra
lado "Amor, paz e alegria", o mesmo coro
que elle proprio estreiou. Prova da sua excel
lencia são as numerosas edições que já alcan
çou este opúsculo tanto na França como na
Allemanha. Mas a 'fama delle transpoz muito
para além as fronteiras desses paizes. T or
nou-se elle conhecido e apreciadissimo no
mundo inteiro.
Conforme o subtítulo : Mez do Sagrado
Coração de Jesús segundo Santa Gertrudes,
pretende o autor attingir o seu escopo, de
encher os leitores de Amor, Paz e Alegria me
diante um mez de devoção ao Sagrado Co
ração.
Por um motivo bem patente preferiu elle
propôr-nos, nesse Mez do Sagrado Coração
de Jesús, as encantadoras revelações de Santa
Gertrudes: pela simples e grandiosa razão de
visar despertar coragem para os sacrificios re
clamados pela reparação justamente pelo amor
que a devoção gertrudiana ao Sagrado Co-
ração inspira. _
Não póde haver motivo mais fúndado,
mais racional e mais pratico. Tende ao aluo
pelo caminho mais facil, mais certo e mais
curto: pelo amor .para a reparação!
"Amor, paz e alegria" é para o nosso
Apresentação da obra 11
tempo uma necessidade confortadora e agra
davel, como reparadora. Falta ao mundo o
uerdadeiro amor : por isto tem tanta falta de
paz e de alegria, tanta carencia de genuína e
real felicidade. Este opusculo abre a fonte do
mais puro amor, derramando sobre quem o
cultiua uerdadeira paz e alegria. Ainda mais.
Não só elle 'mostra o caminho que leua ao
amor, á paz e á alegria, mas tambem, inspi
rando o verdadeiro amor, inspira igualmente
verdadeira paz e alegria. Como 'é cheio de
amor, é igualmente cheio de paz e alegria!
Ao percorrer as paginas a seguir, o leitor
deparará as marauilhas do amor diuino, hu
manisando em N. Sr. e correspondido pelo
amor integral e jubiloso de duas santas irmãs.
Ninguem deve estranhar tamanhas intimida
des e ternuras de N. Sr., como si as reser
uasse para algumas almas priuilegiadas. Mui to
p,elo contrario deseja Etle prodigalisal-as à
todos sem excepção. Quem não as receber,
só deue inculpar-se a si proprio, por não se
dispôr para recebei-as, desapegando-se das
creaturas e apegando-se aos ualores superiores.
As manifestações de amor de N. Sr. para
com Sta . Gertrudes são, em verdade,- outros
tantos convites e outras tantas garantias para
1:! Apresentação da obra
todos, de. que serão da mesma forma corres
pondidos por Elle quanto antes se Lhe entre
garem sem reserva, ·como Sta. Gertrudes. Eis
ahi o proprio escopo ideal das revelações dessa
Santa, como deste opusculo, patentear ao
mundo irmanado exemplo da vida intima de
amor que N. Sr. quer ver estabelecida entre
si e cada alma humana! (Cfr. p. 1 76 ) .
Recommenda-se ainda este opusculo por
mais um ultimo, mas soberano titulo. A me
dulla do seu conteúdo foi extrahida do livro
das revelações do Sagrado Coração a Santa
Gertrudes. Sobre ellas versam as reflexões do
autor, e dellas tira elle as conclusões. Ora,
Nosso Senhor ligou graças especiaes não só
ás orações de Santa Gertrudes, corno tarnbern
a todos os escriptos della sobre o seu Sagrado
Coração, fazendo-o� seus proprios. Pessas
graças especiaes participa, pois, este opusculo,
e ellas lhe realçam muito o valor. São graças
de amor, paz e alegria, que garantem o -que
o opusculo affirma, e ajudam a cumprir o
que elle promette. Oxalá encontrem nelle to
dos os que o lêrern urna fonte inesgotavel de
AMOR, PAZ E ALEGRIA EM NOSSO
SENHOR!
P. LACROIX.
PR E F A CI O
DO AUTOR
Que é que nos propomos nesta modesta
obca dedicada a Sta. Gertrudes e ao Sagrado
Coração de Jesús?
Propomo-nos ajudar algumas almas -
e já certo numero se serviram do nosso ma
nuscripto com resultados que podem ani
mar-nos, - propomo-nos ajudar algumas
almas a vêr melhor e melhor gostar o quan
to o Coração. de Jesús é bom, afim de que
essas almas de bôa vontade, sentindo-lhe a
ternura infinita que as solicita, se decidam a
corresponder plenamente ao desejo tão pre
mente que elle tem de amai-as e de ser por
el/as amado, e sem temor como sem reserva,
se abandonem amorosamente ·a elle para sem
pre.
Propomo-nos imprimir nos corações
daquelles que nos quizerem lêr bem, alguma
daquellas palavras de Sta. Gertrudes a que
Nosso-Senhor prometteu ligar uma graça
toda particular, palavras que penetram a alma
14 Prefacio do autor
de uncção suavíssima e que podem vir a ser
bôa riqueza espiritual para toda a vida. Pro
pomo-nos proporcionar ao Coração do nosso
bom Salvador alguns amigos a mais, que lhe
honrem a amizade pela sua confiança e fideli
dade, a exemplo da nossa cara Santa; alguns
consoladores a mais, que, como ella, tomem
a peito os seus divinos interesses, que pro
curem agradar-lhe sinceramente e indemni
zal-a das ingratidões do mundo; que, pela
oração, e pelo sacrifício trabalhem em pôr
balsamo nas feridas que lhe são feitas. Propo
mo-nos finalmente proporcionar á Igreja de
Jesús-Christo, segundo o nosso fraco poder,
alguns defensores a mais, que pela dedicação
á vida de intercessão, de amor, de reparação,
ajudem essa Mãe Santa a alcançar misericordia
para os pobres peccadores, a reparar as perdas
incessantes de seus filhos, a cobrir pelos lou
vores do amor o concerto horrendo das bla$
phemias da impiedade.
E a quem offerecemos esta humilde obra?
A todos ·os amigos do Coração de Jesus
que se regozijam sempre, num sentimento de
caridade cordial com aqui/lo que póde con
tribuir para fazer conhecer e amar esse ado
ravel Coração.
Escopos do autor 15
Aos amigos de Sta. Gertrudes, cujo nu
mero vae sempre crescendo na Igreja de Deus;
aos que se rejubilam de vêr realizar-se a res
peito del/a o voto do Santo e piedoso padre
Faber: "Possa Gertrudes tornar-se entre nós,
para ahi ser o que foi outr' ora, o Propheta e
o Doutor da vida interior!" (Tudo por Jesús,
cap. VIII, § VIII) ; aos que cre_êm nas pro
messas que Nosso-Senhor fez a essa prioilegia
da do seu Coração,. e que já, mais de uma vez,
por dôce experiencia, sentiram nos escriptos
del/a uma luz e uncção que não encontravam
alhures.
Offerecemol-o emfim mui particular
mente a essas almas, dia a dia mais ·numero
sas, que, dóceis ao impulso que o Espírito
Santo faz . sentir á Igreja no nosso seculo, se
dedicam por amor, á Obra da Reparação.
Quizemos offerecer-lhes, nas disposições e
piedosas industrias que o Coração de Jesús
inspirou á nossa meiga Santa, o meio facil de
realizarem em sua vida essa obra que se tor
nou a mais necessaria e mais urgente de to
das (1) .
( 1) Ousa,remos offerecel-o, entre oqtros, aos
Associados do Coração de J esús q11e nos con'Viá'a. á
pcm:trucia, em cujas fileiras nós proprios desejamos
16 Prefacio do autor
Dividimos esta modesta obra em trinta
e tres leituras, podendo servir de mez do Sa
grado Coração : esperamos que sob esta forma
terá ella em toda parte mais facil accesso e
poderá, com a graça de Deus, convir mais es
pecialmente a todos os amigos do Sogrado
Coração de Jesús, a todas as almas repara
doras do mundo, do claustro ou do santuario.
Agradeceremos a Deus si, por intercessão de
Sta. Gertrudes e peta misericordia do Coração
de Jesús,. conseguirmos proporcionar a essa
cara Santa o complemento dos seus desejos,
afim de contribuirmos para o consôlo do nos
so bom Mestre, afim de trazermos o nosso
quinhão de socorro a Igreja, nossa Mãe.
O' bôa e meiga Santa, que tanto desejaes
que a leitura dos vossos escriptos sirva cada
vez para glorificar o Coração de Jesús, e para
provocar incessantemente novas acções de gra-
fiélmente combater. Reconhecemos com elles a ne"
cessidade prçdominante da .penitencia na obra da re
paração. Mas esta necessidade em nada diminúe a
da reparação pelos aclo.s de religião que deve acom
panhar a penitenciapropriamente dita, e todos reco
nhecem que a penitencia deve ser animada pelo amor,
pela acção de graças e pela alegria. Ora, nesta obra,
é antes nestes dois outros .pontos de vista que nos
collocamos como completando o primeiro.
Escopos do autor ' 17
ças pelos favores que elle vos cqncedeu, dignae
vos derramar 'benção copiosa sobre estas pa
ginas que são vossas, afim de que a leitura
deltas excite as. �tmas a louvarem a bondade
do Coração de Jesús e a se darem a elle!
Já que o Salvador prometteu conceder
tudo aos que lhe agradecerem as graças que
elle vos fez, obtende que em troca dos sen
timentos, de gratidão e de admiração que lhe
expressamos nesta lertura, nos conceda el/e
amal-o como vós o amastes, dedicarmo-nos
inteiramente a elle como vós mesma, com
amor, com .paz. com alegria ( 1).
(1) Nesta obra, a que pedimos a Nos!lO Se
nhor que ligue uma graça de paz e de alegria para
toda alma de bôa vontade, ficaríamos qesolaq,os de
perturbar a paz de alguem; rogamos ao leitor que
se alarmasse com alguma das expressões de Sta.
Gertrudes ou das reflexões que lhes accrescentamos,
dignar-se tornai-as no sentido que indicamos nas
noss11s notas ; e deste modo temos a dôce confiança
de que tudo redundará em maior bem para· todos os
amigos do Coração de Jesús.
Amor, Paz e Alegria
PRIMEIRO DIA
CONVITE DO CORAÇÃO DE JESúS
I
A deooção ao Sagrado Coração é o derradeiro
esforço, nestes ultimos seculos, do amor de
Nosso Senhor aos homens.
Um dia, S. João, o Apostolo dilecto
do Coração de Jesús, foi mostrando a Santa
Gestrudes no fulgor duma gloria íncompara
vel: "Meu amabilíssimo Senhor, diz a Santa
a Jesús-Christo, donde vém que me apresen
teis,· a mim, indigna creatura,, o vosso discí
pulo mais caro? - Quero, respondeu Jesús,
estabelecer entre elle e ti uma amizade inti
ma; elle será teu Apostolo para te instruir e
dirigir" .
Dirigindo-se então a Gertrudes, João
lhe dizia: "Esposa de meu Mestre, oinde: jun
tos repousaremos a cabeça no dulcissimo peito
do Senhor; nelle estão encet'rados todos os
thesouros do céo". Ora, como a cabeça de
Gertrudes estivesse inclinada á direita e a ca·
beça de João á esquerda do peito di: Jesus.
o discípulo dilecto prosseguiu: "E' aqui o
20- 1." dia
Santo dos-santos; todos os bens da terra e do
céo são attrahidos para elle como pará o seu
centron
Entretanto, as pulsações do Coração de
Jesús arrebatavam a alma de Gertrudes;
"Bem-amado do Senhor, perguntou ella a
S. João , estas pulsações harmoniosas, que me
rejubilam a alma, rejubilaram a vossa quan
do repousastes, durante a Ceia, no peito do
Salvador? - Sim, ouvi-a$, e a suavidade
dellas penetrou-me a alma até á medulla. -
Donde· vém pois que no vosso Evangelho,
apenas tenhaes deixado entrever os segredos
amorosos do Coração de Jesús-Christo? -
O meu ministerio, naquelles primeiros tem
pos da Igreja, respondeu o Apostolo dilecto,
devia cingir-se a dizer sobre o Verbo divino,
Filho eterno do Pae, al_qumas palavras fe
cundas que a intelligencia dos hom.ens pu
desse sempre meditar, sem lhe esgotar jámais
as riquezas; mas, aos ultimas tempos estava
r·eservada a graça de ouvir a voz eloquente do
Coração de Jesús. A essa voz, o mundo en
velhecido rejuvenescerá; sairá do seu torpor,
e o calor do amor divino inflammal-o-á
ainda ( 1)"
(1) Revelações de Santa Gertrudes (livro IV,
Convite do S. Coração 21
REFLEXÕES. - Santa Gertrudes foi de
alguma sorte· a Evangelista do Sagrado Co
raçãó, e seu livro revéla-nos o Coração hu
mano de Jesús, como o Evangelho de S. João
faz-nos conhecet nelle o Verbo divino. Essa
revelação toda de amor era um segredo reser
vado a estes ultimas seculos do · mundo, em
que, após tant!s ruínas e desolações, as almas
enfraquecidas e entristecidas ainda aguardam
no ent�nto uni supremo triumpho da Igreja,
uma éra de consolação em que se verá a fé
renascer, a piedade reflorír, a caridade reaccen·
der-se. E' o que o Apostolo S. João parece
predizer no seu Apocalypse. quando diz num
trecho notavel que se tem applicado á nossa
epoca: "Porque tendes uma virtude fraca,
eu vos abri uma porta que ningc-Íem poderá
fechar ( 1) " (Apoc. III, 5) . Nós somos
fracos, mas pelo Coração de Jesús nos tornare
mos fortes; somos fracos, mas pela Caridade
do Coração de Jesús triumpharemos da morte
e do inferno; somos fracos, mas no Coração
de Jesús, que nos é aberto, acharemos o amor
que dá �odas as virtudes.
r. 4). -· Valeroo-nos da traducção de dom Mege, da
do P. Cros e da dos Benedictinos de Sol�smes.
(1) Vêr, Hol<�hauser, Explicação r!o Apoçaly
tse.
22 1." dia
Porquanto o Coração de Jesús é o fóco
do amor. A devoção ao Sagrado Coração é
a devoção que vem do amor como principio,
que se dirige ao amor como fim, que em
prega o amor como meio. p' o amor feito
sensível pelo Coração sensível de Jesús-Chrís
to, que nos communíca os seus propríos senti
mentos fazendo-nos sentir, con\o a seus mem
bros, a repercussão das suas pulsações ínti
mas, segundo este grande princípio que regúla
a-vida chrístã: Hoc senti te in vobis qw;>d et
in Christo Jesu. - Senti em vós os senti
mentos do Coração de Jesús. E' o amor que
nos attrahe ao amor pelos seus encantos ir
resistíveis, segundo a prophecia que delle fez
o proprio Salvador : "Quando eu fôr elevado
na cruz" e o meu Coração fôr aberto pelo
amor, "attrahirei a mim todos" os corações.
{João, XII, 3 2). E' o amor, emfím, que nos
quer consumir nas suas chammas para santi
ficar os nossos sacrifícios e reparar todas as
culpas deste mundo culpado, afim de que o
perdão se torne a medida do amor, como o
amor foi a medida do perdão. Remittuntur ei
peccata multa, quoniam dilexit multum
(Lucas, VII, 47) .
CONCLUSÃO PRATICA 1 •. o Confiança
Convite do S. Coração 23
em meio ás nossas miserias e ás infelicidades
do tempo presente, ·porque o Salvador, apie
dando-se da nossa fraqueza, abriu-nos o seu
Coração, onde acharemos toda a força.
2.0 Amor, Amor ! Demo-nos ao amor !
A devoção ao Sagrado Coração é a devoção
do amor, unica que póde reaquecer o nosso
seculo tão arrefecido ; a renovação que aguar
damos é obra do amor, e só o amor fal-a-á.
li
A devoção ao Sagrado Coração de Jesús
e o livro de Sta. Gertrudes.
Sta Gertrudes, retida pela sua humilda
de, hesitava em publicar as revelações do Sa
grado Coração de Jesús. Decidiu-a porém o
Salvador dizendo-lhe: "Quero que tew; es·
criptas sejam para os ultimas tempos um
testemunho da ternura do meu Coração, e
por elles farei bem a muitos (L. 11, c. 1 O).
- Emquanto escrec;eres, conser()arei teu co
ração junto ao meu coração, e distillarei nelle
gôta a gôta o que dec;erás dizer".
Ella ouviu o proprio Jesús fazer este
pedido: "O' Pae santo. quero, para vossa
nforia eterna. que o comção de Gerrrucles der-
24 t.• dia
rame sobre· os homens· os thesouros encerra
dos no meu coração humano"
Quando o livro foi concluído, Jesús
mostrou-se a Sta. Gertrudes dizendo-lhe:
"Este livro é meu; eu o imprimi no fundo do
coração; ahi, Cf!.da uma das suas letras em
bebeu-se da doçura do meu amor; de cada
·uma das palavras deste livro exhala-se o per-
fume da minha misericordia ( 1 ) "
REFLEXÔES. - Sta. Gertrudes é a
Mensageira ( 1 ) , o Arauto do amor divino,
encarregado de fazer conhecer o amor na sua
manifestação mais tocante que é o Coração
(1) Jesús tratou assim tambem o livro de Sta.
Mechtilde (P. II, c. 43). "'Tudo o que está escripto
neste livro safu do meu coração e a elle tornará. -
Todos quantos me buscam com coração fiél acharão
nclle uma causa de alegria; os que me- amam abra
. sar-se-ão mais no meu amor, e os qwe estive-rem na
afflicção acharão nelle consôlo."
O Salvador fizera mui pa.rtkularmente dom do
seu Coração a Sta. Mechtilde (P. li, c. 19). Este
dom produziu nelia extrema devoção para o Sagr."
Coração, e foi para ella o principio de tod"Os os de
mais dons. Ella repetia amiudadamente: "Si fôsse
frreciso escrever todos ·os bens que me têm vindodo
benignissimo · Coração. de Deus, um livro grosso co-
mo o das Matittas não chegaria." \
( 1) Legatus divinolE pietatis. E' o titulo que o
proprio Nosso Senhor dá a9 livro de Sta. Gertrudes.
Convite do S. Coração 25
de Jesú's, incumbido de trazer a este divino
Coração todos os corações dos homens. E' a
missão que S. João lhe annunciava, a missão
que o Coração de Jesús lhe deu, a missão
para qual escreveu ella o seu livro (I ) . Ella
já vê essa tarefa realizada em parte, de ma
neira exterior e official, pela bemaventurada
Margarida-Maria, filha de S. Francisco de
Sales, que foi filho espiritual de Gertrudes e
se nutriu das obras desta; e agora parece que
a deva realizar de maneira· mais intima, mais
completa (2), pelos seus novos filhos es
pirituaes que lhe propagam por toda parte
a doutrina.
( 1) Os Benedictinos de Solesmes ( Pref. P.
XVI) fazem vêr que a missão de Sta. Gertrudes tem
realmente por obiecto a devoção ao Sagrado Cora
ção no sentido que indicamos. Elles não separam del
la Santa Mechtilde. Póde-se, de resto, dizer que o
livro de Sta. Mechtilde pass·ou pelo cor.ação e pela
penna de Sta. Gertrudes, tendo-o esta redigido, ao
menos em grande .parte, fazendo-o depois approvar
por N. Senhor, e diffundi_ndo-o em torno de si; per
tence pois realmente á escola de Sta. Gertr1,1des.
(2) Parece que a missão de Santa Margarida
-Maria tem antes por objecto o culto exterior e of
ficial do Sagr.• Coração, e que a de·
'
Sta. Gertrudes
tem por objecto o culto intimo e mystico. Santa Ger
trudes faz-nos vêr em acção todos os mysterios do
Sagr.• Coração de modo mais completo; dá tambem
2G 1." dia
E' sobretudo na escola de Sta. Gertru
des que a devoção ao Sagrado Coração mos
tra-se facil e ao alcance de todos nos ensina
mentos, agradavel e cheia de doçura na for
ma, tocante emfim e irresistivel nos attrac
tivos, porque nos mostra em toda parte o
amor com a alegria e com a paz, que lhe são
os frutos.
CONCLUSÃO PRATICA. - 1.0 Escutemos
com confiança e docilidade a Mensageira do
amor divino, e tirare,mos das suas palavras
a graça que o Coração de Jesús se dignou
ligar-lhes, a graça do amor.
2. o Proponhamo-nos imitar Gertrudes
com fidelidade no que fez pelo Coração de
Jesús, pois ella repete muitíssimas vezes que
alcançaremos delle por esse meio os mesmos
favores que ella recebeu como recompensa.
á devoção ao Sagr." Coração uma forma mais attra
hente e mais animadora para o nosso seculo tão
fraco.
(Cf. Pref. dos Benedict., P. XVI.)
Si nos permittem accrescenta·r klqui o nosso pro
prio pensamento, diremos que, do ponto de vista da
vida de amor e de sacrif1cio que deve ser a vida de
todo amigo dedicado do Coração de Jesus, as duas
santas concordam perfeitamente; mas, si a Sanb
Margarida-Maria póde ensinar melhor o sacrificio,
Sta. Gertrudes póde communicar melhor o amor que
n faz acreit�r.
SEGUNDO DIA
AMOR DO CORAÇÃO DE JESúS
I
O amor, principio da devoção ao Sagrado
Coração.
Já ouvimos Jesús dizer a Sta. Gertni
des: "Foi o amor do meu Coração que pro
duziu os teus. escriptos; quero que elles sejam
para os ultimas tempos o testemunho do meu
amor, para attrahir as almas ao meu coração"
Um dia de sexta-feira santa, como as
Freiras fizessem a adoração da cruz, quando
chegou para Sat. Mechtilde o momento de
beijar o Crucifixo e ella beijou a chaga do
Coração, o Senhor lhe disse: "Nesta chamma
de amor, tão grande que abrange o cêo, a
terra e tudo o que encerram, applica o. teu
amor ao meu divino amor, para que elle ahi
se torne perfeito, e, assim como um ferro em
28 2.0 dia
brasa se confunde com o fogo, se confunda
com elle num só amor" . (S. M. , I. 18).
Outro dia viu ella o Senhor abrir a
chaga do seu dulcíssimo Cotação e dizer-lhe
"Olha toda a extensão do meu amor; méde-o
por estas palavras que eu dirigi a meus irmãos:
Como meu Pae me amou, assim eu vos amei
(S. João, XV, 9 ) . Jií ouvistes palavras que
exprimissem amor mais Forte ou mais terno?"
(I. M., L 21)
REFLEXÕES. - O printipío da devoção
ao Sagrado Coração é o amor, isto é, que o
Coração de Jesús nos quer dar esta devoção
como o derradeiro esforço do seu amor e o
dom mais perfeito que elle nos possa conce
der. E' o amor que se quer dar �té o extremo,
até o fim dos tempos, àté as extremidades da
terra, até os ultimas limites. do amor. E' o
amor que quer reaquecer o mundo, agora que
a caridade tanto se arrefeceu nelle: é o amor
que veiu trazer o fogo á terra e que quer no
fim dos tempos abrasai-a toda com as suas
chammas. E' o amor que quer amar ainda
mais do que ser amado, pois tal é a lei do
amor. Quer dizer uma ultima vez a esses
ingratos quanto os ama; quer estreitai-os ao
seu Coração, recordar-lhes tudo' quanto fez_
Amor do S. Coração 29
por elles, tentar ·ainda enternecel-os ( 1) , e
salval-os, Sem duvida, elle pede que o ame
mos em troca, e a que�xa do amor desconhe
cido é bem amarga; mas ao menos terá elle
feito tudo quanto está em si, e, si não fôr
amado por todos, ao. menos nos. terá .amado
a todos. Eis porque o meigo· Salvador quer
fazer penetrar agora em toda parte a devoção
ao seu Sagrado Coração. Vemol-a já por
toda parte no exterior; em toda parte encon
tramos as imagens do Sagrado Coração; em
toda parte é elle celebrado por festas solemnes,
em toda parte é honrado por praticas santas;
mas isto não basta; é preciso que o amor
penetre no interior, que o fogo ganhe o in
timo dos nossos corações: /gnem veni mittere
in terram (Lucas, XII. 49) ; é mistér que o
amor de Jesús nos transforme em si mesmos
como o fogo transforma o ferro na sua pro
pria natureza, afim de que assim ell� possa
offerecer em holocausto a seu Pae celeste essas
almas que devem ser uma só victima com
(1) Póde-se lêr este pensamento expresso do
modo mais enternecedor nas revelações da bemaven
turada Varani, no ponto em que ella vê Jesus es
treitando Judas; ao seu Coração.
30 2.o dia
elle. Antigamente as victimas deviam ser con
sumidas pelo fogo para que se elevassem
para o céo em odor de suavidade; agora tam
bem, a Igreja deve ser consumida pelo fogo
do amor para que, victima santa consum
mada com J esús, possa subir ao céo no fim
do seu sacrifício. Sim, o Salvador quer fazer
das nossas almas outras tantas victimas de
amor consumidas com elle por essas cham
mas de amor que escapam do seu divino Co
ração; para que o amor alcance o perdão para
o nosso seculo que já não ama, para que o
amor dos nossos corações ganhe aos poucos
as almas de nossos irmãos e os faça amarem
comnosco, para que o amor consumme o nos
so sacrifício e nos torne dignos no céo desse
Bem supremo que é o· centro para o qual
ascendem sempre necessariamente as chammas
do amor.
CONCLUSÃO PRATICA. - 1.0 Amor e
sacrifício. Um não se separa do outro. O
amor é uma chamma que pede uma victima
a consumir. e o sacrifício só se consuma na
chamma do amor. Oh! possamos ser essa vic
tima e consumar-nos nesse sacrifício! Por
quanto o amor é o proprio Deus; o sacrifício
i a santificação, a deificação; a victima con-
Amor do S. Coração 31
surnrnada é a alma unida a Deus, perdida em
Deus, transformada em Deus.
2.° Confiança sempre, pois que haveria
mos de temer? E' o amor que nos chama, é
o amor que dá tudo, o amor que provê a
tudo, o amor que fará tudo. o amor só bem
nos póde querer; impossível pois corresponder
ao amor de outro modo que pela confiança;
e já que é o amor sem limites· que nos con
vida, correspondamos-lhe tarnbern por urna
confiança sem limites.
li
O objecto da deuoção ao Sagrado Coração
é o amor do Coração de Jesús, principalmente
na sua Paixão e na Eucharistia.
O amor do Coração de Jesús revelou-se
a Sta; Gertrudes principalmente nos myste
rios da Paixão e da sagrada Eucharistia.
Um dia em que Gertrudes segurava af
fectuosamente e beijava o seu Crucifixo, N.
Senhor lhe disse: "Cada oez que o homem
age assim, ou siquer olha com deuoção um
Crucifixo, a misericordia de Deusdetém-lhe
os olhos n'alma. U homem deuenà entao
2,o dia
pensar, no seu coração, que estas ternas pa
lavras lhe são dirigidas : _Eis .como, por teu
amor, eu quizer ser pregado, nú, desfigurado,
coberto de chagas, com todos os membros
violentamente esticados, numa cruz; e o meu
coração é tão apaixonadamente enamorado de
ti que, si preciso fôra, para· te salvar eu sup
portaria ainda de bom grado, só por ti, tudo
o que pude soffrer pela salvação do mundo
inteito" (III, 41).
Jesús revelava em seguida a Gertrudes
o amor do seu divino Coração na :J3ucharis
tia: "As minhas delicias são estar com os fi
lhos dos homens. Foi para contentar o meu
amor que institúí este Sacramento; obriguei
me a . permanecer nelle até o fim do mundo,
e quiz que o recebessem frequentemente. Si
alguem desvia uma alma da communhão, esse
impede as delícias do meu Coração. Tudo
fiz para manifestar na Eucharistia a tllrnura
do meu Coração. Quando, arrastado pela ue
hemencia do meu amor, venho pela Commu
nhão a u.ma alma, . cumúlo-a de bens e ella
propria, e todos os habitantes do céo, todos
os habitantes da terra, todas at almas do pur
gatorio Sentem T.IO mesmo instante algum
novo effeito da minha bondade".
Amor do S. Coração 33
REFLEXÕES. - O objecto proprio da
devoção ao Sagrado Coração, é o amor do
divino Salvador manifestado principalmente
na sua Paixão e na sagrada Euch_aristia. Eis
o objecto, espiritual e sensível ao mesmo tem
po, que é proposto ao nosso amor: "lnspice,
et fac secundum exemplar. (Ex. 25. 40) .
Olhae, e fazei segundo o modelo que vos é
propos�! " Olhae, pois é o objecto mais dig
no da vossa attenção. Possa elle attrahir-vos
de tal modo os olhares, que o vosso coração
se fixe nelle para todo o sempre! Possa de
tal forma absorver-vos o espírito, que não
saibaes mais sinão a elle e a lição de amor
que elle vos dá! Possa gravar-se-vos tão pro
fundamente na memoria, que. o tenhaes sem
pre presente á lembrança! Possa imprimir
se-vos na imaginação para purificai-a e san
tificai-a! Possa penetrar-vos todas as poten:.
das da alma para dirigil-as tqdas segundo a
lei do amor! Olhae-o, porque elle vos olha
com tanta misericordia e ternura! Olhae-o,
porque elle quiz ser elevado acima da terra
para attrahir e fixar todos os olhares! Olhae
o, pois olhando-o sarareis das vossas feridas,
como outr• ora os Israelitas olhando para a
serpente de bronze! Olhae-o, pois .elle é a
34 2.o dia
nossa luz, o nosso mestre e o nosso guia na
senda da salvação !
"Et fac secundum. - E fazei como elle".
Amae como elle, sentí como elle, vivei como
elle, visto que elle é o modelo proposto aos
eleitos por Deus Padre ; visto que é a propria
Sabedoria de Deus manifestada ao mundo
para instruil-o ; visto que é a propria força
de Deus ostentada para salvar-nos ; visto que
é o chefe divino a que deveis ficar unido, de
quem deveis depender sempre.
Ora, que fez elle? Que lição nos dá ?
Que modelo offerece á nossa imitação ? Amou
nos e entregou-se por nós. O amor do Co
ração de J esús não é um amor esteril ; é um
amor que se mostra pelo sacrifício da Paixão,
que se continúa e se applica a cada um dl!
nós no sacrifício da Eucharistia : Dilexit me
et tradidit se. Amou-me e se deu, sacrificou-se
por mim : amou-me e ama-me ainda, quer
amar-me sempre, e continúa ainda, e conti
nuará sempre a dar-:se, a sacrificar-se por
mim. Eis o amor ! eis o Coração de J esús !
Por isto, em verdade, como o Apostolo
que se sentia premido pela caridade do Co
ração de Jesús, eu não quizera mais vêr si
não um objecto, não mais quizera saber sinão
Amor do S. Coração 35
uma sciencia : Jesús crucificado. Quizera occul
tar-me para todo o sempre nesse Coração de
Jesús que foi aberto por mim na cruz ; quizera
com elle dar-me e sacrificar-me por Deus e
por meus irmãos, consumir-me nas suas cham
mas, perder-me para todo o sempre numa
radiação do seu amor.
Oh! sim, Senhor, . fazei que assim seja !
Amor, •o que fazeis, fazei-o quanto antes !
Amor, abysmae-me comvosco no Coração de
Jesús crucificado, para que a minha natureza
grosseira lhe seja consumida pelas chammas,
e eu não viva ffii3iS sinão da sua vida santís
sima ; abysmae-me no Coração de Jesús eu
charistico, para que o meu sacrifício se con
tinúe sempre com o delle, e eu seja perpetua
mente com elle uma victima de religião, de
louvor e de amor!
CONCLUSÃO PRATICA. - 1.0 Olhemos
a miúde o Crucifixo, mas olhemol-o com
amor; suba o nosso olhar ao Coração de
Jesús para feril-o duma ferida de amor que
curará a ferida que lhe fez o peccado. E, em
troca, elle baixará sobre nós um olhar dos
seus olhos tão misericordioso, que inflam
matá cada vez mais o nosso amor. Olhemol-o.
representando-nos como escriptas ein volta
36 2.0 dia
delle em caractéres de fogo estas palavras do
amor : "Amou-me e entregou-se por mim"
Sim, por mim, como si eu fôsse unico no
mundo ; e, si preciso fôra, entregar-se-ia ain
da por mim só, afim de ganhar o meu co
ração. Só a elle pois, só a elle todo o meu
amor !
2.0 Tornemos o nosso .sacrifício con
tinuo como o do Salvador ; encerremo-nos no
Coração eucharistico de Jesús; é esse o san
tuario em que a victima deve immolar-se con
tinuamente ; é nelle ·que se offerece a Deus
p sacrifício de louvor que o honra ; é nelle
que irradia sobre toda a Igreja o pedido de
intercessão que salva as almas. E' assim que
consolaremos o Coração divino que faz as
suas delicias de estar com os filhos dos ho
mens.
RESUMO.- O objecto espiritual e prin
cipal da devoção ao Sagrado Coração é o
amor de Nosso Senhor dedicando-se á salva
ção dos homens, mórmente pela Paixão e pela
divina Eucharistia.
O objecto sensiuel é o Sagrado Coração
de J esús, esse verdadeiro Coração de carne
unido hypostaticamente ao Verbo divino,
Coração vivo nos nossos tabernaculos, sym-
Amor do S. Coração 37
bolo da caridade sem limites que Jesús
Cbristo tem para cada um de nós ; fóco ar
dente do amor com que elle quer abrasar a
tura ; asylo de todos os corações afflictos·:
fonte de delicias para as nossas almas e prin
cipio de todas as graças; e, não obstante,
Coração saturjldo de amargura pela indiffe
rença e ingratidão dos homens.
O objectq do nosso culto relativo é a
imagem do Sagrado Coração de Jesús repre
sentado ou com o que nos lembra a sua
Paixão, ou com o que nos lembra a sua vida
eucharistica.
·
TERCEIRO DIA
Finalidade intima da devoção ao Sagrado
Coração: attrahir todos os corações ao amor
de Nosso Senhor
Já vimos que o intuito de N. Senhor
nos escriptos de Santa Gerttudes foi fazer
conhecer a ternura do seu Coração, attrahir
desse modo a si muitos corações.
Jesús tambem deu varias vezes sensivel
mente os nossos corações a Gertrudes, e re
cebeu o coração da Santa em troca, para nos
assignalar o dom mútuo dos corações que o
seu ·amor pede entre elle e nós. Conservou
sempre o coração de Gertrudes fiélmente unido
ao seu. para nos servir ainda de modelo :
"Gertrudes, dizia Jesús a Sta. Mechtilde,
adhere de tal forma ao meu Coração, e con
servo-a de ral forma unida a elle, que ella
se tornou um tmesmo espírito commigo. Por
isto ella vive em absoluta dependencia das
minhÇI$ vontades; os m�mbros estão m'enol$
Escopo intimo desta devoção 39
sujeitos ao coração do que Gertrudes está su•
jeita ás minhas vontades. Mal o homem diz
á mão, só pelo pensamento: faze isto; ao
olho : ólha; á lingua:fala; ao pé: anda; logo,
sem a menor demóra, a mão, a língua, o olho,
o pé obedecem. Gertrudes é para mim como
uma mão, um olho, uma língua de que dis·
ponho a meu talante, sem que elles resistam
a nenhum dos meus desejos".
Jesús manifesta em particular a Gertru•
des o quanto o seu Coração divino deseja a
conversão dos peccadores. A Santa rezava um
dia por uns malvados que haviam causado um
grande prejuízo ao seu mosteiro. Nosso Se·
nhor mostrou-se então a Gertrudes : estava
com um braço 'dolorosamente dobrado e tor·
ciclo, os nervos pareciam-lhepartidos. E Jesús
lhe disse : Aquelles que me pedem pela con·
versão desses infelizes derramam um balsamo
salutar no meu braço doente,. e com mão deli·
cada reconduzem pouco a pouco os músculos
á posição primitiva" Surpresa com este ex·
cesso de benignidade, Gertrudes disse a Jesús :
"Dulcíssimo Senhor, como podeis chamar
vosso braço a taes pessôas tão indignas dessa
honra? - Chamo"lhes assim com. t)erdade,
porque ellas são do corpo da Igreja, de que
40 3,o dia
me honro de ser a Cabeça. Por isto o inte
resse das suas almas desperta em mim soli
citudes inexprimiveis: o meu coração deseja
com indizível ardor que esses infelizes se con
vertamH
REFLEXÕES. - 1 . o A finalidade Ínti
ma que Nosso Senhor se propoz revelando ao
mundo a devoção ao seu Sagrado Coração,
é ainda o amor dos homens, que elle quer
attrahir todos a si. Jesús quer ter o coração
do homem: "Meu filho, dá-me o teu cora
ção" Mas o amor suppõe o conhecimento ; a
causa do amor é o bem conhecido e sympá
thico a nós. Si até aqui Jesús não foi amado,
é que não foi conhecido : eis porque elle ten
ta um derradeiro esforço para diffundir por
toda parte o conhecimento do seu amor. Basta
que o homem olhe para esse Coração aberto
pelo amor, para que comprehenda o quanto
é amado, para que veja que tem um Salvador,
um amigo, e, si quizer pensar nisto um ins
tante, é impossível que não se sinta attrahido,
porquanto o amor attrahe necessariamente o
amor,
2.0 Jesús quer, pois, primeiramente fa
zer-nos conhecer o seu amor a todos os ho
mens. Por este meio, quer vir a. estender so-
Escopo intimo desta devoção 41
bre todos o reino do amor. Este reino con
siste principalmente no dom mútuo dos co
rações, entre elle e nós, na união de vida e
de sentimentos do nosso coração com o seu
Coração. O nosso dulcíssimo Senhor precede
nos, dá-nos em primeiro o seu divino Co
ração. Não é de toda justiça que a sua pe
quena creatura lhe dê o seu em troca ? E' esta
a lei do amor. E por certo, nessa troca, não
somos nós que tudo temos a ganhar como
nobreza, como belleza, como paz, como ale
gria, como felicidade ? Oh ! que admiravel
condescendencia, que nosso Deus queira assim
dar-nos o seu Coração para ter o nossó cor,a
ção ! que permúte os seus thesouros com a
nossa miseria, o seu poder com a nossa fra
queza, a sua sabedoria contra a nossa igno
rancia ! Oh ! saiamos de nós mesmos como o
amor faz sair de si mesmo o nosso Deus ! ( 1 )
Nós, nós somos a miseria, o -erro, o mal, a
perturbação, o tédio ; saia o nosso coração
desse meio onde definha ; perca-se em J esús ;
abysme-se nesse Oceano de rnisericordia, nes
sa Fonte de todos os bens, nesse Centro de
paz, nessa Torrente de felicidade!
( 1 ) Amor divimts e.vtasim facit. ( S. Diony
sio.) De D. N oin., ç. 4. ·
42 3,<> dia
A unidade de vida e de sentimentos é
ainda uma lei do amor gravada na nossà na
tureza ; o amigo tem a mesma vida que o
seu amigo : convivit; quer e pensa como elle :
concordat (I ) ; sem este accordo das vonta
des e dos sentimentos, a amizade não poderia
ser verdadeira. Oh ! Jesús que sois nosso
Amigo no supremo gráo (2) , vinde e vivei
nos nossos corações, que quereis possuir in
teiramente. Seja o vosso Coração o nosso co
ração ; a vossa vontade seja a nossa vontade,
as vossas virtudes tornem-se as nossas vir
tudes : falae em nós, orae em nós, fazei vós
mesmo todas as nossas obras. Só por esta
união é que podemos satisfazer o vosso amor ;
só por esta união é que as nossas obras se
tornam verdadeiramente divinas e merecem
a recompensa divina que nos haveis promet
tido.
3 .0 Pela ·devoção do Sagrado Coração,
Jesús quiz especialmente propôr aos pecca
dores o oh jecto e o meio mais proprios para
convertel-os. Si o peccador se põe um instan
te em contemplação desse Coração que tanto
o amou e tanto o ama ainda, si se diz : Eis
( 1) Santo Thomaz.
(;n Christus est tiU:Mimc amicús. (S. Thomaz;) ,
Escopo intimo desta devoção 43
esse Coração que para me salvar soffreu tão
cruéis tormentos ! e por meus peccados eu o
afflijo, encho-o de amargura ! não é posssivel
que não se sinta tocado e não se proponha
converter-se. E para incentivar-lhe, para fa
cilitar-lhe o regresso, o terno Salvador offe
receu-lhe ao mesmo tempo o meio m'ais dôce e
mais seguro : é o amor que o seu Coração lhe
quer communicar ; seja qual fôr o numero
dos seus peccados, o amor apagai-os-á todo!!.
Jesús dar-lhe-á o amor, e o amor assegurar
lhe-á o perdão.
Jesús quiz sobretudo preparar indirecta
mente o meio mais efficaz para a conversão
dos peccadores, inflammando o zelo dos
irmãos delles mais fié.is que deverão auxiliar
o Redemptor a salvar essas pobres almas. E'
principalmente ao contacto sagrado desse Co
ração que tanto amou os homens que o zelo
da alma dedicada se atêa de viva chama. Ven
do o que Jesús fez por seus irmãos, essa
alma quer fazer como elle : orar, dedicar-se,
soffrer. Nada lhe custará para completar o
que falta á Paixão do seu dilecto Salvador
em mira a assegurar a salvação das almas.
CONCLUSÃO PRATICA. - l .-0 Appli
querno-nos ao conhecimento do amor do
44 3.o dia
Coração de Jesús, e façamol-o conhecer a
todos.
2 . o Repitamos a miúdo esta prece dos
filhos de Jesús : Meu Deus ,dou-vos o meu
coração, dae-me o vosso. Tendamos, pela
imitação do Coração de J esús, a transformar
nos completamente nelle.
3 .0 Trabalhemos com zelo, pela oração
e pelo sacrifício, em reconduzir ao Coração
de Jesús essas pobres almas cuja conversão
elle tanto deseja.
PENSAMENTOS DE STA. GERTRUDES .
- 1.0 Jesús, pelos escriptos de Sta. Getru
des, far-nos-á conhecer cada vez mais a ter
nura do seu divino C<;>ração, attrahirá cada
vez mais os nossos corações ao seu amor.
2.0 A união com o Coração de Jesús
requer que vivamos em absoluta dependencia
das suas vontades.
·
3 .0 Aquelle que reza pela conversão dos
peccadores derrama balsamos nas chagas de
Jesús.
RESUMO. -' A finalidade intima da de
voção ao Sagrado Coração é :
1 . o Propagar o conhecimento do amor de
J esús-Christo a todos os homens,
Escopo intimo desta devoção 45
2.0 Estabelecer o reino do amor nas
Z.: mas fiéis, pelo dom mútuo dos corações
.:�rre Jesús e nós, e pela união de vida e de
s.:ntimentos.
3 .0 Propôr aos peccadores o objecto e o
meio mais proprios para convertel-os, conci
tando-os a amar Nosso Senhor. Ademais,
favorecer-lhes a conversão pelo zelo e pelas
orações das almas animadas da devoção ao
Sagrado Coração.
QUARTO DIA
VIda intima do Coração de Jesús.
Santa Gertrudes via um dia as suas com
panheiras se apressarem em ir á igreja, para
assistir ao sermão, emquanto a doença a re
,tinha na cella : Ah! meu caríssimo Senhor,
diz ella gemendo, como eu iria gostosamente
ao sermão si não estivesse doente! - Quere:;,
minha dilecta, respondeu Nosso Senhor,
queres que eu, proprio prégue para ti? - Com
muito gosto" , replicou Gertrudes. Então
J esús inclinou a alma de Gertrudes para o
seu Coração, e ella logo discerniu neste duas
pulsações dulcíssimas de ouvir : "Uma destas
pulsações, diz Jesús, opéra a salvação dos
peccadores; a segunda, a santificação dos jus
tos.
"A primeira fala sem trégua a meu Pae,
afim de lhe aplacar a justiça e attrahir a mi
sericordia. Por essa mesma pulsação falo a
todos os santos, desculpando junto a elles os
Vida intima do S. Coração 47
peccadores, com o zelo e a indulgencia de um
bom irmão,. induzindo-os a intercederem por
elles. Essa mesma pulsação é o incessante ap
pello que dirijo misericordiosamente ao pro
prio peccador, com indizível desejo de vêl-o
regressar a mim, que não me canço de es
perai-o.
"Pela segunda pulsação digo continua
mente a meu Pae quanto me felicito de ter.
dado o meu sangue para resgatar tantos jus
tos, no coração dos quaes frú9 tantas ale
grias. Convido a côrte celeste a admirar com
migo a vida dessas almas perfeitas e a dar
graças a Deus por todos os bens que elle já
lhes deu ou lhes prepara.Enfim, esta pul
sação do meu Coração é a conversa habitual e
familiar que tenho com os justos, já para lhes
testemunhar deliciosamente o meu amor, já
para reprehendel-os das suas faltas e fazel-os
progredir de dia em dia, de hora em hora.
"Nenhuma occupação exterior, nenhu
ma distração da vista, do ouvido, interrompe
as pulsações do coração do homem; assim o
governo providencial do universo não será
capaz, até o fim dns seculos, de deter, de in
terromper de moderar,. siquer por um instante,
istas duas pulsações do meu Coração : "
48 4.0 dia
Na quinta-feira santa, Jesús fez com
partilhar ao coração de Gertrudes as angustias
que o seu divino Coração experimentou ao
aproximar-se a sua Paixão. Parecia á santa
que Jesús passava todo aquelle dia na pros
tração e nos soffrimentos da agonia, porque
sabia d'antemão tudo o que devia aturar.
Por isto, como elle era Filho duma terna
Virgem e mais delicado ainda que sua Mãe,
assustava-se e tremia a todo momento, apre
sentando já f!S convulsões e a pallidez dum
moribundo. A Gertrudes, partilhando-lhe as
angustias, sentia tal compaixão delle que, si
tivesse o poder de mil corações, tel-oia cen
sumido todo naquelle dia em compadecer-se
de amigo tão �.:aro e tão amavel. Sentia tam
bem no seu coração violentas pulsações, pro
vocadas pelo desejo e pelo amor, que corres
pondiam ás pulsações do Coração de Jesús,
de sorte que estava prestes a desmaiar sob a
violencia dellas. Ora, o Senhor lhe disse : "O
amor que me animava no tempo da minha
Paixão,. quando eu supportava no meu Co
ração todas essas angustias, sito-o hoje no
teu coração, que tantas vezes se tem com
movido e penetrado de compaixão pelas mi
nhas dôres, pela salvafáO dos meus eleitos.
Vida intima do S. Coração 49
A.ssim, dou-te em troca dessa compaixão que
me teStemunhaste durante aquelle dia� tedo o
preço da minha sagrada Paixão pelo bem de
tua alma, e quero que recebas tambem, para
distribuil-o a toda a Igreja, esse mesmo fruto
da minha Paixão em todos os lugares onde
se adora hoje em dia o lenho da Cruz" .
REFLEXÕES. - A vida intima do Co
ração de Jesús póde resumir-se nesta só pa
lavra : Amor - Charitas est. As duas pul
sações do divino Coração que Gertrudes ou
viu, são pulsações de amor ; amor a Deus e
ás nossas almas; amor aos justos e aos pec
cadores ; amor que une com o Sagrado Co
ração, e tambem entre si, os diversos mem
bros do seu corpo, e faz que se amem mú
tuamente e sirvam ao bem uns dos outros :
como o coração humano, que envia o sangue
a todos os mebros do n_osso corpo, lhes serve
assim de centro a todos, e faz circular de um
a .outro esse liquido nutritivo que cada um
delles contribuiu para preparar.
Nós, portanto, membros do corpo mys
tico de Jesús, animados pelo seu divino Co
ração, devemos receber em nós essa corrente
de amor que elle envia a todos os seus mem
bros, sentir a repercussão das suas divinas
50 4.• dia
pulsações, compartilhar-lhe assim os sentimen
tos, e viver em tudo da sua vida santa. Esta
vida, dissemol-o, é o amor, e este amor tem
como que um duplo movimento produzido
pelas duas pulsações do Coração de J esús ; o
da acção de graças pela vida recebida, o da re
paração pela vida perdida ; mais ou menos
como no corpo humano ha, sob o impulso do
coração, o duplo movimento da circulação que
envia o sangue arterial aos diversos membros,
e da reabsorpção que lhes repara as forças
perdidas.
Oh ! sim, sintamos bem em nós os senti
mentos do Coração de Jesús ! Pulse sempre o
nosso cQração com essa dupla pulsação de
acção de graças e de reparação, que é incessan
te no divino Coração ! Entreguemo-nos em
primeiro lugar a essa acção de graças que esse
Coração tão agradecido deseja tanto continuar
em nós. Felicitemos primeiro a elle proprio
pela gloria que adquiriu para si soffrendo
pelos homens, "pelas alegrias multiplas que
desfruta no coração de tantos justos ganhos
por seu amor" Por elle, em seguida, convi
df:mos a Côrte celeste a celebrar comnosco a
caridade infinita do nosso Deus, a render-lhe
graças comnosco por todos os bens que já
Vida intima do S. Coração 51
nos concedeu ou nos prepara. Unamo-nos
umbem, por elle, a esse concerto de louvores
que se eleva sem cessar de todos os pontos da
terra, inspirados pelo louvor perpetuo que
�nta o Coração de Jesús em todos os nossos
ubernaculos.
Fale em seguida o nosso coração sem
trégua a Deus Padre em favor dos pobres pec
�dores, que são seus filhos como nós. Offe
r.:ç.unos-lhe incessantemente as homenagens
ea reparação para aplacar-lhe a justiça offen
:iida, e preces de propiciação para attrahir
iObre todos a sua misericordia. Chamemos em
:::tosso auxilio todos os habitantes do céo, un:a
:::to-nos a todas as almas santas da terra para
interceder em favor de nossos irmãos e obter
ibes o perdão. Unamo-nos sobretudo aos dese
jos ardentes do Coração de Jesús pela con
n-rsão delles, offereçamos incessantemente por
�lles o sangue do Redemptor, cuja voz sem
pre ouvida chama misericordia para todos.
O trabalho da reparação deve ser acom
panhado dum sentimento que vem auxiliai-o :
é a compaixão,. e esta nos traz necessariamente
a uma pratica que lhe é a consequencia rigo
rosa : a immolação. Jésús queixa-se nas suas
dôres de não encontrar corações compassivos,
52 4.• dia
Ah ! nós ao men-os, respondamos á sua queixa
como amigos dedicados ; compadeçamo-nos
vivamente do seu Coração saciado de oppro
brios e de amargura. Compadeçamo-nos del
te na sua Igreja, que com elle é crucificada
hoje em dia num novo Calvario ; compadeça
mo nos delle nesses pobres peccadores que lhe
são os membros tão doloridos, que renovam
em si mesmos as dôres da sua paixão. Com
padeçamo-nos delle pelo desejo, pelo amor.
pelo soffrimento. Entristeçamo-nos com elle
para consolai-o ; compartilhemos-lhe as dôres
para suavizal-as ; offereçamo-nos sem reserva
com elle como victimas de propiciação e de
immolação, afim de supprirmos em nós mes
mos o que falta á sua Paixão para a conver
são dos peccadores ; entreguemo-nos com elle
a um zelo sem limites, sem reserva, pela ora
ção, pela acção, pelo sacrifício.
Oh ! como o Coração de Jesús se enter
necerá em favor dos corações que assim o
quizerem consolar ! Como abençoará os que o
auxiliarem assim a assegurar a utilidade do
seu Sangue, a consummar a salvação dessas
almas que lhe são tão caras! Ah ! não duvi
demos, elle nos dará a nós tarnbem, como a
Sta. Gertrudes, de modo especial , por urna
Vida intima do S. Coração 53
especie de apropriação, todo o fruto da sua
Paixão, para que o appliquemos a nós mes
mos, para que o derramemos em todas as
3lmas de nossos irmãos.
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Acção de
�raças habitua"es dadas ao Sagrado Coração
:!;: Jesús por todos os seus beneficios .
• o Reparações ardentes, desaggravos, para
: .:-mpensar, · tanto quanto estiver em nós, a
:=�gratidão dos homens para com esse amavel
5.ã.Indor.
3 .0 Vivos sentimentos de compa1xao
;.-.l.ra com o divino Coração saturado de op
?rObrios e de amargura.
4.0 Offerecimento sem reserva de nos
mesmos como victimas de immolação e de
propiciação, afim de consolarmos esse divino
Coração e completarmos em nós o que falta
á sua Paixão para a conversão dos peccadores,
isto é, zelo sem limites, sem reserva, pela ac
ção e pelo sacrifício.
QUINTO DIA
Os desejos do Coração de Jesús.
"Um dia de quinta-feira santa, Sta. Ger
trudes viu o Senhor Jesús antes que as Irmãs
se aproximassem da sagrada mesa, reduzido a
um estado de extremo desfallecimento pela
vehemencia do desejo que tinha no seu divi
no Coração de se unir áquellas almas dilectas.
Estava como jacente por terra e não tendo
mais forças. A Santa ficou tão commovida,
que ella propria se sentiu a pique de desmaiar ;
mas o Salvador fortificou-a e lhe fez com
prehender que aquelle desfallecimento era o
triumpho do seu amor, e que elle ia ficar no
cumulo das suas delicias dando-se pela sagra
da communhãoáquellas almas que tanto de
sejara" . ( IV, 25 ) .
Um dia Sta. Mechtilde, estupefacta com
as provas de ternura do Coração de Jesús,
queria, por um sentimento de respeito, afas
tar-se um pouco delle ; mas elle, ao contrario,
Desejos do S. Coração 55
mais a attrahia, dizendo-lhe : "Não, fica com
migo para que eu saborêe a minha ventura" .
(I . 1 9 ) .
D'outra vez, disse-lhe o Senhor : "Nada
me proporciona tantas delicias quanto o co
ração do homem, sem o qual todavia devo
muitas vezes passar. Tenho todos os bens em
abundancia; só o coração do homem é que me
foge ainda" (IV, 54) .
REFLEXÕES. - 0 Coração de Jesús é
todo desejo, tatus desiderium ( 1 ) . Deseja a
gloria de seu Pae, pela qual trabalha unica
mente ; deseja o coração do homem, para
haurir nelle as suas delicias ; antes da sua Pai
xão, desejava ardentemente soffrer para nos
purificar no baptismo do seu sangue ; hoje.
deseja com grande desejo vir a nós pela com
munhão para nos santificar ; deseja-nos por
que nos libertou por seus soffrimentos, com
prou por seus trabalhos, conquistou por suas
victorias ; deseja-nos porque lhe somos o bem.
a gloria, a felicidade, Ah ! demos-lhe pois o
que elle tanto deseja. Quem somos nós para
recusar ao amor aquillo que elle deseja ? Meu
I
(1) Cant. (v. 16) , s_egundo o hebraico. Vêr
Cornelio a Lavide,
56 5.o dia
Deus, vós que vos bastaes eternamente na
plenitude dos vossos be�s. quizestes, por uma
extrema delicadeza de amizade, precisar de
nós, e, , agora que solicitaes o nosso coração
com ternura infinita, teríamos a triste cora
gem de vol-o recusar ? Pedis-nos o coração
para santificai-o e abençoai-o, e seríamos bas
tante insensatos para não vol-o dar ! Quereis
enchei-o dos vossos bens, do vosso amor, da
vossa divina beatitude, e seríamos bastante
máos para val-o fechar ! Oh ! não, amor ! O'
Deus desejoso de tudo e todo desejavel, vosso,
só vosso seja todo o nosso coração ! Abando
namo-vot-o para sempre, sem temor e sem
reserva ; abandonamo-val-o por puro amor ;
entregamol-o inteiramente aos vossos desejos.
Mas nós tambem, por nossa vez, dese
jemos a Jesús que tanto nos deseja. Elle é
para nós todo desejavel, sejamos para elle to
dos desejo. O desejo, · dizem, é o amor do bem
ausente : ai! Jesús está ausente para nós
.
: pere
gre profectus est. Oh ! desejemos ir procurai-o,
achai-o, chegar até elle : Oh! ire, oh! sibi
perit'e, oh ! ad te pervenire! (S. Aug. Serm.
CLIX. ) Desejemol-o com esse desejo que
consumia o coração do Apostolo, quando ex
damava : "Estou angustiado, desejo ser dis-
Desejos do S. Coração 57
solvido para me ir juntar a Jesús" . Oh ! si
soubéssemos o quanto lá de cima elle nos de
seja ! si soubessemos que todos os Santos, par
tilhando-lhe os desejos, esperam com impa
ciencia, como elle dizia a Sta. Gertrudes, o
momento em que iremos com elles augmen
tar-lhe os amores, oh ! como desprezaríamos
esta terra, comio os nossos olhares se volveriam
para o céo, como o nosso desejo e o nosso
coração se fixariam lá em cima, onde está todo
o nosso thesouro !
Mas emquanto nos não é dado possuir
a Jesús no céo, desejemos neste mundo fazer
lhe a vontade, possuir-lhe o Coração, ��ir
nos á sua Cruz. Como Gertrudes, procure·
mos sempre conhecer-lhe a vontade para cum
pril -a fielmente ; estejamos sempre ·"com pres
sa" para lhe executar as ordens ; apprehenda
mos com solicitude os menores signaes que
nos manifestam o bemplacido do seu Cora
ção, e empenhemo-nos com todas as nossas
forças em satisfazel-o. Peçamos-lhe sem ces
sar o seu Coração sagrado que é o penhor da
sua ternura, o nosso verdadeiro thesouro. o
orgão do nosso amor. Que elle nos una com
sigo numa mesma caridade! Oh ! amor, o que
fazes faze-o quanto antes. Oh ! Si os dons
511 5,o dia
do amor são tão desejaveis, que não deve ser
o proprio amor, fonte de todos, esses dons?
Senhor é a vós que eu amo, é para vós que
sou feito : nada poderá satisfazer-me sinão
vós mesmo, nada poderá contentar o meu
coração sinão o dom do vosso Coração ; quero
cada - vez mais dar-vos o meu sem reserva,
para que me deis o võsso todo.
A Cruz não se separa do dom do Co
ração de Jesús, nunca o esqueçamos. A alma
unida a esse divino Coração, não mais sen
tindo sinão pelos sentimentos delle, deseja
como elle esse baptismo de sangue em que
acabará de purificar-se em que se transfor
mará com elle numa victima santa pela sal
vação do mundo. O amor da Cruz é o signal
dos amigos dedicados do Coração de Jesús,
o desejo da Cruz é levado nelles não raro até
á paixão, até á loucura. "Penso, dizia uma
dessas almas generosas, ( 1 ) , que o desejo de
soffrer me fará morrer" . Quanto a nós, en
treguemo-nos ao menos· a esse desejó em
união com o Coração de Jesús ; digamos com
a Victima santa : "Aqui estou, meu Deus, para
fazer a vossa vontade" , e faça-se em seguida
seu bel prazer.
( 1 ) A B, M. da Incarnação (Sra. Acarie) .
Desejos do S. Coração 59
Entreguemo-nos a desejos sem limites,
primeiro nas nossas orações. Corno Daniel a
orar pelo seu povo, sejamos homens de de
sejos, e as nossas orações, corno as delle, mere
cerão ser ouvidas pela salvação da Igreja.
Santa Gertrudes, concentrando no coração de
sejos universaes e infinitos, soava com os de
sejos de todo o universo, ex affectu totius
universitatis, e para o maior bem de todo o
universo, no céo na terra e no purgatorio.
Eis um coração verdadeiramente segundo o
Coração de Jesús, grande corno elle, amando
corno elle, desejando corno elle. Transporte
mos esses desejos sem limites a todas as noss_as
obras, para que essas obras possam corres
ponder ás necessidades da Igreja, que são sem
limites. Pequenas em si, ellas serão engran
decidas pelos nossos desejos, e Jesús, que torna
o desejo pela realidade, dar-lhes-á valor sem
·:mites para a salvação do mundo. "O' meu
Deus ! dizia Sta. Catharina de Senna, corno
fareis nestes desventurados tempos para pro
vêrdes ás necessidades da vossa lgre ia ? Sei o
aue fareis : o vosso amor suscitará hornenr
de desejos ; as suas obras finitas, juntas a de
sejos infinitos, far-vos-ão attender-lhes os
anhelos pela salvação do mundo" .
60 5.0 dia
Parece, porém, que é sobretudo no to
cante ás cruzes que, nestes tempos em que
as almas são tão fracas, o Coração de Jesús
espera de nós grandes desejos para supprir
aquillo que não podemos soffrer : "Senhor,
dizia Sta. Gertrudes, inspirada pelo Coração
de Jesús, offereço-vos todos os soffrimentos
de minhas Irmãs, com o desejo de atural·o.r
até o fim do mundo, si fôr o vosso benepla
cíto. - Faze-me amiudadamente este offere
cimento que me inebria o Coração e o torna
incapaz de vos recusar o que quer que seja.
Já que esse offerecimento vos é tão grato, ensi
nae-me como vol-o poderei fazer sempre. -
Offerece-me sempre, com coração contrito e
humilhado, o desejo de soffrer para minha
gloria, si preciso, todos os soffrimentos do
mundo até o fim dos tempos, e alcançarás do
meu coração tudo quanto lhe quizeres pedir"
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Dizer ás
vezes a invocação : O' J esús, uni a minha von
tade á vossa vontade, o meu coração ao vosso
Coração, a minha cruz á vossa cruz.
2. o - Offerecer as nossas orações, ac
ções, penas com a piedosa formula de Sta.
Gertrudes : com o amor de todo o universo
e do proprio P�1,1s, e para que sirvam il um
Desejos do S. Coração 61
augmento de graça ou de gloria para todos
os habitantes do céo, da terra e do purgato
rio cum delectamento divinitatis ex affectu
totius universitatis, ut cedat in augmentum
salutis omnibus crelestibus, terrestribus et pur
gendis.
SEXTO DIA
Os desejos do Coração de Jesús (continuação)
Gertrudes foi, por excellencia, a Santa
dos desejos, e mereceu que muitas vezes nos
so Senhor a certificasse de que esses desejos
seriam contados corno si se tivessem realizado,
e de que acceitava a sua bôa vontade corno
urna realidade. Ha, de resto, certo numero de
Santos que só se tornaramsantos pelos desejos
( 1 ) : Deus ouviu-lhes a preparação do cora
ção. A perfeição das suas disposições valeu
lhes as graças maiores, e a santidade das in
tenções deu rnerito incornparavel ás suas me
nores acções. Ora, é um caracter particular
da devoção ao Sagrado Coração, tal corno
nol-a faz conhecer Sta. Gertrudes, o santifi
carmo-nos pelos desejos. U:tilizernos pois este
( 1 ) S. JoãQ Berchmans, por exemplo. O Ve
neravel Padre de la Colombiere dizia tambem a res
peito do desejQ tão perfeito que o santificou : Deus
não poderia deixar de tomar o desejo pela realidade.
Desejos do S. Coração 63
meio tão facil, tão dôce, tão animador. Vol
vamos todas as nossas intenções para Deus.
Unamo-nos ao Coração de Jesús nas meno
res acções por um desejo bem. puro, bem sin
cero e sem limites, de glorificar seu Pae, e
noss'alma enriquecer-se-á de meritos incom
paraveis, e o Coração do bom Mestre ficará
consolado de ouvir e de satisfazer em nós
os seus proprios desejos.
Ha um mysterio de amor em que Nosso
�enhor não quer que o frustrem nos seus de,
sejos, que a impeçam as delicias do seu Co
ração : é o mysterio da sagrada Eucharistia.
Comprehendamos bem porque foi que elle a
instituiu : foi para estar comnosco até á con
summação dos seculos. Não foi certamente
para ficar sózinho, abandonado num Taber
naculo, verdadeira prisão de amor, onde o
deixamos tantas vezes definhar no isolamento.
:\h! sim, é ahi sobretudo que elle nos deseja
�om grande desejo, é ahi que insta comnosco
.1 nos virmos unir a elle, chamando-nos sem
�o::ssar, convidando-nos com ínsístencia, for
.;ando-nos de alguma sorte a entrar. Respon·
dú-lhe pois ao appello ; ide vísital-o com so
_ :citude igual ao seu amor ; ide colhe� as gra·
�s que elle quer derramar sobre vós p�lo
64 6.o dia
seu sacrifício ; ide unir-vos a elle pela sagrada
Communhão. Elle vos abre o coração ; não
temaes. Não digaes tão facilmente que ainda
não estaes bastante preparado ; já que elle vos
convida, elle que sabe de tudo, é porque não
quer esperar por mais longa preparação. Elle
bem sabe o de que somos capazes : não ·nos
pede disposições perfeitas ; contenta-se com a
nossa bôa vontade. Ide pois a elle sem. tardan
ça, com confiança e abandono. Preferí aban
donar-vos agora ao seu amor misericordioso,
a terdes de prestar contas mais tarde á sua
justiça das communhões a que tiverdes falta
do por culpa vossa, dos convites da sua ter
nura a que não houverdes correspondido, das
graças privilegiadas do seu Coração que não
tiverdes querido receber.
Em vez de regatearmos a J esús o nosso
coração, esforcemo-nos antes, como Gertrudes,
por lhe trazer comnosco as almas de nossos
irmãos transviado& que elle tanto deseja �nir
a si pela Communhão. "Manda entrar" , dizia
Jesús a sua esposa, as almas pelas quaes re
zastes esta semana; porque as quero ter á mi
nha mesa" . - Senhor, e como as posso fa
zer entrar ? Certamente, por mais indigna que
eu seja, si pudésse trazer-vos todos esses ho-
Desejos do S. Coração 65
mens com quem vos dignaes fruir as vossas
delicias, eu iria de pés descalços bem gostosa
mente, desde este dia até o do juizo, buscai-os
por todo o mundo ; tornai-os-ia nos braços e
vol-os viria apresentar, afim de poder assim
satisfazer um pouco que seja o desejo infinito
do vosso divino Coração. Mas como poderei
fazel-o? - Os teus desejos, respondeu o Se
nhor, e a tua bôa vontade bastam para tudo"
E nós tambem, si quizermos contentar
o Salvador, tratemos de lhe trazer as suas
ovelhas desgarradas, que elle tanto deseja es
treitar ao seu Coração. Rezemos, ajamos, com
batamos, sofframos e, si preciso, morramos
para lhe conquistar almas. Hoje, mais q·ue
nunca, é o dia do combate. Vêde quantos
1ntm1gos se assanham contra a Igreja ! que
conjura infernal se urde para derrubai-a ! dir
se-ia que Satanaz tenta um supremo esforço
para prevalecer contra ella. Deixem pois os
soldados de Christo qualquer outro pensa
mento, e lancem-se á batalha. Não é o mo
mento de nos occuparmos de nós mesmos e
dos nossos próprios interesses ( 1 ) , por mais
( 1) Bem se comprehende que isto não é dito
para todos ; quantas almas não ha porél)l que se
adiantariam mais depressa e mais seguramente na
I 66 6.0 dia
importantes que pareçam. E' preciso comba
ter ; é preciso soccorrer a santa Igreja; é pre
ciso salvar nosos irmãos ! Eis o desejo do
Coração de Jesús ! Eis o nosso desejo !
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Desejemos
a cada instante, como Sta. Gertrudes, conhe
cer os desejos do Coração de Jesús para com
partilhai-os com elle e nos esforçarmos por
satisfazel-os.
2.° Consideremos como a melhor pre
paração para a Communhão o desejo de cor
respondermos ao desejo de Jesús. A sagrada
Communhão é antes um soccorro para as nos.
sas necessidades, do que uma recompensa para
as nosas bôas disposições ; é, antes de tudo,
uma comida para a qual o desejo é excellen
te preparação, como o appetite para a comida
do nosso corpo.
3 .0 Sejamos homens de desejos pela sal-
.perfeição, si se esquecessem 31 si mesmas uma vez
.por todas, para não mais pensar sinão nos interesses
de Jesús-Christo e da sua Igreja ! "·Pmsa em mim
e e" pensarei em ti", dizia Jesús a Sta. Catharina de
Senna. Eis, para muitas almas,. o melhor meio a em
pregar para se desvencilharem das suas miserias e
avançarem rapidamente nas vias do amor,
Desejos do S. Coração 67
vação de nossos irmãos e 'pelo triumpho da
Igreja.
Assim como os desejos de Maria apres
saram a vinda do Salvador, os desejos dos
justos, abreviando-lhe os dias de desdita, po
derão apressar o dia da salvação para a Igreja.
SETIMO DIA
Primeiro fruto da detJoção ao Sagrado Co
ração : o Coração de Jesús tJitJifica todas as
nossas obras.
"Trazendo um dia o seu Coração nas
mãos, Jesús apresentava-o a Gertrudes e lhe
dizia : "Vê o meu dulcíssimo Coração, har
monioso instrumento cujos acórdes arroubam
a Trindade Santa : dou-t'o, e como um servo
fiél e solicito ficará elle ás tuas ordens, para
supprír as tuas impotencias ( 1 ) . Usa do meu
Coração, e as tuas obras encantarão o olhar
e o ouvido de Deus"
"Gertrudes hesitava em fazel-o ; Jesús
triumphou das suas apprehensões, esclarecendo
ainda mais a sua humildade :
"Perante uma assembléa respeitavel, diz
lhe elle, um homem deve cantar ; mas a voz
( 1 ) O texto traz : Para reparar a toda hora ãs
tuas negligencias.
Vida d. nossas obras 69
delle é aspera e falsa ; mal póde elle tirar
do peito alguns sons que não firam o ouvido.
Ora, tú estás perto deU e ; tens, assim o quero,
uma voz flexível, límpida, sonora ; podes dar
lhe a tua voz ou cantar em lugar delle ; dese
jas fazel-o ; elle conhece o teu desejo ; não te
indignarias contra elle si elle recusasse cor
responder aos teus offerecimentos ? Assim, co
nheço a tua miseria, e o meu Coração póde
suppril-a ; deseja ardentemente fazel-o, é para
elle uma viva alegria : tudo o que elle pede
é que lhe confies o cuidado disso, sinão por
uma palavr.a ao menos por um sígnal qualquer
da tua vontade"
REFLEXÕES. - Já lembrámos que o
duplo papel do coração no corpo humano
consiste em vivificar-nos os diversos orgãos
e em lhes reparar as forças perdidas, E' tam
bem o duplo papel que desempenha o Cora
ção de Jesús no seu corpo mystico que é a
Igreja. Só elle deve vivificar tudo nas nossas
almas ; só elle póde reparar efficazmente todas
as perdas que tivermos. Consideremos pri
meiramente a primeira dessas funcções : o Co
ração de Jesús vivifica todas as nossas obras
e transforma-as em obras santas e divinas.
As pa
.
lavras e os olhares do corpo humano são
70 7.• dia
palavras e olhares intelligentes, não que haja
intelligencia nos nossos orgãos, mas porque
procedem dum principio intelligente ; · assim
tarnbem, as diversas obras do homem tornam
se obras divinas si procedem desse principio
divino que é o Coração de Jesús. O grande
ponto na vida christã é pois a união em tudo
com o Coraçãode J esús. Esta união, quando
habitual. faz-nos chegar rapidamente á mais
alta perfeição, corno Nosso Senhor o ensinava
a Sta. Machtilde. "Um dia em que ella aca
bava de receber a sagrada Cornrnunhão, pare
ceu-lhe que o seu coração era absorvido pelo
Coração de Jesús e fazia agora urna só
causa com elle. Ora, o Senhor disse-lhe : E'
assim que eu quero que o coração do homem
me seja unido nos seus desejos, de tal sorte
que nada deseje por si mesmo, mas regúle
todos os seus desejos segundo os desejos do
meu Coração, corno dois ventos que sopram
junto.s já não formam sinão uma só corren
te. O homem deve tarnbern unir-se ao meu
Coração em todos os seus actos, de sorte que,
si por exemplo quizer comer ou dormir, diga
em si mesmo : Senhor, em união desse amor
que vos fez crear para mim este ·allivio, vou
tornai-o para vossa gloria e para a necessidade
Vida d. nossas obras 71
do meu corpo. Semelhantemente, quando
houver um trabalho por fazer, diga ellé : Se
nhor, em união desse amor que vos fez tra
balhar com as vossas mãos e vos faz ainda
operar incessantemente em minh' alma ; em
união do amor com que me confiaes agora
esta tarefa, quero desobrigar-me della para
vossa gloria e para a salvação de todos. Já que
haveis dito : Sem mim nada podeis fazer,
dignae-vos tornar perfeita esta obra pela
união com as vossas obras, como uma gôta
d'agua que cáe num rio se lhe assimila ás
aguas. Una-se emfim o homem ao meu Co
ração em todas as suas vontades, de sorte que
queira tudo quanto eu quizera, na adversidade
e na prosperidade. Assim como o cobre, fun
dindo-se no fogo com o ouro forma com o
ouro um só metal precioso, assim tambem o
coração do homem passará a fazer uma só
cousa com o meu Coração, o que é a maior
perfeição desta vida" ( III, 27) .
Appliquemos por meúdo esta doutrina
aos diversos actos da nossa vida. Devemos
primeiro unir as nossas orações ás orações
do Coração de Jesús : "Um domingo de Ra
mos, Sta. Gertrudes, inflammada toda do de
sejo de dar hospitalidade a Jesús. como o fi-
7-2 7.0 dia
zera naquelle dia á família de Bethania, lan
çou-se aos pés do seu Crucifixo e, beijando
,com ardor a chaga do sagrado lado de Jesús.
�spirou em si todo o desejo que tivera o seu
·'amabilíssimo Coração, supplicando-lhe, pelo
ardor de todas as orações saídas desse Cora
ção adoravel, que se dignasse vir a ella. E
Jesús logo lhe deferiu a supplica e cumulou-a
de seus favores" Como poderia elle resistir ao
seu proprio desejo, recusar ouvir a propria
prece do seu Coração?
O proprio Jesús recommendara-Ihe esse
modo de rezar. "Todas as vezes que quizeres
rezar por algumas almas, apersenta-me o meu
dulcíssimo Coração, em união do amor que
me fez tomar este coração de homem para a
·salvação do homem, em união do amor parti
cular com que tantas vezes t' o tenho dado, e
deste modo conceder-te-ei tudo quanto me pe
dires para os homens : será como qu� o cofre
dum homem rico que trazem a este para que
tire delle presentes para os seus amigos"
Não sentimos porventura que deve ter
um poder irresistivel sobre o Coração de
Jesús a oração feita assim : o· Amigo, peço
vos aquillo que quereis mais do que eu : a
salvação das almas ?
Vida d. nossas ·obras 73
Peço-vol-o em nome do amor que ten
-des a essas almas ; peçovol-o para consôlo do
vosso Coração ; peço-vot-o em nome da ami
zade que tantas vezes me tendes testemunha
do ; peço-vol-o em nome do vosso Coração
que tantas vezes me tendes dado !
Oh ! sim, si quizermos rezar assim, bem
podemos dizer, e a Igreja a isto nos convida
na sua liturgia : achei o meio de rezar com
uma oração soberanamente efficaz, achei o
Coração de Jesús que é tambem o meu co
ração ( 1 ) , visto que sou membro do seu cor
po ; com esse Coração, rezarei a Deus, meu
Pae, e a minha oracsão será sempre ouvida.
CONCLUSÃO PRATICA. - Rezemos por
intermedio do Coração de Jesús, aspirando
em nós os seus desejos, amando com o seu
amor, querendo com a sua vontade. e deste
modo a nossa oração será sempre ouvida, por
que será sempre segundo o Coração de Deus.
( 1 ) Hoc igilur invcnio C arde tuõ et mcoJ.
( Off. S. Cordis ]., Lect. li, Noct. ) .
OITAVO DIA
O Coração de Jesús vivifica as nossas boas
obras (continuação) .
Sta. Gertrudes ensina-nos tambem como
as nossas a:cções são ennobrecidas e santifica
das pela união ao Coração de Jesús. Recom
menda á alma depositar todas as suas obras
no Coração de Jesús como num ninho ce
leste, para que ahi se deifiquem pelas suas
divinas intenções.
Parece porém que, o que o Coração de
Jesús deseja acima de tudo é que unamos as
nossas penas ás suas para que elle lhes commu
nique os seus meritos infinitos. Não ha nada
que elle recommende tão a miúde. Um dia em
que Sta. Mechtilde achava que as suas enfermi
dades a tornavam como inutil para o serviço
de Deus, Jesús lhe disse : "Deposita todas as
tuas penas no meu Coração, e dar-lhes-ei
a maior _perfeição para utilidade de toda a
Igreja. Do mesmo modo que a minha divin-
Vida d. nossas obras 75
dade uniu a si os soffrimentos da minha hu
manidade para divinizai-os, assim tambem
quero unir a mim os teus soffrimentos para
tornai-os p.-:rfeitos. Offerece-os ao meu amor
dizendo : O' Amor, confio-te as minhas penas
na mesma intenção com que m'as haveis tra
zido do Coração de meu Deus, e rogo-te que
as leves a elle pela mais perfeita gratidão,
quando lhes tiverdes dado a ultima perfeição.
E' assim que o teu coração se unirá a esse amor
que me fez abraçar a Cruz de todo o meu
coração, e a essa gratidão com ,que agradeci a
meu Pae o haver-lhe _permittido soffrer por
aquelles que amo ; e do mesmo modo que a
minha paixão deu frutos infinitos no céo e
na terra, assim as tuas penas, mesmo as mais
pequenas, unidas com a minha paixão, darão
frutos taes, que os habitantes do céo rece
berão com elles- um accrescimo de gloria ; os
justos, maior merito ; os peccadores, o perdão ;
e as almas do purgatorio, um allivio. Que ha,
com effeito, que o meu divino Coração não
possa mudar em melhor, já que todo bem
que contêm o céo e a terra saiu da bondade
do meu Coração?"
Oh ! porque não haV'eriamos tambem
nós de assegurar ás nossas penas, mesmo ás
76 8." dia
menores, esses frutos incomparaveis que a
união com o Çoração de Jesús assegurava ás
da nossa Santa ? Porque não as haveríamos
tambem nós de receber, com aquelles senti
mentos de amor e de gratidão que ella hauria
no Coração do Salvador ? E' no entanto tão
facil e tão dôce ! Não se trata de soffrer mais,
porém melhor, porém com mais consôlo e
mais fruto. E isto se reduz a soffrer tudo em
união com o Coração de Jesús. Oh ! seja
doravante a nossa pratica habitual.
Não é evidente que si levarmos assim as
nossas penas ao Coração de Jesús, ellas serão
logo grandemente consoladas ? Uma vez, Sta.
Mechtilde rezava por uma pessôa afflicta ;
disse-lhe o Senhor : "Venha ella trazer-me as
suas penas com simplicidade de criança ; bus
que a sua consolação no meu Coração com
passivo, e nunca a abandonarei" Jesús fez
dom do seu divino Coração ás nossas almas.
accrescenta a Santa, para que na tristeza nos
refugiemos nelle com confiança.
Sta. Gertrudes tinha o habito de offere
recer a Deus o cantico de lou{)or e da acção
de graças "com o instrumento melodioso do
Coração de Jesús e segundo as intenções do
Coração de Jesús, em nome de todas as crea-
Vida d. nossas obras 77
turas" : - Sta. M echtilde tambem usa muitas
vezes desse Coração dulcíssimo como duma
{yra, para fazer resoar um canto de louvor e
de gratidão em intenção de todos ( 1 ) .
O Coração de Jesús era ainda especial
mente para as duas Santas o orgão do seu
amor, e succedeu-lhes muitas vezes, quando
se achavam tíbias e sem devoção , sentirem o
Coração divino pousar-se-lhes sobre o cora
ção, como ouro em brasa, e inflammal-o de
seu amor.
Jesús déra seu Coração a Sta. Mechtildl.',
e offerece-o igualmente a cada um de nós para
uma tríplice união e comotríplice fonte de
graças incomparavelmente enriquecedoras : · 1. o
como orgão de amor : "Dou-te meu Coração,
dizia-lhe elle, para que pelo seu amor ames
ao teu Deus e a toda creatura por teu Deus ;
2 . 0 corno orgão de acções de graças : "Sêde
bemdito. dizia a Santa cada manhã , sêdc
bemdito, éoração amabilissirno de Jesús, pelo
louvor, pelas acções de graças e pelas outras
homenagens que tributastes em meu lugar
durante esta noite a Deus vosso Pae" ; 3 . 0
como instrumento de reparação : "Queres-me
( I ) Pratica aprazivcl ás duas Santa.s era lou
var Maria pelo Coração de Seu Filho bem-amado.
78 8.o dia
ser perfeitamente fiél. dizia Jesús á sua serva,
que via afflicta com as suas faltas : Prefere
( 1 ) vêr as tuas negligencias reparadas por
meu divino Coração antes que por ti mesma,
supposto que o possas, afim de que lhe adve
nha disso tanto. mais honra e gloria"
Ah ! possamos tambem nós usar assim
desse Coração amantíssimo que quer despen
der-se todo para os nossos usos : tatus in nos
tros usus impensus! Seja elle o orgão do nosso
amor, para que toda a nossa vida seja anima
da do puro amor ; seja o orgão da nossa gra
tidão, para que dia e noite -se eleve do nosso
coração por esse Coração divino a homenagem
da acção de graças que é tão agradavel a
Deus ! Seja o orgão das nossas preces e dos
nossos desejos, para que os nossos desejos se
elevem directamente para o Céo como um in
censo de agradavel odor, para que as nossas
preces se tornem de efficacia segura confun
dindo-se com as preces desse Filho a quem o
Pae sempre ouviu ( Seja o instrumento de to
das as nossas acções para lhes communicar os
seus meritos infinitos ; sejam em fim as nossas
penas unidas ás suas penas, para que nos con
summemos com elle num mesmo sacrifício de
( I ) O texto accrescenta. e muito.
Vitla d. nossas obras 79
amor, para que glorifiquemos com elle a Deus
nosso Pae, para que salvemos com elle as
almas de nossos irmãos.
Podemos aproximar da doutrina tão
animadora de Sta. Gertrudes alguns princí
pios theologicos : 1 .0 Suarez (de Oratione)
promette a efficacia á oração, mesmo nos. ca
sos que se afiguram d�sesperados, com estas
duas condições : que parta dum coração ,ami
císsimo de Deus ; 2. o que se eleve para Deus
com accentos ardentíssimos. Ora, o Coração
de Jesús não é maxime amicus? e si pela união
com elle nos apropriamos daquelles gemidos,
daquelles gritos possantes que elle soltou para
o Céo, não podemos esperar ser ouvidos como
elle?
2.0 As nossas acções tiram o seu valor
sobrenatural. da gr�ça que as produz, e do
amor que as informa. Ora ,· o Coração de
Jesús é a- fonte da graça e o fóco do amor ;
por conseguinte, quanto mais unidos estiver
mos ao Coração de Jesús, tanto mais cheias
da sua graça e abrasadas do fogo do seu amor
serão as nossas acções, e por consequencia tan
to mais valor sobrenatural terão tambem.
3 . 0 Aproximemos estes dois princípios :
1.. o In satisfactione magis attrmditur affectus
110 s.· dia
quam quantitas (S. Thomaz) ; 2. o Satisfactio
pro ·altero, pr�sertim uivo, infallibilis est
(Suarez) . Podemos concluir delles que, unin
do-nos na oração ao amor do Coração de
Jesús na Cruz, e apropriando-nos das suas sa
tisfações divinas que elle céde aos que lhe
estão assim unidos, asseguraremos ás nossas
penas um valor satisfactorio incomparavel.
4. o A lei do amor quer que Jesús nos
considere como sendo uma só pessôa com elle :
uelut unum sibi (S. Thomaz) . Resulta d'ahi
que elle ama e agradece a Deus por nós como
por si mesmo, e que assim nos podemos apro
priar desse amor e dessa acção de graças como
sendo verdadeiramente nossa e por nós.
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Usemos
do Coração de Jesús em todas as nossas ac
ções para que elle as torne perfeitas.
2 .0 Offereçamos fielmente todas as nos
sas penas, mesmo as menores, ao Salvador,
para que elle as una ás suas e nol-as faça ac
ceitar com o amor de seu divino Coração :
dupla condição que lhes assegurará merito in
comparavel.
3 . • Na oração, sirvamo-nos do Coração
de Jesús como orgão do nosso amor, da nossa
Vida d. nossas obras 81
acção de graças e das outras homenagens que
temos a prestar a Deus. Essa oração será tão
facil para nós quanto agradavel para o Se
nhor.
NONO DIA
Segundo fruto da devoção ao Sagrado Co
ração : o Coração de Jesús repara por nós.
Vimos mais acima corno Jesús dá o
seu Coração a Sta. Gertrudes para lhe reparar
todas as negligencias e tornar pe;rfeitas as
obras : "Gertrudes, recordando um dia no seu
coração, com profundo sentimento de gra
tidão, esse serviço insigne que lhe prestava o
Coração de Jesús, de reparar assim por ella,
perguntou ao Senhor até quando se dignaria
de continuar-lhe esse favor : "Por tanto tem
po, respondeu-lhe Jesús, quanto desejares con
servai-o; nunca terás que deplorar que eu t'o
haja retirado" . A' vista de tanta bondade, a
Santa, sentindo-se penetrada cada vez mais
de admiração e de gratidão, mergulhava-se
com profundo abaixamento no valle da hu
mildade ; mas, seguindo-a ahi com amor, o
Senhor pareceu-lhe fazer sair do seu CÇ>ração
divino corno que um canal todo de ouro que
O S. Cor., reparação nossa 83
descia até essa alma assim humilhada, e pelo
qual lhe fazia chegar a abundancia de suas
graças. Assim, á medida que ella se humilha
va dos seus defeitos, o Senhor, pelas graças
que dimanavam do seu Coração sagrado, apa
gava-os inteiramente, e lhe communicava em
lugar delles as suas divinas virtudes para que
ella parecesse toda santa e sem macula como
elle " .
O Coração do bom Mestre queria sup
prir não só as perdas que Gertrudes podia ter
pelas suas falhas, porém mesmo ainda as que
eram resultado das suas occupações e das dis
tracções inherentes aos diversos trabalhos · do
dia : "Certo dia de sexta-feira, aproximando
se a noite, Gertrudes, lançando os olhos so
bre o seu Crucifixo, dizia ao Salvador com
coração penetrado de compuncção : Dulcíssi
mo e amantíssimo Creador, quantos tormen
tos soffrestes hoje para minha salvação, e
como sou miseravel de ter passado este dia em
occupações estranhas sem me lembrar do que
a cada hora suppottastes por mim, vós que,
sendo a vida, rnorrestes por amor do meu
amor ! " O Senhor respondeu-lhe do alto da
sua Cruz : "O que descurastes nisso, eu o sup
pri por ti; a cada hora deste dia recolhí no
84 9.o dia
meu Coração aquillo que deuêras ter recolhido
no teu, e deste modo
.
elle se encheu de tal
forma de graças para ti, qÜf! estd comQ que
abarrotado, e eu a!Juardaua com grande im
paciencia o momento em que deuias dirigir-me
es_ta prece; pois, sem ella, tudo o que recolhí
para ti não te -poderia aprowitar, mas com
esta prece pódes apropriar-te disso perante
Deus meu Pae como pertencendo a ti mesma"
(III, 4 1 ) .
.
O' amor, ó liberalidade do Coração de
Jesús, corno mereceis com toda razão os lou
vores de todos os corações !
Póde tarnbem haver algo de mais to
cante do que a liberalidade do Coração de
Jesús em pagar as dividas de Gertrudes para
com a SS. Virgem? "O' meu Irmão, dizia
um dia a nossa Santa a Jesús, ó meu Irmão,
já que vos fizestes homem para pagardes as
dividas dos homens, dignae-vos agora, rogo
vos. supprir a minha indigencia e reparar os
meus erros para com vossa bernaventurada
Mãe'J. Ora, Jesús levantou-se logo ; adiantou
se mui respeitosamente para sua Mãe, poz-se
de joelhos diante della, e saudou-a inclinando
a cabeça com dignidade e amabilidade encan
tadora. E essas homenagens do Filho de Ma-
O S. Cor., reparação nossa 85
ria pagaram superabundantemente todas as
dividas de Gertrudes.
Ora, esses sentimentos, essa linguagem
tão confiante de Sta. Gertrudes, toda alma
dedicada a Jesús Christo não se póde apro
priar delles para obter do Coração de Jesús
que· elle se digne de pagar-lhe todas as ·dividas
para com Deus e para com seus irmãos ?
REFLEXÕES. - Já falámos precedente
mente da reparação como finalidade da de
voçãoao Sagrado Coração, mas é a reparação
offerecida ao Coração · de Jesús por outrem,
e agora se trata da reparação por nós mesmos :
é o Coração de Jesús que repara por nós ou
em nós.
E' este segundo Sta. Gertrudes, de todos
os soccorros que achamos na devoção ao Sa
grado Coração, o que mais nos póde auxiliar
o progresso da almà : "Um dia, procurava ella,
entre os differentes favores que recebera de
Deus, o que seria mais util manifestar aos
homens para seu adiantamento espiritual. O
Senhor, entrando-lhe com condescendencia no
pensamento, indicou-lhe justamente· essa dis
posição misericordiosa do seu Coração para
reparar todas as nossas culpas : "Faze conhe
cer aos homens a vantagem que acharão em se
86 9.• dia
lembrarem incessantemente de que eu, o Filho
da Virgem, me conservo de pé pela salvação
delles diante de Deus Padre, e que si elles vêm
a commetter alguma falta, eu offereço por
elles o meu Coração sem macula á justiça di
vina"
Meditemos simplesmente os ensinamim
tos que nos deu Sta. Gertrudes ; veremos nel
les que o Coração de Jesús quer reparar as nos
sas culpas, supprir as nossas faltas involun
tarias, p�gar o que devemos a Deus e á Igreja ,
com a condição sómente de que lh'o peça
mos com coração contrito e humilhado sem
duvida, mas sobretudo com um coração cheio
de confiança. E elle o quer fazer perfeita
mente as nossas obras, para completar a nossa
tarefa, para nos consummar em si.
O Coração de Jesús deseja ardentemente
em primeiro lugar reparar todas as nossas
culpas. Encara-as de alguma sorte como sen
do as suas proprias culpas : Verba delictorum
meorum, em virtude da unidade de corpo e
da solidariedade intima que existe entre elle
e nós ; ellas são contrarias aos seus interesses,
tendem á ruína da sua Obra, fazem-lhe mais
mal que a nós mesmos, e elle deseja incompa
ravelmente mais que nós apagai-as e destrui!-
O S. Cor., t.eparação nossa 87
as : é para elle uma necessidade premente, uma
consolação necessaria. A unica cousa que elle
pede de nós é que lh'as venhamos trazer com
Coração contrito e confiante, que nunca se
deixe desalentar, com uma bôa vontade que
se levante corajosamente depois de cada quéda,
e que, só pensando nos interesses de Jesús,
creia que elle saberá sempre pelo seu poder,
sabedoria e bondade que são infinitas, reparar
as faltas da nossa fraqueza, da nossa igno
rancia e da nossa malícia que são essencial
mente limitadas ( 1 ) . Levemo-lh'as pois com
toda confiança ; façamos fielmente cada dia,
a cada hora, esse offerecimento das nossas fal
tas, que é conhecido por todos os amigos do
Sagrado Coração ( 2 ) .
Levemos em seguida ao Coração de
Jesús as nossas faltas 'involuntarias, todas
as nossas negligencias e omissões, para dar
mos resulta�o inevitavel da nossa fraqueza,
a esse divino Coração o consôlo e a gloria
d{' reparal-as. Prefiramos mesmo. como Jesús
( 1 ) Essa bôa vontade, si é sincera e completa,
encerra a vontade de trabalharmos e combatermos
ernquanto pudermos. para nossa emenda.
(2) Vêr, a este respeito, um capitulo. admira
nl do P. Ramierc, no seu livro sobre o Apostoladn
-In S(7�1'11dó Cot·ação.
88 9,o dia
o pedia a Sta. Mechtilde, prefiramos, e muito,
vêr as nossas negligencias reparadas pelo seu
amor. antes que por nós mesmos, supposto que
o possamos, afim de que lhe advenha disso
mais honra e gloria. Porque afinal o que dese
ja a:cima de tudo a alma dedicada ao Sagrado
Coração é a gloria desse divino Coração.
Ora, a sua gloria consiste principalmente em
mostrar a sua bondade e misericordia. E
como mostrará elle a sua bondade si não
fôr dando-nos aquillo que nos falta 7 Sobre
que base se elevará o throno da sua miseri
cordia, sinão sobre as nossas miserias ? E si
tivermos verdadeiramente confundido os nos
sos interesses com os delle, como é a lei da
amizade, como é a condição da nossa socieda
de com elle, que outra causa temos a fazer,
quando esses interesses hão soffrido, por negli
gencia nossa, sinão virmos expôr-lh'o com
toda· simplicidade afim de que elle lhes suppra
para suas riquezas infinitas ?
'
E' pela· mesma razão que, na sociedade
commercial que Jesús quiz formar comnosco
para occorrer ás necessidades da sua Igreja,
nós, pobres peccadores, tão indigentes de todo
bem, só temos que tirar no bom thesouro do
Coração de nosso divino Socio, para pagar
O S. Cor., reparação nossa 89
todas as nossas dividas, isto é, tudo quanto
devemos trazer, por nossa parte, a Commu
nhão dos Santos.
Jesús nol-o diz : seu Coração deseja ar
dentemente servir-nos assim de reparação e
de supplemento ; é para elle uma viva alegria
e a sua maior gloria. Tudo o que elle nos
pede é que recorramos a elle .com um coração
bem arrependido, sem duvida alguma, mas
sobretudo com um coração confiante, com um
coração de amigo. O pesar cheio de compun'c
ção que lhe exprime Gertrudes comoveu-o e
elle lhe restitue todas as graças que ella p�r
deu no dia. Quando a vê humilhar-se dos seus
defeitos, faz fluir nella a abundancia da sua
graça para apagai-as, e reveste-a das suas
proprias virtudes divinas. Essa confiança de
Gertrudes que não se deixa desconcertar por
causa alguma, porque ella sabe qu.e Jesús é
seu amigo e que ella pôde contar com a sua
misericordia, essa confiança encanta o Co.:
ração de Jesús, e é a essa disposição que elle
attribúe todas as misericàrdias de que usa
para com ella. E como não haveria de ser
assim ? J esús poderia ficar insensível no seu
Coração quando o chamamos nosso Amigo,
nosso Irmão, nosso Esposo ; quando lhe re-
90 g;o dia
presentamos que elle deu seu sangue para pa
gar as nossas dividas, e que é justamente esse
sangue derramado por nos que queremos tor
nar util fazendo-o servir á nossa Redempção?
Porquanto tudo isso só tende a tornar
perfeita a obra da Redempção ,a completar
em nós o que falta á Paixão de Jesús Christo,
a consummar-nos nelle, afim de que elle possa
dizer no fim dos tempos, quanto a si mesmo
e quanto a seus membros : Consummatum est,
tudo está consummado. Estamos pois segu
ros, pedindo assim a Nosso Senhor supprir e
reparar por nós, estamos seguros de lhe entrar
no plano, de corresponder-lhe ao desejo, de
lhe cumprir a vontade. Ora, "nós sabemos
que si lhe pedirmos alguma causa segundo a
sua vontade, obtel-a-emos infallivelmente" ,
como nol-o promettem os nossos santos Li
vros. Aproximemo-nos pois com confiança
desse Coração tão meigo de Jesús, para obter
mos delle o soccorro que nos é necessa.rio.
Elle se comprazerá em tornar as nossas obras
perfeitas ; completará os nossos trabalhos, se
gundo a palavra do Espírito-Santo ; concluirá
em nós mesmos o que falta á sua obra por
nossa parte.
Niio sentimos o quanto esta doutrina é
O S. Cor., reparação nossa 91.
alentadora, fortificante, enriquecedora ? Oh !
corno a devoção ao Sagrado Coração assim
entendida e praticada pôde elevar-nos rapida
mente á mais alta perfeição ! Sim, si quizer
rnos dar a Jesús gloria perfeita segundo o
l('mrna dos seus amigos : A. M. D. G. ( 1 ) si
quizermos ser victirnas consurnmadas do seu
amor, sigamos fie)mente estas praticas : leve
mos cada dia, a cada hora, as nossas culpas,
as nossas dividas ao Coração misericordioso
de Jesús para que cada hora, cada dia seja
perfeito e consurnrnado pelo seu amor ! Oh !
"demos a J esús segundo a Iiberalidadé- do seu
Coração generoso, corno elle o pedia a Sta.
Mechtilde ; demos-lhe segundo a sua bondade,
e não segundo a nossa" ; isto é, tenhamos
confiança sem limites na sua bondade, afim
de que, enriquecendo-nos pela sua liberalidade
e generosidade que sãà sem limites, possamos
dar-lhe, por nossa vez, com liberalidade e ge
nerosidade semelhantes. Já que esse bom -Mes
tre põe á disposição dos seus servos fiéis todos
os seus talentos com tanta liberalidade, use
mos destes com confiança generosa para sua
gloria, queiramos gerir os seus negocias com
magnificencia, afim de que nada falte aos fru-
( 1 ) Ad muloremDel glorlum - pela maior
e-lorla de Dem<.
92 9.'! dia
tos de consolação que lhe devemos dar, á
gloria que lhe devemos proporcionar.
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 0 offere
cimento das nossas faltas ao Sagrado Coraç_ão
de Jesús, cada dia, a cada exame ,depois de
cada acção, com grande sentimento de con·
fiança e de puro amor, dizendo a Jesús como
elle proprio o inspirava a Sta. Mechtilde :
"Quero-vos ser perfeitamente fiél ; gosto mais
e muito mais revêr as minhas faltas repa
radas por vosso amor do que por mim mes
ma, supposto que eu o possa, afim de que
resulte para elle tanto mais honra e gloria"
2.0 O offerecimento das nossas faltas in
voluntarías, omissões, etc . , resultantes das oc
cupações, das distracções, de nossa fraqueza,
etc . , dizendo a Nosso Senhor como elle Q ins
pirava a Sta. Mechtilde : "Senhor, quero dar
vos segundo a liberalidade do vosso Coração
generpso, segundo a vossa bondade e não se
gundo a minha. Dignae-vos pois restituir-me
tudo o que perdi assim involuntariamente,
afim de que eu vol-o possa dar a vós mesmo
segundo a vossa liberalidade"
3 .0 Offerecimento das nossas dividas
para com Deus, para com Maria, para com a
Igreja, para com as almas do Purgatorio, para
O S. Cor., reparação nossa 93
com os peccadores, para com os agonizantes ;
para com o cumprimento dos nossos deveres de
estado, dos nossos diversos empregos, etc. Di
gamos a Jesús como Sta. Gertrudes : "O' meu
Irmão, já que vos fizestes homem para pagar
as dividas dos homens, dignae-vos agora, ro
go-vos, suppfir á minha indigencia e pagar in
teiramente todas as minhas dividas"
DECIMO DIA
Os caminhos fáceis do amor divino pela de
voção ao Sagrado Coração, segundo
Sta. Gertrudes.
O Coração de Jesús tudo dispoz no livro
de Sta. Gertrudes para attrahir-nos suavemen
te a si pela trilha facil do amor. Quando esse
livro ficou concluído, Jesús mostrou-se a Ger
trudes segurando-o apertado ao seu Coração
e lhe disse : "Aperto este Livro ao meu Cora
ção para lhe penetrar todas as letras da doçura
do meu amor, e quero que a cada pagina se
manifeste a imagem da minha bondade toda
gratúita.
D'outra vez, como a redactora desse li
vro, indo á communhão, o levasse escondido
debaixo do manto para offerecel-o ao Senhor
�m louvor eterno, no momento em que se
prostrava perante o corpo de Jesús Christo,
uma das companheiras · enxergou o Salvador
que, pelo excesso da sua bondade surprehen-
Canúnho facil do amor divino '9á
dente, vinha elle proprio ao encontro da Irmã
assim prostrada e abraçava-a ternamente di
zendo-lhe : "Sim, quero que todas as palavras
deste livro que me offereceís ou, antes, que
meu proprío espírito dictou, fiquem cheias da
fecundidade do meu amor. Quem quer que,
vindo a mim com coração contrito e humilha
do, quizer lêl-as por amor do meu amor, fal
o-ei repousar; sobre o meu Coração e lhe mos
trarei, com meu dedo, os pontos que lhe são
propríos e vantajosos" .
O livro de Sta. Gertrudes vem pois do
Coração de Jesús, e leva-nos a elle por uma
trilha toda de doçura, de bondadé e de amo_r.
REFLEXÕES. - "E' uma das maravilhas
da espiritualidade de Sta. Gertrudes tornar
facil, accessiuel a todos, mais que nenhuma
outra, a santificação da alma e· a mais alta
perfeição. Parece, com ella, que é um nego
cio de todas as horas e de todas as circums
tancias estarmos unidos a Deus, associarmo
nos' ás suas obras, aos meritos de Nosso Se
nhor ; que é bastante para todos o menor mo
vimento sincero de bôa vontade para adqui
rir direito aos meritos mais elevados e ás re
compensas mais gloriosas" . (Traducção dos
Padres Benedictinos, Pref. XXXIII) .
96 10.0 dia
Commentemos este pensamento dos sa
-bias. .editores de Sta. .Gertrudes : elle. não é
.mais, ::<:omo se vê, do que o desenvolvimento
do titulo do capitulo.
A �spiri.tualidade d� Srp._ Gertrudes póde
reduzir-se a estes tres meios : o desejo, 'a união,
o abandono; o desejo da gloria de .
-
O�us a .
u_nião a Jesús, á sua Paixão, ao seu Çpra�ão.
aos seus Santos ; o abandono ao bep.eplacito de
Deus e á sua ProvidenCia. Ora. ha nad� mais
f.acil para qualquer atina de bôa vontade ? Ha
nada mais · consolador, mais attrahente, mais
animador ? Não se 'trata aqui de _grandes mor
tificações, nem de praticas longas ou difficeis,
nem de vi'rtudes extraordinarias e sublimes :
Gertrudes quasi não fala disto. Ella haure
.essas tres disposições, de desejo, de união, de
11bandono, no Coração de Jesús, e as leva a
toda parte. Eis ahi, parece, todo o s�.u segredo
para amar a Deus, para progredir no amor,
para se consummar no amor. Possa. essa bôa
Santa auxiliar-nos a bem lhe appreheitder
mos o segredo, sobretudo a n_os servirmos
-bem delle na pratica, para progredirmos á
imitação della nesses. caminhos fáçeis do amor
divino, e chegarmos como ella ao termo que
devemos unicamente desejar ! Seria para nós,
Caminho facil do amor divino 97
no nosso trabalhinho, grande alegria, si estas
reflexões simplissimas pudessem ajudar algu
ma alma, inda que fôsse uma só, a achar · a
sua trilha, essa trilha de verdade que devemos
escolher, essa trilha de dilatação que o nosso
coração necessita achar para se adiantar a lar
gos passos no amor divino ( 1 ) .
Vejamos primeiro quão facil é essa tri
!ha, ao mesmo tempo que segura. o desejó
pó de referir-se mais particularmente á oração ;
a união, á acção ; e o abandono, ao soffrimen
to ; pos'to que essas tres disposições sejam ne
cessarias, por alguma parte, a essas tres espe
cies de obras, para lhes assegurar todo o valor.
Já falámos nos desejos da oração, dessas alnias
de desejos que alcançam tudo ; como Daniel
que, por seus desejos, alcançou a libertação
do seu povo ; como Maria que, por seus d�
sejos, fez descer o Salvador á terra. Ora, nada
ha mais facil do que exercitar-se nessa oração
( 1 ) Não percamos de vista que se suppõe aqui
·uma alma de bôa vontade que faz o que póde pela
oração, pela acção e pelo sacrifício, e que procura
um meio, uma trilha para fazer melhor. A nossa
bôa Santa indica essa trilha, trilha simples e facil,
trilha que está ao alcance de todos, trilha que póde
fazer-nos avançar a grandes passos, fazer-nos correr
nos mandamentos e nos çonselhos diviDos.
98 to.o· dià
de desejos, apropriando-se dos desejos do Co
ração de Jesús, com o auxilio de Sta. Gertru
d�s ? O desejo acha-se ahi expresso sob todas
as formas mais piedosas e mais variadas : é o
desejo do louvor, é o desejo do amor, é o de
sejo do zelo ; é o desejo universal, é o desejo
perpetuo, é o desejo de todos estendendo-se
a tudo. Ora, uma só destas formulas tão di
versas "póde offerecer materia para meditar,
para rezar, para sustentar a alma por longo
tempo ,por todo um período da vida " . (Trad.
Pref. XXXIII. ) Experimentemos, por exem
plo, tornar-nos familiares as formulas tão
bellas e tão ricas do livro intitulado Orações
de Sta. Gertrudes; a alma que se applicar a
isto por algum tempo tornar-se-á necessaria
mente uma alma de desejo, á feição de Sta.
Gertrudes, e os seus desejos pôl-a-ão no ca
minho duma grande santificação.
Como meio para santificar as nossas ac
ções, Sta. Gertrudes propõe-nos mais especial
mente a união : a união aos meritos de J esús,
a união com os Santos, a união com nossos
irmãos. Já vimos precedentemente que valor
póde dar ás nossas obras a união com o Co
ração de Jesús. A união com os Santos faz
igualmente que nos apropriemos dos seus me-
Caminho facil do amor divino 99
ritos, em virtude deste principio que : "a cari
dade faz seu o que pertence ao proximo" E
esta apropriação é mais ou menos perfeita con
forme a nossa união é mais ou menos intima
com os seus gloriosos amigos, que nada de
sejam tanto como communicar-nos os seus
meritos e abrir-nos os seus thesouros. Enfim,
a união com nossos irmãos deste mundo faz
tambem que nos possamos apropriar dos meri
tos e abrir-nos os seus thesouros. Enmfim, a
união, com nossos irmãos deste mundo faz
tambemque nos possamos apropriar dos me
ritos das suas bôas obras, em virtude do prin
cipio da communhão dos Santos. E os theólo_
gos reconhecem que essa participação nos me
ritos dos nGssos irmãos é proporcionada ao
gráo de união que temos com elles segundo
a ordem da caridade, ou por causa duma affei
ção espiritual particular.
Em terceiro lugar, nos soffrimentos, o
abandono, que não se deve comtudo separar
do desejo e da união, parece ser a disposição
mais facil, ao mesmo tempo que a mais per
feita.
E' o Fiat voluntas tua do Padre-Nosso
� da agonia de Jesús. Pelo Fiat do Padr(f-Nos-
100 10.• dia
so, abandono-me plenamente á vontade de
Deus para que ella se cumpra perfeitamente
em mim : ora, "a vontade de Deus é a nossa
santificação" ; é isto portanto o que ha de
mais santificador. Repetindo o Fiat do Cora
ção de Jesús na agonia, abandono-me sem
reserva aos planos de seu Pae celeste para a
Redempção do mundo. Ora, o desígnio de
Deus é que todos os homens sejam salvos ;
coopéro pois, tão perfeitamente quanto está
em mim, na salvação das almas ; torno-me
tão perfeitamente quanto possível o corre
demptor do mundo com o divino Salvador.
Tudo aqui parece pois poder reduzir-se ao
abandono.
Si abordarmos a questão do soffri
mento voluntario, da mortificação voluntaria,
não poderemos reduzil-a ao abandono, neste
sentido que ella se reduzirá a praticar as mor
tificações que a· vontade de Deus me marcar
pelo attractivo da graça ( 1 ) ou pelo "contrô
le" da· obediencia ? E não é esta ainda uma
pratica dulcíssima, já que eu não progrido
sinão pelo attractivo da graça ; santíssima, já
( 1 ) Esta graça póde ser uma bôa palavra, uma
bôa leitura, tudo o que a Providencia nos envia para
prevenir e alentar a nossa. bôa vontade.
http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Caminho facil do amor divino 101
que eu só procuro cumprir a vontade de Deus
sobre mim ; seguríssima, já que sou guiado
em tudo pela regra da obediencia ?
CONCLUSÃO PRATICA. - (Vêr no fim
do undecimo dia. )
UNDECIMO DIA
Os caminhos fáceis do amor divino pela de
voção ao Sagrado Coração, segundo Sta.
Gertrudes. (Continuação)
Não é difficil agora fazer vêr que Sta.
Gertrudes reduz toda a santificação a estes
tres meios tão faceis e tão animadores : o de
sejo, a união, o abandono. Já demos varias
provas disto e teremos ainda ensejo de addu
zir novas. Por exemplo, a respeito dos de
sejos, uma alma santa, vendo o quanto Ger
trudes é amada do Senhor, pergunta Jesús
pela causa : É, respondeu o Salvador, por causa
de varias virtudes que eu puz nella; em parti
cular, por causa dessa caridade que a faz dese
jar a salvação de todos os homens para mi
nha gloria, e por causa dessa fidelidade que a
faz consagrar todos os seus bens sem nenhu
ma reserva á salvação do universo inteiro" ,
Jesús, para lhe mostrar que se encarrega
de realizar-lhe e completar-lhe os desejos, fa�-
Caminho facil do amor divino 103
lhe escrever por uma alma santa estas paiW'
vras tão animadoras : "Voss'alma dá ao vosso
Bem-Amado cento por um pelos desejos que
forma para si mesma e para o proximo. O
Senhor Jesús suppre á importancia dos vos
sos desejos; rende a Deus Padre as homena
gens que lhe quereríeis render por vós mesma
e pelos outros, e completa nisso o vosso tra
balho de modo que nada lhe falte" . Vemos
por este modo como a alma de desejos póde
vêr os seus desejos realizados pelo Coração
de Jesús não só com relação á sua santifica
ção pessoal , mas ainda nos votos que o seu
zelo a faz formular pela Igreja e pela salva-
ção das almas.
·
Bem sei que nos não podemos apropriar
dos favores especialíssimos concedidos a Sta.
Gertrudes sinão em proporção das nossas dis
posições ; mas é justamente destas disposições
que se trata neste capitulo, e quanto mai�
perfeitas fôrem em nós as disposições que
nelle recommendamos, resultado tanto mais
semelhante ao da nossa S-anta conseguiremos.
A respeito da união, já vimos como Ger
trudes se apropria por ella dos meritos de
Jesús. Apropria-se igualmente dos 4os San
tos ; "Um dia em que d�VÍ<l çomro,ungar (I,
104 ll.o dia
�49 ) achando-se pouco preparada, pediu á
6emaventurada Virgem e a todos os Santos
que offerecessem por ella a Deus todas as
bôas disposições que haviam applicado em re
ceber-lhe as graças. Pediu tambem a Nossa
Senhor que offerecesse por ella aquella dis
posição perfeita que tivera no dia da Ascen
ção, para comparecer perante seu Pae. Depois,
passado algum tempo, como procurasse com
prehender o que havia ganho com esse pedido.
J esús lhe disse : "Ganhaste appareceres aos
olhos dos habitantes do céo com todos os me
ritos que pediste" . E o Senhor accrescentou :
"Porque desconfiarias de mim que sou o Se
nhor todo poderoso e todo bemfazejo? Não
posso eu fazer o que faz um amigo na terra
quando reveste o amigo dos seus proprios or
namentos para fazel-o apparecer com a mesma
pompa com que brilha elle proprio?"
Do mesmo modo tambem, apropriava-se
ella dos meritos do proximo. Um dia em que
suas Irmãs tinham feito exercícios particula
res pelas almas do purgatorio, Jesús lhe disse :
"Es tú, que me darás para augmentar as mi
nhas liberalidades para com aquellas almas
padecentes?" - Gertrudes respondeu : "Of
fereço-vos . todo o bem díls rninhíls Irmã� de
Caminho facil do amor divino 105
que me aproprio inteiramente em virtude da
união que me haveis dado com ellas por vossa
caridade" . E Jesús lhe fez comprehender que
tinha acceito plenamente o seu offerecimento.
Emfim, a respeito do soffrimento, é so
bretudo a disposição do abandono que J esús
pede de Sta. Gertrudes. Quer que ella "ache
amaveis" as disposições mais crucificantes da
sua Providencia ; quer que Gertrudes o deixe
achar seu repouso nas fadigas que elle lhe en
via ; que se abandone a elle pelas molestias,
pelas perseguições, pelas provações interiores,
por todos os soffrimentos numa palavra . Mas
tambem, si Gertrudes pede expressamente para
soffrer mais, Jesús lhe indica que a disposição
que mais deseja della é o abandono ao seu
beneplacito a esse respeito, de modo a que
ella nada escolha por si mesma, nem consôlo,
nem soffrimento, mas esteja abandonada in
teiramente ao beneplacito divino quanto a
pena ou quanto ao allivio ; quanto á dôr ou
quanto á alegria.
Ora, essas disposições altamente santifi
cadoras Gertrudes as havia haurido no Cora
ção de Jesús. O Coração de Jesús, já o disse
mos, é todo desejo; é tambem o centro da
união e o lugar c;le repouso çlo �bandono. E'
106 1 1.• dia
o Coração de Jesús que nos deve communi
car todos os sentimentos que nos santificam
as obras, hoc sentite; é o Coração de Jesús
que nos une com nossos irmãos, como o co
ração humano une os - -diversos membros do
corpo entre si, fazendo circular a vida de um
a outro, e fazendo servir ao' bem de todos os
recursos vitaes que cada um delles fornece.
Especialmente na sagrada Communhão, que
é o Sacramento da unidade ( 1) , o Coração
de Jesús nos une comsigo e entre nós, e si
nos dérmos plenamente a esta união, pode
mos por ella apropriar-nos dos diversos bens
dos Santos e de nossos irmãos da terra.
Finalmente, os sentimentos do Coração
de Jesús a respeito do soffrimento podem re
duzir-se ao abandono : o abandono por amor,
o abandono filial, o abandono completo. E'
o abandono por amor que o faz dizer ao en
trar no mundo : "Eis-me aqui, ó meu Deus,
para me immolar em lugar das antigas vic
timas, segundo a vossa vontade; a vossa von
tade reina no meio do meu coração e será toda
a min·ha lei" . E' o abandono filial que o faz
dizer no horto da agonia : "Faça-se a vossa
( 1 ) Sacramentum un#aees eçclt!.riasticcr (S.
Thomaz) ,
Caminho facil do amor divino 107
vontade, ó meu Pae, e não a minha, em toda
essa Paixão tão dolorosa que se desenróla di
ante de mim! E' o abandono completo que o
faz dizer na Cruz, no termo do seu sacrifí
cio : "Meu Pae, tudo está consummado; nas
vossas mãos entregoa minh'alma; disponde
de todos os meus soffrimentos e de mim mes
mo todo, segundo os vossos desígnios e para
a consummação da vossa obra" .
CONCLUSÃO PRATICA. - Reduz-se aos
tres pontos principaes que indicámos nàs re
flexões.
DUODECIMO DIA
A uida de amizade com o Coração ,de Jesús
segundo Santa Gertrudes.
Um dia, Nosso Senhor mostrou a Sta.
Mechtilde sua irmã Gertrudes que parecia pra
ticar todos os seus actos em presença de Jesús,
volvendo com frequencia os olhares ao sem
blante amabilíssimo do Salvador, e achando
toda luz e toda graça na conversação da sua
amizade. Admirando Mechtilde esse especta
culo; disse-lhe o Senhor: "A minha eleita,
como uês, uiue sempre commigo e só procura
fazer o beneplacito do meu Coração. Mal co
nheceu a minha uontade sobre um ponto,
logo a executa com solicitude, e procura em
seguida saber os meus outros desejos, afim de
satisfazel-os sem tardança. Assim toda a sua
uida passa-se em amar-me e em me agradar
na amizade mais perfeita" .
REFLEXÕES. - E' só o amor que torna
os caminhos fáceis. Viver com Jesús em re-
Amizade com o S. Cor. 109
lações de amigo, é o meio de dilatar o nosso
coração para podermos correr na trilha dos
mandamentos ; foi a vida de Sta. Gertrudes,
e ·é o grande ensinamento do seu l ivro ; é em
fim o desejo mais caro do Coração de Jesús
e a mais dôce consolação que lhe possamos
proporcionar.
Em que consiste essa vida de amizade
com Jesús ? "A amizade, consiste num amor
mútuo fundado numa communicação de
bens" . Importa, pois, em primeiro lugar re
tribuir ao Coração de Jesús amor com amor.
O' Jesús ! o vosso Coração, bem o vejo, ama
me de todas as formas. Esse Coração é cop.
sumido pelo amor. Quereis que elle nos seja
representado corôado de chammas para nos
mostrar que é um incendio de amor. E' tão
grande o vosso amor a mim, apesar das mi
nhas infidelidades, que, si eu tivesse siquer
uma parcella desse amor no meu coração, este
rebentaria immediatamente. E eu tambem vos
amo, dou-me todo a vós, que sois todo amor ;
para sempre, sem receio, sem reserva, abando
no-me ao vosso amor. Que poderia eu temer ?
A minha confiança, fortalecida por este pen
samento de que sois meu amigo, será dora
vante inabalavel. Esperarei tudo de nieu ami-
110 12.o dia
go, sabendo que a sua riqueza e o seu poder
lhe igualam a bondade. Por mais fraco que
eu seja, tornar-me-ei de alguma sorte omni
potente, pois tudo posso em vosso amor que
m:e fortifica.
Eis ahi a amizade mútua. Funda-se,
dissemos, numa communidade de bens. Jesús
deu-me tudo e eu lhe dou tudo : "Tudo o que
tenho é teu, disse-me elle, omnia mea tua
sunt" . Cumpre que possa dizer tambem :
Tudo o que tens é meu. Et tua mea sunt.
Deu-me a sua vida, os seus trabalhos, os seus
merecimentos, o seu sangue, o seu Coração
divino ; dá-me seu corpo, sua alma, sua divin
dade ; quer dar-me a sua gloria, a sua felicida
de, a sua eternidade. Cumpre que eu lhe dê
tambem a minha vida em todas as suas mi
núcias, o meu coração. com todos os seus af
fectos, minh'alma com todas as suas poten
cias, a mim mesmo e tudo o que é meu, pelo
tempo e pela eternidade. A troca deve ser
completa . E não tenho tudo a ganhar nisso ?
Sim, Senhor, tomae tudo e dae tudo. T omae
todas as minhas miserias, visto que verda
deiramente só tenho isto que· seja meu, e
depois dae-me os vossos bens na medida em
que o quizerdes, para me tornardes semelhan-
Amizade com o S. Cor. 111
te a vós, amavel e amante como vós, afim de
que o vosso Coração possa regozijar-se em me
amar tanto quanto deseja, e em se vêr amado
por mim tanto quanto tem o direito de es
perai-o !
E' mistér em seguida, na amizade, se
gundo o doutor angelica, para que seja per
feita, que o amigo ponha toda a sua ventura
em viver com o seu amigo : Convivit ei delec
tabili{er. Jesús cumpre tão bem esta condição
da amizade ! Põe todas as suas delicias em
viver com os filhos dos homens ; quer estar
comnosco até a consummação dos seculos.
Fixou "os olhos e o seu Coração no meio qe
nos Está sempre vivo nos nossos taberna
cuJos para ser o companheiro da nossa vida.
O' Senhor, ponha eu toda felicidade em vos
fazer companhia I Só desejo uma cousa e pe
dil-a-ei incessantemente ao vosso a�or : é ha
bitar sempre- ao pé de vós pelo corpo ou ao
menos pelo coração, vêr sempre a vossa bel
leza e a vossa gloria eucharistica, alimentar
me sempre do vosso amor, passar os dias e
as noites, emquanto o quizerdes, em vos bem
dizer, em vos contemplar, em vos amar !
Uma ultima condição da amizade é par
rilbar pela sympathia mais completa todos os
112 12.0 dia
prazeres e todas as afflicções daquelle a quem
amamos; fazer um só coração com elle : Con
cordat cum ipso. Jesús cumpriu admiravel
mente esta condição. Tomou o nosso cora
ção de carne, fez um só coração comnosco ;
esposou todos os interesses da humanidade
fazendo-se homem ; tomou sobre si toda as
nossas dôres ; sente por sympathia, mais vi
vamente que nós proprios, todos as nossas
alegrias. Oh ! assim seja igualmente para mim,
Senhor ! Só quero sentir pelos vossos senti
mentos, quero que haja entre a vossa vontade
e a minha, não sómente a união, porém, a
unidade ! O' Jesús ! seja o vosso Coração o
meu coração ! Sejam as vossas dôres as minhas
dôres, e as vossas alegrias as minhas alegrias !
O' amizade ! ó união! ó unidade ! Saia eu
inteiramente de mim mesmo para viver todo
em Jesús : elle é o meu centro, é o meu tudo !
O' Jesús, vós em mim e eu em vós ! Fazei
que fiquemos sempre amigos, assim agora
como na eternidade !
Esta vida de amizade foi bem toda a
vida de Gertrudes, e em todo o seu Livro o
Coração de Jesús só procura attrahir-nos a
essa vida. Um dia, fazendo Gertrudes a lei
tura publica sobre este mandamento : "Ama-
Amizade com o S. Cor. 113
reis o Senhor de todo o vosso coração, de
toda a vossa alma e com todas as vossas for
ças" , uma das Irmãs, commovida com o ac
cento de amor que ella punha nisso, disse ao
Senhor : "Ah ! meu Deus ! quanto vos ama
Gertrudes, que nos ensina com tanto ardor
que é preciso amar-vos ! " E o Senhor respon
deu-lhe : "Desde a sua infancia eduquei-a para
a minha amizade e conservei-a pura até o dia
em que e/la se uniu a mim por sua plena von
tade; ehtão, dei-me todo a e/la . e agora é
com toda sorte de delicias que Lhe repouso no
coração. O amor uniu-a inseparavelmente a
mim, assim como o 'fogo une o ouro á pra.ta
para compôr com eiles uma Liga preciosa"
Gertrudes · deu tudo a Jesús, que póde
dizer della com complacencia : "Deu-me to
dos os seus bens se� reserva alguma pela
salvação do universo.; ; e Jesús, por sua vez,
lhe dá tudo : o seu Coração divino, que se
torna o coração de Gertrudes ; as suas cha
gas sagradas, que imprime nella ; os seus mere
cimentos, que ella emprega a seu grado ; a sua
omnipotencia, de que póde dispôr como so
berana.
Toda a vida de Gertrudes passa-se sob o
olhar de Jesús ; como vimos ao começar, só
114 12,o dia
nelle acha ella prazer : "Não posso achar na
terra em que me compraza, diz ella a Jesús,
sinão vós só, ó meu Senhor, cheio de do
çura" , E Jesús lhe responde : "E eu não acho
no céo nem na terra delícia alguma sem ti,
porque te associo pelo amor a todas as mi
nhas alegrias, de forma que não gozo de ne
nhuma doçura que não desfrute comtigo, e
quanto mais doçura ha para mim, tanto mais
fruto ha para ti".
Eis como o coração de Gertrudes torna
se para Jesús uma morada agradavel onde
elle acha as suas delicias, onde gosta de re
pousar de dia como de 'noite. Por isto J esús
lhe deu o seu divino Coração de maneira toda
particular, e ha unidade de coração entre
ambos, na sympathia mais completa.
Essa vida de amizade, dissemos, é o que
o Coração de Jesús mais deseja de nós. Jesús
abriu-nos o seu Coração para isso, quer dora
vante chamar-nos seus amigos. Posta-se á
porta do nosso coração, e bate : "Meu filho,
dá-me o teu coração" Solicita-nos com ter
nura infinita ; tem necessidade donosso amor
para contentar o seu amor ; póde-se dizer que
elle mendiga a nossa amizade. Oh ! demos
lhe o que elle deseja ! Vivamos com elle dessa
Amizade com o S. Cor. 115
vida de amizade que é tão gloriosa para Deus,
visto que lhe faz triumphar o poder e exalta
a misericordia ; ella é, ao mesmo tempo, tão
dôce e tão frutuosa para as nossas almas, e
dá-nos tanto credito para alcançarmos graças
para nossos irmãos : " Uma só alma querida
de Deus, diziam os Anjos a Sta. Gertrudes,
tem mais poder sobre o divino Coração do
que mil e mil outras, para obter a conversão
dos vivos e o livramento dos mortos!"
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Nas nos
sas orações, falemos a Jesús como a um ami
go : Amice, commod.a mihi tres panes . Ecce
quem amas, e estaremos no direito de tudo
esperar da sua amizade ; ab amicis maxime
speramus. (S. · Thomaz)
2.0 Quanto ás nossas acções, façamol-as
todas para o serviço de Jesús, nosso amigo,
com o pensamento de que no proximo é a elle
que servimos : mihi fecistis.
3 .0 Nas nossas penas emfim, pensemos
que fazemos companhia a Jesús, nosso ami
go ; que a Cruz é o dom do seu amor e a
prova do nosso : a sua amizade suavizará,
ennobrecerá, santificará todas as nossas penas.
DECIMO TERÇEIRO DIA
V ida de abandono confiante ao Coração de
Jesús
Fazemos um capitulo particular para a
V ida de abandono ao Sagrado Coração de
Jesús como para a Vida de desejos, porque o
abandono é, ouso dizel-o, a virtude principal
dos amigos do Sagrado Coração, é a forma
especial da espiritualidade de Sta. Gertrudes
( 1) , e é a pratica que Nosso Senhor , mais
parece pedir das almas fraquissimas do nosso
seculo. Pelo abandono abre-lhes elle uma
uma porta para fazel-as entrar na sua omni
potencia ; abre-lhes os thesourós do seu Cora
ção, que se encaqega de supprir todas as fa-
( 1 ) O oração de Jesús, dizem os PP. Benedi
ctinos, traductores de Sta. Gertrudes (Pref. p. XXI ) ,
"revéla a Sta. Gertrudes a sua misericordia infinita
e inspira-lhe uma confiança sem limites, que é como
um dom especial, uma forma da espiritualidade Ger
trudiana. ".
Abandono ao S. Cor. 117
lhas da alma abandonada e dar-lhe comple
mento a todas as obras ; faz dellas instrumen
tos dóceis que de modo algum incommodarão
a acção exclusiva de Deus, e que deixarão
fielmente a Deus á gloria de tudo.
Oh ! possamos nós, por effeito das ora
ções de Sta. Gertrudes, por effeito da graça
especial promettida aos amigos do Sagrado
Coração, possamos sentir vivamente essa ter
nura infinita do Coração de Jesús que nos so
licita á confiança ! Possamos sem temor, sem
reserva, de vez, abandonar-nos amorosamen
te áquelle que quer ser o nosso poder, a nossa
sabedoria e o nosso amor !
Pr-incípios do abandono confiante ( 1 )
ao Sagrado Coração de Jesús
Meditemos primeiro os princípios que
Nosso Senhor inculca. a este respeito, á Dis-
( 1 ) Não se póde tratar aqui sinão da confian
ça inspirada pela graça e medida pela vontade de
Deus. Lembremo-nos tambem de que a ef ficacia at
tribuida á confiança, como ao desejo ou á união, não
se deve entender de maneira absoluta, mas apenas de
maneira proporcionada a essas disposições e á nossa
cooperação. Longe de nós qualquer illusã9 pres4m
pçosa I
118 13.• dia
cipula dilecta do seu Coração. Pode-se reduzil
os a dois :
1 .0 PRINCIPIO : Só a confiança pôde fa
cilmente obter tudo. A confiança foi para Sta.
Gertrudes o prinéipio de todas as graças :
"Ella attribuia só á confiança todas as graças
que havia recebido" Por isto convida os
amigos do Coração de Jesús a pôrem nelle
uma confiança sem limites para receberem
delle graçils sem limites. ( I. 1 O . )
Um dia em que ella pedia a Nosso Se
nhor a salvação de numero prodigioso d'almas
peccadoras, não ousando dizer d'almas em es
tado de reprovação, o Salvador fez-lhe pri
meiro meiga censura de que, pondo limites
á sua confiança, ella os punha tambem á mise
ricordia divina ; depois, quando ella formulou
a sua prece segundo a misericordia sem limi
tes do Coração de Jesús, como perguntasse
o que devia fazer para alcançar essa graça
prodigiosa, Nosso Senhor respondeu-lhe : "Só
a confiança pôde facilmente conseguir tudo"
E concedeu tudo o que a confiança de Gertru
des tinha esperado da sua bondade ( 1 ) .
(III. 9 . )
( 1 ) · Outro traço frisante : Sta. Gertrudes attri
búe do mesmo moclo 4 confiança prodigiosa <!e S.
Abandono ao S. Cor. 119
"E' impossível, repete varias vezes Sta.
Mechtilde, é impossível que o homem não
obtenha tudo quanto tiver acreditado e es
perado obter" . - "E' por isto, accrescenta N.
Senhor ao lhe inculcar esse principio (S. M.
239) , que me causa grande prazer que os ho
mens esperem de mim grandes cousas, e con
ceder-lh'as-ei sempre além da sua especta
tiva" (2 ) .
2.0 PRINCIPIO : Pelo abandono confiante
a alma merece que Je�ús suppra a tudo por
ella. - "Não me crês bastante rico, dizia
N. Senhor a Sta. Mechtilde, para poder pagar
João, o discipiulo dilecto do Sagrado Coração, ·as
graças prodigiosas que elle -recebeu do seu divino
amigo, e em particular a de ter sido chamado a elle
sem sentir os horrores da morte e de vêr já o seu
corpo virginal introduzido na gloria do céo. A Santa•
attribuia primeiro esses favores á virgindade de S.
João e ao martyrio de compaixão que elle soffreu
ao pé da Cruz ; mas J esús-Christo lhe disse que Ih' os
havia concedido para recompensar essa· confiança se
gura com que elle os havia esperado da sua ternura
«sem limites". O amor- que lhe havia inspiardo essa
Santa Audacia mereceu vêr-se coroado de exito.
(2) Nosso Senhor accrescenta : " Aquelle que
tiver para commigo essa confiança de amigo, dar-lhe
ei um coração agradecido, um coração amante, um
coração cheio do meu louvor divino". Que . promessa
gradosa e çonsol�dor� J
120 13.• dia
todas as tuas divr'das? - Sim, Senhor, tenho
confian.ça em vós para tudo. - Eis então que
offereço a Deus meu Pae os ánnos da minha
infancia para supprir o que não podia fazer
nos teus primeiros annos; os trabalhos da
minha adolescencia pelas n�ligencias da tua
juventude; os meus ultimas annos e a minha
Paixão pelas faltas e omissões de toda a tua
vida : deste modo, quero que tua vida inteira
receba em mim e por mim o seu supplemento
e perfeição" (I. 3 1 ) .
Eis ahi o commentario mais tocante
desta palavra dos nossos santos Livros : Com
.plevit labores illíus. _O' ternura, ó liberalida
de do Coração de Jesús, nosso amigo. Quer
completar por si mesmo as nossas obras e dar
á nossa vida a ultima perfeição. Deseja-o ar
dentemente, e será para elle viva alegria, pois
ahi se acham o triumpho do seu amor e a
gloria da sua misericordia. A unica cousa que
elle pede de nós, para esse fim, é confiarmos
nelle, abandonarmo-nos á sua bondade e dei
xarmol --o fazer. Oh ! sim, agora e sempre, em
tudo e por tudo, confiança e abandono ao
Coração de Jesús, para que elle se digne re
matar a nossa tarefa e tornar plena e perfeita
Abandono ao S. Cor. 121
a medida d,e gloria e de consolação que es
perava de nós !
Tres lições do Coração de Jesús a Sta Ger
trudes a respeito do abandono confiante.
1 °. ·"Um dia em que Sta. Gertrudes, na
oração, se sentia muito abatida e desalentada,
Nosso Senhor inspirou-lhe por sua rnisericor
dia grande confiança no seu divino Coração,
e, convidando-a a se apresentar perante elle
corno Esther perante Assuéro, dirigiu-lhe es
tas palavras : "Que ordenas, minha Sobera
na?" - A Santa respondeu : "Peço, Senhor,
que a vossa vontade amabilíssima se cumpra
plenamente em mim" Então o Salvador, no
meando-lhe uma após outra as pessôas que
se haviam recomrnendado ás orações della,
disse-lhe : Que pedes para esta alma, e para
est�outra, e para est'outra mais, que reclamam
mais especialmente as tuas orações? - Ger
trudes respondeu : "Peço unicamente ,Senhor,
que a vossa vontade se cumpra perfeitamente
nellas. Todos os meus desejos e todas as mi
nhas d�licias são vêr o vossobeneplacito ple
namente satisfeito. em m!im e em -todas as
vossas creaturas" - "Meu Cora�ãÓ, con-
122 13.• dia
tinuou Jesús, sensibiliza-se tanto com esse
abandono confiante do teu coração á minha
vontade :tanta, que elle proprio quer supprir
a tudo o que pudesse ter faltado na tua vida
precedente a essa disposição, e te amará dora
.vante como si toda a tua vida tivesse sido per
feitamente �onforme �o meu beneplacito" .
(III, 1 1 ) .
Nós tambem, não desejemos sinão o
cumprimento da vontade de Deus, em nós
proprios como nos outros, nos nossos nego
cios particulares e nos negocias da Igreja,
quanto ás nossas obras de zelo e para tudo o
que podemos ter a peito. Esperemos com
confiança alcançar, pela nossa fidelidade no
abandono, misericordia semelhante á que Sta.
Gertrudes alcança do Coração de J esús, a
saber, que elle proprio se digne reparar tudo
quanto nos faltou até aqui a esse respeito, de
sorte que acceite todas as nossas preces passa
das como vi tivessem sido inteiramente con
formes á sua santa vontade, todas as nossas
acções passadas como si tivessem sido feitas
unicamentue para realizar o seu beneplacito,
todas as nossas penas passadas como si tives
sem sido acceita com perfeil:íl resignação.
2°, "Uma noite em que Genrudes sof-
Abandono ao S. Cor, 123
fria, com febre, mais que de costume, inquieta
va-se com saber si o seu mal ia peorar ou
diminuir. E o Senhor Jesús mostrou-se-lhe a
ella trazendo na mão direita a saúde e na es
querda a molestia. Apresentava-lhe as duas
mãos para que ella escolhessse o que prefe
risse. Ella porém, afastando ambas as mãos do
Salvador, inclinou-se-lhe para o Coração dul
císsimo, em o qual sabia que reside a pleni
tude de todo bem, e respondeu : "Senhor, não
escolho nada, não quero sinão o beneplacito
do vosso Coração" . Jesus 'então, fazendo
jorraJ;_ do seu Coração como que uma fonte
de graças, · fêl-a manar diante do coração de
Gertrudes dizendo : "Já que renuncías á tua
vontade propria para te abandonares inteira
mente á minha, derramo em ti. toda a alegria
do meu Coração divino" . (III, 5 3 ) .
Que exemplo instructivo e animador !
Não escolhamos nada, não peçamos nada :
abandonemo-nos com toda confiança á von
tade sapientissima e boníssima do nosso uni
co amigo ; elle escolherá para nós o que ha de
melhor, e innundar-nos-á ao mesmo tempo
da dôce alegria do seu Coração, pois não
póde haver alegria maior para a creatura do
que servir ao beneplacito do seu Creaoor, ser
124 13." dia
dirigida pela sua vontade amabilíssima e des
cansar de tudo na sua Providencia boníssima.
3°. "Um anno, pela festa da Circumci
são, Gertrudes pedia ao Senhor alviçaras es
pirituaes para as pessôas da sua Cornmunida
de ; Jesús respondeu-lhe : "Si alguem quizer
renunciar generosamente á sua vontade pro
pria, para só procurar em tudo o meu bel
prazer, o meu divino Coração illuminal-o-á
de viva luz para conhecer as minhas vontades.
Far-lhe-ei vêr em que foi que elle faltou á
Regra, que é a expressão da minha vontade,
e repararei com elle todas as suas faltas. Como
um mestre benevolente que instrúe uma cri
ança ternamente amada, fal-o-ei repousar no
meu Coração, e mostrar-lhe-ei dôcemente as
faltas que commetteu. Corrigirei assim com
bondade o que elle fez mal, e supprirei o que
descurou. E si, como uma criança distrahida,
elle passar sobre varios pontos sem prestar at
tenção, prestar-lhes-ei attenção por elle e sup
prirei o que tiver omittido. Eis o presente mais
glorioso para mim que eu possa dar a essas
alriws, a saber, o desejo de me agradarem em
tudo, e o abandono confiante ao meu divino
Coração. F:ar-lhes-ei achar, com a reparação
de todas as suas faltas do anno decorrido, a lu;z
Abandono ao S. Cor. 125
e a força para se conformarem plenamente de
_então por diante com a minha vontade"
(IV, 5 ) .
Appliquemo-nos este ensinamento tão
luminoso e tão consolador, só desejando o
bel-prazer do Coração de Jesús, peçamos-lhe
com confiança que repare tudo por nós, as
nossas faltas e negligencias, e omissões. Pelo
abandono confiante poderemos obter assim
que todos os nossos annos de Religião tenham
o mesmo valor delle que se tivessemos obser
vado perfeitamente a Regra, visto que elle
supprirá misericordiosmente a tudo o que nos
falta.
E a mesma causa póde dizer-se de q�àl
quer tarefa que nos é designada pela sua pro
videncia e que desejamos cumprir perfeita
mente. O melhor meio para chegar a isso
será sempre o abandono confiante á sua mi
sericordia.
CONCLUSÃO PRATICA. - (Vêr no fim
do decimo quarto dia) .
DECIMO QUARTO DIA
Vida de abandono confiante ao Coração de
J esús. (continuação)
Frutos admiraveis do abandono ao Sa
grado Coração de Jesús. - Pelo abandono
confiante ao Coração de J esús, merecemos :
1 .0 que elle pague todas as nossas dividas
quanto ao passado ; 2. o que compléte os nossos
trabalhos quanto ao presente ; 3 .0 que nos pre
pare para o futuro uma abundancia sempre
crescente de graças para a gloria de seu Pae
e para a salvação das almas.
1 . o Nós temos tres dividas a saldar : di
vida de reparação por todas as nossas culpas ;
divida de gratidão pelas graças recebidas ; di
vida de caridade para com Deus e para com
os homens, segundo esta palavra de S. Paulo :
Nemini quidquam debeatis nisi ut inviçem
diligatis (Rom. , XIII, 8 ) , isto é, comple
mento da somma de bem que devemos fazer
a Deus e a nossos irmãos.
Abandono ao S. Cor. 127
A divida de reparação, si appellarrnos
para elle, N. Senhor quer pagai-a dos the
souros do seu coração, corno vimos preceden
temente. A divida de gratidão, que Sta. Ger
trudes fazia tanta questãc- de pagar integral
mente corno se póde vêr em tantos pontos
em que ella chama em seu auxilio a gratidão
de · todas as creaturas, de todos aquelles espe
cialmente que lêrern o seu livro por toda a
continuação dos tempos ; esta divida, Jesús
paga-a inteiramente por nós pelas acções de
graças do seu Coração eucharistico, corno o
fez Sta. Gertrudes em particular, a respeitá
da sua divida para com Maria.
Ernfirn, a divida de caridade, Nosso Se
nhor pagai-a-á igualmente tirando do bom
thesouro do seu Coração riquezas antigas e
novas, isto é, os . seus merecimentos e os da
sua Igreja no Antigo e novo Testamento,
que cobrirão largamente todo o orçamento
que tínhamos que fornecer para o seu ser
vtço.
2.0 No tocante ao presente, orações, ac
ções e sacrifícios, Jesús completai-o-á de modo
que nada falte, especialmente em ralação aos
seis pontos seguintes, que elle preencherá por
128 14.o dia
nós como as seis urnas de Caná usque ad sum
mum.
Nossas faltas. Como mostrou a Sta. Ger
trudes, cobre-as elle pelos rneritos da sua
santa vida ; fal-as servir ao nosso adianta
mento pela pratica da humildade, pelos es
forços que fizermos para nos corrigirmos ;
quer fazel-as servir de modo adrniravel á glo
ria e consolação do seu Coração, nol-as fa
zendo reparar com intenção uniuersal por to
das as faltas de nossos irmãos. Offereçarnos-lhe
essas faltas com um abandono cheio de con
fiança, para .que elle as utilize segundo os
desígnios da sua misericordia. Mesmo porque
elle as encara de alguma sorte corno sendo
as suas proprias faltas : Verba ·delictorum
meorum, já que não fazemos sinão urna só
cousa com elle, e se encarrega de tirar dellas
grandissisirnos bens, segundo a esperança que
tivermos posto nelle : mísericordia quemadmo
dum sperauimus.
Nossos defeitos. Sta. Gertrudes (I, 20)
conjurara urna de suas Irmãs a rogar ao Se
nhor que lhe corrigisse os defeitos. A Irmã
receebu de Nosso Senhor esta resposta : "Do
mesmo modo que um campo coberto de es
trume não fica com isso sinão mais fertil,
Abandono ao S. Cor. 129
assim o conhecimento que Gertrudes tem dos
seus defeitos fal-a dar frutos de graças muito
mais saborosos. Demais, cubro-os pela abun
dancia dos meus dons e como o tempo os
transformarei em outras tantas virtudes" .
O Coração de J esús quer fazero mesmo
a respeito de todos os seus amigos. Elle é
bastante cuidadoso dos seus interesses e dos da
sua Igreja, aos quaes os nossos defeitos nos
parecem prejudicar ; deixemo! -o fazer : elle re
parará tudo. Huilltilhemo-nos sómente, a cada
vez que sentirmos os nossos defeitos, traba
lhemos fiélmente por corrigir-nos, e depois
della qualquer damno, e pouco a pouco, si
o deixarmos agir, transformai-os-á em vir
tudes. Mas é mister deixál-o fazer, lembre
mo-nos bem. As nossas perturbações, as nos
sas agitações, os nossos despeitos talvez e as
nossas impaciencia:s contra nós mesmos sus
tam o trabalho da sua misericordia e fazem
nos muito mais mal do que os nossos pro
prios defeitos. Abandono e confiança ! Dei
xemos fazer, deixemos fazer !
Nossas negligencias. Vimos em varias
pontos como Jesús se · incumbe de reparar to
das as nossas negligencias no louvor, no amor,
no zelo, etc . , em proporção da nossa con-
130 14.o dia
fiança nelle, e já meditámos esta palavra tão
consoladora do Salvador a Sta. Mechtilde
"Prefére, e muito, que a· meu,. amor repare
a.; tuas negligencias antes que tú mesma, afim
de que elle tenha toda a honra e toda a gloria"
N assas omissões. O bom Mestre ensi
nou-nos mais acima como quer supppril-as.
Nossas impotencias. Recordemos, a este
respeito, a recommendação de Nosso Senhor
a Sra. Gertrudes : "Dou-te o meu Coração
para supprir a todas as tuas impotencias .
Usa do meu Coração, e tuas obras encantarão
o olhar e o ouvido da divindade"
Nossas inutilidades. Não ha nem siquer
o tempo do nosso sonho, nem os nossos an
nos passados, si lh'os offerecermos tom con
fiança, applicando-lhes os merecimentos de
sua vida, como tambem o vimos mais acima.
Em resumo, Jesús toma cuidado todo
paternal dos nossos interesses, que fazem uma
causa s6 como os seus. Láncemos todos os
nossos cuidados no seu divino Coração, e elle
se incumbirá de tudo. Deixemol-o fazer, e
nada nos faltará. Abandonemo-nos com toda
confiança á sua providencia sapientissima e
boníssima, e elle tudo fará servir á realização
Abandonô ao S. Cor. 131
deis seus desígnios tão misericordiosos sobre
nós.
3.° Finalmente, , quánto ao futuro, si
fôrmos inteiramente abandonados a N. Se
nhor, de modo que elle possa fazer de nós o
que quizer para o cumprimento dos seus de
sígnios, elle fará em nós prodígios de graça
afim de se indemnizar de tantos corações que
se fecham aos seus dons, que atam os braços
da sua misericordia. Porque elle é por essencia
o bem ·aiffusivo de si proprio. O seu amor
precisa amar ; a sua bondade precisa dar.
Confiemos, abandonemo-nos, e 6 seu amor
irá sempre . crescendo para comnosco, a · sua li7
beralidade augmentará cada dia a nosso res
peito até que elle nos possa corôar na sua mi
sericordia.
CONCLUSÃO PRATICA. - S. Thomaz :
"Fiducia est spes roborata ex aliqua convic
tione v. g. Deum esse meum amicum . "
Logo, a confiança é o fruto necessario da de
voção ao Sagrado Coração de J esús, visto que
esta devoção nos torna necessariamente seus
amigos de coração.
Eis aqui como podemos chegar, por
gráos successivos, á plenitude da medída de
confiança que Nosso Senhor espera de nós.
132 · t4.o dia
1 . VIRTUDE · DE CONFIANÇA. - Póde
ter diversas medidas crescentes :
1 . o A fé : Meu Deus, tenho confiança
em vós para alcançar a graça e a gloria tanto
quanto a fé me ensina.
2 .0 As circumstancias providenciaes : Te
nho confiança em) vós tanto quanto me mos
traes e desejaes por essas circumstancias pro
videnciaes ; por exemplo, impondo-me esse en
cargo, quereis que eu confie em vós para cum
pril -o ; mandando-me essa companhia edifi
cante, quereis que eu confie em vós para apro
veitai-a, etc.
3.0 O attractivo da graça : Tenho con
fiança em vós tanto quanto a vossa graça a
isso me convida ; por exemplo, esta manhã,
na sagrada communhão, haveis-me excitado
a progredir na humildade ; confio plenamente
em vós ·a este respeito, sabendo que "Aquelle
que principiou em mim, acabará"
4. o A Vontade de Deus : Quero confiar
em vós tanto quanto o quizerdes.
5 . 0 O progresso indefinido na confiança :
Augmentae incessantemente em mim a fé e a
confiança.
li. DOM DE CONFIANÇA. - Concedei
me, para vossa gloria, esse dom especial de
Abandono ao :S. Cor. 133
confiança que está acima de toda virtude, ·que
é o mais dôce presente que possaes fazer aos
vossos amigos de coração.
A virtude resulta em parte dos nossos es
forços ; o dom vem puramente de Deus, e Sta.
Gertrudes attribúe as suas graças ao dom da
confiança antes que á virtude
III. ESTADO DE CONFIANÇA. - Senhor,
estabelecei-me mui particularmente no estado
de confiança, que é o mais glorioso para vós
mesmo e o mais frutuoso para a . vossa Igreja.
Este estado comprehende tres disposi-
ções :
1 . o O puro amor : Não quero smao a
Deus só ; esqueço-me completamente a mim
mesmo ;
2.0 O puro abandono : Abandono-me in
teiramente a Deus para que elle faça absolu
tamente de mim tudo quanto quizer.
3 . o A pura confiança : Por conseguinte.
tenho plena confiança nelle, visto que é só
delle que se trata, como fim e como meio,
e visto que eu proprio desappareço inteiramen
te : elle não póde faltar a si mesmo.
Assim se acha obtida essa plena· medida
134 14.o dia
de confiança a que nada falta e que glorifica
plenamente o Coração de Jesús, permittindo
lhe .realizar em nós e por nós os seus desíg
nios de suprema misericordia.
DECIMO QUINTO DIA
A vida de religião no Coração de Jesús.
Podemos considerai-a successivamente do
ponto de vista dE>s quatro fins do Sacrifício,
encaminhandcY,' apenas o leitor, ao quarto dia
quanto á vida de oração.
V ida de adoração.
O Espírito-Santo, que formou Gertru
des com tanto desvelo para a religião per
feita, ensinou-lhe antes de tudo "a adorar a
Deus por J esús Christo, o que é a primeira
e a m·ais sublime de todas as devoções" (D.
Mege., Pref. p. 26 ) , e é sempre o Coração de
Nosso Senhor, perfeito adorador do Pae, que
é o orgão celeste pelo qual ella offerece a
Deus as suas homenagens de adoração.
Quanto a nós tambem, o Espírito-San
to, mais do que nunca fez nos tempos passa
dos, quer-nos fazer entrar na vida de ado-
136 15.• dia
ração, e o Coração de Jesús deseja ardente
mente communicar-nos os seus sentimentos de
adoração perfeita ; "A hora é chegada em que
os que adoram o. Pae adoral-o-ãe em espírito
e em verdade" Nada de mais definido, nada
mais consolador em meio ás tristezas do tem
po presente, do que essa diffusão da graça de
adoração, essa multiplicação das obras esta
belecidas para a adoração, institutos religio
sos consagrados á adoração. Isto se prende em
primeiro lugar á propria diffusão do espírito
eucharistico,. que parece ser uma das graças
dos ultimos tempos, e cuja adoração consti
túe a forma primeira e principal. Isso se pren
de tambem á necessidade especial do nosso se
culo em que, attingindo a revolta contra
Deus os ultimos limites, é necessario que a
adoração, que é a submissão a Deus, tome
tambem desenvolvimentos sem limites, de mo
do que a reparação seja igual ao mal ; é por
isto que a divina Providencia, que tem o
cuidado, a cada época, de enviar á Igreja re
medios oppostos aos males que a desolam,
diffunde nella, no seculo presente, o espírito
de adoração.
Devemos· pois abordar o assumpto que
é agora proposto ás nossas meditações, com
Vida de religião ao S. Cor. 137
ardentes desejos de aproveitar delle e com uma
confiança sem limites ; pois nada é mais pro
prio para inflammar os desejos e para aug
mentar a confiança do que este pensamento :
Sei que entro no plano da Providencia e que
me conformo á vontade divina,, regra de todo
desejo ; sei que me ponho na corrente actual
da graça, que me arrastará dôcemente e me
fará nadar na abundancia.
1.0 ADORAÇÃO EUCHARISTICA. - A
alma eucharística deve adorar o Senhor em
união com o Coração de Jesús e pelo Cora
ção de Jesús, que é o modelo e o orgão de
todaadoração perfeita. O primeiro acto dp
sacrifício de Jesús, á sua chegada ao altar,
como outr'ora á sua entrada no mundo, é
um acto de adoração : "Eis que venho, ó meu
Deus, para cumprir a vossa vontade! Reco
nheço-vos por meu Creador o meu soberano
Senhor, e meu coração submette-se inteira
mente a vós. Fôstes vós que me déstes o meu
corpo e tudo o que possúo : venho sacrificar
VOS todo o meu sêr para reconhecer a minha
inteira dependencia" .
A alma eucharistica póde acaso fazer
nada de melhor do que se apropriar desses
sentimentos do Coração de Jesús, á sua en-
136 15." dia
trada no santuario, para reconhecer com· elle
e por elle o soberano domínio de Deus, sub
rnetter-se-ll�e de todo coração, abandonar-se
lhe plenàrnente ? E' por ahf que o nosso sa
crifício deve começar, e , si nos sentimos im
potentes em presença dessa Majestade infi
nita; usemos do Coração de Jesús, que suppri
rá a nossa incapacidade, e offerecerá por nós
ao Altíssimo as suas homenagens de adoração
perfeita. Nosso Senhor põe o seu divino Co
r.ação á disposição da alma eucharistica corno
um servo pressuroso, tal como dizia a Si:a.
Gertrudes ; deseja ardentemente ajudar-nos a
tributar a Deus os nossos deveres de religião,
e é para elle urna viva alegria, urna dôce gloria,
supprir o que nos falta ; usemos do Coração de
Jesús, e estaremos certos de que as nossas ho
ménagens já não serão indignas do Deus tres
vezes santo.
ADORAÇÃO SOLENNE' COM EXPOSIÇÃO
DO SS. SACRAMENTO. - A adoração solenne
com exposição do SS. Sacramento parece ser
a que mais convém á ah:na eucharistica, por
que é sob essa forma que Jesús-Hostia se
mostra de modo o mais frisante como objecto,
modelo e orgão das nossas adorações. Por isto
vê-se cada vez mais as obras de adoração
Vida de religião ao S. Cor. 139
adaptarem esta forma, e, -si nos dois ultimas
secu1os fôram fundados alguns institutos para
a adoração sem exposição, todas as funda
ções feitas no seculo presente se têm con
sagrado á adoração solenne com exposição.
E' tambem com esta solennidade que é esta-·
belecida a adoração perpetua, que tende a tor
nar-se cada vez mais geral nas nossas diversas
diocéses ; e já ha varias seculos a adoração das
Quaren_ta-Horas, que existe em Roma de ma
neira perpetua, se tem praticado constante
mente nellas com a exposição do- SS. Sacra
mento.
1 . o Esta forma, dissemos, mostra-nos
melhor Jesús-Hostia como objecto das nossas
adoz:ações ; propõe-se directamente ao nosso
culto e convida-nos por si mesma a lhe Ten
dermos as nossas homenagens : , Venite, pro
cidamus ante Deum; venite adoremus Domi
num. Na exposição solenne, Jesús mostra-'se
como o divino sól <ie que recebemos a luz, o
calor e a vida ; como o Rei corôado de gloria
a quem nos devemos submetter ; elle está no
seu throno cercado de honra e de majestade,
recebendo as homenagens dos anjos que lhe
formam. a· ' côrte 'e nos convidam a aqoral-o
comsigo.
140 15.• dia
2.0 Sob esta forma, entretanto, Jesús
não fica sendo menos o modelo das nossas
adorações, porque permanece sempre a Hos
tia escondida que se sacrifica, que se humilha,
que se anniquila. Eis a adoração perfeita :
que a alma eucharistica olhe o modelo que
lhe é proposto do alto, que lhe responde aos
olhos ; em meio ás graças que Deus lhe pro
digaliza, ás luzes com que a inunda, sen
tirá elle ser preciso permanecer sempre oc
culta, sacrificar-se inteiramente á Majestade
divina de quem recebeu tudo, humilhar-se em
proporção dos dons que o Senhor lhe faz.
anniquilar-se na submissão mais completa, na
dependencia mais a_bsoluta.
Assim tambem com relação a seus
irmãos, que representa junto a Jesús, ou antes
com o proprio Jesús, ella sentirá que só uma
ccusa tem a fazer : imitar o Salvador que vive
sempre no estado de Hostia para interceder em
favor delles ; que se humilha pçr elles, que se
faz escravo delles ; que, por elles, se torna
obediente na eucharistia de modo ainda mais
commovedor do que no Calvario ; que se an
niquila por elles ainda mais que na Cruz.
afim de ser sempre, o seu Salvador. Que a
alma eucharistica se una a esses sentimentos e
Vida de religião ao S. Cor. 141
os offereça incessantemente a Deus por seus
irmãos, mediante o Coração eucharistico de
Jesús !
3 .0 Porquanto Jesús-Hostia, solenne
mente exposto, offerece-s-e a nós de maneira
toda particular para ser o orgão das home
nagens que queremos prestar a Deus em nome
de toda a Igreja, visto como nessa adoração
publica elle apparece como o Pontífice e como
a Victima da religião de toda a Igreja ; elle
alli está para adorar o Senhor em nome de
nós todos ; a alma eucharistica tem só que
se unir a elle, e pelo seu divino Coração póde
offerecer a Deus todas as homenagens da
religião mais perfeita, por si mesma e por seus·
irmãos.
Nosso Senhor inspira a Sta . Gertrudes
uma grande devoção em contemplai-o ass-im
�;xposto aos nossos olhares na sagrada Hostia
(II , 1 1 8 ) . Era uma das suas praticas mais
caras, e o bom Mestre diz-lhe um dia a esse
respeito : "Cada vez que se olha assim com
amor a hostia que contém sacramentalmente
o meu Corpo divino, augmentam-se os pro
prios merecimentos para o Céo, e accrescen
ta-se ás proprias alegrias eternas um prazer
particular que corresponderá ao que se tiver
t42 15.• dia
tido em olhar deuotamente esse precioso Cor
po na terra".
3.0 ADORAÇÃO NOCTURNA. - Ha para
os amigos do Sagrado Coração uma alegria
toda particular em adorai-o e em lhe offerecer
as proprias homenagens em meio ao silencio
da noite. na hora em que todos os outros o
esquecem. Foi esta alegria que presentiu o Rei
Propheta quando se levantava de noite para
adorar ó Senhor ; é essa alegria que o Apostolo
manifesta nos nossos santos Livros quando
o carcereiro o acha na prisão occupado em
cantar com o companheiro os louvores de
J esús Christo no meio das trevas. Assim o
amor da alma eucharistica não conhece re·
pouso ; o seu coração véla sempre, mesmo du
rante essas horas que. .a natureza consagrou
ao somno ; a súa. vontade- de honrar a Jesús
subsiste dia e noite : uoluntas ejus permanet
die ac nor:te, e o seu culto é perpetuo para com
Deus da Eucharistia. Sim, verdadeinmente
perpetuo, pois ella se associou a outras almas
que a substitúem quando é preciso que ·ella
se ausente de junto do Tabernaculo, e o pro
prio Jesús-Hostia, pondo-se no meio dessas
almas reunidas em seu nome, associa-se com
ellas, vélà com ellas e por ellas, e lhes com-
Vida de religião ao S. Cor. 143
pleta a obra de adoração. Semelhante á mu
lher forte dos �ossos santos Liyros; a alma
eucharistica provou e viu ·o quanto essa as
sociação é bôa, a suei lampada não se apaga
mais durante a noite, · ella trabalha sem trégua
pelos interesses da Igreja que é a sua família,
pela gloria -de seu divino Esposo. Quem po
derá dizer os frutos de salvação que ella pro
duz por esse labor infatigavel, as riquezas
que amontôa para o resgate das almas, por
esse negocio continuo ? Assim o Coração de
Jesús confia nella; ella lhe rende gloria. á face
do dia e da noite; e o divino Esposo lhe pre
para toda sorte de alegrias para o derradeiro
dia.
E' que effectivamente, para examinar a
cousa do ponto de vista theologico, ha na ado
ração, feita de noite, varios títulos de gloria
toda particular para o Deus da Eucharistia. O
culto que se lhe rende effecfúa-se num reco
!:1imento mais profundo quando toda a na
amza está em silencio ; os cantos do louvqr
s.io mais agradaveis a Deus quando a gente
�rifica uma parte do nosso repouso em con
�"'1Ilplar-lhe as perfeições e em lhe celebrar os
�neficios. Imitamos de alguma sorte por essa
: .xma os habitantes da mansão celeste que,
i44 15.• dia
segundo o Apostolo dilecto, servem a Deus
dia e noite no seu templo. Reparamos por essa
obra tão meritoria, as desordens do mundo,
que consagra o tempo da noite ao jogo e
á intemperança, e o Coração de Jesús deve ex
puim'entar uma dôce alegria em vêr diantede
si essas almas que vêm consolai-o no momen
to mesmo em que mais o ultrajam. Finalmen
te, perpetuamos por esse meio, tanto quanto
possível, no chr"istianismo, o zelo daquelles
antigos solitarios que mantinham nas suas
solidões uma psalmodia continua ( 1 ) .
Levantae pois as mãos durante a noite
para o Santo dos santos. ó alma eucharist1ca ;
bemdizei-o e rogae-o por nós todos ; adorae-o
em presença de seus anjos; reparae as offensas
que se commettem contra elle ; mantende a
Hostia santa sempre elevada entre o céo e a
terra , para attrahir sempre a misericordia
sobre este mundo culpado.
4.0 ADORAÇÃO PERPETUA. - Appli
quemos á adoração perpetua o que acabamos
de dizer da adoração nocturna, que lhe é o
méro complemento.
A felicidade é completa, para a alma eu
charistica, quando ella póde offerecer a Nosso
( 1 ) Berthier : Psalmos, In Pg. 33.
Vida de religião ao S. Cor. 145
Senhor, com as suas companheiras, um culto
perpetuo que não é interrompido nem de dia
nem de noite ; repete elle assim sem repouso
o Sanctus que os anjos cantam no céo, e
preludia desde esta vida ás adorações eternas
que irá em breve offerecer ao Altíssimo com
a Côrte celeste.
CONCLUSÃO PRATICA. - Tomar, entre
as applicações indicadas nessas Reflexões, as
que nos parecem mais praticas para nós.
DECIMO SEXTO DIA
Vida de adoração (continuação)
5.0ADORAÇÃO REPARADORA. - Todo
acto de adoração é um acto de reparação, quer
de modo geral. quer do ponto de vista par
ticular da adoração eucharistica.
1. a Primeiramente de modo geral : a ado
ração, consistindo em reconhecermos a nossa
dependenda com relação a Deus, e em nos
submettermos a elle inteiramente, é por isso
mesmo directamente opposta ao peccado, que
é precisamente um acto de independencia e de
revolta contra Deus. Non serviam - adora
bo : eis os dois termos oppostos. A alma que
adóra em espírito e em verdade repara, pois,
directa e efficazmente o peccado, e si a ado
ração é publica e solenne, a reparação torna
se igualmente publica e solenne. Eis o prin
cipio em que se basêa a adoração das Qua
renta-Horas, instituídas ha longo tempo na
Igreja para reparar publica e solennemente as
Vida de adoração 147
offensas que o mundo commette contra o
Senhor.
2.0 Mas, por isto que, conforme já vi
mos, é principalmente na Eucharistia que a
majestade e o amor de nosso Deus são mais
ultrajadas, será na adoração eucharistica que
se achará a reparação mais necessaria, quer
para a gloria de Deus, quer para a salvação
do mundo : cumpre que onde os ultrajes são
mais odiosos, a adoração se màstre mais re
tumbante ; que onde a ingratidão é mais
monstruosa, a adoração se mostre mais so
licita ; que onde a iniquidade multiplica as
suas offensas, a adoração multiplique as suas
homenagens, com as suas festas solennes e
com as pompas do seu culto. Aqui ainda,
de outro ponto de vista se manifesta um dos
grandes deveres da alma eucharistica, uma das
tarefas mais necessarias que deve realizar no
silencio e na humildade ; precisamente porque
é chamada a reparar os ultrajes do orgulho,
cumpre que ella se humilhe mais ; só o abaixa
mento, a obediencia até á morte podem of
ferecer uma digna satisfação á Majestade di
vina, contra a qual o nosso seculo se revolta
com tanta insolencia.
6.0 Os COMPANHEIROS DA ALMÂ ADO-
148 16.o dia
RADORA. - Nosso Senhor confiara Sta. Ger
trudes de maneira toda especial ao Côro das
Dominações para auxiliai-a na vida de ado
ração. Essas celestes intelligencias diziam um
dia á Santa (IV, 5 3 ) : "Corno a honra do
Rei ama o juizo, e o amor levado pelo ardor
não conhece o freio da razão, todas as vezes
que o Rei de gloria se abaixa para a vossa
alma e voss' alma por sua vez se perde nelle
por um transporte de amor, adorarnol-o em
vosso nome e lhe offerecernos por vós as ho
menagens devidas á sua grandeza, afim de que
a sua gloria soberana em nada soffra com
essa familiaridade a que elle vos admitte"
Roguemos a esses meigos Companheiros
da alma adoradora que nos ajudem, a nós
tambern, no culto que devemos prestar ao Rei
dos reis, que nos inspirem os seus sentimen
tos tão profundos de respeito, que nos as
sociem ás homenagens que lhe offerecern. A
Igreja nol-os faz invocar na santa Missa no
momento em que o Deus da Eucharistia vae
descer ao altar, afim de que elle nos auxilie
a recebei-o com a honra que lhe é devida, e
o adoremos como o fazem os anjos que ro
dêarn o altar : adoram Dominationes.
7.0 As ALEGRIAS DA VIDA DE ADORA-
Vida de adoração 149
ÇÃO. - A vida de adoração é, por si mesma
e para a alma que sabe comprehendel-a, uma
vida toda de alegria, toda de ordem, toda de
paz ; porquanto é uma vida toda consagrada
ao beneplacito de Deus, toda dependente da
sua vontade santa, toda abandonada ao seu
soberano domínio ; ora. o beneplacito de Deus
é a alegria ; a vontade de Deus é a ordem 'per
feita ; o soberano domínio de Deus é o reina
nado da paz. Recitemos simplesmente, mas
séria e sinceramente, o acto vulgar de adora
ção, e acharemos nelle todos esses sentimen
tos e essas diversas disposições : Meu Deus,
reconheço-vos com prazer por meu Creador
e meu soberano Senhor ; com prazo-me em
vós, que sois a fonte de todo bem ; compra
zo-me na vossa Divindade, que é uma infi
nidade de infinitas perfeições ; oh ! sim, de
todo meu coração submetto-me inteiramente
a vós ; abandono-me sem reserva ao vosso po
der, á vossa sabedoria, á vossa bondade ; co1-
loco-me pela eternidade debaixo da influencia
do vosso amor, que é todo bem, toda alegria,
toda paz.
Estes sentimentos tomam bem mais for
ça quando são expressos ao proprio J esús
exposto no altar, quando os sentimos como
150 H!.o dia
a repercussão dos sentimentos do seu proprio
Coração, quando nos podemos dizer : Pelas
minhas adorações, venho augmentar a ale
gria, a ordem e a paz em torno a J esús e por
Jesús, no proprio Jesús e nos seus membros ;
entro na alegria de meu Mestre ; elle me es
tabelece na sua paz ; ordena em mim a sua
caridade ; regozijo-o e elle me regozija ; paci
fico-o e elle me pacifica ; tiro de junto delle,
tanto quanto está em mim, as causas de desor
dem que tanto o fazem soffrer ; em mim e
por mim, faço-o viver e reinar no amor e
na alegria.
8 .0 As VIRTUDES DA ALMA ADORADORA.
- A vida de adoração faz entrar a alma eu
charistica na pratica de tres virtudes eminen
temente gloriosas para Deus e que constitúem
a mais alta perfeição, a saber : o amor de com
p(acencia para com Deus, o abandono a Deus,
a dependencia de Deus.
1 . 0 Essa alma compraz-se em reconhecer
a Deus por seu Creador e Senhor, de quem
ella recebeu tudo o que possúe, pelo Sêr per.
feito de quem recebe todo o seu sêr ; ora, não
está ahi o verdadeiro amor de complacencia
para com Deus considerado como sendo o so-
Vida de adoração 151
berano bem em si mesmo, e como sendo o
autor de todos os bens para nós ?
2.0 A adoração deve tambem trazer o
abandono completo de nós proprios a Deus :
submettemo-nos inteiramente ao seu soberano
domínio, e esta submissão, si fôr sincera e
sem reserva quanto ao corpo como quanto á
alma, quanto ao espírito e quanto á vonta
de, para o tempo e para a eternidade, deve
produzir necessariamente em pratica um
abandono perfeito.
3 .0 D'ahi resulta emfim que nos con
servamos inteiramente sob a dependencia de
Deus, que elle póde dispôr de nós segundo a·
sua santa vontade, que seu Espírito pôde di
rigir-nos em tudo sem obstaculo e tornar-se
o nosso unico principio de acção. E não · tí
nhamos ra·zão de dizer que era esse o estado
mais glorioso para Deus, o estado · da mais
alta perfeição para nós mesmos?
Oh! ·que a alma adoradora ·progrida com
ardor na pratica dessas tres virtudes que cons
titúcm a perfeição mais elevada da vida chris
tã ! O Deus da Eucharistia quer-lh'as conce
der plenamente para sua gloria e para consôlo
do seu Sagrado Coração. Jesús é tão feliz de
vêr a seus pés uma alma . que só nelle põe to·152 16.o dia
das as suas complacencias, uma alma que lhe
é inteiramente abandonada, da quai elle póde
fazer tudo o que quizer ! Fará della um pro
dígio de graças para se indemnizar de tanta
resistencia que encontra em outras almas.
Coragem, servo bom e fiel , parece elle
dizer-lhe, entrae plenamente na alegria do
vosso Senhor; já que deixastes tudo por mim,
eu serei tudo para vós ; entrae nas potencias do
Senhor ; entrae no poder do Pae pelo aban
dono perfeito ; entrae no louvor do Verbo
pela união com Jesús Christo, vosso Chefe
divino ; entrae no amor do Espírito Santo
em união com esse Espírito divino que ha
bita em vós. Vivei no abandono, no louvor,
no amor ! Assim a vida de adoração associa
nos ao poder do proprio Deus, faz-nos de
alguma sorte com elle um mesmo louvor,
um mesmo amor.
9 .0 INDUSTRIAS PRATICAS PARA A ADO
RAÇÃO. - 1 .0 O throno para a exposição do
SS. Sacramento.
O Espírito-Santo, no Cantico que é por
excellencia á Cantico da adoração, do louvor,
do amor, ensina-nos (Cant. IH, 3 ) um me
thodo admiravel para render a Jesús-Eucha
ristia o culto publico. e solenne da adoração.
Vida de adoração 153
Elevemos-lhe primeiro um throno em que elle
seja exposto aos olhos de todos para receber
as nossas homenagens : esse throno "feito com
as madeiras incorruptíveis do Libano" , é no
sentido mystico o Coração immaculado e
os braços da Virgem, sua Mãe, unicos dig
nos de expôr J esús aos nossos olhares e de
apresentai-o ás nossas homenagens. As co
lumnas que supportam esse throno são de
prata, symbolo da pregação ou do louvor
publiços que devem trazer as afmas de nos
sos irmãos a J esús-Eucharistia ; "os degrtios
são de púrpura", porque se faz mistér o san
gue da expiação, da plenitude, da mortifi
cação para nos elevar até á Jesús ; "o assen
to é de ouro puro" porque Jesús repousa na
caridade figurada pelo ouro ; esse throno é
coberto de tapetes feitos pelas filhas de Je
rusalém, e onde se acham representadas di
versas figuras que exprimem o amor do Sal
vador ás nossas almas" . Que ventura para
nós o trabalharmos nessas columnas, nesses
degráos, nesses tapetes mysticos ! depois de
havermos preparado assim o throno em que
Jesús quer receber as nossas adorações, con
vidaremos "as filhas de Sion, as alJ:llaS de
nossos irmãos, a virem contemplar comnosco
154 16.• dia
o verdadeiro Salomão, o Rei pacifico, que traz
o diadema com que sua mãe o coroou no dia
das suas núpcias; no dia da alegria elo seu
Coração" ; teremos prazer em coroai-o de
gloria e de honra ; proclamai-o-emas Rei da
rnisericordia, Rei do amor, celebrar-lhe-emas
as núpcias espirituaes com as nossas almas, e
asseguraremos ao seu dulcissimo Coração um
dia de alegria perfeita.
·
2 .0 A adoração a todas as noras. -
Nosso Senhor pedira á Santà Margarida
Maria que não deixasse passar nenhuma hora
do dia sem vir adorai-o no SS. Sacramento do
altar. Póde-se, com menos incommodo do
que parece á primeira vista, chegar a effectuar
essa pratica tão terna de amizade, tão rica de
graças. Para varias horas do dia, a propria
Regra póde levar-nos perante o SS. Sacra
mento ; para as outras horas, basta virmos a
elle um instante pelo fim da hora, e esta
curta adoração servirá ao mesmo tempo para
a hora seguinte. Póde-se sempre, ao menos,
vir, a elle pelo desejo e incumbir o bom Anjo
de vir effectivamerite em nosso nome. Oh !
como é agradavel ao Coração de Jesús essa
especie de adoração perpetua ! Elle diz a essa
alma que está sempre assim com elle : "Meu
Vida de adoração 155
filho, tú estás sempre commigo, e tudo o que
eu tenho é teu" Ora, quem poderá dizer os
thesouros de graças que esta palavra abre a
essa alma !
3 .0 Jesús, adorador por nós. - Dizen
do Sta. Mechtilde, como vimos, a Nosso Se
nhor : Eu quizera adorar-vos em nom� de
todas as creaturas, Jesús respondeu-lhe : "Eu
que sou o centro de todas as creaturas, o Sa
cerdote da Úeação inteira, offereço a Deus de
tua parte essa adoração uniuersal em nome
de toda creaturan .
Eis a ultima palavra da adoração per
feita !
CoNCLUSÃO PRATICA. - Tomar entre
as applicações indicadas nessas Reflexões as
que nos parecem mais praticas para nós.
DECIMO SETIMO DIA
V ida de acção de graças
Completemos aqui o que dissemos alhu
res da acção de graças, e não receiamos insistir
sobre essa virtude em que Sta. Gertrudes par
ticularmente · sobresaiu. A acção de graças é
o primeiro fruto que N. Senhor nos convida
a colher no seu divino Coração, e será tam
bem o ultimo hymno que a Igreja cantará
no fim dos tempos com elle.
I. 0 QUANTO A ALMA EUCHARISTICA
DEVE PRIMAR NA PRATICA DA ACÇÃO DE
GRAÇAS. - O seu proprio titulo lh'o lembra,
visto que Eucharistia quer dizer acÇão de gra
ças : instituindo a sagrada Eucharistia, Jesús
quiz multiplicar as suas acções de graças para
com seu Pae tantas vezes quantas hostias con
sagradas ha e haverá no mundo, e, unindo
nos a si na vida eucharistica, quer fazer d0
nosso coração o éco da gratidão infinita do
seu divino Coração para si mesmo e para nós.
Vida de acção de graças 1 57
Para corresponder plenamente ás suas inten
ções, cumpre que a vida da alma. eucharistica
seja uma vida toda de acções de graças. Nosso
Senhor se compraz em lhe fazer conhecer, na
intimidade da oração, todos os mysterios do
seu amor a ella, do seu amor aos peccadores,
e convida-a a associar-se a elle para pagar, em
nome de todos, essa divida que quasi todos
esquecem, a divida da gratidão. Seja ella pois
grata como o Coração de Jesús e pelo Co
ração de Jesús ; em união com elle, seja na
Igreja de Deus um orgão publico de gra·
tidão !
E parece que essa vida de acção de gra·
ças deva tomar um desenvolvimento maior
no nosso seculo, visto como a graça dos ul
timos tempos parece dever ser uma effusão
de espírito eucharistico, quer dizer, de espírito
de acção de graças : spiritum grati<E. Convém
aliás que no fim dos tempos o mundo cante
mais plenamente o hymno da gratidão para
com o autor de todos os nossos bens, para
que os agradecimentos da crc!atura corôem a
série dos beneficios do Creador.
11. ACÇÃO DE GRAÇAS PELO CORAÇÃO
EUCHARISTICO DE JESÚS. - Que retribuirei
ao Senhor por todos os seus beneficios ? excla-
158 17.0 dia
ma· a alma eucharistica com o Rei-Propheta.
Elle me deu tudo e se deu a si proprio ; que
posso eu retribuir-lhe de equivalente ou de
digno dellê ? Que acharei nos seus thesouros
cujo valor não seja infinitamente abaixo da
menor gôta do sangue adoravel que elle der
ramou por mim ? Verdadeiramente, não tenho
nada que lhe possa offerecer. Mas o Senhor
Jesús, condoído á vista da minha pobreza, dá
me o seu Coração eucharistico para servir de
orgão á minha gratidão, para que eu offereça
Elle proprio como um presente de valor infi
nito. Por elle, retribúo a Deus tanto quanto
elle me deu e até mais, como o quer a lei da
gratidão; porque todos os bens que elle me
deu, não pude recebei-os e nem posso pos
suil-os sinão dum modo finito, ao passo que
o bem que lhe retribúo pelo Coração eucha
ristico de Jesús é verdadeiramente infinito.
Assim, cumpro o dever da gratidão na sua
perfeição ; retribúo a Deus mais do que elle
me deu ; dou-lhé alguma causa gratúitamente.
III. ACÇÕES DE GRAÇAS POR TUDO. -
Mesmo pelas menores cousas : "Sabeis, ó meu
Deus, exclama Sta. Gertrudes, o motivo da
minha mais amarga tristeza, da minha maior
confusão : é a minha infidelidade, a minha
Vida de acção de graças 159'
irreverencia, a minha ingratidão no uso dos
vossos beneficios. Sim, ainda que só me ti
vesseis dado, vós tão grande, a mim tão indig-·
no, em méro fio de estôpa, eu deveria teste
munhar-vos mais reverencia e amor do que o
tenho feito por tantas graças" .
Eis os sentimentos que devem animar a
alma eucharistica na sua gratidão para com
Deus : humildade, reverencia, amor, fideli
dade, bom uso das graças recebidas. Applique
ella estas disposições ao recebimento das gra
ças, mesmo as mais pequenas,para dar á sua
gratidão toda a delicadeza e toda a profun
deza que convêm á nossa extrema baixeza e
á nobreza infinita do nosso adoravel bem- ·
feitor
2.0 Hoc facite in meam commemora
tionem. "Sta. Mechtilde perguntava ao Se
nhor o que mais lhe agradava no homem :
elle respondeu : E' que medite com profunda
gratidão e guarde em perpetua lembrança to
das as penas e injurias que aturei durante
trinta e tres annos, em que miseria vivi, que
affrontas tive de supportar da parte de minhas
creaturas, e emfim o quanto soffri na cruz,
morrendo da morte mais amarga pelo amor
do homem, para lhe resgatar a alma com- meu
160 17.• dia
precioso sangue e fazel-a minha esposa fiel.
Tenha cada um a todos esses beneficios tanto
affecto e gratidão como si eu tivesse soffrido
só por si" , (I, 1 8 ) .
Oh ! tome a alma eucharistíca bem para
si estas palavras ! Eis o que mais agradará
nella a Nosso Senhor : que guarde sempre
diante delle a lembrança e o reconhecimento
dos seus beneficios. Já que a Eucharistia é o
memorial da Paixão, cumpre que a alma eu
charistica lhe tenha sempre presente a me
moria, para agradecer a Jesús tanto amor, em
seu proprio nome e no de seus irmãos. Oh !
dê fiél , constante, perfeitamente a Nosso Se
nhor aquillo que o seu divino Coração mais
deseja, a gratidão ; consóle-o plenamente da
quillo que mais o faz soffrer, a ingratidão!
Guarde assim sempre viva a lembrança do
Deus da Paixão e da Eucharistia, e cumpra
perfeitamente a recommendação suprema do
seu amor : Hoc facite in meam commemora
tionem! Fazei isto em memoria de mim!
3 .0 A acção de graças pelas nossàs penas.
- Ha as mais das vezes, nas penas que Nosso
Senhor envia á alma eucharistica, diversas at
tenções de ternura e de delicadeza divinas que
primam uma sobre a outra, e que devem ex·
Vida de acção de graças 161
citar nella uma gratidão crescente. V emol-o
de modo tocante no exemplo de Sta. Gertru
des. Nosso Senhor mostra-lhe primeiro que,
pelas penas que lhe manda, quer desapegai-a
de todas as creaturas e attrahil-a exclusiva
mente a elle só : "Gosto muito de conversar
comtigo, diz-lhe numa occasião desse gener�.
e quiz assim fruir mais tempo desta ventura.
A mãe duma criança ternamente amada, que
deseja tel-a sempre ao pé de si, quando ella
se quer afastar para ir brincar com os seus ca
maradinhas, colloca na vizinhança algum es
pantalho para metter mêdo a criança, que
logo accorre a se refugiar no seio del/a. Assim,
como eu desejo ter-te sempre a meu lado, per
mitto que as creaturas te sejam um motivo de
pena, afim de que venhas para junto de mim,
e repouses em mim só" . (IH, 63 ) . Em se
gundo lugar, Jesús inunda-a de consolações
em meio a essas penas, para manifestar a ter
nura do seu divino Coração e provocar nella
uma gratidão maior ; quer para este fim que
essas penas sejam amenizadas pela uncção da
sua graça, que pareçam a Gertrudes muito
mais leves do que as penas aturadas por suas
Irmãs, e deste modo a divina Sabedoria lhe
faz com essas penas "um ornamento delicado
162 17.o dia
em que as flôres da humiliade uêm juntar-se
ás da paciencia para lhe realçarem o brilho" .
- Em terceiro lugar, a Santa, entregando-se
então aos transportes da sua gratidão por
todas essas attenções tão ternas do Coração
de Jesús, vê que todas essas flôres delicadas
se transformam e tornam em ouro massiço.
e o Senhor taz-lhe comprehender que a acção
de graças pelas penas, mesmo leves, que seu
amor nos envia, suppre o que falta ao peso
dessas penas e lhes dá grandíssimo valor, com ...
paravel ao do ouro puro. - Em quarto lu
gar, finalmente, o Salvador inspira-lhe offe
recer todas essas penas pela salvação de seus
irmãos, e como a Santa o faz com novos tes
temunhos de acção -de graças, Jesús recebe o
seu sacrifício com tanta complacencia, que
perdôa, por amor a ella, multidão incontavel
de peccadores.
Alma eucharistica, eis ahi a ternura do
Coração de Jesús por vós ! Eis o que são . as
vossas penas perante eU e ! Eis o valor da acção
de graças !
CONCLUSÃO PRATICA. - Escolher al
guma dessas praticas de acção de graças e fa
zel-a fiélmente.
DE CIMO OITAVO DIA
.
Vida de acção de graças (continuação)
IV. Calicem salutaris accipiam. - "Sta.
Gertrudes na santa Missa, no momento da
elevação, offereceu ao Senhor o calice do pre
cioso sangue de Jesús em acção de graças por
todos os seus beneficios, e sentindo logo que
nesse offerecimento devia unir-se aos senti;
mentos do Coração de Jesús, prostrou-se de
rosto em terra e disse ao Pae celeste : O fferc
ço-me com Jesús para tudo o que mais pôde
contribuir para a vossa gloria. Logo o Salva
dor veiu prostrar-se ao lado della dizendo :
Faço uma cousa só com esta alma. Reanimada
por esta. palavra, disse-lhe Gertrudes : Sim,
Senhor, sou toda vossa. E o Senhor prose
guio : Uni-me tão estreitamente a ti pelos la
ços do meu amor que não posso viver feliz
sem ti" . (III, 5 ) .
Alma encharistica, quereis que · Jesús
.Khe as suas delicias em vós, quereis tornai-o
164 1S.o dia
feliz tanto quanto está em vosso poder, que
reis testemunhar-lhe perfeita gratidão ? Bebei
no seu calice, nesse calice em que elle bebeu
primeiro e que vos offerece agora em signal
de amizade ; partilhae as dôres e as tristezas
as do seu coração divino, verdadeiro calice
de amarguras cujo excesso Jesús quer entor
nar nos corações dos seus amigos.
Cumpre que a vossa gratidão chegue
até ahi. Jesús amou-nos com o amor mais
sincero e mais seria, com o amor mais dedica
do, mais terno e mais constante, porque be
beu por nós a longos sôrvos no calice dos
soffrimentos e das humilhações ; cumpre que
o nosso amor se assemelhe ao seu ; cumpre que
a gratidão lhe pague na mesma moeda : co
gita quoniam oportet te talia praeparare.
V. ACÇÃO DE GRAÇAS POR TODOS.
Já mostrámos eni varias lugares Sta. Gertru
des cumprindo em nome de todos o dever da
acção de graças ; vimos tambem como, ren
dendo graças pelos Santos, ella nos ensina
a nos apropriarmos dos meritos e virtudes
delles.
VI. ACÇÃO DE GRAÇAS PERPETUA. -
Sem per et ubique gratias agere : é a esta pra
tica que a IgreJa nos. convida no momento
Vida de acção de graças 165
em que a Victima eucharistica vae compare
cer no altar : por essa meiga Victima, dar
graças a Deus em toda parte e sempre. E'
a necessidade da alma eucharistica. A sua di
vida de gratidão vexa-a ; parece-lhe que a
eternidade não será bastante longa para pa
gai-a. Não só quer empregar nisso toda a sua
vida, mas ainda convida seus irmãos a aju
dai-a a offerecer continuamente a Deus esse
hymno da acção de graças.
" Impotente, ó Senhor, para vos bem
dizer tanto quanto o quizer, exclama Sta.
Gertrudes, chamo em meu auxilio todas as
creaturas. Rogo-vos comutardes de vossos b�
neficios aquelles que me auxiliarem, inda que
fosse só por um suspiro, a pagar a minha
divida de gratidão" E obtém, pelo ardor
dos desejos do seu coração grato, que todo
aquelle que, mesmo peccador, até o fim dos
seculos, render graças a Deus por Gertrudes,
não findará a vida presente sem que Deus o
haja convertido ou trazido a uma santidade
mais perfeita ( 1 ) .
(1) A Associação da acção de gra,as perpetua,
cujo Centro é em Bordeaux (rua do Hà, · 17) tem
por padroeira .principal Sta. Gertrudes,
166 18.o dia
VII. ACÇÃO DE GRAÇAS COM TODOS.
- "Por todos os vossos beneficios, exclama
Sta. Gertrudes (1, 1 1 3 ) , ó Deus amantíssi
mo, que sois todo amor aos homens, offere
ço-vos as minha acções de graças em união
dessa acção de graças reciproca que existe entre
as adoraveis Pessôas da SS. Trindade, em
união das acções de graças de Jesús e de to
das as creaturas racionaes ou inanimadas"
- "Dignae-vos cumprir por mim esse dever
da acção de graças. (Exercícios, p. 2 20) , ó
meu Jesús tão amado, em tuda a extensão
da justiça. Louvae vosso Pae em mim e por
mim, com todo o poder da vossa divindade.
com todo o affecto da vossa humanidade e
em nome da universalidadedos sêres" De
pois chama todas as creaturas para cantarem
com elle o hymno da acção de graças, ser
vindo-se dos Psalmos de Lourdes que expri
mem tão bem todbs esses sentimentos e lhes
accrescentam tudo o que a gratidão póde
inspirar de mais viv!J e de mais terno.
Póde-se empregar com grande proveito,
a este respeito, o livro dos Exercícios de Sta.
Gertrudes, onde ha um exercido particular
para a acção de graças.
'Vida de acção de gr.aças 167
VIII. TRES FRUTOS DA ACÇÃO DE
GRAÇAS. - Ha na pratica da acção de graças,
para a alma eucharistica, tres minas inesgota
veis de riquezas espirituaes que ella pôde �x
piorar para si mesiTlQ e para a Igreja :
1 . o Aquelle que agradece a Deus as gra
ças concedidas a outrem e espera recebei-as
semelhantes, alcançai-as-á.
2.0 Agradecendo a Deus todas as gra
ças que as outras não quizeram receber, nós
proprios merecemos recebei-as, e beneficiamos
da recommendação do Evangelho : . colligite
fragmenta ne pereant, recolhei o que deixa
ram.
3 . o Agradecendo a Deus todas as gra
ças de que os outros não fizeram bom uso, "as cruzes, os sacrifícios, etc. , apropriamo-nos
dellas, como si nós proprios as usassemos
bem ( 1 ) .
IX. - DUAS DELICADEZAS DA ACÇl\0
DE ÇJRAÇAS. - 1 .0 Jesús deseja ainda mais
testemunhar a gratidão do que recebei-a. Dei
xemol-o fazer, deixemol-o cumular-nos das
suas graças, afim de podermos fazer muito
( 1 ) Recordemos ainda que tudo isto se entende
em proporção das nossas disposições e da. nossa cQO
peração,
168 18.o dia
mais por elle, e ter elle eternamente a alegria
de nos testemunhar por isso a sua gratidão.
2. o Os miseraveis teem a gratidão mais
viva, da mesma forma que os infelizes ; rego
sijemo-nos pois das nossas miserias, que darão
mais brilho aos beneficios de Jesús e nos ex
citarão a uma maior gratidão. Libenter glo
riabor in infirmitatibus meis!
CONCLUSÃO PRATICA. - l .o Sejamos
bem fiéis ao dôce dever da acção de graças.
2.0 Semper et ubique. Cada vez que ou
virmos estas palavras na santa Missa, cumpra
mos esse dever de todo nosso coração e peça
mos a graça de cumpril-o habitualmente.
DECIMO NONO DIA
V ida de reparação
Póde-se dizer que nunca a vida de re
paração fôra tão necessaria quanto nos nossos
dias, porque nunca as offensas contra Deus
tinham sido tão horriveis, urna vez que a
blasphernia attingiu os ultimas limites ; nun
ca a ruína das almas fôra tão completa, já
que é a propria fé dos povos que se destr6e
até nos fundamentos ; járnais o escandalo fôra
nem tão extenso, visto que se tornou escan
dalo nacional, nem tão desastroso, já que
portanto, mais que nunca, o Salvador necessi
ta d 'alrnas seria e generosamente reparadoras
que o auxiliam a satisfazer por esses ultrajes
comrnettidos contra Deus e reergue essas ruínas
das almas, a reparar esses escandalos horren
dos.
§ A VIDA DE REPARAÇÃO É MUITO ES
PECIALMENTE O QUINHÃO DA ALMA EU
CHARISTICA. - Quem responderá a �ssa ne-
170 1 9.• dia
cessidade urgente do Coração de Jesús e da
Igreja ? Sem duvida, todas as almas de bôa
vontade que querem amar a Deus e a seus
irmãos, porém muíto especialmente as almas
eucharisticas. A vida de reparação é mais es
pecialmente o quinhão da alma eucharistica
porque ella vive sempre com Jesús-Hostia e
Jesús-Hostia é o objecto principal, o modelo
e o meio das nossas reparações.
1 .0 Primeiramente Jesús-Hostia é o ob
jecto principal da vida de reparação. Com
effeito, conforme havemos desenvolvido em
outro lugar, é principalmente na sagrada Eu
charistia que N. Senhor é ultrajado ,da ma
neira mais cruel ; é a profanação da Eucha
ristia que é para o homem o crime mais as
sombroso, visto que o faz comer e beber a
sua propria condemnação ; é pelo desprezo
ou pelo abandono do Deus da Eucharistia que
,os povos se afastam dos soccorros da vi�a.
passam fatalmente a uma especie de aposta
sia pratica, e acabam, perdendo a fé, por tor
nar irrepatavel a sua ruína. E' pois para este
lado que se devem volver principalmente os
esforços da alma reparadora.
2. o Ella acha aliás, na Eucharistia, um
modelo perfeito da vida de reparação, por-
Vida de reparação 171
quanto que faz Jesús no tabernaculo? O'ra,
immóla-se, repara ; está sempre vivo para in
terceder em favor dos pobres peccadores ; está
sempre occupado em reparar o mal que faze
mos a Deus e a nós proprios ; vive verda
deiramente duma vida de reparação, repara
ção universal e perpetua, reparação levada
a effeito no silencio e na paz, reparação bem
humilde e bem occulta, reparação pela obe
diencia mais absoluta, pela abnegação mais
completa, pelo dom mais integral de si mes
mo. Almas reparadoras, olhae e fazei segundo
o modelo que vos é apresentado; nas vossas
horas de adoração, contemplae Jesús viven
do na Eucharistia ; amae, como elle, a Deus e
aos homens ; dedicae-vos como elle e com elle ;
reparae como elle e por elle.
3 .0 Porque eÜe é não sómente o modelo,
mas ainda e sobretudo o meio da nossa re
paração. A alma eucharistica deve apropriar
se pelo amor e pela união, das satisfações de
Jesús, e offerecel-as em seguida a Deus como
um bem que lhe pertence a ella mesma. e
com o qual póde pagar as dividas do univer
so inteiro. Com os labias tintos do sangue de
Jesús, faz ouvir essa voz que fala mais elo
quentemente que a do sangue de Abel, e al-
172 19.• dia
cança misericordia. Offerece-se a si propria
como uma só victima com Jesús, regando o
seu sacrifício com as lagrimas santas do Sal
vador para lavar os crimes do mundo, e me
rece ser ouvida por causa do respeito que
Deus dedica a seu divino Filho, com quem
ella faz uma causa só. Como vimos alhures,
Jesús, cujo terno Coração não póde soffrer
que os desejos duma alma que o ama fiquem
imperfeitos, remata-os por si mesmo ; suppre
as homenagens de reparação que quereríamos
offerecer a seu pae, e offerece-as elle proprio
em nosso nome de maneira que nada lhes
falte. Completa assim os trabalhos da alma
reparadora, e, j'leja pelos merecimentos do
Salvador, seja pelos de seus Santos, a tarefa
dessa alma se acha inteiramente cumprida ( 1 ) .
§ 2.° FORMULA GERAL DE REPARAÇÃO.
- Para que a obra da reparação seja com
pleta, podemo-nos propôr reparar todo o mal
que o peccado tem feito ao proprio peccador,
a Deus e á Igreja.
Divino Salvador, por vós e por meio de
vós quero reparar de modo universal e per-
( I ). Na sua intenção, que Nosso Senhor accei
ta, de algum modo, como si fosse plenamente reali
zada,
Vida de acção de graças 173
petuo todo o mal que se faz no mundo e
especialmente no vosso santuario :
A respeito dos proprios peccadores, uno
me : 1 .0 á vossa contrição que repara, tanto
quanto possível , todas as nossas iniquidades,
e applico-a a elles para purificai-os de todos
os séus peccados eqtquanto culpas ; 2.0 uno
me ás vossas satisfações para expiar todas as
penas que são devidas a esses peccados, e
que eu quizera !Carregar todas �<;obre mim
comvosco.
Com relação a Deus, uno-me : 1 .0 ao
acto de desaggravo que não cessaes de offere
cer-lhe para lhe restituir a gloria que o pec
cado lhe ha roubado ; 2. o zo amor que o vosso
Coração lhe testemunha para lhe restituir a
alegria que o peccado lhe tira.
A respeito da Igreja, offereço os me
ritos da vossa Paixão, de que ouso apropriar
me, em virtude da união que me haveis dado
comvosco, para restituir á Igreja padecente
todos os meritos satisfactorios que o peccado
lhe tem feito perder ; para restituir aos mem
bros da Igreja militante todas as graças de que
o peccado os tem privado ; para restituir em·
fim aos anjos e aos santos todo o accrescimo
174 19.• dia
de gloria, de amor e de alegria que o peccado
lhes tem tirado.
Podemos aprofundar estes diversos pon
tos, que são todos fundados na theologia ;
nelles veremos, duma parte, que o peccado é
um mal universal neste sentido que o pecca
do causa mal, de certo modo, a Deus e a
todas as creaturas ; e, doutra parte, que Jesús
temsido o Reparador universal de todo esse
mal, e que, unindo-se ao seu divino Coraçã·o,
nós participamos dessa reparação geral, e nos
apropriamos della, de alguma sorte, por for
ma a podermos offerecer, c..om Jesús, urna re-
paração completa.
·
§ 3 . As INDU"STRIAS DE STA. GERTRU:
DES PARA A REPARAÇÃO. - 1 . o Reparação
pelas desordens do carnaval. - No domingo
da Quinquagesima, Gertrudes viu o Salvador
que fazia annotar no Livro de vida todas as
reparaÇões que ella propria e suas irmãs lhe
offereciam pelos tres dias que o mundo passa
nas desordens do carnaval. "Retríbuír-vos-ei,
disse-lhe Jesús, por todos esses serviços com
uma medida cheia, apertada, amontoçzda e
transbordante. Porque o meu Coração huma
no, como o vosso, é bem mais sensível aos
bons officios que me pres�am no dia das mi-
Vida de acção de graças 175
nhas dôres, do que aos que me podem prestar
no tempo da prosperidade. Assim como David
quiz receber no seu palacio e admittir á sua
mes� os filhos de Berzellai que o haviam aco
lhido no tempo em que fugia á perseguição
de Absalão, e se mostrou reconhecido para
com elles até á morte, assim tambem vos ad
mittirei á mesa das minhas delicias, e serei
grato durante toda a eternidade áquelles que
me acolhem neste momento em que o mundo
me persegue" . O Salvador recommendou em
seguida que lhe offerecessem todas essas obras
ds reparação em união da sua Paixão, que
lhes dá todo o seu meríto, e como Sta Ger
trudes lhe pedisse que Ih� ensinasse o modo
de fazel-o, Nosso Senhor indicou-lhe, para
este fim, a oração feita com os braços em
cruz, pela qual representamos, aos olhos de
Deus, seu divino Filho crucificado.
2.0 Reparação pelas blasphemias. - Sta.
Gertrudes (11 , 1 00 ) , tocada até o fundo
d'alma de uma injuria que ouvira contra Nos
so Senhor, offereceu-lhe, com todo o affecto
do seu coração, este a c to de desaggravo :
"Saúdo-vos, ó pérola vivificante_ da divinda
de ; saúdo-vos, flôr sempre fresca da natu
reZa humana, meu amabilíssimo Jesús, · meu
176 19.• dia
soberano, minha unica salvação! " O Se
nhor respondeu : "E eu tambem te saúdo, eu
que sou teu Creador, teu Redemptor, teu
Esposo; eu que te adquiri ao preço de todo
o meu §.angue" . Depois deu,. lhe testemunhos
de affecto- tão terno, que os santos ficaram
enlevados de admiração ; e accrescentou :
"Todo aquelle que me saudar como o fizéste
para reparar as blasphemias que se commet
tem contra mim, recebertÍ de minha parte
iguaes testemunhos de affecto" (IV, 32) .
"Appliquemo-nos, conclúe o livro, a
bemdizer o Senhor com todo o ardor da no5-
sa alma quando ouvirmos alguma blasphenfla.
e si o não pudermos fazer com tanto affecto
quando Gertrudes, offereçamos-lhe ao menos
o desejo de pôr nisso todo o desejo e todo o.
amor de todas as creaturas, e tenhamos con
fiança de que o seu Coração dulcíssimo accei
tará essa bôa vontade"
3 .0 Reparação pelos sacrilegios. - "Sue
cedeu um dia que, ao dobrarem os paramen
tos, deixaram cair uma hostia que fôra apre
sentada ao altar, e da qual duvidavam si es-..
tava consagrada ou não. Gertrudes r.ecorreu
logo ao Senhor, e sabendo delle que aquella
hostia não estava consagrada. concebeu ex-
O servo de Decs
P. ANDRÉ PRÉVÓT
Primeiro mestre de noviços da Congreg.
dos Padres do S. Coração
morto no Senhor em 26 de Nov. de 1 !1 1 3.
Vida de acção de graças 177
trema alegria de vêr que tal irreverencia fôra
poupada ao seu Bem-Amado. Mas não obs
tante; pensando em tantos ultrajes que Jesús
recebe no sacramento do seu amor, disse-lhe : .
"Já que sois tão offendido, Senhor, não só
por vossos inimigos, mas ainda por aquelles
que deveriam ser vossos amigos, e ás vezes,
o que é summamente digno de lagrimas, pelos
vossos proprios sacerdotes e pelos religiosos,
não direi nada a minhas irmãs, afim de vos
não privar das satisfações que ellas vos que
rem offerecer a respeito dessa hostia, e que
serão para vós uma dôce consolação" . Ac
crescentou ainda : "Senhor, fazei-me conhecer
qual ·a satisfação que o vosso Coração mais
acceitará, porque tratarei de effectual-a, ainda
quando tivesse para isso de consumir todas as
minhas forças" . Nosso Senhor fez-lhe co
nhecer que acceitaria de bom grado que lhe
recitassem duzentos e vinte e cinco Padre
.Vossos em honra dos seus membros sagrados,
- que se fizesse o mesmo numero de actds
de caridade para com o proximo, como fazen
do-os para com elle proprio, em união da
�aridade que elle tem por nós, - e que. se
privassem o mesmo numero de vezes dos .pra
zeres inúteis da terra para dar prazer a Deus"
178 19.• dia
( III, 1 3 ) . Oh ! como são grandes e ineffa
veis a bondade e a misericordia do nosso ca
ridoso Salvador, em acceitar essas ligeiras sa
tisfações de nossa parte ! Offereçamo-lh'as . de
todo o coração, contanto que a sua liberali
dade supprirá o que faltar nellas, e que as suas
proprias satisfações completarão a reparação
que lhe tivermos querido fazer.
4.0 Reparação universal. - "Uma se-
' gunda-feira antes de Ascensão, Gertrudes (li,
1 44) , prestando a uma irmã doente serviços
que lhe excediam as forças, offereceu-os ao
Senhor em satisfação por todos os peccados
dos homens. Então pareceu-lhe que ella acor
rentava com uma corrente de ouro, symbolo
da caridade, uma multidão immensa de ho
mens e de mulheres, e que os trazia ao Senhor.
E o proprio Senhor, cheio de misericordia e
de ternura, mostrando um maravilhoso con
tentamento, acceitava essa offerta com grande
favor, como faria um rei que recebesse de um
dos seus mais caros officiaes todos os seus
inimigos que este lhe trouxesse prisioneiros
para fazer a paz com elle e servil-o em seguida
a seu gosto" .
No dia seguinte, como, na missa, espu
sesse ella ao Senhor os defeitos e as �perfei-
Vida de acção de graças 179
ções de todos os homens justos, rezando com
ardor pela emenda delles, viu o dôce orvalho
da graça descer aos corações de totdos os
justos para fazel-os reflorir com um novo
brilho e dar-lhes novo vigor.
CONCLUSÃO PRATICA. - Offereçamos
habitualmente as nossas acções ao Coração de
Jesús em espírito de amor e de reparação se
gundo a piedosa formula : Senhor Jesús, of
fereço-vos esta acção em união com o vosso
divino Coração, e pelo Coração immaculado
de Maria, em espírito de amor e de reparação.
VIGESIMO DIA
Vida de reparação (continuação)
§ DISPOSIÇÕES COM QUE A ALMA EU
CHARISTICA DEVE ANIMAR A SUA VIDA DE
REPARAÇÃO. - Reduzimol-as a tres dispo
sições de Sta. Gertrudes : a vontade plena, a
gratidiio, o desejo sem limites. ·
Para que a reparação que offerecemos
ao· Coração de Jesús lhe seja plenamente agra
davel, cumpre que parta do fundo do cora
ção, que lhe sejamos gratos por elle se dignar
servir-se de nós para consôlo das suas dôres
e para a salavção de nossos irmãos. Para que
essa reparação seja completa, faz-se mistér
que, pelos nossos desejos, a augmentemos na
medida dos males que queremos reparar, e
que, pela união ás satisfações do Salvador,
lhe demos um merito tão extenso quanto os
nossos desejos.
I . o Já vimos como Sta. Gertrudes, ani
mando-se de vontade plena de satisfazer por
Vida de reparação 181
todos os peccados do mundo, conseguira, por
suas preces ardentes e carícias affectuosas, apla·
car o Senhor irritado e tornai-o propicio aos
pobres peccadores.
2.0 Era tambem porque ella recebia com
gratidão os soffrimentos que Jesús lhe enviava
ao corpo ou á alma, para expiar os crimes
do mundo, que o seu sacrifício era recebido
�m odor de suavidade e ella consolava plena
mente o dulcíssimo Salvador. Jesús lhe en·
sinara aliás que a gratidão dá peso aos soffri.
mentos mais pequenos e compensa o que lhes
poderia faltar como valor satisfactorio.
3 . 0 Gertrudes finalmente, como lh'o en
sinara o Salvador, acompanhava as suas me
nores obras satisfactorias duma intenção uni
versal e de desejos sem limites ; e, para supprir
á importancia dos seus desejos, unia-se ás sa
tisfaçõesde Jesús e dos seus santos, e com
pletava assim a tarefa de reparação.
§ 5 . MEIOS PRATICOS PARA MULTI·
PLICAR OS RECURSOS DA REPARAÇÃO. -
Exporemos varias delles, tão faceis quanto
animadores, que nos são suggeridos por Sta.
Gertrudes e que podem tornar�se de eJ_Ctrema
riqueza quando empregados segundo o. espírito
que a animava.
182 20.o dia
1 .0 O abandono. - O mal que queremos
reparar provém de que os homens se revol
taram contra a vontade de Deus, que tudo
havia disposto para o maior bem de todos ;
o remedio, pois, e a reparação acham-se em nos
conformarmos, em nos abandonarmos plena
mente a essa vontade sapientissima e boníssi
ma. De outro ponto de vista, si Nosso Senhor
quer servir-se de nós para a obra da repara
ção, não esqueçamos que necessita, para este
fim, de almas que lhe sejam inteiramente
abandonadas, de que elle possa fazer . o que
quizer. Si achar almas assim, executará nellas
essa obra tão necessaria de modo todo suave
para essas proprias almas, todo consolador
para o seu divino Coração, todo frutuoso
pára a Igreja. E' só deixai-o fazer e aban
donar-se a elle ( 1 ) . Encarada por esta forma,
e de certo é o ponto de vista mais verdadeiro.
a reparação nada offerece de terrível, nada de
triste, nada de · penoso mesmo : é uma obra
optima, toda suave, toda de paz, para a qual
nos entreg�mos �orno instrumentos doceis
( 1 ) Isto é, á sua Providencia que nos tornará
leve o Peso dos sacrifícios necessarios, e á sua graça.
que nos attrahir-á a retomarmos spbre nós o jugo
suave dos sacrifícios volW!tarios.
Vida de reparação 183
nas mãos todas .bemfajezas de Jesús, á dispo·
sição do seu Coração tão terno e tão mise·
ricordioso, afim "de que por nós e em nós
ponha elle balsamo em toda parte, cure todo
mal, console toda dôr, restabeleça por toda
parte a ordem e a paz. Ora, não começará
elle por nós mesmos, e não seremos nós os.
primeiros curados, consolados, pacificados,
restabelecidos na ordem e na abundancia de
todos os bens ? Que temos pois a receiar, e
porque nos inquietarmos? Abandono, aban·
dono, sem receio e sem retrocesso. A'quelle
que é toda paz, toda suavidade, toda ordem
e todo bem.
z.oA humildade. - O orgulho é o prin
cipio de todo peccado, donde resulta que a
humildade destróe o peccado na raiz, estanca
ná proprja fonte os males que produziu, e
repara directamente a offensa que fez a Deus.
Por isto a humildade é o caracter especial da
reparação de que Jesús nos dá o exemplo na
eucharistia ; ahi, ainda mais que na Incarna_..
ção, elle se anniquilou, despojando-se não só
da forma divina, porém até da forma huma.
na, e não apresentando mais aos nossos sen.
tidos sinão simples apparencia sem realidade.
Alma eucharistica, eis ahi o vosso modelo:
184 20.0 dia
a humildade é a virtude principal da alma
eucharistica, corno a humilhação lhe é a trilha
cornrnurn : deixae-vos hurrtílhar, occultae-vos,
guardae silencio, despojae-vos, tanto quanto
puderdes, da vossa personalidade ; deixae-vos
reduzir a nada ; sêde submissa a toda creatu
ra ; não vos julgueis nada ; acceitae todos os
rnallogros, todos os esquecimentos, todos os
desprezos ; supportae todas as contradições,
todos os rnalentendidos, sem nunca dizerdes
nada para vossa justificação ; guardae silen
cio, corno Jesús na Eucharistia, sempre e em
toda parte quando se tratar de vós mesmo :
na· Eucharistia, elle se cala completamente ;
imitae-o, pois elle vos dá o exemplo, elle o
Mestre, a vós que sois o criadinho, para que
façaes corno elle faz. Eis a irnrnolação que
elle pede de vós, irnrnolação que não é tão
espantosa quanto a do Calvario, e que mesmo
a sua graça vos tornará suavíssima, mas irn
molação que nem por isso é menos séria, im
molação que fará morrer o vosso amor pro
prio pela' causa de Jesús, irnmolação que vos
tornará sincera e efficazmente reparadora.
3 .0 A Adoração, o Louvor, a Acção de
graças. - Mostrárnos em outra parte corno
Vida de reparação 185
podem ser satísfactorias e que recursos offe
recem á alma para a reparação. ( 1 ) .
4.0 A Cruz. - Foi pela cruz que Jesús
reparou todos os peccados do mundo ; o sa
crifício eucharístíco é méra reproducção do
sacrifício da Cruz. Todas as nossas penas são,
no plano geral da redempção, um meio de nos
unirmos á Cruz de Jesús para reparar os nos
sos peccados e os de nossos irmãos. Acceíte
mol-as neste espírito. Abandonemo-nos meiga
e amorosamente, sem temor e sem reserva, a
todas essas cruzes providenciaes que Jesús nos
envia na sua mísericordia ; deixemol-as fazer
inteiramente a sua obra de expiação. Por essas
cruzes e pelo sacrifício que a sua graça nos
fará ajuntar a ellas, completaremos o que falta
de nossa parte á Paixão do Salvador por seu
corpo que é. a Igreja ; por ellas completaremos
de nossa parte a grande obra da rwaração
que Jesús operou pelo sacrifício do Calvario e
que applica ás nossas almas pelo sacrifício da
Eucharistia.
5 . o O Amor em fim, o amor que resume
tudo e completa tudo, o amor que dá todo o
( I Não temos que falar aqui da c·ommunhão
reparadora, missa reparadora, adoração repãradora,
�ue, de resto, se prendem aos meios que indi<:ámos,
186 20.o dia
valor ás demais reparações, e que póde sup
prir todas. O amor da alma eucharistica é
balsamo para as chagas do Coração de J esús,
é uma dôce compensação por todas as home
nagens que lhe hão roubado, é uma agradavel
satisfação por todos os ultrajes que o fazem
supportar. Amemos, amemos, e é o bastante ;
amemos por nós mesmos, amemos por nossos
irmãos ; consumamo-nos no amor ; espalhe
mos por toda parte o amor em torno de nós.
Cerquemos Jesús de amor, deixemol-o, em
nosso coração e por nosso coração, .amar
tanto quanto deseja, tanto quanto necéssita ;
levemos-lhe em seguida todo o amor que elle
pede em troca, reunindo no nosso coração
o affecto de todas as suas creaturas para offe
recer-lh'o. Façamos todos os esforços para
que nosso unico amigo ame e seja amado
tanto .orquanto quer, e será a reparação mais
dôce que lhe possamos proporcionar. A alma
eucharistica que diffundir em torno de si o
amor, reparará todo mal em torno de si ; a
alma eucharistica que cobrir seus irmãos com
seu amor tanto quanto puder, contribuirá
tanto quanto póde para o perdão e salvação
delles. Como Magdalena, a alma que ama
muito por si mesma e por seus irmãos, al-
Vida de reparação 187
cança que muitos peccados lhe sejam per�
doados a ella e a seus irmãos : Remittuntur
peccata multa, quoniam dilexit multum.
(Lucas, VII, 47) .
CONCLUSÃO PRATICA. - Apropriar·
nos de algumas dessas industrias da vida de
reparação.
VIGESIMO PRIMEIRO DIA
A alma consoladora do Coração de Jesús
segundo Sta. Gertrudes
Consolantem me quresivi; Jesús procura
consoladores, sobretudo para as dôres intimas
do seu Coração, que é tão affligido ; pede que
derramem balsamo nas feridas de seu Cora
ção, que são de muito as suas feridas mais
cruéis, porque lhe fôram feitas na casa dos
que o amavam, no santuario do seu Templo.
Porquanto os outros, diz-nos elle, contenta
ram-se com bater-me nas costas, porém os
meus amigos, ou pelo menos aquelles que o
deviam ser, aquelles que me eram consagrados,
bateram no meu Coração; feriram-me no pro
prio Sacramento do meu amor, no altar, na
mesa sagrada, no tabernaculo.
O' Coração eucharistico de Jesús, que
dôr não é a vossa ! Quem saberá compadecei-a
plenamente, quem achará consôlo igual aos
vossos soffrimentos occultos ? Só a alma eu-
Alma consoladora do S. Cor. 189
charistica poderá comprehender as dôres de
Jesús na Eucharistia. Jesús, aliás, lh'as revelará
nessa intimidade da vida de adoração, confiar
Ih' as-á como a um amigo bem sympathico, e
lh'as fará sentir por uma viva Compaixão.
Fal-a-á achar as consolações proprias para
amenizai-as ; ensinai-a-á enfim a cumprir a
tarefa, tão necessaria hoje em dia, da repa
ração, e a fazer descer a misericordia sobre
seus irmãos culpados.
§ 1 . E' SOBRETUDO O CORAÇÃOEU
CHARISTICO DE JESÚS QUE CUMPRE CON
SOLAR. - Acabamos de dizel-o, porém para
mais clareza desenvolvamos este principio de
que os soffrimentos do Coração eucharisticà
de Jesús são a renovação das dôres mais in
timas e mais crueis da sua Paixão, e ademais
a continuação dellas em todos os tempos e em
todos os lugares.
A dôr mais intima e mais cruel da Pai
xão de Jesús, achamol-a no horto da agonia,
onde se manifesta por aquelle terrível suor de
sangue e por aquellas palavras de desolação
suprema que arrancou ao Salvador. Foi : 1 .0
o calice da justa colera de seu Pae que elle
teve de beber até ás fezes ; 2 .0 quanto a si
mesmo, a apprehensão e o pavor causados pela
190 21.o dia
vista de tantos soffrimentos a curtir na sua
Paixão primeiramente, e depois na sua vida
eucharistica ; 3 .0 nos seus membros mysticos,
o peso de tantos e tão horríveis crimes que pe
savam todos sobre elle, como si dclles fôsse
culpado, por causa da sua união comnosco ;
o sentimento da ingratidão dos homens que
não correspondiam a tanto amor sinão por
novos ultrajes ; acima de tudo, este pensamen
to de que grande numero se perderiam apesar
da sua Paixão, ou mesmo por causa da sua
Paixão.
Ora, é esta agonia que se renova e se
perpetúa em todos os altares : 1 .0 Jesús ahi
vem beber de novo até ás fezes o calice da
colera de seu Pae, que é incessantemente irri
taclo pelos crimes do mundo, e cujas vingan
ças elle precisa incessantemente sustar ; 2 .0
Jesús ahi vem unir-se a esses homens sacríle
gos, para caxregar mais intimamente, de al
guma sorte, o peso dos peccados delles, por
que é obrigado a soffrer-lhes todos os trata
mentos mais odiosos e mais ignobeis, e é ahi
que se commettem as suas iniquidades mais
monstruosas, que recáem directamente sobre
elle. E' ahi que a ingratidão delles se mostra
tanto mais negra quão mais terno é o seu
Alma consoladora do S. Cor. 191
amor para com elles. E' ahi que este proprio
amor se torna uma causa mais terrível de
endurecimento e de reprovação para aquelles
dt que elle fizera entretanto seus amigos de
coração. Quem dirá agora o quanto o seu
Coração é machucado, dilacerado, esmagado
no lagar da dôr !
E essa agonia, como o dizemos, renova
S>! para elle em todos os tempos e em todos os
lugares. As angustias tremenclas do Coração
de Jesús multiplicam-se tantas vezes quantos
os dias em que se offere'ce o Santo Sacrific'io,
tantas vezes quantos os lugares em que se
ergueu um altar, novo Calvario para a Victi
ma eucharística. Contae, si puderdes, e vêde·
si ha uma dôr como a do Coração de Jesús
na Eucharistia : uidete si est dolor sicut dolor
meus!
E' portanto o Coração eucharistico de
Jesús que a alma amante deverá procurar es
pecialmente consolar. Cumpre que ella mul
tiplique as suas consolações segundo a mul
tidão das dôres desse Coração amabilíssimo :
secundum multitudinem dolorum meorum
in Corde meo consolationes la!tificauerunt
animam meam. Cumpre que, pelas industrias
do seu amor, torne universaes e pe·rpetuas as
1íl2 21.o dia
suas consolações (I ) ; e é a tarefa que deseja
mos ajudai-a a cumprir, conforme as indus
trias de Sta. Gertrudes, conforme as indus
trias que o proprio _Salvador ensinou.
Indiquemos primeiro, de modo geral, di
versas formas universaes que se podem dar a
todas as industrias que vamos propôr :
1 .0 Pela União ao altar (2) , propomo
nos seguir Jesús a todos os lugares em que o
seu Coração eucharistico vae soffrer, afim de
lhe fazermos companhia e de estarmos em
toda parte onde elle soffre, para consolai-o.
O sacerdote, especialmente, póde-se propôr de
sempenhar esta funcção de consolador, que
lhe convém mais que a ninguem, visto que
elle é o homem da Eucharistia, desempenhai-a
de modo universal e perpetuo, considerando
se como "tendo todo o universo por paro-
( 1 ) Sente-se bastante que essas expressões
" universal, perpetuo ", só se devem entender no sen
tido dum piedoso desejo, como na .prece " Louvado,
adorado, amado seja o Coração eucharistico de Je
sús, a todos os instantes, em todos os tabernacul.os ... "
Mas nem por isto deixa esse desejo de ter grande
valor para N. Senhor, como elle o mostra a Sta.
Gertrudes.
(2) Póde-se adquirir em Avignon, na livraria
Aubanel, uma pequena folha i mpressa em que se acha
exposta a pratica da União ao altar.
Alma consoladora do S. Cor. ta3
chia" , tal como Sta. Brígida o aconselhava a
um santo sacerdote de seu tempo, e como o
bemaventurado P. Lefevre o praticava ; e, em
virtude desse encargo, applicar-se-á elle a fa
zer guarda e consolar Jesús em todos os seus
tabernaculos.
2.0 Podemos em seguida empregar a for
ma da adoração universal e perpetua junto a
todos os tabernaculos ; - da missa universal
e perpetua ao pé de. todos os altares ; - da.
communhão universal e perpetua por Jesús
Eucharistia com todas as almas que commun
gam, e nas quaes entramos com elle para
amai-as com elle e amar a elle com ellas, para
consolai-as com elle e consolai -o com ellas ou
por ellas.
Que ventu'ra, que alegria sermos assim
como o caridoso Samaritano para Jesús, nos
sa dulcíssima victima, velarmos ao pé delle,
consolarmos o seu Coração, derramarmos-lhe
nos pés oleo e vinho, o oleo da misericordia
t o vinho do nosso amor ! Damos por essa
forma a Jesús aquillo de que elle mais ne
cessita agora, aquillo que o seu Coração re
clama com mais instancia.
Ouçamos esse appello que elle nos · diri-
194 21.o dia
ge do fundo do tabernaculo, como o fez va
rias vezes para com seus santos : "Protege-me
contra a furia de meus inimigos ; guarda-me
no teu coração para consolar o meu Coração
que é tão affligido !-Seja o teu amor balsamo
nas minhas feridas ; o teu amor far-me-á es
quecer os crimes dos homens, porque sou
mais sensível ao amor do que á offensa. Sê
victima commigo por esses cruéis que me fa
zem soffrer tanto e que meu Coração não cessa
de amar. Viva_ commigo por elles numa im
molação continua ; não me recuses nada para
fazer triumphar a minha misericordia e sal
var essas almas ; consençe mesmo em soffrer
sem consôlo, afim de consolar meu Coração
mais efficazmente. Fica sempre diante de mim
para me desaggravar, para reparar tantos ul
trajes de que não cessam de me abeberar"
Quando Jesús nos vir assíduos na prati
ca da reparação, da adoração perpetua, da
adoração nocturna, da communhão repara
dora, étc . , dir-nos-á ainda como disse aos seus
santos : "Alegrei-me, alma dilecta, quando te
vi vir para junto de mim. Quero consolar-me
comtigo, quero dizer-te o que me causa mais
dôr, o que dilacera mais cruelmente o meu
Coração : são as injurias que recebo nb meu
Alma consoladora do S. Cor. 195
Sacramento de amor, são os crimes desses
novos Judas que eu fizera meus amigos, e
que me tratam agora como o mais cruel dos
inimigos. A cólera de meu Pae vae explodir
contra ellcs ; já lhe não posso suster o peso.
Ajuda-me pelas tuas reparações, pois o meu
Coração ama sempre esses ingratos, e quizera
salval -os. Meu ·Coração ser-te-á vivamente
gtato de que me venhas consolar no proprio
lugar onde mais me fazem soffrer, e por sua
vez o teu amigo da Eucharestia te inundará
de suas consolações" . .
CONCLUSÃO PRATICA. - Pedir .a graça
de vir a ser um consolador do Coração de .
Jesús.
VIGESIMO SEGUNDO DIA
A alma consoladora do Coração de Jesús
(continuação)
§ PRATICA GERAL DA CONSOLAÇÃO DO
SAGRADO CORAÇÃO DE JESÚS. - Podemos
reduzil-a aos pontos seguintes :
1 .0 Antes de tudo, o Amor. A causa de
que o coração afflicto mais tem necessidade
é de sentir uni coração que o ame, que lhe
seja sympathico e dedicado, um coração que
saiba comprehender-lhe as 'dôres e allivial-as.
2.0 Depois a Compaixão, que toma de
alguma sorte sobre si o soffrimento do cora
ção afflicto para descarr.egal-o delle ; é o que
pede o Coração de Jesús por estas palavrás :
"Busquei alguem que se affligisse commigo"
3.0 A Reparação, que cura completa
mente o mal da pessôa afflicta,destruindo
lhe os effeitos ou mesmo supprimindo-lhe as
causas.
Finalmente, esforcemo-nos, para acabar
Alma consoladora do S. Cor. 197
de consolar o Coração ·afflictissimo de Jesús,
por fazel-o esquecer inteiramente as suas dôres
proporcionando-lhe toda sorte de alegria, de
prazer, de gloria. A alegria primeiramente,
dando-lhe, pelas nossas orações e pelos nossos
sacrifícios, o meio de amar, de amar tanto
quanto quer, pois é o amor que produz a ale
gria ; falamos disto em outro lugar. O prazer
( I ) em seguida, fornecendo-lhe os meios de
dar tanto quanto quer, segundo este prin
cipio tão verdadeiro : O mais dôce dos praze
res é poder causal-os ; fazendo-o exercer a
gratidão, tanto quanto deseja, segundo est'
outro principio : O prazer dos bons corações
é a gratidão. Finalmente, a gloria dando-lhê
o meio de perdoar tanto quanto quer, por
quanto a gloria do Salvador outra não é sinão
a manifestação da sua misericordia : falamos
disto igualmente em outro lugar.
Agora, para to�;nar essa consol�ção do
Corãção de Jesús universal e perpetua, appli
quemol-a : 1 .0 a todas as su:ts dôres passadas,
as dôres da sua vida mortal, mórmente da
sua Paixão ; 2.0 a todas as dôres presentes da
( 1 ) E' de notar que S, Thomaz, tratando das
consolações que se podem proporcionar aos a f fli
ctos, -põe em primeira linha o prazer, delectatio; a
compaixão vem só depois.
198 22.0 dia
sua divina pessôa na Eucharistia ; 3,0 a todas
as suas dôres nos membros do seu corpo mys
tico. na terra e no purgatorio.
§ 3. o As INDUSTRIAS QUE NOSSO SE
NHOR· ENSINOU A STA. GERTRUDES PARA
CONSOLAR O SEU DIVINO CORAÇÃO. - 1 .0
Jucundarri mansionem ( 1 ) , - o coração de
Sta. Gertrudes, repouso agradavel para o Co
ração de Jesús. Sta Gertrudes, sentindo-se
muito fatigada, pedia a N. Senhor que lhe
cbncedesse um pouco de repouso : "Que pre
féres, respondeu-lhe o bom Mestre, que repou
ses. em mim ou que eu repouse em ti r - Eis
aqui a vossa serva, Senhor, faça-se em mim
segundo o vosso beneplacito. - Pois bem! si
consentes em supportar ainda esta fadiga,
proporcionas-me o mais dôce repouso : arrimo
me ao teu coração, e consólo-me nelle dos
máos tratos que tantos ingratos me fa:zem
soffrer. Ao mesmo tempo o conc�Kto dos teus
bons desejos vem-me alegrar os ouvidos com
uma dôce harmor'lia; os bons sentimentos de
tu'alma e.?(halam para mim o perfume de to
das as virtudes; o amor que dirige para mim
( I ) Mansão agradavcl : é o termo pelo qual a
Igr:ja, na cração do breviario romano, carecteriza
o coração de Sta. Gertrudes.
Alma consoladora do S. Cor. 199
todas as pulsações do teu coração forma para
mim como uma. brisa refrigerante; prefiro á
mais dôce bebida a terna caridade que te anima
pela salvação de todos os homens, e possúo ao
alcance da minha mão o thesouro do teu cora�
ção onde amontôas os r�cursos para fazer
bem a teus irmãos .que estão na necessidade.
Vê assim que consolações me proporciona
essa fadiga passageira que queres súpportar por
mim"
Animemo-nos a supportar valentemente
as nossas fadigas, as nossas indisposições pe
quenas ou grandes, pelo pensamento de que
podemos proporcionar semelhantes consola�
ções ao nosso unico amigo. As nossas penàs
serão assim santificadas pelo puro amor, e
plenamente utilizadas pela misericordia do
Salvador para a salvação de nossos ·irmãos.
2.0 O jardim da alma eucharistica. Eis
aaora para a alma eucharistica o meio de mul�
tiplicar as consolações e as alegrias do hospede
do tabernaculo. Varias vezes Sta. Gertrudes
procurou alegrar Nosso Senhor pelas meigas
industrias da sua piedade, e Nosso Senhor lhe
mostrava quanto se comprazia nisso : Um
dia, dizendo-lhe a Santa : "Como a vossa
bondade póde comprazer�se tanto nas· peque-
200 22.• dia
nas co usas que eu faço por vós ? " , o Senhor
respondeu-lhe : " Vejo teu coração sempre oc
cupado em consolar-me por mil industrias
diversas que fazem toda a minha alegria.
Comprazo-me tanto nellas quanto se com
prazeria um amigo a quem o amigo, em meio
aos mais .affectuosos abraços, conduzisse a um
Jardtm agradabtltsstmo para the tazer res-
pirar um ar mais ameno, alegrai-o com o
aspecto de differentes flôres, encantai-o com
os sons duma dôce harmonia e retrescal-o
com Frutos de fino sabor" (III, 5 5 ) .
Eis ahi um programma bem agradavel
que a alma eucharistica póde propôr-se exe
cutar junto ao hospede divino do taberna
colo : tratai-o verdadeiramente como amigo,
para fazel-o esquecer que tantos outros o tra
tam como inimigo ; cobril -o de abraços os
mais affectuosos para indemnizal-o de tan
tos ingratos que só têm para elle frieza e
desdém; conduzíl-o a um jardim agradavel
para lhe fazer respirar um ar mais ameno.
em lugar desse ar do mundo todo viciado e
empestado pelos crimes dos homens ; alegrai-o
pelo aspecto das differentes flôres, figura das
virtudes variadas que elle gosta de vêr nas
almas •. suas espos�s ; encantai-o pelos sons
http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Alma consoladora do S. Cor. 201
duma dôce harmonia, pelo Amen do louvor,
pelo Alleluia da alegria santa, pelo Deo gra
tias da gratidão, que cobrirão o concerto in
fernal das blasphemias do nosso seculo ; re
frescar-lhe o paladar com os frutos primo
rosos de toda sorte de bôas obras para fazel-o
esquecer o amargor do · fél e do vinagre com
que os máos o beberam.
3 .0 O bàlsamo para as chàgas do Sal
oador. Encaminhamos ao que dissemos, sobre
este assumpto, em outro capítulo, onde mos
trámos a consolação do Coração de J esús no
nosso desejo da cruz, e onde ouvimos o Sal
vador dizer a Sta. Gertrudes por causa desse
desejo : ·"E' s o balsamo agradaoel das "minhas
chagas"
CONCLUSÃO PRATICA. - Farei hoje
todas as minhas acções de maneira que pos
sam consolar o Coração de Jesús.
VIGESIMO TERCEIRO DIA
A victima do Coração de Jesús,
segundo Sta. Gertrudes
Gertrudes, victima padecente. (I. 3 ) .
"Meu coração se compraz tanto em Gertru�
·des, dizia Nosso-Senhor a uma alma Santa,
que me succede com frequencia, quando sou
offendido pelos outros, procurar nella o meu
repouso, affligindo-a com qualquer pena de
cqrpo Õu de espírito; ella acceita essas penas,
em união da minha Paixão, com tanta gra�
tidão, e supporta-as com tanta paciencia e hu
mildade, que me aéalma de repente e me obri�
ga a perdoar, por amor della, a imnumeros
peccadores" . .
Gertrudes, Victima eucharistica. (111,
30) . Jesús faz� lhe comprehender urtl dia por
estas. palavras de Isaías : "Levantae-vos, tomae
animo, Jerusalém" , a vantagem que a Igreja
militante recebe da devoção dos eleitos·, nisto
que, quando uma alma amante volve�se para
Victima do S. Cor. 203
Deus de todo o seu coração, com a vontade
perfeita de reparar, si lhe fosse possível , todo
o mal que se faz a Nosso Senhor na Sua
honra, e assim trata de suavizal-o pelas suas
ardentes preces e carícias respeitosas, não raro
o apazigua de tal modo, que elle perdôa ao
mundo inteiro.
Gertrudes, victima de .desejos. (IV,
52 ) . No dia da Exaltação da Santa Cruz,
durante a elevação do Calice, corno Gertrudes
offerecesse a N. Senhor os soffrirnentos da
commr.nidade, elle lhe disse : "Sim, beberei,
beberei este calice que o fervor dos vossos de�
se i os encheu de tanta doçura para mim; ber
bel-o-ei tantas vezes quantas m'o offerecerdes.
até que me tenhaes como que embriaqado,
para me tornardes favoravel aos oossos rogos.
--E corno, replicou ella, ó Senhor, vol-as
poderemos offerecer ? - Tantas vezes quantas
formardes em vosso coração o desejo de so�
frer por minha gloria tudo quanto se póde
scffrer até a hora da morte'' . Depo1s o Se
r..hor ensinou-a a formular assim esse desejo :
"Senhor, para vossa maior gloria, fazei con�
cordar· o meu desejo com as minhas palavras :
eti qnizera que todo o ·soffrirnento de !iesejós
que jamais foi sentido em vosso amor por um
204 23.o dia
coração humano, desde o começo do mundo
até o fim, venha accumular-se no meu coração e ahi fique até o dia da · minha morte,
afim de que esses desejos vos façam achar em
meu coração um retiro mais agradavel, e vos
indemnizem da ingratidlo dos homens"
REFLEXÕES. - O amor manifesta-se
pelo sacrifício� e o sacrifício effectuado no
Coração de J esús exhala um ardor de suavida
de não só para Deus que o recebe, mas tam
bem para nós que o offerecemos, e para o
proximo que a elle assiste. Assim, a vida de
sacrifício, ou por outras palavras a vida de
Victima, em união com o Coração de Jesús,
é uma vida toda de suavidade, e, no sentido
mais verdadeiro, uma vida de amor, de alegria
e � paz. Pos�amos nós comprehendel-o Pos
samos, pela pratica e 'experiencia, vêl-o e gos
tai-o : Gustate et videte quoniam suavis est !
1 .0 A Victima pôde ser encarada sob
tres pontos de vista distinctos : o soffrimento,
que é o ponto de vista pessoal ; a substituição,
em relação a seus irmãos ; a religião, em re
lação á Deus.
Do ponto de vista do soffrimento, Sta.
·Gertrudes parece ter-se cingido á regra da
sua Ordem, que era bastante austera, e á gran-
Victima do S. Cor.
de regra do abandon9 á Providencia .. A regra
de S. Bento fornecia-lhe bastantes jejuns, vi
gílias, trabalhos e penitencias diversas para
alimentar o fogo do seu. sacrifício ; e a Pro
videncia sapientissima e affectuosissima de
Jesús accrescentava-thes, além das mortifica
ções que o attractivo da graça lhe pedia, do
enças, trabalhos e outras provocações que lhe
vinham activar a chamma. Quanto ao que
pudesse faltar, a Santa achava meio de sup
pdl-o, e de chegar a ter diante de Deus o
merito do soffrimento dos Santos que mais
soffreram, pelas disposições que indicámos
precedentemente : o desejo, a união, o aban
dono. Eis ahi tudo o que ella aprendera do
Coração de Jesús nesse primeiro ponto de
vista. Quem de nós não pôde aprender della
esta sciencia da Victima do Sagrado Coração,
apropriar-se dessas disposições e excitar-se as
sim, como ella, a rivalizar, de alguma sorte,
com os mais ardorosos amantes da cruz" ?
Do ponto de vista da substituição, ve
mos pelos trechos citados acima, e poderíamos
juntar muitos outros, que Gertrudes esteve
constantemente á disposição de Nosso 'Senhor
para se immolar em lugar de seus irmãos, e
alcançar-lhes assim e perdão. Apenas, · as mais
206 23.o dia
das vezes, Nosso Senhor parece haver-se · con
tentado com soffrimentos bastante communs
juntos a disposições extraordinarias, que lhes
multiplicavam o merito. Ou antes, applican
do-lhe a regra do Evangelho : Medir-vos-ão
com a mesma medida de que tiverdes usado
para com os outros, do mesmo modo que
Gertrudes se substituía a seus irmãos para sof
frer, Jesús quiz substituir-se, elle proprio e
seus .Santos, a Gertrudes ; de modo que a
Santa pôde apropriar-se dos soffrimentos do
Salvador e das dos Santos como si as hou
vesse supportado ella propria de algu� modo,
e por esse meio os seus soffrimentos mais leves
adquiriam valor incomparavel de satisfação
Rara ella mesma e para seus irmãos. Aqui
ainda, quem de· nós não se póde esforçar por
fazer outro tanto ? Não ha nisso nada de
triste ou de assustador. A vida da Victima
assim comprehendida não é muito attrahente,
toda cheia de graças e de frutos de salvação ?
Por fim, do ponto de vista da religião,
Sta. Gertrudes é a Victima por excellencia
do · Coração de Jesús, que foi o perfeito Re
ligioso de seu Pae. Ella não vive com elle
sinão da vida de religião : o . louvor, a acção
de graças, a oração, os desejos, a reparação,
Victima do S. Cor. 207
o culto, o officio divino. Ahi está toda a sua
occupação.
2.0 Assim ella preenche excellentemente
os quatro fins da vida de Victima : adoração,
acções de graças •. reparação, supplica. Estes
quatro actos praticados em união com o Co
ração de Jesús absorvem-lhe toda a vida. Pa
rece entretanto que a acção de graças e a sup
plica predominam, porque Gertrudes é uma
alma eucharistica, e. a vida do Coração eucha
ristico de Jesús manifesta-se principalmente
pela acção de graças e pela oração.
3 . o Podem -se ainda distinguir na vida
de Victima quatro phases : a oblação, pela
qual a Viétima é offerecida a Deus ; a immo
lação, pela qual lhe é sacrificada, a combustão,
pela qual é purificada, transformada, santifi
cada ; a communhão, pela qual Deus a une a
si e se serve della para se unir aos homens.
Essas quatro phases acham-se na vida de Sta.
Gertrudes como na vida de Nosso Senhor, mas
póde-se dizer que é a ultima, a communhão,
que mais lugar nella occupa, como na vida
do Coração eucharistico de Jesús. A oblação
e a imniolação fôram effectuadas pela von
tade mais generosa ; a transformação pelo
fogo do amor vae-se operando sempre. e cada
208 28.0 dia
vez mais perfeitamente ; mas é principalmen
te a communhão que acha em que se exercer ;
a communhão com Jesús pela unidade de co
ração e de vida ; a communhão com os San
tos, pela caridade mais intima ; a communhão
com as almas pelo zelo mais devotado.
4.0 Emfim, podem-se encarar na vida de
Victima duas formas distinctas : a Victima do
Calvario, a Victima euchar:istica. Parece que
a Víctima do Sagrado Coração deve tomar
mais particularmente a segunda dessas for
mas, porque Nosso Senhor nos manifestou·
o seu Coração divino especialmente na sagra
da Eucharistia e sob a forma de sua vida eu
charistica, como para nos dizer que a forma
eucharistíca é , um estado mais permanente
( 1 ) e mais commum, o estado a que elle
chama de preferencia a Víctima do seu Sagra
do Coração nestes ultimas tempos do mundo
em que a Igreja parece esperar ainda por uma
época de consolação, numa suprema effusão
de espírito eucharistíco.
E' sobretudo esta segunda forma que se
patentêa na vida de Sta. Gertrudes, e ella pôde
( 1) Sic eum volo ma-nere donec veniam, diz }e
sús a respeito de S. João, que é o typo da victima
eucharistica. do Sagrado Coração.
Victima do S. Cor. 209
�nsinar-nos que, si a virtude mais assignalada
da Victima do Calvario é a paciencia, a da
Victima eucharistica é antes a húmildade ; si
a Victima do Calvario mostra mais genero
sidade, a Victirna eucharistica distingue-se
antes pelo abandono ; si a Victima do Cal
vario reproduz mais perfeitamente a vida do
lorosa do Salvador, a Victima euchatistica
imita mais a vida de Jesús, no Santo Taber
naculo, vida toda de louvor, de oração e
de amor. Tal foi de preferencia a vida de Sta.
Gertrudes, e é por isso, assim nos parece, que
ella é um modelo mais accessivel· para nós ; é
por isso que nos levá mais suave e mais se-:
guramente ao Coração de Jesús.
CONCLUSÃO PRATICA. - Os diversos
pontos que acabamos de expôr apresentam por
si mesmos as applicações prat�cas.
VIGESIMO QUARTO DIA
A Victima de desejos
Completemos o que dissemos mais acima
sobre a Victima de desejos, fazendo v-êr es
pecialmente como o Sagrado Coração de Jesús
a tem por agradavel e lhe conta a sua bôa
vontade peia realidade. Fazemos disto um
capitulo especial, posto que já tenhamos fa
lado disso varias vezes, porque é uma das
formas especiaes da espiritualidade de Sta.
Gertrudes, e uma mina toda particular de ri
quezas espirituaes, faceis de explorar para os
amigos do Sagrado Coração. E parece-nos
mui particularmente útil, nesta época de pro
vações, em que as almas de bôa vontade pa
recem acorrentadas de alguma forma e redu
zidas a viver duma vida de desejos qpe não
podem realizar no exterior, parece-nos parti
cularmente útil fazer-lhes vêr que a Victima
de desejos nem por istot é menos agradavel a
Nosso Senhor, que ellas podem ter perante
Victima de desejos 211
elle os mesmos merecimentos que os santos
de antigamente· que tanto fizeram pela causa
delle, e que delle podem conseguir para a sua
Igreja uma abundancia de graças proporciona�
das aos seus desejos.
I. JESÚS REALIZA OS DESEJOS DOS SEUS
AMIGOS SEGUNDO A EXTENSÃO DELLES. -
Urna vez em que Sta. Gertrudes no officio
(L. 2) o versículo Salvum fac populum tuum,
com ardentedesejo de que o Senhor concedes
se benção copiosa a toda a Igreja, disse-lhe o
Salvador : "Que queres que eu faça nisso, mi
nha bem-amada, porque eu me abandono á
tua vont.,ade agora, tão absolutamente quanto
me abandonei á de meu Pae na cruz? Distri
búe pois, em virtude da minha divindade,
tudo o que quizeres e tão abundantemente
quanto desejas" . Que commovedor cumpri
mento da promessa divina : Deus fará a von
tade daquelles que o servem. - Voluntatem
timentium se faciet! Que motivo de confiança !
que incentivo para a Victirna de desejos !
Sta. Mechtilde (p. 59 ) , ouvindo cantar
na missa : Omne genu flectatur etc . , exprimia
a N. Senhor este desejo : "Oh ! si estivesse
agora em meu poder, corno eu vos fada adorar
humildemente, meu dulcíssimo e fidelíssimo
�4.• dia
amigo, pelo céo, pela terra e pelo inferno,
com todas as creaturas ! " O Senhor respondeu
lhe com bondade : "Pede-me que e� realize o
teu desejo por mim mesmo, pois em mim
esttÍ contida toda creatura; e, offerecendo a
meu Pae as diversas homenagens da religião,
suppro tudo o que falta ás creaturas para o
cumprimento desses deveres. E' o que quero
fazer agora a convite teu, para realizar o teu
desejo; uma vez que minha bondade não
póde soffrer que o desejo duma alma fiél
quando não o póde e/la realizar por si mesma,
fique imperfeito" .
Vemos bem aqui a Victima de desejos
acceita pelo Coração de Jesús e consumma
da com elle no sacrifício de louvor ; o seu
desejo é universal, abrangendo na _sua extensão
o céo, a terra, o inferno e toda creatura ; o
seu desejo é perfeito, porque o Coração de
Jesús suppre o que lhe pudesse faltar. O seu
desejo acha-se realizado pela· bondade om
nipotente de Jesús, que o torna efficaz.
li. JESÚS CONTA COMO REALIDADE OS
DESEJOS DOS SEUS AMIGOS. - E' o titulo de
um dos capítulos de Sta. Mechtilde (p. 3 62) .
Santa Gertrudes erige tambem em principio
que com Nosso Senhor "a vontade é acceita
Victima de desejos 213
peló facto" . Um dia .em que ella rezava por
uma pessôa que não conseguia realizar um
trabalho que lhe haviam confiado, instruiu-a
o Senhor por esta resposta : "b bom desejo
desse homem, emprehendendo aquelle traba
lho para cumprimento da minha vontade,
.apesar das difficuldades que nelle encontra,
é-me, agradabilíssimo, e acceito a bôa vontade
delle pelo proprio facto. Mesmo quando elle
não pudesse conseguil-o, conceder-lhe-ia a
mesma recompensa que si elle o tivesse reali
zado" .
O Coração de J esús póde mesmo achar
mais gloria num desejo cuja realização lhe
sacrificamos, do que na satisfação que teria
mos. em vêr esse desejo realizado. Sta. Ger
trudes (p. 23 9 ) , nas proximidades duma
grande festa, sentia-se doente e offerecia a
Nosso Senhor, o desejo de celebrar bem essa
festa ; pedia-lhe não ser impedida disso pela
molestia, entregando-se entretanto acima de
tudo ao seu beneplacito. Ao que recebeu do
Senhor esta resposta : Si eu te conceder o que
desejas, seguir-te-ei ao canteiro de flôres que
preféres, ao passo que si o sacrificares ao meu
beneplacito, és tú que me segues ao jardim
de delícia' em que mais me comprazo; por-
214 24.• dia
quanto terei mais complacencia em ti, si ti
veres o desejo e a pena, do que sr tiveres a
devoção e o prazer" .
Citemos outros exemplos : A Santa,
outro dia (p. 234) , levada por violento de
sejo do amor de Deus, dizia a Nosso Se
nhor : "Oh ! corno desejaria ser consumida
por um amor tão ardente, que o meu coração
pudésse liquefazer-se e perder-se todo em
vós ! " O Senhor respondeu-lhe: "Os teus de
sejos são esse fogo que te liquefaz a alma para
que o meu amor o absorva em seu divino Co
ração" . Esta resposta fez-lhe cornprehender
que a bôa vontade assegura ao homem todo
o effeito dos seus desejos que têm a Deus por
objecto.
Certa vez' · em que Sta. Mechtilde se
preparava (p. 268) ·para a sagrada Commu
nhão, N. Senhor lhe disse : "Offerece-me em
teu coração um desejo que encerre todos os
desejos e todo o amor que os homens 'jámais
me tenham podido offerecer, e acceitarei esse
desejo de teu coração como si tivesses real
mente em ti um amor tão intenso e tão ex
tenso" .
o · dulcíssimo Jesús ! como vosso Cora
ção é bom e liberal ! Ficaes satisfeito com ·a.
Victima de desejos 215
preparação do nosso pobre coração e atten·
deis plenamente os seus desejos : Desiderium
pauperum exaudivit Dominus! Oh! fazei que
tratemos sempre comvosco segundo a libera·
lidade do vosso Coração generoso ! Que me·
çamos a nossa confiança em vós pela vossa
bondade e não pela nossa ! Op ! sim, dilatemos
o nosso coração pelos santos desejos : por elles
tornamo-nos de alguma sorte omnipotentes,
já que podemos offerecer a Deus um amor
tão intenso, tão extenso quanto quizermos ;
podemos exercer o zelo para com nossos ir·
mãos com todo o ardor e toda a universali·
da de que quizermos ; podemos, de algum
modo, render a Deus a mesma gloria e me·
recer da sua liberalidade as mesmas recom·
pensas que os Santos que tanto o amaram,
que os apostolos que lhe ganharam tantas
almas ! Lembremo-nos de que varios santos
não se tornaram. tantas almas I Lembremo-nos
de que varios santos não se tornaram sinão
pelos desejos e pela preparação do coração,
como S. João Berchmans, o veneravel P. de
la Colombiere, o bemaventurado Pedro Le·
fevre, etc.
li. REPARAÇÃO PELOS DESEJOS. - Os
desejos, junto ao Coração de Jesús, podem
216 24.0 dia
até produzir effeito retroactivo e servir plena
mente á vida de reparação. " Um dia, Sta.
Mechtilde (p. 3 5 3 ) rezava por uma pessôa
afflicta que não podia conter as lagrimas ;
tantas derramara durante cinco annos que,
sem o soccorro da misericordia divina teria
perdido a vista ou o senso. A insistentes ro
gos da Santa, o Senhor concedeu-lhe emfim
o livramento dessa pobre alma, e accrescen
tou : "Dize-lhe de minha parte que me peça
qr.Je eu tenha a bondade de transformar todas
essas lagrimas como si ella as tivesse derra
mado por um sentimento de amor ou de
contrição" . E como a Santa admirasse essa
bondade do Senhor, que queria mudar lagri
mas tão inutilmente vertidas em santas la
grimas, Jesús lhe disse : "Creia ella apenas na
minha bondade, e far-lhe-ei segundo a me
dida da sua fé" .
"O' maravilhosa condescendencia da di
vina bondade! exclama aqui a redactora do
l ivro de Sta. Mechtilde. Vós que lêdes que
Deus por sua bem-amada, concedeu taes gra
ças aos homens, aconselho-vos, vos apropriar
des dellas ; porque Deus ouve, como se dignou
revelal-o, áquelle que se regozija com as gra-
Victima de desejos 217
ças ·concedidas a outrem e que espera receber
melhores"
Podemos applicar este effeito retroactivo
dos desejos a todas as perdas que ternos tido
nas
'orações e nas obras, como nas cruzes.
Tudo o que foi feito com vistas imperfeitas
ou puramente naturaes, offereçamol-o ao Sa
grado Coração de Jesús com ardente desejo
e plena confiança, para que elle lhe suppra
da abundancia dos seus rneritos, corno si tudo
tivesse sido feito segundo a sua vontade di
vina, e elle se comprazerá em reparar as nos
sas perdas, em preencher as lacunas da nossa
rniseria, em completar-nos as obras, segund?
a medida da nossa fé.
Sta. Gertrudes faz-nos tambern achar na
vida de desejos um meio de reparação uni
versal tão facil para nós quão glorioso para a
misericordia divina. A sua pratica para a festa
da Epipha�?,ia mostra excellentemente como o
desejo transforma em perolas preciosas as
cousas mais defeituosas, quer para nós mes
mos, quer para os outros. Gertrudes queria
offerecer a_ N. Senhor prese'ntes semelhantes
aos dos reis Magos, e, não achando em der
redor de si nada que fôsse digno de lhe ser
offerecido, poz-se a percorrer com desejo in·
218 24.0 dia
quieto a terra inteira, apanhando toda a falsa
myrrha, falso incenso, falso ouro que nella
pôde encontrar, quer dizer, todas as penas
supportadas sem resignação á vontade de
Deus, todas as preces feitas com sentimentosque Deus não póde acolher, todas os affectos
que não estão na ordem. Transformando to
das essas causas no coração pelo ardor dos seus
desejos, como pelo fogo ardenté do crisól,
apresentou-os a N. Senhor como uma myrrha
escolhida, como um incenso de agradavel odor,
como um ouro precioso. E o Salvaodr, achan
do alegria extrema nesse trabalho de sua Es
posa, recebeu essas offertas com solicitude: e
pregando-as ao seu diadema real· como pedras
preciosas, disse á Santa : "Aqui estão as pe
ra! as que me acabas de offerecer. Acceito-as
com tanto prazer, por causa da sua raridade,
que as quero usar, como lembrança do teu
amor extraordinario, no diadema que me cin
ge a fronte, perante toda a Côrte celeste"
Oh ! que excellente meio de reparação
nos offerece Jesús nessas industrias que en
sinou á sua discípula dilecta, quer para nós
proprios, quer para toda a Igreja! Apanhe�
mos todas as inutilidades pelas falsidades da
nossa vida, lancemol-as por santos desejos
Victima de desejos 219
nessa fornalha ardente do Coração de Jesús,
e tudo se purifacrá nelle, tudo se transfor
mará, tudo nos será restituído, santificado,
divinizado : excoquam ad purum scoriam
tuam (Is., I, 25 ) . Lancemos a elle do mesmo
modo, pelos desejos duma ardente caridade,
tantas orações, affectos, penas que não são
por Deus, em toda a extensão do mundo, e
offereceremos por esse divino Coração glo
riosa reparação ao Deus cioso a quem tudo
deve referir-se ; proporcionaremos dôce con
solação ao Salvador que se queixa da inutili
dade do seu Sangue e da perda das suas gra
ças ; juntaremos finalmente perolas preciosas
á corôa da misericordia divina.
CoNCLUSÃO PRATICA. - (Vêr no fi
nal do dia seguinte) .
VIGESIMO QUINTO DIA
A Victima dos desejos (continuação)
IV. DESEJOS UNIVERSAES E PERPE
TUOS POR TODOS. - Um dia em que liam
no Evangelho estas palavras : "Simão, amas
me!' Apascenta as minhas ovelhas" , Sta.
Mechtilde ficou em extase em presença do
Senhor, que lhe disse : ·"Vou interrogar-te
como ao meu apóstolo,. e responder-me-ás na
sinceridade do teu coração : Ha no mundo al
guma cousa de tão caro para ti que não qui
zesses abandonar por meu amor?" E a Santa
respondeu : "Senhor, sabeis que, si todo o
mundo fôsse meu com tudo o que encerra, eu
o abandonaria todo por vosso amor" E o
Senhor acceitou esta bôa vontade como si ef
fectivamente ella fôsse dona do mundo in
teiro e o tivesse sacrificado todo por elle. O
Senhor interrogou-a segunda vez : "Ha algum
trabalho ou algum acto de obediencia que não
quizesses executar por meu amor?" E ella
Victima de desejos :;&:U
respondeu : "Senhor, estou prompta a fazer
tudo por vosso amor" . O Senhor proseguiu :
"H a algum soffrimento tão grave, que re
cusasses supportar por meu amor?" E ella
respondeu : "Seahor, comvosco e por vós es
tou prorp.pta a supportar todos os soffrimen
tos" E 6 Senhor acceitou ainda essa bôa
vontade como si fôsse seguida do effeito.
Depois accrescentou : "Em troca, eis aqui
tres especies de homens que te recommendo :
os simples, figurados pela simplicidade do
cordeiro, para que os instrúas no meu amor;
depois os que estão na afflicção e no despre
zo, figurados pela mansidão do cordeiro; fi
nalmente a Igreja toda, figurada pela ovelha,
para que attraias sobre ella a minha miseri
cordia por teus desejos perseverantes e tuas
orações infatigaveis" .
Assim, eis a Santa encarregada pelo ·Se
nhor, de um lado, de provêr ás necessidades
de toda a Igreja "por seus desejos perseve
rantes e orações infatigaveis" e, ao mesmo
tempo, assegurada de que os seus desejos de
trabalhar e de soffrer por toda a Igreja serão
acceitos como si fôssem seguidos do effeito.
A victima do Sagrado Coração que quer con
sumir-se por amor delle no serviço das almas,
222 25;o dia
bem póde, sem duvida, applicar a si as mes
mas promessas, propondo-se a mesma exten
são, o mesmo ardor, a mesma sinceridade de
desejos.
Esse desejo universal, de Sta. Mechtilde
pelo bem de todos era ao mesmo tempo um
desejo de toda a sua vida, e acompanhou-a
até na sua agonía, como nol-o informa Sta.
Gertrudes, que a viu nesse momento supremo
collocando-se diante da chaga do Sagrado
Coração de Jesús, e exhalando nelle, como
por cada uma das suas respirações, ardentes de
sejos por todos os vivos e mortos : esses de
sejos, penetra�do assim no Coração do Sal
vador, faziam transbordar delle ondas de gra
ças sobre toda a Igreja.
Essa perseverança até o fim nesses san
tos desejos mereceram-lhe da liberalidade do
Coração de Jesús uma recompensa singular
e bem admiravel. O Senhor, fazendo trans
bordar a medida das suas misericordias, como
a Santa fizera transbordar a medida dos seus
desejos, quiz que no dia da morte della ne
nhum dos agonizantes por quem ella havia
assim rezado em toda a Igreja, descesse ao
inferno : concedeu a todos os que morreram
á graça duma bôa morte, e quanto aos que
Victima de desejos 223
resiStiram a toda graça, não permittiu que
morressem naquelle dia. Quanto ás almas do
Purgatorio, por quem ella tanto havia re
zado, livrou elle multidão incontavel. e quan
to ás que a justiça não permittia livrar intei
ramente, fil-as entrar num lugar de repouso
e de consolação.
Oh ! quem nos déra esquecermo-nos as
sim a nós mesmos até o fim, só vivermos do
desejo da gloria de Deus e da salvação das
almas ! Aspiremos incessantemente este dese
jo no Espírito-Santo, e exhalemc!-o no Co
ração de Jesús, para tirarmos deU� incessan
temente de modo universal e perpetuo ondas
de graça que derramaremos sobre toda a
Igreja.
'
Sta. Gertrudes mostra-nos outro exem
plo de desejos universaes e perpetuas torna
dos efficazes pela liberalidade divina. No dia
da festa de S. Tiago Maior, esse glorioso
apostolo appareceu a Sta. Gertrudes marávi
lhosamente ornado de todos os meritos dos
peregrinos que lhe vão venerar as relíquias.
Enlevada dê admiração, elle perguntou ao
Senhor porque tornava o sepulcro dessa Santo
mais glorioso que o d�s príncipes dos ,aposto
los S. Pedro e S. Paulo. O Senhor respondeu :
224
"E' por causa do zelo de que elle foi devorado
pela salvação das almas. Elle não pôde con
verter as multidões, como o desejava para mi
nha gloria; porém como o seu desejo, sustado
por morte prematura, tem todo o merito, pe
rante mim, de uma longa vida, icdemnizo-o
por essas conversões innumeras que se opéram
agora no seu tumulo, e desde o começo con
cedí-lhe a recompensa de tbdos os meritos dos
peregrinos que a t?lle vêm em tão grande nu
mero" . Que instrucção animadora para a Vic
tima de desejos ! Deus olha ao coração, á in
tenção, ao desejo. Concede fruto ao nosso
zelo, não em proporção dos nossos exitÓs e
das nossas obras exteriores, porém em razão
daquillo que quizemos fazer, ainda quando
uma morte prematura ou difficuldades insu
peraveis viéssem a deter-nos. Pensemos a
miúdo que pelos nossos desejos podemos as
sim juntar em pouco tempo os rneritos duma
longa vida, e que perante N. Senhor adqui
rimos todos os meritos das almas que lhe
quizemos ganhar ( 1 ) .
( 1 ) E' de notar tambem que Sta. Gerttrudes
attribúe a grande gloria de S. Domingos no céo ao
fervor dos seus desejos na terra. Podemo-nos lem
brar de que esse homem de desejos confessava con-
Victima de desejos 225
V. CONSOLAÇÃO DO CORAÇÃO DE JE
SÚS NO DESEJO DA· CRUZ. - Como falassem
de enviar varias religiosas para fundarem um
novo mosteiro, Sta. Gertrudes, que só dese
ja�a o beneplacíto de Deus, posto que se sen
tisse sem forças, veiu prostrar-se diante do seu
crucifixo e offerecer-se a elle para essa nova
fundação, com grand!! desejo de sacrificar-se
por sua gloria. O Senhor pareceu tão sensi
bilizado com a sua bôa vontade, que se pre
cipitou da cruz para abraçai-a ternamente, e
estreitando-a contra a chaga do seu Coração
adoravel, disse-lhe ni excesso da sua alegria :
"Sêde bemvinda, mmha cara esposa, tú que
és o balsamo agradavel das minhas chagàs e
a suavizaçãode todas as minhas dôres" . Por
estas palavras Gertrudes comprehendeu que,
quando offerecemos plenamente a nossa von
tade ao beneplacito de Deus, seja qual fôr a
a adversidade que prevejamos dever succeder,
o Senhor acceita esse offerecimento como si,
no momento da sua Paixão, tivessemos appli
cado o balsamo mais suave ás suas feridas.
- Gertrudes perguntou em seguida ao Se-
fidencialmente ao prior de Cellamare que nunca pe
dira nada a. Nosso Senhor que o não tivésse conse
guido.
226 .25.o dia
nhor por que razão permittira que· ella tives
se precedentemente o desejo da morte, e de
pois diversos outros deseJOS de se sacriricar
por sua gloria que não chegavam a nenhum
resultado. Jesús respondeu-1ne : ··comprazo
rhe em propôr aos meus eleitos dil.)ersos sa
crificios que ei les nunca terão de realtzar,
afim de Lhes conhecer a fidelidade a mtm, e
multtplicar-lhe as recompensas, pots conto
lhes todos os bons desejos como si fôssem
ettectiuamente realizados"
VI. 0 DESEJO DE TER DESEJOS. -
"Sta. Gertrudes (1, 23&) , queixando-se um
dia coms1go de não poder tormu1ar tão ar
dentes des�JOS quanto desejaria para a gloria
de Deus, recebeu certeza do alto de que o
�enhor üca mreuamenre satis1e1to com o no
mem que, nao podendo fazer ma1s, tem ao
menos a vontade de ter um grande Clesejo,
e que perante Ueus esse deseJo lhe será com
putado como tão grande quanto elle tiver
quendo tel - o.
Almejemos pôr nos nossos desejos toda
a extensão, toda a intensidade, toda a perfei
ção que seria mistér para offerecer a Deus a
medida de gloria e á Igreja a medida de gra
ças que devemos, e ser-nos-á feito segundo o
Victima de desejos 227
nosso desejo : Concupivit anima mea desi
derare. O' Senhor, desejo ter desejos corno o
vosso divino Coração, aproprio-me dos vossos
desejos intinitos ; desejo ser todo desejo com
vosco, para a gloria de vosso Pae e para a
salvaçãq das almas !
VIII. DESEJOS HAURIDOS NO CORAÇÃO
DE JESÚS. - Porque esses santos desejos, é
no Coração de Jesús que �ta. Gertrudes nos
convida a hauril-os corno os hauria ella pro
pria. O Salvador dizia semelhantemente a
Sta. Mechtilde (p. 3 3 Y) , a respeito duma
alma que ella lhe rec<;>rnrnendava e que pedia
ter um coração desejoso e amante : "Protur�
ella no meu divino Coração tudo o que qui
zer, pedindo-m'o como uma cnança que pede
ao pae tudo o que deseja; em partteular, pro
cure haurir nel/e o espírito de desejos" .
CONCLUSÃO PRATICA. - A.:crescente
mÕs apenas alguns pontos ao que foi dito nas
reflexões.
1 .0 Notemos especialmente os effeitos do
desejo da cruz.
As cruzes presentes, recebidas com pleno
desejo, produzem pleno effeito de reparação
pela Igreja. (Vêr acima o vigesimo j:erceiro
dia) . Quanto ás cruzes passadas, os desejos
228 25.o dia
podem produzir effeito retroactivo de repa
ração admiravel. Finalmente as cruzes futu
ras acceitas antecipadamente com desejos
sem limites, tornam-se um calice inebriante
para o Coração de Jesús e um balsamo agra
davel para as suas feridas.
2. o Duas condições são necessarias : A
confiança, fiat· tibi secundum credidisti
A fidelidade da alma em fazer o que póde :
Jesús chama-lhe alma fiél.
Não percamos de vista, aqui e alhures,
que quando Sta. Gertrudes nos fala da effi
cacia dos desejos e do merito das disposições,
suppõe sempre a bôa vontade e a fidelidade,
e suas palavras só devem entender-se duma
efficacia proporcionada ao gráo de graça e á
cooperação de cada um.
3.0 S. Thomaz admitte em varias luga
res que perante Deus o desejo e a disposição
podem ter tanto merecimento quanto a reali
dade ; que Abrahão, por exemplo, pela sua
disposição para guardar castidade, póde ter
tido o mesmo merecimento que as virgens da
nova lei, e que tal Santo que não foi martyr
sinão pelo desejo póde avantajar-se a tal outro
que foi martyr effectivamente.
Victima de desejos 229
4.0 Em resumo. Em tudo, um desejo :
1 .0 sincero, 2.0 unido ao Coração de Jesús,
que é todo desejo; 3 .0 infinito ou, mais exac·
tamente, sem limites, universal, perpetuo, per·
feito. Esforcemo-nos por entrar 'nestas dis·
posições ; ellas nada offerecem de difficil, nada
de triste, nada de assustador ; tudo nellas é
desejavel,. attrahente, animador; enriquecedor.
Entremos nell;1s plenamente pela união ao
Coração de Jesús, e ellas santificarão grande
mente a nossa vida, para sua gloria e para
salvação das almas.
Adaperiat Dominus cor vestrum ut
serviatis illi corde magno et animo volenti.
VIGESIMO SEXTO DIA
A Victima de louvor do Coração. de Jesús
Um dos caractéres especiaes da devoção
ao Sagrado Coração de Jesús segundo a escóla
de Sta. Gertrudes, é o louvor divino, a vida
de louvor, o sacrifício de louvor, hostiam
laudis, que constitúe a Victima de louvor.
Este caracter convém mui particularmente ás
almas reparadoras do nosso desventurado se
cuia, em que, como a blasphemia sóbe sem
pre, cumpre que o louvor dos amigos do Co
ração de Jesús forme como que um encontro
celeste que chegue a abafar esse concerto in
fernal dos seus inimigos. Sim, cumpre cada
vez mais que a vida interior haurida no Co
ração de Jesús se manifeste pelo louvor di
vino, e parece que ella não se póde formar
em melhor escóla do que na escóla de Sta.
Gertrudes. Por isto, repetimos gostosamente
estas palavras do P. Faber : "Gertrudes foi
por excellencia a santa dos louuores . Oh!
Victima do louvor. 231
oxalá que ella tornasse á Igreja para ser o que
foi nos seculos passados. a Doutora e a Pro
phetiza da vida interior!"
A Victima de louvor do Sagrado Co
ração, segundo Sta. Gertrudes, bebe a vida de
louvor no Coração de Jesús ; offerece conti
nuamente com elle o sacrifício de louvor para
reparar as offensas do mundo : consummá-se
neste mundo, com elle, no louvor, pao:a mere
cer estar-lhe unida no céo no louvor eterno.
I. LOUVOR HAURIDO NO CORAÇÃO DE
JESÚS. - "Um dia, o amor, empolgando-lhe
a alma, conduziu-a ao Senhor, e ella, incli
nando-se. sobre a chaga do meigo Coração de
Jesús, que era tudo para ela, tirou della um
fruto de grande suavidade que levou á bôca.
Esse fruto exprimia o eterno louvor que
procede do Coração divino, pois todo louvor
de Deus procede desse Coração adoravel que
é a fonte pura donde mana todo bem. A alma
tirou em seguida um segundo fruto, que era
a acção de graças" . (Sta. Mechtilde, 11, 1 6 ) .
Vemos primeiramente aqui que o louvor
divino póde ser distinguido da acção de gra
ças. A acção de graças, com effeito, honra a
Deus nos dons da sua bondade ; Q louvor
honra-o antes em 6Í mesmo, nas suas per-
232 26.• dia
feições infinitas, nas suas operações summa
mente admiraveis. S. Thomaz parece dizer
que o louvor, em geral, é uma honra tribu
tada a alguem por causa da sua habilidade em
escolher os meios para chegar ao.s fins. Deste
ponto de vista, quem é mais digno de louvor
que a Sabedoria divina, que attinge os seus
fins c_om poder infinito e dispõe tambem com
suavidade infinita os meios para chegar a el
les ? O louvor entretanto póde ser tambem
considerado, na pratica, como abrangendo a
acção de graças, e entender-se de toda locução
honorífica dirigida a Deus, ou pelos bens que
elle contém em si .mesmo, ou pelos que nos
dá, quer a nós proprios, quer ás suas outras
creaturas.
O louvor divino de que a alma se deve
encher, repleatur laude, segundo Sta. Ger
trudes, é haurido pelo Coração de Jesús na SS.
Trindade, que a si mesma se louva por um
louvor substancial , eterno, infinito. Da ado
ravel Trindade, esse louvor dimana, pelo Co
ração do Verbo incarnado, para o coração da
bemaventurada Virgem Maria, depois para
todos os anjos e santos, em seguida para toda
creatura, no céo e na terra ; finalmente, re
monta a Deus pelo Cora�ão _de Jesús, que lhe
Victima do louvor 233
é como o centro, e que offerece a seu Pae as
homenagens de toda a creação.
O Senhor mostrou tambem a Sta. Mech
tilde como o seu divino Coração suppre a nos
sa impotencia para louvara Deus dignamen
te. Como cantassem a missa In excelso thro
no, viu ella Jesús sentado no altar como em
seu throno, e dizendo : "Eis-me aqui com
toda a minha virtude divina para curar todas
as feridas que vos fazem gemer" . Mas a santa
dizia comsigo : "Oh ! si elle quizesse offerecer
por mim um louvor pleno e inteiro a Deus
Padre, eu ficaria muito mais contente ! " E o
Senhor lhe disse : "Esse gemido, essa dôr d_e
tela/ma, por não poder jámais louvar a Deus
tanto quanto deseja, é essa justamente a ferida
que eu quero curar, supprindo por mim mes
mo a tua impotencia, e offerecendo a meu
Pae este louvor pleno e inteiro que desejas"
(M. I, 9 ) .
O Coração de J esús quer assim offerecer
por nós a Deus seu Pae um louvor perpetuo :
Queixando-se uma -pessôa a Sta. Mechtilde
da magua que sentia de não glorificar a Deus
como o quizera, a Santa rezou por ella, e
concebeu com isso grande tristeza q�anto a
si mesma, sentindo que se achava no me�mo
234 26.0 dia
caso. Mas o Senhor lhe disse : ''Não te affli
jas, minha dilecta, tudo o que é meu é teu.
Quando me quizeres louvar e vir que não
me podes offerecer um louvor perpetuo se
gundo os teus desejos, dize sómente: Bom
Jesús, suppri,. rogo-vos, tudo o que me falta,
supprí-o por mim. E logo offerecerei a Deus
por ti esse louvor perpetuo. E dirás á pessôa
por quem rezas que faça o mesmo, e si ella
tornar a isso mil vezes por dia, mil vezes por
dia offerecerei por ella esse louvor a Deus
Padre, pois meu amor nunca se cansa" .
Eis ahi o meio de louvar mil vezes por
dia, de louvor eternamente as misericordias
do Senhor. Oh ! si cornprehendessemos os the
souros que são postos á nossa disposição no
divino Coração de J esús.
Vírnos precedentemente corno Nosso Se
nhor prornettia tarnbern a Sta. Gertrudes of
feercer por ella o louvor universal em nome de
todos os homens, e completar assim os seus
immensos desejos de louvor "como si nada
lhes faltasse" . Accrescenta mesmo que lhe pre
param a recompensa desse louvor perpetuo
e universal, corno si a Santa o offerecesse per
feitamente por si mesma, segundo os seus de
sejos. Oh ! que incitamento para a vida de
Victima do louvor 235
louvor ! Oh ! si quizessemos comprehender o
amor infinitamente attencioso que se recrêa
nessas industrias, o convite infinitamente ter
no que o Coração de J esús esconde sob essas
promessas para attrahir-nos á vida de lou
vores !
JI. LOUVOR REPARADOR. - Um dia,
Sta. Mechtilde (IV, 29 ) , emquanto rezava
por um homem que estava atribulado, viu-o
diante do Senhor, e o Senhor dizia : "Perdôo
lhe agora todas as suas culpas •. mas elle pre
cisa reparar os seus peccados e negligencias
pelo louvor. Assim, quando se diz na Missa
estas palavras : Per quem M ajestatem tuam
1audant Angeli, - Por quem os Anjos lou
vam a vossa Majestade, - louve-me elle em
união desse louvor divino pelo qual a SS.
Trindade louva a si propt'Ía, desse louvor que
deriva primeiro para a Bemaventurada Virgem
Maria, depois para todos os Anjos e Santos;
recite em seguida um Padre-Nosso em união
com esse louvor que o céo e a terra e toda
creatura fazem remontar para Deus; rogue
emfim que o seu louvor e a sua oração sejam
acceitos em meu nome, visto como sou eu
só que posso fazel-os receber com . compla
cencia por Deus Padre. E' assim que por mim
236 - 26." dia
se acharão reparados todos os seus peccados e
todas as suas negligencias. Si alguem mais
agir assim tambem, acredite . piamente que re
ceberá a mesma graça, porque é impossível
que o homem não alcance quanto tiver criado
e esperado" .
Esta doutrina não nos deve surprehen
der. A satisfação perfeita, segundo S. Tho
maz, consiste em offerecer. a Deus alguma cau
sa que lhe dê mais prazer do que magua lhe
causou a offensa. Ora, Deus é maís sensível
ao amor do que ao ultraje, .e o louvor que
lhe offerecemos assim pelo Coração de seu
Filho é-lhe incomparavelmente mais agrada
vel do que odiosas lhe são as nossas offen�
sas. Demais, o louvor séria e sinceramente
unido ao Coração de J esús encerra necessaria
mente a humildade e a confissão das nossas
culpas, assim como o amor e a contrição, sen
timentos que, por si mesmos, reparam as nos
sas culpas e podem, quando assaz intensos,
expiar inteiramente toda a pena de'Vida aos
nossos peccados ( 1 ) .
( 1 ) Aqui está, parece-nos, a razão fundamental
desta doutrina : todo peccado encerra um ado de or
gulho, isto é, o desejo desregrado da nossa exçeJ
lencia pessoal, a inveja. da excellencia divina e a re-
Victima do louvor 237
A Escriptura sagrada tambem nos mos
tra o sacrifício de louvor como sendo o mais
agradavel a Deus e o mais effícaz para nos
livrar dos nossos peccados. O psalmo 49.0
todo tem por objecto fazer-nos vêr que no
juizo de Deus o sacrifício de louvor assegu
rar-nos-á a salvação : os sacrifícios exteriores
são pouca causa, mas o sacrifício do coração,
o sacrifício do louvor, emquanto encerra o do
amor e da submissão a Deus, será recebido
em odôr de suavidade alcançar-nos-á mise
rícordia. Citemos apenas estes trechos : Non
accipiam de domo tua vitulos . . . Immola
Deo sacrificium laudis . . Sacrificium laudis
honorificabit me, et illic iter quo ostendam
illi salutare Dei ( 1 ) .
Laudetur J. C. in tl!ternuml Demo-nos
á vida de louvor durante o tempo, para nos
consummarmos na vida de louvor durante a
eternidade : Louvor mediante o Coração de
Jesús, louvor por nós e por todos, louvor
volta contra ella. Ora, o louvor encerra justamente
os actos oppostos : o desejo e a alegria do bem de
Deus, e a submissão da propria excellencia. Elle é
portanto directamente reparador.
( 1 ) " Assim, até o fim, accrescenta o tradu
ctor, o louvor divino é a característica de Sta. Mech
tilde. ".
238 26.• dia
perpetuo e universal, louvor de amor, louvor
reparador, louvor agora e sempre. Laudetur
J. C. in �ternum!
PRATICAS. - 1 . o Para nos formarmos
na vida de louvor, meditar os l ivros de Sta.
Gertrudes e de Sta. Mechtilde, que fôram por
excellencia santas de louvor. Não ha melhor
escóla para aprender essa vida, que é tão suave
á alma que ella associa aos anjos, tão agrada�
vel a Deus, que é com ella continuamente
glorificado, tão útil á Igreja, que necessita
tanto de Victimas de louvor para reparar as
ortensas do mundo.
2. o Roguemos mil vezes por dia ao Sa�
grado Coração de Jesús que suppra o nosso
louvor demasiado imperfeito, afim de que mil
vezes por dia possamos offerecer por elle a
Deus a hostia de louvor consummado que
elle deseja acima de tudo.
S. Thomaz ensina que "Jesús�Christo
era figurado no antigo Templo pelos dois
altares dos holocaustos e do incenso, porque
é por Jesús-Christo que devemos offerecer' a
Deus todas as nossas obras : primeiro as obras
de penitencia, como no altar dos holocaustos,
depois as obras do nôsso espírito, as suas ho
menagens, louvores, desejos, que são UI)l sa-
Victima do louvor 239
crificio mais perfeito, como no· altar do in�
censo. E' este ultimo sacrifício que recommen
da o Apóstolo : Per ipsum ergo offeramus
hostiam laudis semper Deo" . Eis ahi realmen�
te a Victima de louvor a offerecer a Deus o
seu sacrifício perpetuo, como o mais perfeito
de todos.
VIGESIMO SETIMO DIA
A Victima universal e perpetua do Coraçã�
de Jesús, segundo Sta. Gertrudes.
Outro caracter da espiritualidade de Sta.
Gertrudes é a intenção universal. Ell,a torna
emprestado a todos para dar a todos, o co
ração se Jhe dilata á medida do Coração da
grande Victirna que se deu toda em Redernp
ção por nós todos, e eHa diz corno o Rei
Propheta cujo coração era segundo o Coração
de Deus, corno o grande Apostolo cujo cot:a
ção era segundo o Coração de Jesús :Particeps
ego sum omnium; omnibus debitor sum. -
Participo do be� de todos, e dou meus pro
prios . bens a todos" ,
Tal deve ser a Victirna verdadeiramente
unida ao Coração de Jesús, dedicada corno
elle e generosa ; irnrnolando-se por todos,
como Jesús no Calvario ;unindo-se a to
dos, como Jesús no paraíso.
Victima universal 241
I. A VICTIMA DA TUDO. - A Victima
dá tudo a todos e sempre ; e isto não só pela
oração, mas ainda e principalmente pela ac
ção e pelo sacrifício. Sem duvida o apostola.;
do da oração que, unindo-nos ás intenções do
Coração de Jesús, nos faz rezar por todo�.
já é obra magnífica, mas cumpre estender
a mesma intenção de zelo a todas as nossas
obras e sacrifícios. A União ao altar póde
auxiliar-nos a nos unirmos á acção universal
do Coração de Jesús eucharistico. A união
ao Coração de Jesús Victima associa-nos á
perpetuidade do seu sacrificio.
Notemos que o coração humano foi for-·
mado sobre o modelo do Coração de Jesús ;
porquanto, ao formar esse coração de carne,
o Verbo eterno pensava que se apropriaria um
dia delle pela incarnação : Christus cogitaba
tur homo futurus, e dispunha-o de modo a
que elle se pudesse tornar apto a realizar o
plano divino. Ora, conforme esse plano, o
Coração de N. Senhor devia ser o centro de
tudo, recebendo tudo de todos os membros de
seu corpo mystico parfl lhes restituir tudo e
unir assim todos os homens nelle. Ahi está
porque o nosso coração de carne é, do mes
mo modo, o centro da vida animal para to-
242: 27.o dia
dos os membros do nosso corpo. Agora pois,
si nos estabelecermos no Coração de Jesús
por urna união constante, si não fizermos
sinão um só coração com elle, segundo pede
o amor, como elle, com elle e por elle, recebe
remos tudo de todos corno daremos tudo a
todos. Eis o que o dulcíssimo Mestre fizera
cornprehender a Sta. Gertnides, eis o que os
escnptos da Santa nos inculcam em muitos
lugares.
li. A VICTIMA APROPRIA-SE PELA CA
RIDADE DO BEM DE TODOS. - Sta. Gertrudes
toma emprestado primeiro á propria SS.
Trindade o louvor, a acção de graças, a ale
gria, para derramai-os em seguida sobre toda
c.reatura. Já citámos varias exemplos disto,
e poderia-mos multiplicai-os, si necessario.
Apropria-se depois, como vimos igual
mente, pela união da caridade, dos meritos,
dos louvores, das graças, de todos os bens
de todos os Santos, que, por seu lado, se
apressam a lhe corresponder aos desejos. Eis
aqui outro exemplo dos mais notaveis : "Um
dia de festa da Assumpção, Gertrudes (IV.
48) , para se preparar para a sagrada Com
munhão, recitou tres vezes o Laudate Domi
num omnes gentes, pedindo como de costume
Viclima· ·unívcrsal 243
(no"te-se bem esta expressão, trata-se .aqui dos
habitos de Sta. Gertrudes, dos principias de
espiritualidade que seguia) pelo primeiro, a
todos os Santos, offerecerem por ella ao Se
nhor todos . os seus merecimentos para que
lhe servissem de preparaçãoi pelo segundo
Laudate, fez o mesmo pedido á SS. Virgem,
e pelo terceiro ao . Senhor Jesús. Viu então a
bemavcnturada Virgem levantar-se logo e vir
offerecer por ella á SS. Trindade os meritos
incomparaveis que a elevaram acima de todos
os Anjos, no dia da sua Assumpção. Depois,
cem meiga deferencia, Maria, deixando o lu
gar, fez signal a Gertrudes para se aproxi
mar : "V em, filha querida, e põe-te no meu
lugar com toda esta perfeição de virtudes que·
attrahe sobre mim as complacencias da ado
ravel Trindade, afim de que lhe aprazas tam
bem como eu mesma" . E Gertr:udes sentiu
todas as complacencias do Senhor repousarem
nella, e os Anjos e os Santos aproximaram-se
della para lhe prestar honra. Tendo feito
em seguida a santa Communhão, Gertrudes
offereceu-a ao Senhor pelo augmento da ale
gria e da gloria de sua bemave:Q.turada Mãe,
" troco do dom que ella lhe fizera dos seus
meritos. Então o Senhc;>r Jesús, parec'endo of-
244 27.0 dia
ferecer um presente a sua dulcíssima Mãe,
disse-lhe : "Eis, minha Mãe, qúe eu vos res
titúo pelo dobro aqui/lo que vos pertence,
sem todavia tiral-o áquella que.. quizeste fa
vorecer com elle por meu amor" .
Assim tambem, Gertrudes apropriava
se dos bens de seus irmãos da terra, como o
vimos ·no Capitulo 5 .0,
Apropriava-se por fim dos bens do uni
verso inteiro, por exemplo nesta formula tão
bella que repetia com frequencia : "Saúdo
vos, Jesús, Esposo divino, ornado das vossas
chagas como de outras tantas flôres ; com as
complacencias de vosso Pae em vós, com o
amor do universo inteiro, abraço-vos e beijo
essas feridas que o amor vos fez. - Ave,
Jesu, Sponse florid�. cum delectamento di
vinitatis tuce, et ex affectu totius universi
tatis te salutans amplector et in vulnus amoris
te deosculor" .
III. A VICTIMA DA A TODOS. - E' ainda
um dos princípios, uma das formulas habi
tuaes de Sta. Gertrudes. Por exemplo, quando
ella tomava algum allivio, offerecia-o a Nosso
Senhor com· a intenção de obter um aug
mento de alegria e de graça para to�a · creatu.:
ra, no céo, na terra e no Purgatorio : Ut cedat
Victima universal 245
rn augmentum salutis ómnibus ccelestibus,
terc·estribus et purgandis. _
Uma noite - em que Sta. Gertrudes não
pudera dormir, �entiu-se tão fatigada que
quasi lhe não restavam mais forças. E no
entanto o amor deu-lh'as ainda bastantes
para offerecer ao Senhor o seu mal. segundo
o seu costume, em intenção da salvação de
todos.
Sta. Gertrudes recommendava aos outros
as mesmas praticas (111, 74) , "procurarem
attrahir com todo o seu poder todos os ho
mens a Deus, em união desse amor com que
o Senhor operou a salvação do genero hu
mano, fazerem todas as suas acções pela -sal
vação do mundo inteiro, em união com o
Coração do Salvador" Santa Mechtilde fazia
o mesmo, e parece que era uma das praticas
de toda a sua communidade naquella época,
um dos princípios definidos da escola de Sta.
Gertrudes.
Fôra o Coração de Jesús que ensinara
essas, pratica� a Gertrudes, com a recommen
dação expressa de communical-os ás outras
almas. "Um anno, pelo segundo domingo
de Quaresma (11, 92) , rogava ella ao Senhor
que lhe désse alguma instrucção ·que fôsse
'246 27.o dia
útil ás almas observarem durante a semana
seguinte. Jesús respondeu-lhe por estas pa
lavras do officio do dia : "Traze-me dois
cabritos gordos" , quer dizer, o corpo e a alma
de todo o genero humano. Comprehendeu
ella. com isso que N. Senhor queria que ella
fizesse satisfação por toda a Igreja; Recitou
então cinco Padre-Nossos em honra das cinco
chagas do Salvador, por todos os peccados
commettidos no universo pelos cinco senti
dos corporaes ; depois tres Padre-Nossos por
tcdos os peccados commettidos pelas tres po
tencias da alma ; e offereceu esses Padre-Nos
_sos ao Senhor em união da perfeitissiil).a in-
. tenção que tirou essa oração do Coração di-
vino para salva,ção de nós todos. Ante esse
offerecimento, o Senhor mostrou-se todo
aplacado e plenamente satisfeito. Em troca,
abençoou a Gertr_udes de modo ineffavel, dan
do-lhe a benção do genero humano todo, de
sorte que ella recebeu para si todas as ben�
çãos que- elle teria concedido a todos, si para
ellas se houvessem disposto com ella. Ora,
cada qual póde, por ·semelhantes praticas,
receber o effeito de semelhante benção.
No domingo seguinte, pedindo Gertru
�es d9 we$JllO rno�o ao �enhor que lhe en-
Victima universal · 247
sinasse alguma pratica para toda a semana,
elle lhe respondeu : "Compra por trinta e tre.�
Padre-Nossos todos os merecimentos dos trin�
ta e tres annos da minha vida : dPoois rlá par�
t-e n"s<:e nrove.ito a toda a Igreja" . Feito o
que, reconheceu ella que assim se achava ma�
ravilhosamente ornada do fruto da vida
perfeitíssima Jesús-Christo.
Finalmente, no quarto domingo, Nosso
Senhor lhe disse : "Manda entrar os que or�
naste durante os sete dias precedentes com o
fruto da minha santa vida, pois etles devem
comer á minha mesa" - "E como os posso
mandar entrar ?" respondeu Gertrudes. E en�
tão e-xprimiu a N. Senhor esse ardente desejo
· da salvação de todos aquelles que citámos
precedentemente. N. Senhor respoJ;tdeu�lhe :
"O teu desejo basta para tudo". E ao mesmo
tempo fez-lhe vêr que toda a Igreja tomava
lugar á sua mesa, e accrescentou : "E's tú
queua:?s servir hoje esta multidão" Então
Gertrudes beijou devotamente as cinco cha
gas do Salvador para haurir nellas a satis�
fação por todos os peccados do mundo, o
supplemento de todas as miserias ou negli
gencias, e a abundancia de todas as graças.
Nosso Senhor concedeu-lhe os seus rogos sob
248 27,o dia
a forma dos cinco pães do Evangelho do dia.
que benzeu dando graças a Deus a lhe deu
para serem. distribuídos a toda a Igreja.
Com isso fez-lhe comprehender que quando
se faz alguma acção, por menor que seja.
pela salvação da Igreja, ainda que se disse
sse apenas um Padre-Nosso ou uma Aúe
M aria, Nosso Senhor toma logo essa obra
como um fruto da sua santa humanidade,
dá graças a Deus Padre, abençôa-a, e, mui- .
tiplicando-a por essa -benção, faz-lhe a dis
tribuição á Igreja universal . Cada um póde
seguir as mesmas praticas que Sta. Gertrudes,
"e alcançará graça semelhante da minsericordia
de Deus"
Digne-se o Coração de Jesús fazer-nos
compreQ.ender como a Sta. Gertrudes, o quan
to essas praticas são agradaveis in omni loco
dominationis ejus benedic anima mea Do
mino, e o pedido da Igreja de que demos
a Deus de modo universal e perpetuo, semper
et ubique; que nos faça provar .o quanto el
las são enriquecedoras para nós prprios. já que
o Senhor não pôde deixar de retribuir-nos na
mesma medida fazendo-nos participar dos
bens de todos ; quão úteis são ellas para nosso
Victima universal 249
irmãos, que se vêem todos assim ajudados,
alliviados e socco�ridos !
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .0 Experi
mentae, algumas vezes ao menos, servir-nos
dessas industrias de Sta. Gertrudes.
2.0 Podemo-nos soccorrer para isso da
excellente Collectaneazinha intitulada Ora
ções de Sta. Gertrudes.
3 .0 Não percamos de vista que essas
praticas baseadas no dogma da Communhão
dos Santos só podem ter efficacia proporcio
nada ás nossas disposições, e que devem ser
mui particularmente acompanhadas da humil
dade, que afastará todo perigo de illusão ou
de ambição espiritual.
VIGESIMO OITAVO DIA
A vida de alegria no Coração de Jesús,
segundo Sta. Gertrudes.
I. VIDA DE ALEGRIA, FRUTO O MAIS
DELICIOSO DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CO·
RAÇÃO DE JESÚS. - Na visão cujo começo
havemos referido em outro lugar, N. Senhor,
d�pois de fazer Sta. Mechtilde colher no seu
divino Coração os frutos tão dôces do louvor
e da acção de graças, fêl-a colher um terceiro
ainda mais precioso, o da alegria espiritual
O Senhor disse a Mechtilde : "Espero ainda de
t 1 um fruto acima de todos os outros" . A
Santa respondeu : "Qual é esse fruto, ó Deus
que me sois tão caro ?" Disse-lhe o Senhor :
E' a alegria santa pela qual expandirá só
em mim todas as delicias do teu coração" . -
"O' meu unico B.em-Amado, õ que posso fa
zer para isso ?" - E elle respondeu : "Meu
amor effectual-o-á em ti" . Então, num trans
porte de gratidão, ella exclamou : "SQ:n, sim ;
Alegria do S. Coração 2:il
amor, amor, amor" Jesús proseguiu : "O
amor do meu Coração será tudo para ti :
proverás ás t:uas necessidades �orno urna mãe
terna para te conservar na plena alegria, e
haurirás necessariamente nelle a consolação in
terior e urlla suavidade inenarravel" .
Segundo Sta. Gertrudes tambem, a ale
gria é um dos caractéres espedaes da devoção
ao Sagrado Coração. Gertrudes achou nesse
divino Coração a sciencia da jubilczção, segun
do a expressão dos nossos santos livros ; quer
servir o Senhor na alegria e alegrar-se sempre
nelle, segundo os desejos do seu Corpção ama
bilíssimo. E' sempre sob este aspecto qué o
seu livro nos faz .encarar a devoção ao Sa
grado Coraçá<>. Ora, não é tarnbein sob este
aspecto que cumpre apresentai-a aos filhos do
no��o sec:ulo, tão fracos e� v�rtude, tão desa
nirnadcs, tão egoístas ? Não é mistér attra
hil-os pela alegria, para trazel-os á fonte da
alegria, que é o Coração de Jesús, fons totius
consolationis, para trazel-os áquelle que é a
alegria essencial de Deus Padre ? Oh ! ditosas
as almas que vi�ram a esta escóla aprender
a sciehcia da jubilação, beatus populus qui
scit jubilationem! Apesar da sua fraqueza,
não mais reçeiarão tomar esse jugo que o
252 28.• dia
Sagrado Coração de Jesús lhes tornará suave
e leve ; deixarão sem difficuldades as falsas
alegrias do mundo para irem haurir a verda
deira alegria nas fontes do Salvador. O sa
crifício não as assustará mais, porque lhes
apparecerá cheio de suavidade; é a propria
cruz não as desgostará, porque sentirão a
uncção da graça que .a ameniza, o attractivo
do amor que a faz abraçar com delicias.
"Só fazemos bem aquillo que fazemos
com alegria, cum delectatione" (S. Thomaz) .
Portanto, si quizermos que as nossas almas
sirvam bem a Deus e amem bem o proximo,
cumpre que lhes façamos vêr . a alegria no ser
viço de Deus e do proximo, servite in !tE
titia. Oh I façamos pois assim. Não desnatu
remos as cousas : Deus é a alegria ; a verda
deira devoção é a alegria ; o amor é a ale
gria ; o sacrificio é a fonte da alegria ; a pro
pria cruz é a condição da solida alegria. Di
latemos pois o coração; é a alegria que nos
convida ; corramos para a frente, nada te
mamos. Alegremo-nos sempre ; progridamos
sempre no amor e na alegria !
li. VIDA DE ALEGRIA, CONDIÇÃO E RE
SULTADO DA AMIZADE DE NOSSO SENHOR.
Achando-se Sta. Gertrudes muito enferma
Alegria do S. Coração 258
(I,285) , varias pessôas aconselharam-lhe re
nunciar por algum tempo ás delicias da con
templação, até que recuperasse · a saúde. A
. Santa, que preferia sempre seguir o sentimento
alheio, acquiesceu-lhes ao conselho, com a
condição entretanto de que lhe deixassem o
prazer de enfeitar as imagens da cruz de
Jesús, e a alegria sensível que achava em con
solar assim o seu unico amigo. Ora, uma noite
em que, não podendo dormir, se occupava
dôcemente nisso, preparando com palhas para
o crucifixo o pequeno sepulcro em que deviam
depositai-o na sexta-feira santa, o Deus qe
bondade, que acha prazer nas menores obras
daquelles que o amam, inclinou-se para ella
e disse-lhe : "Alegra-te no Senhor, minha di
lecta, e elle te concederá os pedidos do teu
coração" . E fez-lhe comprehender por essas
palavras que, quando a alma se alegra no
Senhor, seja fazendo com alegtia o que é do
seu serviço, seja buscando um pouco de ale
gria sensível em causas que se referiram a
elle, o Senhor, que é cheio de bondade, olha-a
com complacencia, alegra-se elle proprio nella,
como um pae que fica alegre com a alegria
dos filhos, e sente-se inclinado a . conceder-
254' 28.6 diá.
lhe tudo o que ella deséja para tornar com
pleta a sua alegria.
Gertrudes disse então ao Senhor : "E que
gloria podereis tirar, ó Deus amabilíssimo,
duma alegria em que os sentidos têm mais
que o i?spirito ? " Jesús respondeu-lhe : "Um
usurario aoarento não aproueita toda occa
sião para fazer ualer seus fundos? Pois-bem!
eu, que me resolui a haurir em ti as minhas
delicias, ponho ainda mais empenho em não
deixar perder nada de tudo quanto me apre
sentas para me alegrar e attrahir as minhas
complacencias, nem siquer um simples pen
samento, nem siquer um mouimento do teu
dedo mínimo" . - A Santa replicou : "Si
a vossa immensa bondade se digna comprazer
se tanto nessas pequenas cousas, quanto mais
não se comprazerá neste poemazinho que
compuz para consolar-vos das dôres da vos
sa paixão? " - E o Senhor respondeu : "Re
gozijo-me tanto com elle quanto se regozija
ria um amigo a quem o amigo conduzisse
em meio aos mais affectuosos abraços a um
jardim agradabilíssimo para fazel-o respirar
um ar mais ameno, alegrai-o com o aspecto de
differentes flôres, encantai-o com os sons
duma dôce harmonia. e refrescai-o com fru-
Alegria do S. Coração 2.S5'
tos de gosto finíssimo. Assim retribuir-te-ei
alegria com alegria, prazer com prazer, can
sôlo com consôlo. E o mesmo farei com as
que lêrem a tua obra com os mesmos senti
mentos que titJeste ao C0!1Jpol-a"' .
Eis ahi a amizade do Coração de J esús,
ei� ahi a alegria! Oh ! porque não fazermos
assim, nas pequenas causas e nas grandes !
Tratemos com Jesús como um amigo com
seu amigo, alegrando-o pela nossa alegria e
attrahindo-lhe as complacencias sobre nós
pelo prazer que achamos nelle !
S. Thomaz estabelece claramente que a
alegria é a condição e o resultado da amizade :
o am1go, diz elle, põe o seu prazer e alegria
em viver com seu amigo : · contJitJit ei delec
tabiliter; alegra-se com as mesmas alegrias
que seu amigo : in eisdem delectatur, são duas
condições indispensaveis da amizade. Em
outro lugar, mostra que a alegria é producto
directo do amor, e isto dum tríplice ponto
de vista. Si eu amo a Deus com verdadeiro
amor de benevolencia, regozijo-me de qu�
elle possúa todos os bens que lhe posso de
sejar ; si amo a Deus com verdadeiro amor de
união, regozijo-me de que, pela carida·de, elle
256 28.• dia
esteja em mim e eu nelle ; si amo a Deus com
o amor de concupiscencia, rejubilo-me de que
elle se dê e se queira dar eternamente a mim
com todos os seus bens ( I ) .
Eis ahi o amor, o amor verdadeiro :
dilatemos os nossos corações para recebei-o :
dilatemos os nossos corações na alegria, por
que dilatação e alegria é ainda a mesma causa,
segundo o santo Doutor ( 1 ) . Alegria, peis,
e dilatação, para que o nosso coração assim
augmentado receba o amor na medida �m
que póde contei-o, e retribúa a Jesús o amor
e a alegria na medida em que lh'os pode dar.
Reparemos bem, ao contrario, em que
a tristeza estreita o coração, rebaixà-o, torna
o menos capaz de amor, diminúe e destróe
lhe as forças para amar. Fujamos, fujamos
á tristeza, pois ella só póde é prejudicar-nos
os interesses do Coração de Jesús : Fuge tris
titiam, non est utilitas in illa.
CONCLUSÃO PRATICA. - (Vêr no fim
do dia seguinte) .
( 1 ) A razão fundamental é que o amor faz as
,pirar o coração para um objecto cuja posse o torna
cQntente, de sorte que elle se dilata para recebei-o
segundo a sua capacidade. Ora, é esse contentamento
e essa dilatação que oonstitúem a alegria.
( 1 ) Dilatare, latu.m facere; 1m titia, !atum facil.
VIGESIMO NONO DIA
A vida de alegria no Coração de Jesús
(continuação)
UI. VIDA ·DE ALEGRIA INSEPARAVEL DA
VIDA DE SACRIFIQO, - S. Thomaz estabe
lece que a al�gria é o fruto natural da verda�
deira devoção, isto é, o devotamento sério,
a vida de sacrifício, separa a alma das cousas
da terra que a -macúlam e estorvam, e que
ella a une a Deus, fonte essencial de toda
alegrià.
A vida de sacrifício tornar�se-á bem de�
pressa insupportavel para a nossa fraqueza,
si não fôr auxiliada por uma santa alegria ;
como tambem a alegria espiritual não poderá
ser de longa duração si não fôr alimentada
péla vida de sacrifício. Devemos dar ao Se�
nhor com alegria, porque elle gosta das offer�
tas dum coração alegre hilarem datorem; de�
vemos acompanhar todos os sacrifícios que
lhe offerecemos, da simplicidade do nosso co�
258 29.o dia
ração e da alegria das nossas palavras, l2tus
obtuli universa, porque "uma palavra de ale
gria ser-lhe-á mais agradavel do que o ·proprio
dom" E elle nos retribuirá a mesma medida
de alegria, ou. antes, como o prometteu, cem
vezes mais alegria, para . nos animar nos nos
sos sacrifícios e attrahir-nos cada vez mais ao
seu amor.
Era por essa alegria colll/ que acompa
nhava todos os seus actos que Gertrudes lhes
augmentava o valor perante Deus, e dava a
cruzes pequeninas o peso e o merecimento
das grandes cruzes. Nosso Senhor felicitava-a
grandemente por achar assim amaveis as dis
posições mais crucificantes da sua Providen
cia para com ella. Quando estava cansado das
iniquidades dos homens, vinha repousar no
Coração de Gertrudes : mandava-lhe, para
expiar os peccados do mundo, alguma pena
no corpo ou no espírito, e a Santa recebia-a
com tanta alegria e gratidão, que o proprio
Coração de Jesús se sentia todo consolado,
todo regozij'ado e inteiramente disp�sto a
perdoar.
Gertrudes, dando assim alegremente a
Jesús tudo quanto elle lhe pedia, e não lhe
recusando sacrifício algum, mereceu que por
Alegria do S. Coração 2:>9
sua vez Jesús nada lhe recusasse, e lhe fizesse
transbordar n'alma, pela abundancia das gra
ças divinas, a medida da alegria . . Façamos o
mesmo, não recusemos nada ao amor ; demos
lhe com alegria todos os sacrifícios qu� elle
pede ; e depois, por nossa vez, peçamos {:Om
confiança ; nada nos será rétusado, e será para
nós a plena alegria, ut gaudium vestrum sit
plenum,
IV ALEGRIA UNIVERSAL E PERPETUA
HAURIDA POR STA. GERTRUDES NO CORAÇÃO
DE JESÚS, NO CORAÇÃO DE MARIA, EM TO
DOS OS SANTOS. - Gertrudes hauria a al�gria
espiritual no seu manancial inesgotavel que
é o Coração de Deus. Uma das suas praticas
mais caras era applicar-se a consolar e a ale
grar N. Senhor com a propria alegria da sua
Divindade : cum delectamento diuinitatis tu;:c.
Comprazia -se tambem em fazer derramar essa
alegria do Coração divino sobre todas as crea
turas, no céo, na terra e no purgatorio, e de
pois em fazer suas creaturas, nas quaes elle
gosta de se alegrar, [;:ctabitur in operibus suis.
Gertrudes offerecia assim a N. Senhor
essa alegria continua em todas as menores
occasiões. Si, por exemplo, tomava algum
allivio, era para alegrar em si com essa alegria
260 29.o dia
universal a N. Senhor e a todas as suas crea
turas. Assim tambem, todas as pequenas ale
grias que a Providencia multiplica no nosso
caminho tornavam-se para ella occasiões de
alegria universal. Porque não adaptarmos
estas praticas tão faceis e tão consoladoras !
Gertrudes não podia esquecer essa outra
fonte universal das santas alegrias, o Coração
immaculado de Maria : causa nostr<E (<Eti
ti<E. N. Senhor ensinara-lhe especialmente o
modo de lhe preparar uma morada alegre na
sagrada Communhão, apropriando-se das ale
grias immensas do Coração de sua santíssima
Mãe, e a propria Maria cornprazia-se em corn
rnunicar a sua filha querida, com seus meri
tos e virtudes, essas alegrias especiaes que,
nos diversos mysterios da sua vida, lhe inun
daram a alma e a fizeram palpitar em Deus.
Ernfirn, Gertrudes hauria a alegria no
coração de todos os Santos. Em varias cir
curnstancias. N. Senhor lhe fizera vêr (I.
340) corno, por toda a alegria que haurimos
nos benefícios conferidos aos seus ·eleitos, nós
merecemos para nós proprios um augrnento
de alegria eterna, e noss1alrna se illumina
deste este mundo dum reflexo da gloria de
Deus em seus Santos.
Alegria do S. Cora�o 261
Um dia tan:ibem em. que Sta. Mechtilde
se alegrava mui particularmente com os fa
vores que Jesús concedeu a Santa Ignez, viu
esta gloriosa Martyr revestil-a das suas pro
prias virtudes, e o Senh6r fez-lhe conhecer
que, pela alegria que achamos nas graças con
ceditlas aos Santos, nós nos apropriamos de
alguma sorte dos seus merecimentos.
Por estas praticas, tantas fontes de ale
grias são-nos abertas quantos os Santos que
temos para honrar n:o anno ; as alegrias de
nossos irmãos tornam-se as nossas alegrias ;
as suas graças as nossas graças ; a sua gloria,
a. nossa gloria. O' amor ! ó amor de Jesús
e dos seus Santos ! O' amor ! ó alegria ! Por
que
·
o nosso coração não se abre todo para
receber-vos ! Estamos cercados só de amor e
de alegria, porque temermos? Oh ! dilatemos
os nossos corações ; dilatemos os nossos co
rações no amor ; dilatemos os nossos corações
na alegria : Dilatamini et vos!
CONCLUSÃO PRATICA. - 1 .° Fazer com
frequencia actos de alegria por ser Deus todo
alegre, e por lhe estarmos unidos pelo amor.
2 . 0 Offerecer todos os nossos sacrifícios
a Deus com coração jubiloso :
262 29,o dia
3 ,0 Alegrar-nos, a cad:l ensejo, com a
felicidade dos Santos e com as graças conce
didas a nossos irmãos.
TRIGESIMO DIA
A amizade dos Santos no Coração de Jesús
O douto e pio Lansperg, no seu pre
facio sobre o terceiro livro de Sta. Gertrudes,
escreve estas palavras notaveis : "Gertrudes
mostra-nos a exuberancia doamor do Cora
ção de Jesús, que, nestes ultimos tempos, com
padecendo-se da fraqueza humana, quer pro
digalizar-nos os seus dons e os seus Santo�
e a si mesmo sem reserva"
Eis ahi uma das riquezas mais preciosa�
da devoção ao Sagrado Coração de Jesús,
consoante Sta. Gertrudes. Por esta devoção,
Jesús dá-nos seus Santos, com seus louvores
e seu amor, para glorificai-o, com seus me
ritos e suas virtudes para santificar-nos, com
sua intercessão para ajudar o nosso zelo, com
a amizade para consolar-nos e alegrar-nos.
E para que essa amizade seja mais in
tima e mais frutífera, Jesús quer que o seu
Coração sa!lrado lhe seja a fonte e ·lhe fique
264 30.• dia
sendo o centro. E' nesse divino Coração que
Sta. Gertrudes nos mostra a fonte de delicias
em que os Santos veem beber e nos convidam
a beber consigo ; elle é tambem como que um
Altar no qual os Santos offerecem as hol}lena
gens que rendem a Deus em nosso nome, e as
orações que lhe dirigem pelas nossas necessi
dades. Esse terno Coração, pelas suas dôces
pulsações, convida os bemaventurados a sup
prír corp elle, a agradecer, a louvar a Deus por
nós ; e em compensação, transmitte-lhes os
nossos votos, e, suppríndo a nossa fraqueza,
completa os louvores e as acções de graças que
lhes queremos offerecer.
Em toda parte N. Senhor mostra-se a
Sta. Gertrudes acompanhado de seus Santos ;
consóla-a com seus Santos, ajuda-a por seus
Santos, e em toda parte tambem Gertrudes
glorifica N. Senhor com os, seus Santos, tra
balha em alegrai-o com seus Santos. Apro
priar-se dos meritos e dons destes COIJlO dos
do Coração de Jesús ; . com ella, parece que é
um negocio de todas as circumstancias, uma
pratica muito simples e ao alcance de todos
o procurar nos Santos uma. cooperação em
�odas as 'nossas acções,. em· todos os nossos
Amizade d. Santos' no S. Cor. 265
sacrifícios, da mesma forma que um apoio
para todas as nossas preces.
Esta amizade que N. Senhor nos quer
fazer contrahir com seus Santos, e de que o
seu Coração é o meigo traço de união, cons
titúe um dos maiores recursos da nossa fra
queza, uma das mais preciosas riquezas da
nossa pobreza, uma das mais puras alegrias
do nosso desterro. Abramos o coração a essa
amizade que a dilecta do Coração de Jesús
nos inculca de tantos modos ; sejamos ami
gos. dos Santos porque somos amigos do Sa
grado Coração, e para que elles nos façam
cada vez mais amigos do Sagrado ·Coração.
Do ponto de vista do zelo, formemos uma al
liança com os Santos para qui elles nos au
xiliem com os seus recursos na guerra que
temos de sustentar contra o mundo, e para
que, combatendo comnosco, nos tornem po
derosos como esse exercito em linha de ba
talha de que falam os nossos santos Livros, ao
qual está assegurado o triumpho final.
Do ponto de vista da vida eucharistica,
que é mais particularmente a dos amigos do
Sagrado Coração, sejamos amigos dqs Santos
para: . que elles nos ajudem ·a fazer .a côrte ao
Rei dos reis, a consolar e rej�bjlar o meian
266 30.• dia
pns10n�iro do Tabernaculo, a prestar desde
este mundo ao Deus escondido o culto de amor
e de louvores que lhe é offerecido no céo.
Convidt:rnol-os a assistir ás nossas festas no
lugat; san.to ou, antes, roguemo-lhes que nos
auxiliem a fazer nelle a Jesús urna festa con
tinua ; que nQS façam cantar cornsigo o Al
leluia da jubilação e o Amen do louvor, que
façam . assim dos nossos Tabernaculos corno
um céq. antecipado, até que possam receber
seus amigos nos Tabernaculos eternos.
V ejarnos porém antes, em detalhe em
que consiste essa cara amizade que o éora
ção de Jesús quer formar entre nós e seus
Santos.
Que é a amizade santa de que o Coração
de Jesús é o unico fóco ? Póde-se definil-a
consoante S. Thomaz : um amor reciproco
fundado na comrnunicação dos bens sobre
naturaes. Ora, que cornmunicação, que per
muta ha entre os Santos e nós ? Que nos dão
elles ? Que lhes damos nós ? b amigo do Sa
grado Coração dá tudo aos Santos e os San
tos -dão-lhe tudo ( 1 ) : é a amizade no mais
·( I ) Não percamos de vista, �omtudo, que só
se póde tratar dum augmento accid'l!ntal da felicid:1.-
Amizade d. Santos no S. Cor. 26'1
alto gráo ; tornamo-nos por ella, como .o pro
prio Jesús, amigos o mais possível ; maxime
amicus (S. Thomaz) .
§ I. Os AMIGOS DO SAGRADO CORAÇAO
DÃO TUDO AOS SANTOS. - Sta. Gertrudes ·
ensina-nos de modo· todo luminoso e alenta
dor a render perfeítamente ·aos Saritcis o culto
de dulia no altar do Coração de Jesús e ·unin
do-nos a Jesús, summo Sacerdote e Victima.
Este culto póde reduzir-se aos quatro
fins do Sacrifício : 1 . o a adoração de Deus nos
seus Santos, e o louvor dirigido aos proprios
Santos ; 2 .0 a . acção de graças dada a Deus
pelos seus Santos, e aos propríos Santos pelas
graças que nos alcançaram ; 3 . o a reparação
offerecida a Deus pelos seus Santos ; 4.0 a
oração, para augmentar a alegria . e a gloria
dos Santos.
1 .0 Adoração e louvor. Sta. Gertrudes
mostra-nos, em particular, como os Santos
são honrados pela sagrada Communhão (II,
1 7 4) . No dia da festa de S. Thiago, Gertru-·
des propoz-se ir á 'Mesa santa como para
fazer a peregrinação em honra delle ; depois·
de dos Santos, e, quanto a nós, duma participação
nos seus meritos proporcionada á nossa cooperação
pessoal.
268 30.• dia
offereceu a N: Senhor o seu Corpo adoravel
para augmentar em algum gráo a gloria e a
alegria do illustre Apostolo, e logo o viu vir
assentar-se com eila á mesa do Salvador, dan
do a Deus immensas acções de graças pelo
offerecimento que Gertrudes tinha feito em
sua honra pela sagrada Communhão, e diri
giu-lhe esta prece : "Senhor, dignae-vos con
ceder em troca á vossa Esposa todas as gra
ças que jámais concedestes a nenhum dos pe
regrinos que têm vindo venerar o meu tu
mula''
Eis ahi mats uma mina inesgotavel de
riquezas espirituaes, um meio facil de adqui
rir perante Deus o merito das peregrinações
que estão em honra na Igreja, um meio de
honrar os Santos pelo proprio -Coração de
Jesús que pulsa no nosso peito na saograda
Communhão, um meio de augmentar a gloria
e a alegria desses bem -amados de nosso Deus.
Oh ! que dôce pensamento : nós, pequenas
creaturas, damos maior gloria e maior ·ale
gria aos favoritos do Senhor, a esses prín
cipes do céo cuja amizade tanto nos honra,
e que .se mostram tão gratos ! Que gloria e
q�e alegria para nós proprios !
2 . 0 Acção de graças. - "Pela festa de
Amizade d. Santos no S. Cor. 269
Todos os Santos (H, 22 1 ) , Gertrudes, que
s� preparava para fazer a sagrada Communhão
em honra de todos os Santos, admirava e
invejava de alguma sorte o esplendor dos
ornamentos que elles traziam diante de Deus.
E como se entristecia de se vêr ellâ propria
desprovida de todo ornamento, o Espírito
Santo inspirou-lhe render graças a Deus por
todos aquelles que elle elevou á dignidade
sublime da virgindade, e logo viu ella su'alma
resplender da alvura que . distingue o côro das
Virgens ; depois deu graças pela santidade
dos Confessores e dos Religiosos, e su'alma
brilhou tambem da côr de jacintho que res
plandecia nelles ; dando graças igualmente
pelas diversas Ordens dos Santos, revestiu
se dos ornamentos que ·assignalavam cada
uma dessas Ordens ; emfim, rendendo gra
ças pela universalidade dos amigos de Deus,
viu su'alma cobrir-se dum mantot de ouro.
Então apresentou-se ao Senhor, que, alegran
do-se de vêl"a assim ornada, diss.e a todos os
Santos : "Vêde a minha Esposa que vem a
mim ornada de franjas d' ouro e enfeitada
de toda a variedade ·dos ornamentos" De
pois, estendendo o braço, fêl-a repousar no
seu Coração, porque a )affluencia das de-
270 ao,• dia
lidas·· que a inundavam. tel-a-ia feito desfal
lecer" .
V em os. ainda aqui a applicação tocante
.de _om. dos pr-incípios da espiritualidade de
Sta. Gert±udes : .quando agradecemos a Deus
a·s. graças qu�. e:lle conceda � nossos irmãos,
.<OlJ1! • a ·· confia-nça �de que elle nos concederáoutras tantas, 'merecemos por alguma parte
receber as mesmas graças.
3 .0 Reparação. - Sta. Gertrudes, a
estas paiavras da l iturgia : Omne genu f/ec
�atur etc. , fazia u'ma genuflexão em nome
dos habitantes do · céo, para reparar o que
os Santos pudessem ter omittido nas home
nagens prestadas a Deus durante a sua vida,
e os Santos lhe mostravam o quanto folga
vam com esse complemento dado á gloria
que quereriam ter dado ao Senhor.
Gertrudes, tambem, para reparar as
suas negligencias no culto dos Santos, usava
do Coração de Jesús, que é o orgão perfeito
da nossa �ligião ; e o Salvador louvava e
agredecia aos Santos, em nome de Gertrudes,
com .os mais maravilhosos sentimentos de
amizade.
4.0 Oração. - Uma das mais amena�
occupações de Sta. Gertrudes era rezar pelo
Amizade d. Santos no S. Cor. 271
augmento da .gloria e da alegria dos Santos,
trabalhar em lhes dar o complemento dos
seus desejos, como se exprime o B. P. Lefe
vre no seu piedoso Memorial-: Já. . vimos va
rias praticas suas a este; respeito::.Acciéscente
mos aqui só mais um e:x:emplo bem com
rnovedor, em que vemos Gertru·des . receber
de todos, no Coração de Jesús, e por ·elle
tambem dar do mesmo modo a todos. "Um
dia, ( traducção de D. Mege I, 2 5 3 ) , em que
se preparava para a sagrada Communhão,
sentindo· vivamente a sua miseria, dirigiu-se
ella ao seu dulcíssimo Mediador para que ene
proprio se dignasse apresentai-a a Deus seu
Pae. Jdús, aproxi�ando-a do seu divino
Coração, regou-a como uma arvore ainda ten
ra, com 9 sangue vivificador que manava do
seu lado aberto, e d.epois apresentou-a com
grande reverenda á SS. Trindade, que a
recebeu com amor e ternura ' ineffaveis. Deus
Padre prendeu aos galhos mais elevados des
sa arvore todo o fruto que ella poderia ter
produzido si tivesse ficado na dependencia da
sua omnipotencia ; Deus Filho e Deus Espí
rito-Santo prenderam da mesma lorma aos
outros galhos todo o fruto que ella poderia
ter dado recebendo plenamente a influencia
30.• dia
da sabedoria e da caridade divinas. Fazendo
então a sagrada Communhão, pareceu-lhe que
ella se enraizava no Coração de Jesús e que
o sangue do Salvador, passando como uma
seiva divina por todos os seus ramos, a fazia
produzir frutos maravilhosos que o Rei dos
céos fazia admirar aos habitantes da sua côrte.
Esse espectaculo causava-lhes alegria indizível :
elles se levantaram todos por deferencia e of
fereceram cada qual os seus meritos, em forma
de corôas que suspenderam · aos ramos dessa
arvore, para gloria d' Aquelle que, ostentando
assim as riquezas da sua �misericordia, os
cumulava de novas delicias. Então Gertrndes
supplicou ao Senhor que se dignasse comple
tar os frutos que ella deveria ter produzido
por todos os seus amigos do céo, pa terra e
no purgatorio, e logo as suas bôas obras, figu
radas pelos frutos da arvore, começaram a
distillar um licor de virtude extraordinaria,
uma parte do qual. caindo sobre os habitantes
do céo, levou-lhes ao auge a alegria ; outra
parte,fluindo no purgatorio, abrandou as
penas das almas que alli se achavam ; e a ter
ceira parte, derramando-se na terra, augmen
tou entre os justos as doçuras da _graça, e
Amizade d. Santos no S. Cor. 273
entre os peccadores os amargores da peniten-. , c1a .
Ahi estão excellentes industrias que
tambem nós podemos empregar para nos pre
pararmos para a sagrada Communhão, apro
priando-nos das riquezas dos Santos ; para, nos
unirmos cada vez mais aos Santos, visto ser
principalmente na sagrada C�mmunhão que
o Coração de Jesús forma o traço de união
entre elles e nós ; para augmentar as delicias
dos Santos e accrescer-lhe os amores ; para lhes
retribuir, numa palavra, tudo quanto have
mos recebido delles, duplicado pelos meritos
que lhes juntará o Coração de Jesús em nós.
'
CONCLUSÃO PRATICA. - Tratemos de
fazer para nós, do santo de cada dia, suces
dvamente, um amigo e um auxilio, - ao
menos dos santos principaes.
TRIGESIMO PRIMEIRO DIA
A amizade dos Santos no Coração de Jesús
(continuação) .
§ 11. Os SANTOS DÃO TUDO AOS AMI
COS DO SAGRADO CORAÇÃO. - Podemos dis
tinguir nas obras dos Santos, como em qual
quer bôa obra, tres partes ou meritos diffe
rentes : a parte expiatoria, emquanto essas
obras satisfazem pelos peccados ; a parte im
petratoria, emquanto alcançam graças ; a parte
latteutica, emquanto glorificam a Deus ; (não
falamos da parte meritoria propriamente dita,
que os Santos a ninguem podem_ communi
car) . Ora, Santa Gertrudes mostra-nos os
Santos dando parte nesses diversos meritos
aos amigos do Sagrado Coração.
1 ;o A parte expiatoria. - Nosso Senhor
ensinava a Sta. Mechtilde recorrer aos Santos
para pagar todas as suas d_ividas para com
a justiça divina : os Patriarchas offereciam por
e lia os seus desejos ardentes ; os Apostolos os
Amizade d. Santos no S. Cor. 275
seus trabalhos ; os Martyres os seus soffri
mentos ; os- Confessores as suas virtudes heroi
cas ; as Virgens a sua castidade. Abriam-lhe
assim o thesouro das satisfações da Igreja,
donde ella podia tirar a mancheias para si
mesma e para os outros.
" Sta . Gertrude� (V, 3 ) , quando certa
vez rezava por urna irmã sua que acabava de
morrer, viu-a repousar no Coração de Jesús,
e todos os Santos, aproximando-se segundo
as suas diversas Ordens, depositaram as suas
satisfações no seio do Salvador para supprir
ás falhas dos meritos daquella alma ; ora,
Sta. Gertrudes conheceu que elles assim fa
ziam porque aquella alma, quando na terra,
costumava rogar-lhes que assistissem do mes
mo modo as almas dos defuntos. Todos os
Santos ao mesmo tempo testemunhavam
grande amizade áquella alma, especialmente
as Virgens que a tratavam como irmã"
Que riquezas immensas nos são offere
cidas aqui para pagarmos as dividas das al
mas do Purgatorio ! Esse thesouro das sa
tisfações dos Santos, que é o proprio thesouro
em que a Igreja tira para as Indulgencias, elles
o abrem largamente aos seus amigos, mór
mente agora em que nos aproximamos do
276 31.o dia
fim dos tempos, e em que é mistér que as suas
satisfações sejam esgotadas, sob pena de fi
carem eternamente inúteis. Façamo-nos pois
amigos dos Santos, . e a nossa pobreza terá á
sua disposição essas riquezas sem limites que
podem permittír libertarmos milhares d'almas
do Purgatorio ao mesmo tempo, como Sta.
Gertrudes fazia com suas irmãs.
2.0 A parte impetratoria. - "Quando
Sta. Mechtilde (VII, 4) se achava em agonia,
emquanto recitavam por ella as ladainhas,
Sta. Gertrudes viu ds diversos córos dos Anjos
e as differentes Ordens dos Santos levanta
rem-se, á medida que eram invocadas, e vi
rem depositar com alegria no Coração do
Salvador todos os seus meritos como ricos
presentes, e o Senhor logo os doava á sua
Bem-Amada para augmento da sua alegria e
da sua gloria. No dia seguinte, havendo a
Santa fallecido, Sta. Gertrudes viu, após a sua
enthrortização no céo, os Anjos e os Santos
que se aproximavam do Senhor e dobravam
o joelho diante delle á maneira dos príncipes
que recebem a investidura de seus bens da
mão do imperador ! 'Receberam os seus merí
tos, que haviam offerecido na vespera para
accrescimo dos rnerítos da bem-amada do
Amizade d. Santos no •S. Cor. 277
Christo. corno duplicados e maravilhosamente
ennobrecidos pelos rneritos da propria Santa"
Eis aqui mais urna industria de riqueza
extrema ; 'êlpropriando-nos dos merecimentos
dos Santos, duplicarnol-os por isso mesmo, e
os que são causa dessa multiplicação recupe
ram em toda justiça os seus rneritos assim
duplicados com um augrnento de alegria e de
gloria. Assim, fazendo amizade com os San
tos, nós dupliçarnos os nossos recursos e lhes
duplicamos tarnbern os rneritos, a alegria e a
gloria. E' o cumprimento desta palavra da
Escriptura : E' melhor que dois estejam jun
tos do que si ficassem sós, porque adquirem
assim o beneficio da associação : Habent enim
emolumentum societatis su02.
3.0 A parte latreutica.- "Sta. Mech
tilde, cantando no officio de Sta. Ignez o
responso Amo Christum - Amo a Christo,
queixava-se em si mesma ao Senhor de o não
ter amado de todo o coração desde os seus
verdes annos corno ·Ignez. Então o Senhor
disse a Sta. Ignez : "Dá-lhe tudo o que tens" .
Esta palavra fez cornprehender a Mechtilde
que Deus conferiu aos Santos este favor de
poderem dar tudo quanto elle operou nelles,
aos que ps amam. aue rendem graças a Deus
278 31.o dia
por elles, que amam os dons que Deus lhes
concedia. Tendo Sta. lgnez feito o que dis
sera o Senhor, Mechtilde sentiu-se cheia de
alegria ineffavel ; rogou á Rainha das virgens
que agradecesse por ella a seu Filho, e Maria,
attendendo ao seu rogo, deu-lhe parte ainda
em todos os seus dons, e com os dons de
lgnez e os dons de Maria, ella amou, honrou,
glorificou plenamente o Senhor pelo passado
e pelo presente" . .
o admirabile commercium! o· amiza
de dos Santos infinitamente preciosa ! Damo
lhes os nossos louvores, as nossas acções de
graças, o nosso amor, e elles nos fazem parti
cipar, em troca, de todos os dons que o Se
nhor multiplicou nélles para sua gloria ; e
por elles podemos offerecer a Deus homena
gens todas celestes. perfeitamente santas,
verdadeiramente dignas delle ; porque "o que
podemos por nossos amigos é como si o pu
dessemos por nós mesmos" ( I ) , e as home
nagens que os Santos offerecem em nosso
nome Deus as recebe como si as offerecesse
mos por nós mesmos.
( 1 ) Quod possumus Per amicos, per 11os aliqzto
1•znd o possumus. ( Principio de S. Th{'maz) .
Amizade d. Santos no S. Cor. 279
CONCLUSÃO. -· 1 .11 Os operarias da un
decima hora. SomoS' os operarias da unde·
cima hora, ociosos ou negligentes até aqui,
e agora ainda bem fracos e bem tíbios no
nosso humilde trabalho. Entretanto o Co
ração de Jesús, sem merecimento algum de
nossa parte, mas unicamente "porque elle é
bom" , quer tornar-nos iguaes aos seus obrei
ros das horas precedentes, quanto aos frutos
de salvação como quanto á recompensa. Os
Santos, nossos predecessores, glorificarão com
isso eternamente a sua misericordia e libe
ralidade : pares illos nobis fecisti. Que meio
empregará elle p'ra este fim? A amizade, que
torna iguaes os amigos : amicitia pares invenit
aut facit. O seu Coração, que dá tudo, for
necer-nos-á elle proprio esses sentimentos de
amizade ; virá pulsar em nós para amar os
Santos, para ser amigo dos Santos ; já pulsa
e pulsará sempre no coração dos Santos para
nos amar com a amizade mais terna ; assim no
Coração de Jesús travaremos plenamente am._
zade com os Santos, e esta amizade, pela per
muta dos bens, tornar-nos-á iguaes a elles,
e os Santos louvarão com isso a Deus, agra
decerão a Deus eternamente : pares illos nobis
fecisti!
·
280 31.0 dia
2 .0 Os companheiros da alma eucharis
tica. - Não percamos nada dos recursos pre
ciosos que N. Senhor nos offerece na amizade
dos Santos. A' medida que as diversas festas
do anno nos põem em relação com esses a-mi
gos de Jesús, appliquerno-nos a invocai-os, a
honrai-os pelo Coração do Salvador, que
quer ser o orgão da nossa religião e do nosso
culto ; façamos amizade /COm elles, forme
mos sociedade com elles no Sagrado Coração
de J esús ; e exploraremos em seguida o rico
capital dos rneritos delles, de que entramos
corno parte, para glorificarmos a Deus e at
trahirrnos toda sorte de graças sobre a Igreja.
Seja, assim, cada dia, ao pé do tabernaculo.
uma festa nova para rejubilar Jesús em com
panhia de algum dos seus amigos.
E' principalmente pela sagrada cornrnu
nhão que o Coração de J esús nos une de
amizade aos seus Santos. corno o vemos por
exemplo de Sta. Gertrudes. e como resulta da
ptopria natureza do sacramento da Bucha�
ristia, que é o Sacramento da unidade eccle
siastica: Sacramentum unitatis ecclesiasticre
(S. Thomaz) . E' portanto principalmente a
alma eucharistica que elle quer fazer entrar
nessa alliança sobrenatural ; nessa unidade.
Amizade d. Santos no S. Cor. 281
principio de força, nessa amizade, fonte de
consolações. o· alma eucharistica, que helio
é o vosso quinhão! Entrae na alegria do
vosso Senhor, servi-o na alegria, pois os San
tos do céo vêm associar-vos ao seu culto, que
é toda jubilação. A vossa solidão povoar-se-á
de habitantes celestes, o vosso deserto cobrir
se-á de flôres rtJ.ysticas que brilham nas di
versas ordens dos Bemaventurados ; podereis
offerecer ao vosso Bem-Amado a gloria do
Líbano por esses incensos numerosos que vos
serão dados nas orações dos Santos ; circum
dareis o Tabernaculo da beileza do Carmélo
pela variedade dos meritos dos Santos que
encantará os olhares do divino Prisioneiro ; e
far-lhe-eis ecoar aos ouvidos concertos celes
tiaes unindo-vos aos canticos dos Santos.
Reconheci a bondade e a sabedoria do Deus
da Eucharistia ; eile quer multiplicar os au
xiliares do vosso zelo e os ministros do vosso
culto, para que nada tenhaes a invejar ás
almas activas que são as mais ricas, para que
(VOS apegueis cada vez mais a essa parte que
vos preparou a sua ternura e que será sem
pre a melhor, porqt!anto a vossa parte, bem o
vêdes, é já o céo desde esta vida, e não vos
será tirada durante a eternidade.
TRIGESIMO SEGUNDO DIA
A/eu jugo é suaue e n1eu fardo leue
Parece-nos que essas palavras tão alenta
doras. do Evangelho acham a sua plena reali
zação na devoção ao Sagrado Coração de
Jesús, nessa devoção tal como Sta. Gertrudes
nos inculca por seus exemplos e escriptos.
nessa devoção emfim tal como Nosso Senhor
quer dal-a aos seus amigos no seculo presente.
Deixen1o-nos attrahir por tanto an1or,
e ex.perimentemos saborear essa suavidade do
jugo do Senhor no Coração de Jesús : Gustate
et uidete. Ella nos ganhará para seu serviço,
prender-nos-á a elle cada vez mais, e abran
dará para nós todas as difficuldades. Sabo
reemol-a por nós mesmos, e façamol-a sa
borear · a todos, tanto quanto pudermos ; e
que a nossa ultima conclusão pratica seja
esta palavra do proprio Evangelho a respeito
da devoção ao Sagrado Coração : Venite ad
O doce jugo do Senhor 283
me omnes. - Venham todos ao Coração de
Jesús.
.
1 .0 Nesse Evangelho, a que se póde cha
mar com toda razão o Evangelho do Sagra
do Coração, parece que tudo é disposto para
attrahir-nos, ganhar-nos, alentar-nos, ,.conso
lar-nos, prender-nos para sempre. Nosso Se
nhor abre primeiro seu Coração a todos os
que estão na afflicção e carregam o peso do
soffrimento : Vinde a mim, todos, e eu vos
alliviarei : Vinde, não temaes, eu sou o vosso
Salvador e vosso amigo ; abro-vos o meu Co
ração que é tão humilde e tão manso. Nada
ha em mim que vos possa assustar. Vim para
vos servir, para ser a vossa victima. Quero
gastar-me todo em vos fazer bem, tomarei
sobre mim o trabalho e deixarei para vós a
consolação. Rejeitae o jugo do mundo que
haveis supportado até aqui com tantos abor.-<
recimentos e fadigas, deponde o fardo dos vos
sos peccados que vos esmaga ; tomae em lugar
disso o meu jugo que é suave, o meu fardo
que é leve, e, digo-vos em verdade, far-vos-ei
achar o repouso para vossas almas. Sereis
felizes no meu serviço, e o meu coração aman
tíssimo será para vós um manancial. sempre
aberto de consôlo e de paz.
284 32.• dia
Eis ahi, parece-nos, a devoção ao Sa
grado Coração conforme o Evangelho. A'
Providencia aprouve reservar-lhe a plena ap
plicação á nossa época, que é tão carregada
de peccados e de soffrimentos e servir-se es
pecialmente de Sta. Gertrudes para mostrar
nos a inteira realização das promessas divinas.
2.° Com effeito, na vida como nos es
criptos de Sta. Gertrudes, tudo respira a paz,
tudo é impregnado de suavidade. Vê-se-lhes
em toda parte, com um mixto de sombras
sem duvida, pois todo quadro tem sombras,
vê-se-lhes por toda parte a luz, a graça, o
consôlo, a alegria. E' uma vida de oração e
de amor, de confiança e de abandono, antes
que de trabalho e de pena. Si procuramos
qual é a característicade Sta. Gertrudes no
meio de todos os outros Santos. não a acha
mos na multidão dos soffrimentos, ou no
brilho extraordínario das virtudes, nem nas
grandes obras emprehendiâas ou nas grandes
penitenci�s praticadas, porém antes no aban
dono tranquillo á ternura de Jesús, na ac
ceitação fiél do jugo do Senhor supportado
sempre com suavidade, na união constante
ao Coração de Jesús manso e humilde, no
serviço do bom Senhor effectuado por amor,
O doée jugo do Senhor 285
e setnpre com um sentimento de paz e. de
alegria. •
3.0 Ora, é justamente. o que N. Senhor
offerece tambem a nós. Elle escolheu essa Santa
para nol-o mostrar, nol-o dizer, nol-o fazer
sentir, e é ao nosso seculo, todo arrefecido e
todo enfermo que o Coração de Jesús faz .
esse offerecimento tão consoladorr unico que
o póde aquecer e curar. Agora que parecemos
estar no fim dos tempos, o Salvador diz-nos,
como o annunciara pelo Apostolo dilecto do
seu Sagrado Coração : Aquelle que tem sêde
de felicidade, de graças, de paz, venha ao
meu divino Coração que lhes é a fonte, e
haurirá nelle tudo o que quizer sem ter que
comprai-o nem ganhai-o por seu proprio tra
balho : absque ulla commutatione ( 1 ) (Is. ,
55 , I) . A misericordia do meu Coração, que
quer, antes do fim dos tempos, glorificar-se
na sua suprema manifestação e ainar os ho
mens até o ' ultimo limite, dispoz tudo para
este fim. Basta que venham a mim essas almas ·
( 1 ) Porque tudo quanto eu lhe pedir de penoso
para a natureza não será nada em comparação da
abundancia da paz que lhe derramarei n'alma ;_ por
que " aquelle que dá todJl. a sua substancia pelo amor,
despreza-a como si nada tivesse dado . ".
286 32.0 dia
fraquinhas ; .confiem na minha bondade e
abandonem-se á minha ternura ; descansem na
doçura do meu divino Coração : comparti
lhem os meus· sentimentos de humildade e de
obediencia, e não sentirão mais o peso do
jugo, por causa da abundancia de consola
ções que derramarei nellas. Vinde pois todos ;
viride sem receio, e, sem demora, para sempre
abandonae-vos amorosamente a mim.
Possamos nós ouvir esse appello do Co
ração de Jesús. Vinde pois, vinde, pobres al
mas que vos assustaes, que tendes medo da
Cruz, da luta, da renuncia. Vind.e pois, apro
ximae-vos delle, e sereis esclarecidas; o dem.o
nio do desanimo ou da tristeza enganou-vos
até aqui ; vinde e vêde. E' o Coração de Jesús
que se abre a vós ; é a fonte da paz, da co
ragem, da confiança, da alegria. Não temaes !
Lançae-vos nesse asylo que vos é offerecido, e
ficareis ao abrigo de qualquer temor ; mer
gulhae-'vos nessa fonte que vos é aberta, e
achareis nella tudo quanto o vosso coração
deseja. Sim, confiae nessa bondade sem li
mite, abandonae-vos a essa ternura infinita,
e vereis, e saboreareis. Vereis que aquellas
penas interiores que vos embaraçavam déram
lugar á paz ; que aquelles soffrimentos que
O doce jugo do Senhor 287
vos abatiam se ach�m inteiramente abranda
dos ; que aquellas contradições que vos deso
lavam fazem resultar maravilhosamente os
vossos emprehendimentos; que aquellas en
fermidades que vos tiravam a coragem, tor
nam-se companheiras dulcíssimas e · vos pro
porcionam toda sorte de graças ; que aquella
pratica da mortificação que vos espantava re
dunda antes· no maior bem, da vossa alma
como do vosso corpo ; que todas aquellas
penas, numa palavra, em que o demonio vos
deixava vêr a cruz e vos occultava a uncÇão
que a acompanha, mudam-se em consolações
de suavidade toda celeste. Provae e vêde !
Confiança e abandono ! O que vos offerece o
Coração de Jesús é antes a suavização das
pe�as que vos atemorizariam, a paz e a ale
gria- d9 coração, a abundancia da graça· que
vos encorajará , em proporção da vossa con
fiança e do vosso generoso abandono.
CONCLUSÃO PRATICA. - } .0 Dedique
mo-nos cada vez mais á devoção ao Sagra
.
do
Coração.
2.0 Sirvamo-nos, para este fim, dos
exemplos, dos esc"tiptos, da intercessão de Sta.
Gertrudes.
3.0 Propaguemol-os em torno de nós,
32.• dia
tanto quanto pudermos, porque é mui parti
cularmente o soccorro e o remedio . preparado
pela misericordia para estes ultimas tempos
( 1 ) .
( 1 ) Os escriptos de Sta. Ge:irudes podem ser
offerecidos a todos, mesmo ás pessôas do mundo, -
fizemos a exper-iei)cia varias vezes, - porém sob
differentes formas ; ás .pessôas a quem espantaria
uma forma demasiado mystica, podem-se offerecer os
dois livros que o R. P. Cros extrahiti das /nsimuz
ções : o CORAÇÃO DE SANTA GERTRUDES e
o ANNO DE SANTA GERTRUDES. Esses dois
livros já têm feito muito bem, mesmo ás pessôa;s do
mundo, e são um dos mais graciosos presentes que
se possam fazer.
Lembremos tambem as Orações de Sta. Gertru
des e os Exe.rcicios de Sta. Gertrudes, editaoos por
D. Guéranger.
O abbade Lagrelette, cura em Bar-le-Duc,. que
mandou construir uma bella capella a Sta. Gertru
des, e que não é licito esquecer quando se trâta dessa
grande Santa, tambem fez editar pequenas folhas de
orações a Sta. Gertrudes, assim como imagens que
tem espalhado em profusão ha 60 annos e que mui
to têm contribuído para popularizar-lhe o culto. Um
boletim publicado de vez em quando dá contas das
graças alcançadas por intercessão della, não só ni!l
.França, mas em todas as regiões do mundo, e até na
America, onde as orações e as imagens do abbade
Lagrelette têm ido levar o amor de Sfa. Gertrudes r
do Sagrado Coração.
TRIGESIMO TERCEIRO DIA
Nossa Senhora do Sagrado Coração
Parece que a ui tima palavra das mise
ricordias do Coração de J esús e dos incenti
vos que elle concede ao nosso pobre s.eculo,
é Nossa Senhora do Sagrado .Coração, a bo
níssima, a misericordiosissirna, a esperança dos
desesperados.
Não sairemos do nosso assumpto, mas
antes lhe juntaremos u� complemento ne
cessario, terminando-o por urna palestra sobre
Nossa Senhora · ·do Sagrado Coração.
Exponhamos simplesmente aqui, seguin
do sempre a nossa bôa Santa por guia, alguns
pensamentos que nos parecem bem animado
res, bem proprios para facilitar-nos a realiza
ção dos nossos mais caros desejos. Piedoso
leitor, que nos haveis seguido até aqui, que
desejaes principalmente ? Honrar o Coração
de Jesús e Maria sua Mãe ; trabalhar pela
conversão dos pobres peccador�:s ; coop�:rar
290 33,o dia
por vossa parte na obra da reparação. Pois
bem ! digo que por Nossa Senhora do Sa
grado Coração chegareis a todos esses fins
da maneira mais segura e mais suave, suaviter
et fortiter. Ella vos conduzirá a elles mater
nalmente, pelo coração � suavissimamente.
V ereis e sentireis, pela mais dôce das experien
cías, que progredis mais abandonando-lhe á
conducta, para gloria de Deus, a vossa pro
pria santificação e a salvação de vossos irmãos,
do que por todos os outros meios que pu
désseis empreg�r.
I. NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORA
ÇÃO E O CULTO DE MARIA. - Pela devo
ção a Nossa Senhora do Sagrado Coração.
preenchemos para com Maria, da maneira
mais excellente, os quatro · fins da virtude de
religião. Honramol-a e lhe rendemos graças
pelo Coração de Jesús, que se faz de algum
modo o orgão do nosso culto para com ella ;
imploramos as suas graças e o nosso perdão
pelos titulas· que mais lhe tocam o coração ;
porquanto, invocando-a como Soberana do
Coração de Jesús, invocamol-a como a Ra
inha do amor e da misericordia, que não
póde deixar de exercer 'para comnosco esse
duplo attributo tão glorioso.
N. Sra. do S. Cor. 291
E primeiramente, que louvores mais per
feitos, que acções de graças mais commove
doras poderemos offerecer a Maria do que as
do Coração de Jesús, ao qual no
.
s unimos
para honrai-a ?
Um dia de festa de Maria, Sta. Gertru
des cantava, unindo-se ao Coração de Jesús,
o officio dessa gloriosa Rainha, e viu então
Jesús attrahir para o seu Coração diviho os
louvores que encerravam os Psalmos, e do
seu Coração brotavam elles como ondas im
petuosas para a Bemaventurada Virgem, sua
Mãe.
Chegada a antiphona : Sois toda bella,a Santa esforçava-se por cantar essas dôces
palavras pelo proprio Coração de Jesús, em
memoria dos carinhos appellativos e dos lou
vores filiaes que elle proprio deve ter prodi
galizado em semelhantes termos a sua Mãe
dilecta durante a sua vida mortal. Então es
trellas brilhantes jorraram do Coração de
Jesús e inundaram Nossa Senhora com seu
brilho : figjuravam esses louvores. Algumas
caiam, aqui e acolá, no chão. Os bemaven
turados habitantes do Céo recolhiam-nas e
apresentavam-nas a Jesús, com os testemu
nhos duma admiração e alegria inexprimi-
292 33.o dia
veis. Gertrudes comprehendeu dess'arte que os
louvores que o Coração de Jesús tributa a
Nossa Senhora são para os Santos uma fonte
ine:xprimivel de gloria e de felicidade.
Ao mesmo tempo, os Anjos, unindo as
suas vozes aos cantos das irmãs de Gertrudes,
diziam: Quce est ista? - Quem é esta ? E, em
voz alta e possante, J esús respondia : E' a mais
bella das filhas de Jerusalém . . Esta voz partia
da harpa divina do Coração de Jesús, e o
Espírito-Santo parecia dedilhar-lhe as cordas,
para fazel-a dignamente celebrar as glorias so
breeminentes da Virgem Maria.
Como que inebriada de ventura, Maria
inclinou-.se sobre o Coração de seu Filho
amantíssimo, e pareceu saborear nelle a paz
dum dôce somno ; mas1 ao canto da estrophe
O •gloriosa Domina, reergueu-se como que
para responder ao appello de .suas filhas, e
·�stendeu a mão so,bre ellas em signal de
maternal . benevolencia, como para dizer-lhe
que, tendo 14>do poder sobre o Coração de
seu Filho, as protegeria efficazmente ·contra
os seus inimigos ( 1 ) .
A exemplo de Sta. Gertrudes, com pro
funda humildade e confiança filial, honremos
(1) Vê An11o de Sta. Gcrtmdcs, ·P· 233.
N. Sra. do S. Cor. 293
aquella que é nossa Mãe, como é a Mãe de
Jesús ; pelo Coração de seu divino Filho agra
deçamos a Maria, roguemos a M;uia, peça
mos perdão a Maria pelo Coração de Jesús ;
tudo quanto fizermos por elle, será perfeito.
Quanto mais sentirmos a nossa indignidade
e impotencia em honrar essa grande Rainha,
tanto mais devemos crêr que podemos tudo
.em Jesús. Offereçamos a Maria o Coração de
J esús, e a nossa offerta será bem escolhida e
nada faltará á nossa devoção.
Citemos ainda outro exemplo da nossa
cara Santa, onde poderemos vêr que Maria
acceitava as homenagens que ella lhe offerecia
pelo Coração de Jesús, com mais favor do
que todas as outras : era pela festa da Nati
vidade ; Gertrudes, retida no leito pela enfer
midade, via os anjos de suas irmãs offerecerem
os seus cantos piedosos á Rainha do Céo sob
a forma de ramos verdes.
Ai ! minha dôce Mãe, disse então · Ger
trudes, porque hei de ser indigna de associar
a minha voz á voz de minhas irmãs ? "Não
te afflijas, respondeu Nossa Senhora : a tua
bôa vontade compensa essas perdas apparen
tes. Nenhum exercido exterior poderia, com
effeito, agradar-m� como a inten�ão que vejo
294 33.o dia
em tua alma de louvar-me, segundo o teu
costume, pelo Coração dulcíssimo de meu
filho. Para te dar a prova, quero eu propria
offerecer, em teu nome, á Trindade Santa
um ramo carregado de flôres e de' frutos, e
as tres Pessôas divinas ficarão encantadas com
a minha · offerta.
Jesús offerece tarnbern a nós o seu di
vino Coração para nos servir a honrar Maria.
Deseja a"rdenternente que façamos assim tarn
bern ; é urna viva alegria que lhe proporcio
namos, e elle quer testemunhar-nos o seu
reconhecimento. Escutemos ainda : Durante o
mesmo officio, á antiphona : Oh! como sois
bella Gertrudes cantou interiormente es
sas palavras, dirigindo-as a Maria pelo pro
prio Coração de Jesús. Nosso Senhor exter
nou-lhe, por graciosa inclinação de cabeça,
que essa devoção lhe agradava, e accrescentou :
"Quando chegar a hora, pagar-te-ei a gloria
que dás agora, em meu nome, a minha ca
ríssima Mãe"
Oh ! ternura, oh ! alegria, oh ! amor.
Quero· perder-me no amor do Coração de
Jesús e do Coração de Maria. Oh ! Nossa
Senhora do Sagrado Coração, tornae o meu
c:oração, uni-o com o Coraç.ão de Jesús, �uar·
N. Sra. do S. Cor. 295
dae-o por todo o sempre para as detidas do
vosso Coração materno !
11. NOSSA SENHORA DO SAGRADO CO
RAÇÃO E A DEVOÇÃO AO CORAÇÃO DE JESÚS.
- E' Nossa Senhora do Sagrado Coração
quem tem a chave do Coração de Jesús.
Abre-o como quer, para fazer-nos entrar nel
le e abeberar-nos nelle nas proprias fontes da
gr-aça. Cor regis in · manu DominCP.. o coração
do Rei, poder-se-ia traduzir á maneira de S.
Bôaventura, está nas mãos de Nossa Senhora
do Sagrado Coração : e lia o inclinará para o
lado que quizer, conciliar-lhe-á os favores,
assegurar-lhe-á as misericordias a quem quizer.
Não, não receiemos attribuir a Maria dema
siado poder sobre o Coração de seu Filho :
ella é soberana desse Coração além de qualquer
expressão e de qualquer pensamento, e é as
sim que apraz a Jesús honrar sua Mãe.
A Igreja. que ' conhece os segredos divi
nos, não receia, para melhor nos fazer enten
der o imperio dado por Jesús a Maria, em
pregar até na liturgia formulas que podem
parecer excessivas. Assim permitte-nos cantar :
Tua per precata dulcíssima, nobis concedas
veniam per sCP.cula : Por vossos rogos tão
poderosos sobre o Coração de Jesús, conce-
296 33.o dia
dei-nos para sempre, ó Maria, o perdão dos
nossos peccados. Dever-se-ia dizer : alcançae
nos; tal é porém o infallivel poder da inter
cessão de Maria, que ella parece conceder, si
bem que obtenha.
Neste m:esmo espírito, a Igreja dirige-se
directamente a Maria para solicitar bens que
só Deus póde dar. Canta : Solve vi nela reis,
profer lumen ca!cis. - Quebrae os grilhões
dos culpados, levae a luz aos cégos, etc. Te
nhamos pois o espírito da Igreja, porque a
Igreja tem o espírito de Deus. E' neste fun
damento inabalavel , na propria Pedra, que
se apoia a devoção a Nossa Senhora do Sa
grado Coração ( I ) .
A maior graça que nos possa alcançar
essa toda poderosa e bôa Mãe, a que resulta
do seu proprio titulo de Nossa Senhora do
Sagrado Coração, é a da devoção ao Sagrado
Coração de Jesús. Oh ! peçamos.:"Ihe instante
mente que ella nos alcance este dom. Foi ella
quem o obteve para todos até aqui, desde a
beata Margarida-Marl'a, desde Sta. Gertrudes,
e desde S. João Evangelista. S. João, effecti
vamente, toma primeiro Maria por sua Mãe,
( I ) Vê r Anno de Sta. Gertrudes, l'· 233,
• N. Sra. do S. Cor. 297
e é por ella que recebe o dom do Sagrado
Coração de Jesús. Ora, si S. João represen
tava-a de modo geral todos os christãos, re
cordemos que representava tambem muito es
pecialmente os amigos do Sagrado Coração
de Jesús ; será portanto por Maria, por Nossa
Senhora do Sagrado Coração de Jesús.
111 . NOSSA SENHORA DO SAGRADO CO
RAÇÃO E OS POBRES PECCADORES, cuja con
versão desejamos alcançar. - Ella é que será
a nossa mais dôce e mais !legura esperança
a respeito delles, mesmo para os mais desespe
rados. Ella é quem nos fará haurir para elles
graças de misericordia no Coração de Jesús,
e quem, sustentando maternalmente o nosso
zelo pela conversão desses pobres transviados,
nos fará perseverar até a alcançarmos ; porque
um coração de mãe nunca se cansa, nunca de
sanima e acaba geralmente por triúmphar dos
corações mais endurecidos.
Oh ! como ella folgará de que lhe lem
breis a este respeito, com confiança toda fi
lial, o que lhe dizia Sta Gertrudes ao im
plorar della uma graça de misericordia ex·
traordinaria : "O' Mãe de bondade, si Deus
vos deu por Filho aquetle cujo coração é a
propria fonte da misericordia, não foi para
298 33,o dia
que derrameis essas aguas da graça sobre to
dos os miseraveis, e para fornecer á vossa
inexhaurivel caridade o meio de subtrahir aos
olhos da justiça a multidão dos nossos pecca
dos e das nossas culpas?" Vereis essa terna
Mãe, no mesmo instante, mostrar-vos, como
a Sta. Gertrudes, um semblante radiante de
graça e de misericordia. Sentireis que o seu
coração está commovido, e que o Coração de
Jesús, sentindoa repercussão dessa emoção,
se acha enternecido em favor das almas para
as quaes solicitaes o perdão.
Oh ! si soubéssemos o quanto Maria se
commove com as miserias das nossas almas,
quão ardentemente deseja a salvação desses
pobres peccadores pelos quaes sacrificou seu
Filho Jesús ! Um dia em que Gertrudes lh'o
recordava por estas palavras da liturgia : Por
vós nos véiu a redempção, a misericordiosa
Mãe pareceu tão vivamente enternecida que,
desfallecente de algum modo, repousou a ca
beça no Coração de Jesús, e ahi, multiplicando
as supplicas e as demonstrações de amor, con
jurou-o a derramar copiosamente sobre as
almas as graças da redempção. Oh ! como o
Coração de Jesús poderia oppôr-lhe uma re
çus� ! O amor· que elle tem í1 sua mãe não é
N. Sra. do S. Cor. 299
incomparavelmente maior do que a aversão
que tem aos nossos peccados ? Um dia em que
a nossa Santa dirigia a Nossa Senhora
est' outra oração da liturgia : - Interceda ella
propria pelos nossos peccados, viu Maria re
petil-a a seu divino Filho, e ·Jesús, de sem
blante sorridente, responder a sua Mãe :
"Dei-vos, minha venerada Mãe, em virtude
da minha omnipotencia o direito de recon·
ciliar com minha justiça, ao gosto do vosso
coração, todos os peccadores que recorrem de
votamente á vossa intercessão" . E como Ger
trudes proseguisse com o canto sagrado : Uni
os vossos rogos aos nossos, ó Mãe de mise
ricordia : "Sim, respondeu a bemaventurada
Virgem, meu coração fala por vós ao Cora
ção de meu "Bem-Amado" . O Coração de
Maria que fala ao Coração de Jesús por nós
pobres peccadores, é a misericordia que se
entende com a misericordia para soccorrer os
miseraveis : o Coração de Maria que fala ao
Coração de Jesús por essas almas infortuna
das cuja conversão queremos, é a mais dôce
esperança para sustentar o nosso zelo! Ah !
comprehendo que a · Igreja saúde Nossa Se
nhora do Sagrado Coração com o titulo de
esperanfa dos çlesesperadQs. GQstemos d�
300 33,o dia
lembrar a essa terna Mãe este dôce nome que
é a ultima palavra das suas glorias redemp
toras. Invoquemol-a com confiança sob esse
titulo bemdito, e veremos sempre exitos con
soladores virem acoroçoar-nos os esforços pela
conversão .aos peccadores.
Tenhamos confiança em Nossa Senhora
do Sagrado Coração especialmente com rela
ção á nossa pobre patria, a que ella se deu.
Sim, lembremo-nos, em meio ás nossas des
ditas, de que Nossa Senhora do Sagrado Co
ração se revelou e se deu primeiro e muito
especialmente á França, e depois pela França
ao resto da Igreja, como para nos dizer que,
si quizermos pôr a proveito esse dom mara
vilhoso que ella nos faz, ella reanimará a
fé e a caridade.
IV. NOSSA SENHORA DO SAGRADO CO
RAÇÃO E AS ALMAS REPARADORAS. - Sois
vós sobretudo, caras almas, que deveis ter
confiança em Nossa Senhora do Sagrado Co
ração. Vós respondeis aos seus desejos mais
ardentes : ella baterá comvosco, por todas as
pulsações do seu coração, á porta da miseri
cordia divina, que outra não é sinão a aber
tura do Coração de Jesús, e podereis haurir ·
abundantemente nas fontes do Salvador gra-
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N. Sra. do S. Cor. 801
ças de reparação. Oh ! sim, i�e bem toda con
fiança a Nossa Senhora do Sagrado Coração,
e essa Mãe ternissima fará comvosco como
fez com Sta. Gertrudes. Cobrirá primeira
mente com o manto da sua misericordia as
vossas proprias culpas e negligencias ; depois,
á medida que lhe offerecerdes as vossas abras
de reparação, "inclinar-se-á para o coração de
seu Filho e offerecerá por um ·beijo da sua
bôca maternal todas as vossas praticas" , uni
das ás suas proprias obras reparadoras, que
lhes asseguram merito incomparavel.
Talvez, nessa vida de reparação a que
a graça vos attrahe, receieis a vossa fraqueza
e inconstancia, ou temaes attrahir sobre vós
provações fortes demais. Offerecei-vos a Nos
sa Senhora do Sagrado Coração, abandonae
vos á sua guia maternal, e não temereis mais.
Ella vos fará haurir no Coração de Jesús o
amor que dá forças ; só deixará chegar a vós
as provações que vos podem fazer bem; me
nores talvez do que as que teríeis sem o vosso
offerecimento, e certamente acompanhadas
duma graça maior que as amenizará. Colherá
nos thesouros do Coração de Jesús com que
supprir o que falta aos vossos pequenos es
forços, e vereis, como tantos outros antes de
302 33.o dia
vós, que a trilha das_ almas reparadoras é toda
recta e luminosa quando se avança nella ar
rimado á mão de Maria ; que é semeada de
graças para vós mesmas e para vossos irmãos.
Assim, pois, confiança sem limites nessa bôa
Mãe, e, si não ousaes offerecer-vos como vic
timas do Coração de J esús, sêde víctimas de
Nossa Senhora do Sagrado Coração.
CONCLUSÃO PRATICA. - Praticar de
voção especial para com Nossa Senhora do
Sagrado Coração, para que ella nos faça entrar
no Coração de J esús.
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LADAINHAS DO
SAGRADO CORAÇAO DE JESúS
approuadas por Leão XIII, a 27 de Junho
de 1 898 .
Senhor, tende piedade de nós.
J esús-Christo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.
Jesús-Christo, escutae-nos.
J esús-Christo, attendei-nos.
Pae celeste, que sois Deus, tende piedade de
nós.
Filho. Redemptor do mundo, que sois Deus,
Espírito-Santo, que sois Deus, �
Trindade Santa, que sois um só Deus, g_
Coração de Jesús, Filho do Padre eterno, �
Coração de Jesús, formado pelo Espírito- :;·
Santo no seio da Virgem Mãe, fr
Coração de Jesús, unido consubstanciai- g..
mente ao Verbo de Deus, g..
Coração de J esús, de infinita majestade, t:t
Coração de Jesús, templo Santo de Deus, �-
304 Ladainha ao S. Cor.
Coração de Jesús, tabernaculo do' Altís
simo,
Coração de Jesús, casa de Deus e porta do
Céo,
Coração de Jesús, fornalha ardente de ca
ridade,
Coração de Jesús, santuario de justiça e
de amor,
Coração de Jesús, cheio de bondade e de
amor, �
Coração de Jesús, abysmo de todas as vir- 5.
� md�. �
Coração de Jesús, dignissimo de todo lou- :;; · c. vor, lll
Coração de Jesús, rei e centro de todos os �
corações, �
Coração de Jesús, em que estão todos os ::I
thesouros da sabedoria e sciencia, �·
Coração de Jesús, em que reside toda a ple
nitude da Divindade,
Coração de Jesús, em quem o Pae poz to
das as suas complacencias,
Coração de Jesús, de cuja plenitude todos
nós havemos recebido,
Coração de Jesús, desejo das collinas eter
nas,
Ladainha ao S; Cor. 305
Coração de Jesús, paciente e misericordio-·
sissimo,
Coração de Jesús, prodigo de beneficios
para com todos os que vos invocam,
Coração de Jesús, fonte da vida e de san-
tidade, �
Coração de J esús, propidação pelos nos- 5.
sos peccados, � Coração de Jesús, saciado de opprobrios, ;;·
Coração de Jesús, esmagado por causa das g.
nossas iniquidades, • !?'
Coração de Jesús, obediente até á morte, �
Coração de Jesús, traspassado pela lança, ::::1
Coração de Jesús, fonte de toda consola- �-
ção,
Coração de Jesús, nossa vida e resurrei-
ção,
Coração de Jesús, nossa paz e reconciliação,
Coração de Jesús, victima dos peccadores,
Coração de Jesús, salvação dos que em vós
esperam,
Coração de Jesús, esperança dos que mor
rem em vós,
Coração de Jesús, delicias de todos os San
tos,
Cordeiro de Deus, que tiraes os peccados do
mundo, perdoae-nos, Senhor, ·
306 Consagração
Cordeiro de Deus, que tiraes os peccados do
mundo, ouvi-nos, Senhor,
Cordeiro de Deus, que tiraes os peccados do
mundo, tende piedade de nós.
V. Jesús, manso e humilde de Coração.
R. Fazei o nosso coração semelhante ao vosso.
OREMOS
Deus omnipotente e eterno, olhae para o
Coração de vosso diviníssimo Filho e para
os louvores e satisfações que vos tributa em
nome dos peccadores ; e aos que imploram a
vossa misericordia concedei benigno o vosso
perdão em nome desse mesmo vosso Filho
Jesús Christo, que comvosco vive e reina, em
unidade do Espirito-San:to ,por todos os se
cuias dos seculos. Assimseja.
ACTO DE DESAGGRAVO
AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESÚS
O' Coração adoravel de meu divino Sal ·
vador, penetrados da mais viva dôr á vista de
todos os ultrajes que haveis recebido e que
recebeis ainda todos os dias no SS. Sacra-
Consagração 307
menta, humildemente nos postramos diante
d� Vós, e vos pedimos perdão e misericordia
para tantos pobres peccadores que não cessam
de offender-Vos, para tantos herejes e ímpios.
que vos desprezam e blasphemam, para tan
tos christãos que vos ultrajam por suas com
munhões sacrílegas, que Vos affligem por suas
irreverencias na igreja ou pela sua indiffe
rença e frouxidão. Pedimo-Vos sobretudo
perdão para nós mesmos, que V os havemos
tantas vezes offendido pelos nossos peccados
e iniquidades.
Oh ! não podemos, bom Salvador, re
parar por nossas homenagens os ultrajes que
soffre o Vosso divino Coração ! Não poder
mos apagar por nossas lagrimas os crimes que
se commettem contra a vossa soberana .. Ma
jestade! Mas a nossa impotencia oppõe-se aos
nossos desejos. Entretanto. em espírito de ex
piação, de reparação e de desaggravo, offe
recemo-Vos o nosso corpo e a nossa alma,
todos os nossos pensamentos, palavras, ac
ções, soffrimentos e penas : O' dôce Coração
de Jesús, recebei esta offerta em união com
o amor e as adorações do Coração da V assa
Santa Mãe, e com as homenagens dos Anjos
e dos Santos.
308 Consagração
Transforme o nosso coração criminoso,
e dae-nos um coração segundo o Vosso, um
coração contrito e humilhado, um coração
puro e sem mancha, um coração que não
seja mais doravante sinão urna victirna con
sagrada á Vossa gloria e abrasada do fogo
sagrado do Vosso amor.
Por nossa parte, queremos reparar as
nossas ingratidões passadas por urna vida
christã e virtuosa, pelo nosso respeito e de
voção nas igrejas, pela nossa assiduidade em
visitar-Vos no SS. Sacramento, pelo nosso
fervor em receber-Vos na sagrada cornmu
nhão. Possam estas resoluções ser agradaveis
ao Vosso divino Coração, e attrahir sobre
n'ós FOmo sobre os que Vos ultrajam os
olhares da vossa misericordia I
� J\ssim seja.
FORMULA DE CONSAGRAÇÃO
AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESÚS
Dulcíssimo Jesús, Redernptor do genero
humano, lançae um olhar favoravel sobre nós,
que humildemente estamos prostrados ao pé
do vosso altar. Nós somos e queremos ser
Consagração 309
vossos ; e para podermos estar mais intima
mente unidos a vós, neste dia cada um de
nós se consagra espontaneamente ao vosso sa-
grado Coração !
•
Muitos homens ha que nunca vos co
nheceram, muitos vos têm desprezado trans
gredindo os vossos preceitos.
Tende compaixão duns e doutros, ó
amabilíssimo Jesús, e attrahi-os todos ao vos·
so sacratíssimo Coração.
Sêde, "Senhor, o Rei não só dos fiéis
que nunca se afastaram de vós, mas tambem
dos filhos prodigos que vos abandonaram :
fazei que estes voltem depressa á ·casa paterna,
para não morrerem de miseria e de fome.
Sêde o Rei daquelles que estão domina
dos pelo erro oU: separados da Igreja pelo
schisma ; trazei-os ao porto da verdade e á
unidade da fé, afim de que em breve haja
um só rebanho e um só pastor.
Sêde finalmente o Rei de todos aquelles
que ainda estão mergulhados nas antigas su
perstições dos gentios, e não recuseis arran·
cal-os ás trevas para os conduzirdes á luz e ao
reino de Deus.
Dae, Senhor, á vossa Igreja a salvação,
a bonilnça e a lib�rdade. Çoncedd a todas ªs
310 Consagração
nações a paz e a ordem, e fazei que duma
extremidade �da terra· á outra resôe uma só
voz : Louvor ao Coração divino que nos deu
a salvação ; a Elle sejam dadas honra e gloria
por todos os seculos dos seculos. Assim seja.
ACTO DE CONSAGRAÇAO
AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESÚS
O' Coração adoravel de Jesús, o mais
terno, o mais amavel , o mais generoso de
todos os corações, penetrado de gratidão á
vista dos vossos benefícios, venho consagrar
me a vós sem reserva e para sempre. Quero
empregar-me com todas as forças em propa
gar o vosso culto e em ganhar-vos, si pos
sível, todos os corações. Recebei hoje o meu,
ó Jesús, ou antes tomae-o vós mesmo, trans
formae-o, puríficae-o para tornai-o mais dig
no de vós ; tornae-o humilde, manso, pa
ciente, fiél e generoso como o vosso, abrasan
do-o de todos os fogos do vosso amor. Es
condei-o no vosso divino Coração, com to
dos os corações que vos amam e que vos são
consagrados, e não permittaes que eu o re
tome nunca. Ah ! ;mtes morrer do que Já-
Oração de agrado 311
mais contristar o vosso coração adoravel.
Sim, Coração de Jesús, sempre amar-vos, hon
rar-vos, servir-vos, ser sempre todo vosso : é
a· voto do meu coração, para a vida e para a
morte, e em toda a eternidade. Assim seja.
ORAÇÃO EFFICACISSIMA
O' Deus, que vos communicastes com
tanta familiaridade a vossa esposa Sta. Ger
trudes durante a sua vida, e que promettestes
attender, depois da sua morte, os que por sua
intercessão reclamassem o vosso soccorro, hu
mildemente prostrado diante de vós, com o
intúito de reparar as minhas faltas e negli
gencias, e merecer a vossa poderosa protec
ção, dou-vos graça, conforme o desejo della,
pelos cinco beneficios particulares com que a
cumulastes : -I . o Por a haverdes escolhitio gra
túitamente desde toda a eternidade ; 2.0 Por
a terdes attrahido tão suavemente a vós; 3 .0
Por a haverdes unido tão estreitamente a vós ;
4.0 por terdes feito as vossas delicias de ha
bitar no seu coração ; 5. o emfim, por vos
haverdes dignado consumar tão admiravel
mente a vossa obra nella, pela eterna felici
dade,
312 Oração de agrado
Que todas as creaturas no céo", na terra
e nos abysmos vos glorifiquem, ó meu Deus,
e vos agradeçam o excesso de vosso amor a
essa grande santa, vossa esposa. Em troca
desta acção de graças e fundado nas promes
sas obsequiosas que lhe fizestes, conjuro-vos,
por seus piedosos merecimentos, me conce
daes o favor que vos peço hoje. Assim seja.
O A . M . D . G .
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I N D I C E
Pag.
APRESENT AÇAO . 3
Prefa�io J 3
t .• Dia. - Convite do Coração de Jesús 18
2. • Dia. - Amor do Coração de ] esús 27
3.• Dia� - Finalidade intima · da devoção ao
Sagrado Coração : attrahir todos
os corações ao amor de Nosso Se-
nhor .
·
38
4." Dia. --.:. Vida intima do Coração de Jesús 46
�.· Dia, - Os qesejos elo Cora�ão de Jesús S6
316 Indice
Pag.
6. • Dia. - Os desejos do Coração de Jesus
( continuação) . •52
7.• Dia. - Primeiro fruto da devoção ao Sa
grado Coração : o Coração de J e-
sús . vivifica todas as nossas obras 68
8.• Dia. - O Coração de Jesús vivifica as nos-
sas obras ( continuação) . 7tJ
9.• Dia. - Segundo fruto da devoção ao Sa
grado Coração : o Coração de J e-
sús repara por nós . 82
10.• Dia. - Os caminhos fáceis do amQr divi-
no .pela devoção ao Sagrado Co-
ração, segundo Sta. Gertrudes . 94
11.• Dia. - Os caminhos fáceis do amor divi
no pela devoção ao Sagrado Co
ração, segundo Sta. Gertrudes
( conJinuação) , 102
12.• Dia. - A vida de amizade com o Cora
�ão de Jesús, conforme Sta. Ger-
�r\ldes , • , 108
· lndice
13.• Dia. - Vida de aba!Jdono confiante ao Co-
317
Pag.
ção de Jesús . 116
14." Dia. - Vida de abandono confiante ao Co-
• ração de Jesús (continuação) 126
15." Dia. - A vida de religião no Coração de
Jesús 135
16.• Dia. - Vida de adoração (continuação) . 146
17.• Dia. - Vida de acção de graças . 156
18." Dia. - Vida de acção de graças ( contimta-
ção) . 163
19.0 -Dia. - Vida . de reparação 169
20.• Dia. - Vida de reparação (continuação) 180
21." Dia. - A alma consoladora do Coração
de Jesús, conforme Sta. Gertru-
des . 188
22. • Dia. - A alma consoladora do Coração
de Jesús (continuação) 196
318 . · lndice
Pag.
23. • Dia. - A Victima do Coração de J esús,
segundo Santa Gertrudes 202
24." Dia. - A Victima de desejos 210
25.• Dia. - A Victima de desejos ( continua-
ção) . 220
26." Dia. - A Victima de louvor do Sagrado
Coração de Jesús 230
27." Dia.- A Victima un�versal e perpetua
do Coração de J esús, segu,ndo Sta.
Gertrudes . 240
28. • Dia. - A Vida de alegria no Coração de
Jesús, segundo Sta. Gert�udes . 250
29.• Dia. - A Vida de alegria no Coração de
Jesús (continuação) . 257
30." Dia. - A amizade dos Santos no Cora
ção de J esús .
31 ." Dia. - A amizade dos Santos no Coração
de J esús (continuação)
263
27.4
lndice 919
Pag.
32.• Dla. - M�u jugo é suave e meu fardo leve 282
33.0 Dia. - Nossa Senhora do S?grado Cora-
ção 230
Ladainhas • Sagrado Coração de J esús 30.J
Acto de desaggravo ao Sagrado Coração de
]esús . 306
Formula de Consagração ao Sagrado CoraÇão
de J esús . 308
Acto de Consagração ao Sagrado Coração de
Jesús . . . 310
Oração efficacissima 31 1
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