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Fisiologia Humana Professor Eloi Francisco Rosa 2 SUMÁRIO 1 FISIOLOGIA CELULAR E HOMEOSTASIA 3 2 NEUROFISIOLOGIA 11 3 FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR 20 4 FISIOLOGIA ENDÓCRINA 27 5 FISIOLOGIA DOS SISTEMAS GRASTRINTESTINAL E RESPIRATÓRIO 35 6 FISIOLOGIA RENAL 43 REFERÊNCIAS 47 3 1 FISIOLOGIA CELULAR E HOMEOSTASIA Antes de iniciarmos nossa construção de conhecimentos sobre Fisiologia Humana, precisamos nos debruçar sobre a estrutura e o funcionamento das células, principalmente, dos transportes através da membrana. Também discutiremos um conceito de extrema importância fisiológica, a homeostase e os seus mecanismos de regulação. 4 1.1 Morfologia da célula e transporte através da membrana O corpo humano, didaticamente, é dividido em sistemas, cada um com uma função preponderante. Cada sistema, por sua vez, é composto por órgãos. Cada órgão é formado por tecidos. Cada tecido é formado por células. Desse modo, a célula é a unidade funcional formadora de todo o corpo humano. As células animais são basicamente formadas por: membrana plasmática que a envolve, encerrando o seu conteúdo; núcleo, onde se encontram os cromossomos; ribossomos, responsáveis pela síntese de proteína; retículo endoplasmático, relacionado com a síntese de lipídeos; complexo de Golgi, vinculado à secreção celular; centríolos, relacionados com a divisão celular; lisossomos, responsáveis pela digestão celular; e mitocôndrias, relacionadas com a síntese de ATP, nossa molécula energética. Quando analisamos a membrana com mais detalhe verificamos que ela é composta por uma bicamada lipídica incrustada por proteínas. Desse modo, moléculas hidrofílicas (que se dissolvem em água) não conseguem atravessar a bicamada lipídica. Apenas moléculas lipofílicas ou hidrofóbicas atravessam a bicamada lipídica. As moléculas hidrofílicas e os íons atravessam a membrana plasmática por meio de canais ou transportadores, que são proteínas com uma conformação específica. Todo soluto possui a tendência de atravessar a membrana para que se atinja o equilíbrio. Ou seja, para que a concentração dos dois lados de uma membrana seja igual. Desse modo, o soluto sempre se move naturalmente do lado de maior concentração para o lado de menor concentração. Esse processo é chamado difusão simples, e ocorre se existir diferença de concentração (gradiente de concentração) e se a membrana for permeável ao soluto. Nas nossas células a difusão simples é chamada de transporte passivo e depende da permeabilidade da membrana. Porém, além do transporte passivo, que não gasta energia porque ocorre naturalmente, as células também possuem o transporte ativo, no qual se observa gasto de energia porque uma proteína, denominada bomba, precisa 5 conduzir o soluto do meio menos concentrado para o mais concentrado, contra o gradiente de concentração. O transporte ativo mais importante das células é realizado pela bomba de Na+/K+ ATPase, que mantém altos níveis de Na+ (sódio) no meio extracelular (fora da célula) e altos níveis de K+ (potássio) no meio intracelular (dentro da célula), bombeando sódio para fora da célula e potássio para dentro da célula, sempre gastando ATP (energia). Contudo, quando o soluto é impermeante, não atravessa a membrana plasmática, ele provocará o processo de osmose (fluxo de água). Em função disso, os solutos impermeantes são chamados de osmoticamente ativos. A água se movimentará para atingir o equilíbrio das concentrações, desse modo, ocorre osmose (movimento de água) da célula para o meio, quando ele é hipertônico (meio com osmolaridade maior que da célula). Quando o meio é hipotônico (osmolaridade menor que da célula), a água se movimentará do meio para a célula. Se o meio for isotônico (osmolaridade igual à da célula), não ocorrerá fluxo de água. 1.2 Bioeletrogênese – Potencial de Ação Os solutos mais comuns encontrados no corpo humano são os sais de sódio, potássio, cálcio, cloreto, fosfato, magnésio e bicarbonato. Parte dos sais são íons, ou seja, átomos que possuem um número diferente de prótons (cargas positivas) e elétrons (carga negativas). Os cátions, como sódio, potássio, cálcio e magnésio, são íons positivos (possuem mais prótons que elétrons). Os ânions, como o cloreto, são íons negativos (possuem mais elétrons que prótons). A quantidade de íons dentro e fora da célula não é igual, fazendo com que a quantidade de cargas elétricas dentro e fora da célula seja diferente. Se existe diferença de cargas elétricas através da membrana plasmática, pode-se concluir que existe diferença de potencial elétrico, ou seja, de voltagem. Nas células humanas, encontramos muito sódio (Na+) no meio extracelular e pouco no intracelular, bem como muito potássio (K+) no meio intracelular e pouco no extracelular. Essa distribuição, assim como a diferença de permeabilidade dos íons (o potássio é mais permeante), faz com que o meio extracelular seja mais positivo que o intracelular. Na 6 maior parte das células, sem estímulo, essa configuração gera uma voltagem de – 0,09 V (Volts), -90 mV (milivolts). Essa diferença de potencial é chamada na célula de potencial eletroquímico. Na célula em repouso esse potencial é conservado graças ao funcionamento da bomba de Na+ / K+ ATPase, que mantém os níveis dos dois íons sempre constantes. Um dos modos que uma célula recebe ou transmite um sinal é por meio da alteração do seu potencial de membrana (ou voltagem). Um exemplo importante é o neurônio, que conduz seus impulsos por meio de alterações muito rápidas da voltagem de sua membrana plasmática. Para alterar o potencial de uma membrana, é necessário permitir a movimentação dos íons, também chamada corrente iônica. Os íons, hidrofílicos, cruzam a membrana plasmática através de canais iônicos, que são proteínas transmembranas com um orifício, como um cano. A maior parte dos canais possui duas configurações: abertos ou fechados. Como mencionamos, o neurônio transmite impulsos por meio de variações muito rápidas do potencial da membrana. Essa variação rápida é chamada de potencial de ação. Durante o potencial de ação: Abrem canais de sódio, existe entrada de sódio na célula (influxo de sódio); O interior da célula fica com mais cargas positivas; O potencial elétrico da membrana fica positivo (DESPOLARIZAÇÃO); Fecham os canais de sódio; Abrem os canais de potássio, existe saída de potássio da célula (efluxo de potássio); O interior da célula volta a ficar com menos cargas positivas (REPOLARIZAÇÃO); Bomba de Na+ / K+ ATPase restabelece a situação inicial. Por meio do potencial de ação, os estímulos são propagados pelos neurônios para o desenvolvimento das diferentes funções orgânicas. 7 1.3 Contração Muscular Uma das funções mais importantes do nosso corpo é o movimento. A movimentação do corpo depende da contração de músculos. A contração é estimulada por potenciais de ação, assim como estudamos. Um músculo esquelético (responsável pelo movimento corporal consciente) é formado por células musculares esqueléticas, também chamadas de fibras musculares. Cada fibra muscular é composta por uma sequência de sarcômeros, que são as unidades funcionais da contração. Cada sarcômero é formado por filamentos finos e filamentos grossos. Os filamentos finos são constituídos por uma dupla hélice de actinas (proteínas globulares), além de troponinas e tropomiosina (também proteínas). Os filamentos grossos são formados, principalmente, por miosinas (proteínas que funcionam como motores). A membrana plasmática da fibra muscular também possui uma estrutura diferenciada com a presença de túbulos T, que são invaginações da membrana. Aos lados do túbulo T, no meio intracelular, existem cisternas do retículosarcoplasmático, formado as tríades. Durante a contração, o potencial de ação se propaga pela membrana plasmática, sendo conduzido pelos túbulos T. A despolarização da membrana plasmática causa a abertura dos canais de cálcio da cisterna, liberando altas concentrações de cálcio para o citoplasma. O cálcio se liga as troponinas alterando sua conformação, arrastando as tropomiosinas. Esta nova conformação permite a ligação da miosina com a actina. A miosina quebra uma molécula de ATP e muda de conformação arrastando a actina. Desse modo, a miosina funciona como um motor convertendo energia química (quebra do ATP) em energia mecânica (movimentação da actina). Ao movimentar as actinas, o sarcômero diminui de tamanho. Todos os sarcômeros diminuindo de tamanho causarão encurtamento da fibra muscular. Todas as fibras encurtando teremos a contração do músculo. Ou seja, a força da contração será a soma das forças geradas por cada miosina. Como fim dos potenciais de ação, os canais de cálcio da cisterna se fecham, o cálcio é bombeado para dentro do retículo sarcoplasmático, diminuindo a concentração de cálcio no citoplasma. Sem o cálcio as troponinas voltam para a conformação de repouso, 8 levando a tropomiosina para sua localização original que impede a ligação da actina na miosina. Sem ligação da actina na miosina, o processo de contração se finaliza e o músculo relaxa. 1.4 Homeostase – Regulação e Controle em Fisiologia O potencial de ação e a contração são alguns dos processos celulares que permitem que o organismo humano se mantenha vivo, executando suas diversas funções. Contudo, manter o corpo vivo depende de muitos e variados fatores. Nesse contexto, em 1929, Walter Cannon propôs o conceito de Homeostase, que seria um estado de manutenção de uma condição similar, ou seja, de manter o meio interno do corpo relativamente constante. Dentro desse conceito, diversos fatores orgânicos devem ser mantidos dentro de faixas de normalidade e o corpo atua intensamente para manter a sua homeostase e, consequentemente, a vida. São fatores homeostáticos, que não podem variar além da faixa de normalidade: temperatura corporal; pH; osmolaridade; água; nível de sódio, potássio, oxigênio, cálcio e de nutrientes. Para manter a homeostase, o corpo humano possui complexos sistemas fisiológicos de controle. A situação mais básica de um sistema de controle seria, sinal de entrada, estrutura ou sistema controlador e sinal de saída para ajuste. Ou seja, o corpo monitora o tempo todo os fatores homeostáticos, se medir uma oscilação fora da normalidade (entrada), ela integra a informação em um centro (sistema controlador – cérebro) e aciona um sistema apara ajuste da condição (saída). 1.5 Sinalização Celular e Ritmos Biológicos Para manter a homeostase é necessário que as células e os tecidos que as compõem se comuniquem, transmitindo informações para as áreas de integração e regulação. Existem diversas formas de comunicação entre as células: Sinalização autócrina: a célula secreta uma molécula sinalizadora que irá atuar sobre a própria célula que secretou. Sinalização parácrina: a célula secreta uma molécula sinalizadora que irá atuar nas células vizinhas. 9 Sinalização endócrina: a célula secreta uma molécula que será transportada pela corrente sanguínea para atuar em células distantes. A molécula sinalizadora irá se ligar a um receptor presente na célula alvo. O receptor é uma proteína que possui um sitio de ligação para a molécula sinalizadora. Essa ligação entre a molécula e seu receptor é muito específica, como o de uma chave em uma fechadura. O receptor pode estar na membrana plasmática, pode estar dentro da célula, no citoplasma ou no núcleo. O controle da homeostase depende da integração de todas essas vias de comunicação, de tal modo que o estímulo em um local específico possa gerar diferentes respostas em todas as partes do corpo que necessitam se acionadas. Cabe ressaltar que os fatores homeostáticos variam durante o dia, dentro de uma faixa. Ou seja, o corpo, por meio das diferentes vias de sinalização, cria um ciclo que permite que o corpo esteja em sua plenitude em cada fase do dia. A temperatura corporal, por exemplo, é mais baixa durante a madrugada, favorecendo o refazimento físico, e mais alta no meio da tarde, quando precisamos estar em plena atividade. 1.6 Regulação do pH do meio interno Um bom exemplo para aplicarmos à lógica dos processos de manutenção da homeostase é a manutenção do pH do sangue. O pH do sangue é uma constante homeostática, variando entre 7,35 e 7,45. Ou seja, o sangue é levemente alcalino (pH = 7,0, neutro; pH < 7,0, ácido; pH >7,0 alcalino) e não pode sofrer variações de seu pH. Se um indivíduo tiver pH do sangue entre 7,34 e 6,85 ele estará em acidose, pH menor que 6,85 pode levar a óbito. Se o pH do sangue estiver entre 7,46 e 7,95, o indivíduo estará em alcalose, pH maior que 7,95, risco de óbito. Isso ocorre porque as proteínas (enzimas, transportadores, canais iônicos, miosina, actina etc.) funcionam de maneira regular dentro de uma faixa de pH; fora do pH normal, as proteínas perdem sua função. Como o pH é tão relevante para a manutenção da vida, o corpo possui diversos mecanismos para manter sua constância. O meio extracelular é rico em bicarbonato 10 (HCO3 -) que é um tampão (molécula que impede variações de pH, dentro de uma faixa), e o controle da homeostase passa pelo controle dos seus níveis. Desse modo, se um indivíduo estiver em acidose respiratória (causada por aumento do CO2 em função de alteração da respiração), ele aumentará a reabsorção de bicarbonato pelos rins, se estiver em alcalose respiratória (causada por diminuição do CO2 em função da respiração), ocorrerá a compensação pelo aumento da excreção de bicarbonato. Se for observada acidose metabólica (causada por diminuição do bicarbonato por fator metabólico), ele diminuirá a frequência respiratória para aumentar o CO2, porém se for observada alcalose metabólica (causada por aumento do bicarbonato em função do metabolismo), ele aumentará a frequência respiratória para diminuir o CO2. Em todos esses casos, o que observamos é que a variação do pH é percebida pelo organismo e será interpretada por áreas cerebrais que irão decidir mecanismos de compensação que fazem o pH voltar para a normalidade. 11 2 NEUROFISIOLOGIA O que seria mais instigador para iniciar a jornada de compreensão sobre o corpo humano do que iniciar pelo Sistema Nervoso? Nesta etapa, iremos discutir os princípios de funcionamento do sistema nervoso central e periférico, iniciando pela análise do neurônio e seus mecanismos básicos. 12 2.1 Sinalização Neuronal O neurônio é uma das principais células que formam o tecido nervoso, sendo um dos responsáveis pelo funcionamento do cérebro, cerebelo, medula espinal e nervos. O neurônio é uma célula altamente diferenciada, com grande potencial para transmitir impulsos e integrar sistemas. O neurônio é formado por corpo celular, dendritos e axônios. Os impulsos sempre são recebidos pelos dendritos e ou corpo celular e transmitidos pelo axônio em uma via de mão única. No corpo celular encontramos o núcleo e as organelas responsáveis pelo metabolismo celular. O neurônio é capaz de desenvolver e propagar potenciais de ação, que se deslocam pelo axônio sempre no sentido do corpo celular para a periferia do axônio. A propagação do potencial de ação, resultante das correntes de sódio (durante a despolarização) e potássio (durante a repolarização), também é chamada de impulso nervoso. Para que a propagação do impulso nervoso (potenciais de ação) seja mais rápida, o neurônio é recoberto pela bainha de mielina. Essa cobertura funciona como um isolante que impede a formação de potencial de ação em todas as regiões doneurônio. Desse modo, o potencial de ação somente se forma onde não existe bainha de mielina (regiões chamadas nódulos de Ranvier). Esse processo é chamado de potencial saltatório, porque parece que o potencial salta de um nódulo de Ranvier para outro, o que torna a propagação do impulso muito mais rápida. Ou seja, a bainha de mielina acelera imensamente a propagação do impulso nervoso. Além de propagar o impulso nervoso, um neurônio também se comunica com outros neurônios. Essa comunicação se dá por meio de sinapses, que são regiões específicas de transmissão de um sinal. Uma sinapse é formada por um neurônio pré-sináptico (que enviará o sinal), uma fenda sináptica (região entre os neurônios) e o neurônio pós- sináptico (que receberá o sinal). Existem dois tipos de sinapse, a química e a elétrica. Na sinapse elétrica, o potencial de ação se propaga pelo neurônio pré-sináptico chegando ao terminal sináptico onde existem junções comunicantes que permitem a 13 passagem da corrente de íons diretamente para o neurônio pós-sináptico, iniciando um potencial de ação nesse neurônio. Durante a sinapse química, o potencial de ação se propaga pelo neurônio pré-sináptico chegado ao terminal sináptico (região da sinapse), lá a despolarização do potencial de ação causa a abertura de canais de cálcio da membrana plasmática, permitindo a entrada de cálcio no neurônio pré-sináptico. O cálcio sinaliza para a liberação de neurotransmissor na fenda sináptica. O neurotransmissor é uma molécula sinalizadora. O neurotransmissor atravessará a fenda sináptica e se ligará ao seu receptor presente na membrana do neurônio pós-sináptico, transmitindo o sinal. O tipo de sinal dependerá do tipo de neurotransmissor. Cada tipo de neurônio secreta um neurotransmissor específico, dentre os mais comuns podemos destacar: Neurônio colinérgico – secreta acetilcolina – que é um neurotransmissor excitatório; Neurônio serotoninérgico – secreta serotonina – que é um neurotransmissor modulador; Neurônio dopaminérgico – secreta dopamina – que é um neurotransmissor excitatório; Neurônio noradrenérgico – secreta noradrenalina – que é um neurotransmissor excitatório; Neurônio gabaérgico – secreta ácido gama-aminobutírico (GABA) – que é um neurotransmissor inibitório. Desse modo, durante uma sinapse um neurônio pode excitar, inibir ou modular o outro neurônio. Vale ressaltar que o neurônio pode realizar sinapses específicas com outras células, como fibras musculares. 2.2 Sistemas Sensoriais – Somestesia e Propriocepção Uma das funções do sistema nervoso é receber e interpretar as diversas informações que o nosso corpo capta tanto do ambiente que nos cerca, quanto do nosso meio 14 interno. Nesse sentido, o sistema sensorial permite receber e interpretar estímulos de frio, calor, pressão, posição do corpo, dor, pressão arterial, pH do sangue e assim por diante. Para receber os diferentes tipos de estímulos, nós possuímos neurônios específicos chamados neurônios sensoriais, ou células receptoras. Cada neurônio sensorial é estimulado por um fator distinto, por exemplo, os neurônios termoceptores são estimulados por variações da temperatura, quanto mais quente ou mais frio, mais ele irá se excitar, aumentando a quantidade de potenciais de ação disparados. Os neurônios baroceptores são estimulados por variações da pressão, quanto mais forte for o toque sobre o neurônio, mais ele se excitará, propagando mais potenciais de ação. Desse modo, cada neurônio sensorial percebe um estímulo diferente e se excita proporcionalmente à potência do estímulo. Essa excitação se refletirá na propagação de potenciais de ação. Tipos de Neurônios Quando o neurônio sensorial é estimulado, ele propaga o potencial de ação que se conduzirá por meio de nervos sensoriais aferentes até o sistema nervoso central, chegando a uma região do cérebro chamada córtex sensorial. A informação que chega ao córtex será interpretada e a pessoa terá a sensação do estímulo. Ou seja, o estímulo pode ser na pele, por exemplo, mas a sensação ocorre no cérebro, com a ilusão que está sentindo na pele. Por isso, quando uma pessoa sofre uma lesão na medula, que interrompe o fluxo dos nervos aferentes, a pele poderá ser estimulada, o neurônio sensorial continua na pele, mas ela não sentirá nada, visto que o estímulo não chegará ao cérebro. Um neurônio sensorial possui várias ramificações de seus dendritos, onde ocorrem os estímulos. Diferentes neurônios sensoriais podem fazer sinapse com um mesmo neurônio secundário aferente. A área inervada pelo mesmo neurônio secundário aferente é denominada campo receptivo. Ou seja, trata-se de uma área na qual qualquer estímulo se propagará por meio do mesmo neurônio secundário. Isso faz com que você tenha a sensação de que o estímulo ocorreu no mesmo local. Quanto maior o campo receptivo, mais imprecisa é a sensibilidade da região. A pele da região das mãos possui 15 um campo receptivo muito pequeno, permitindo alta sensibilidade dessa região. Ao contrário, a pele da região das costas possui um campo receptivo muito grande, sendo bem menos precisa na sua sensibilidade. A sensibilidade de uma região também está associada com a região do córtex sensorial que realiza esse processamento. Desse modo, a região do cérebro que recebe e interpreta os estímulos provenientes das mãos é relativamente maior que a região cerebral que analisa os estímulos vindos da pele da perna. Esse complexo de estimulação e interpretação permite que percebamos os estímulos externos do ambiente, o que chamamos de somestesia, e também que nos percebamos enquanto corpo, o que é designado de propriocepção. Desse modo, a propriocepção nos permite identificar a nossa posição no ambiente (em pé, sentado, deitado, virado etc.) bem como o tamanho de nosso corpo e os movimentos que estamos realizando. 2.3 Audição, Gustação, Olfato e Visão Dentre os processos do sistema nervoso sensorial, os sentidos são fundamentais para a manutenção da homeostasia e preservação da vida. A audição é a capacidade de perceber e interpretar os sons, que são ondas mecânicas. Os sons do ambiente são captados pela orelha externa e se propagam pela orelha média. Chegando lá, essas ondas mecânicas causarão a vibração do tímpano, que é uma membrana muito sensível. O tímpano transmite a vibração para um sistema de ossículos (martelo, bigorna e estribo). Os ossos transmitem a vibração causada pelo som para a orelha interna, agitando o líquido presente na cóclea. A cóclea é revista de neurônios sensoriais ciliados. O movimento do líquido movimenta o cílio do neurônio, despolarizando a célula e iniciando a propagação do impulso. Essa propagação de potencial de ação chegará ao córtex cerebral, onde será interpretada. Sentir o sabor dos alimentos é extremamente importante para que o indivíduo se alimente corretamente e também para prevenir envenenamentos e intoxicações. A língua é recoberta por papilas gustativas, ou papilas linguais. Em cada papila estão presente muitos botões gustativos, sendo que cada um deles é formado por neurônios sensoriais gustativos, ou receptores gustativos. Cada receptor gustativo é estimulado 16 por diferentes agentes químicos dissolvidos. Desse modo, existe o receptor gustativo que se despolariza na presença de sódio (indicando o sabor salgado), outros que se despolarizam na presença de açúcares, como a glicose, (indicando o sabor doce), outros que se despolarizam na presença de ácido (indicando o sabor azedo), outros na presença de alcaloides (indicando o sabor amargo) e, por fim, neurônios gustativos estimulados por aminoácidos (indicando o sabor unami, gosto de glutamato). Antes se acreditava que cada porção da língua possuía neurônios gustativos para apenas um sabor, porém, hoje, já se sabe que qualquer sabor é percebidoem todas as partes da língua, com preponderância em algumas regiões. Nossa sensibilidade aos sabores também é diferente, somos 10.000 vezes mais sensíveis ao amargo que ao doce, uma vez que a maior parte das substâncias venenosas é amarga. O olfato também é muito importante na percepção do sabor. O nariz é o órgão responsável pela olfação. As células receptoras olfatórias ficam situadas na cavidade nasal e são estimuladas por diferentes aromáticas presentes no ar. As substâncias aromáticas presentes no ar entram pelo nariz, atingindo as células olfatórias, que, excitadas, propagam potenciais de ação para o cérebro, onde são interpretadas e produzidas as sensações olfatórias. Apesar de a sensibilidade das células olfativas ser alta, elas se dessensibilizam, ou seja, quando o estímulo se mantém, ele para de estimular a célula olfatória. Para completar a nossa capacidade de perceber o mundo que nos cerca, nós contamos com a visão. O olho é o órgão responsável pela percepção da luz e, consequentemente, pela visão. A luz é uma onda eletromagnética e podemos enxergar apenas as ondas de tamanhos específicos. Somos capazes de perceber as ondas eletromagnéticas de 360 nm (violeta) a 750 nm (vermelho), o que se denomina espectro do visível. As ondas menores que 360 nm não são visíveis, e são chamadas ondas ultravioletas. As ondas maiores que 750 nm também não são visíveis, e são chamadas ondas infravermelho. Um objeto, imagem, pessoa, paisagem só pode ser vista porque reflete a luz. Sem luz não existe possibilidade de visão. Essa reflexão da luz atravessará a pupila do olho, será invertida pelo cristalino e projetada sobre a retina (no fundo do olho). Na retina se encontram células 17 ultraespecializadas chamadas cones e bastonetes, que são capazes de se excitar na presença da luz. Os cones percebem as cores e os bastonetes o claro e escuro e tons de cinza. As células excitadas transmitirão o impulso para o cérebro por meio do nervo óptico. No cérebro, a imagem é desinvertida e interpretada criando a sensação da visão. 2.4 Sistemas Motores Após perceber os estímulos externos, o cérebro interpreta tais informações, analisa com base em suas memórias e toma uma decisão. Parte da reação pode envolver um movimento, e para isso é necessário sinalizar para o processo de contração muscular. A região do cérebro responsável pelo controle motor voluntário é chamada córtex motor. Cada região do córtex comanda um músculo distinto do corpo. O neurônio do córtex motor define a contração de um músculo, emitindo o potencial de ação. Esse potencial irá se propagar por meio de nervos motores eferentes, que descem pela medula espinhal, alcançando os nervos motores periféricos. O nervo motor periférico propagará o potencial de ação até atingir a junção neuromuscular, uma sinapse entre neurônio e a célula muscular. Na junção neuromuscular, o potencial de ação estimula a abertura de canais de cálcio, ocasionando a entrada de cálcio no neurônio. Esse cálcio sinaliza para a liberação de acetilcolina na fenda sináptica, a acetilcolina atravessa a fenda e se liga nos receptores nicotínicos presentes na membrana da fibra muscular. Com a ligação da acetilcolina, ocorre a entrada e sódio na fibra muscular, iniciando um potencial de ação, que estimulará a contração. Cada neurônio inerva mais de uma fibra muscular e esse conjunto é chamado de unidade motora. Ou seja, a unidade motora é formada por um neurônio e todas as fibras que ele inerva. Quanto menor a unidade motora mais preciso o movimento. Contudo, o movimento não é possível apenas com a contração de músculos isolados, é necessária uma organização desse processo, com a orquestração de quais músculos agonistas devem contrair e quais músculos antagonista devem relaxar. Todo esse aprendizado motor depende do córtex motor e de outras regiões como o cerebelo. Os 18 aprendizados motores, após consolidados, não são perdidos. Por isso você aprendeu a andar de bicicleta uma única vez... 2.5 Sistemas Neurovegetativos Enquanto percebemos e interagimos com o ambiente, o nosso corpo físico continua em um processo complexo de percepção do meio interno e manutenção da nossa homeostase. Para isso, existem regiões no sistema nervoso central voltadas ao controle da homeostasia, recebendo constantemente informações da periferia do corpo e comandando processos de adaptação e/ou compensação. As principais regiões responsáveis por esses processos são o hipotálamo e o tronco cerebral. Além da atuação dessas regiões, o nosso corpo conta com o Sistema Nervoso Autônomo, que está dividido em sistema nervoso autônomo simpático e sistema nervoso autônomo parassimpático. Ambos controlam e modulam as funções vegetativas do organismo, agindo antagonicamente. O Sistema Nervoso Simpático possui diferentes pares de nervos que se projetam da medula espinhal, com corpos celulares dos neurônios concentrados no cordão simpático, paralelo à coluna vertebral. Os neurônios do sistema nervoso simpático secretam noradrenalina quando estão excitados. O Sistema Nervoso Parassimpático inerva boa parte dos órgãos com ramificações de um único nervo, o nervo vago. Os neurônios do sistema nervoso parassimpático secretam acetilcolina quando são estimulados. O sistema simpático, quando estimulado, é responsável por: aumentar a frequência cardíaca, aumentar a força de contração do coração, causar dilatação dos brônquios do pulmão, diminuir a motilidade do intestino, diminuir a secreção de saliva, aumentar o tônus dos músculos esqueléticos, aumentar a pressão arterial, aumentar a secreção de adrenalina pelas adrenais, aumentar a frequência respiratória e dilatar as pupilas. O sistema simpático sempre é estimulado em situações que o cérebro entende como de perigo, ou estresse, colocando o corpo preparado para um estado chamado de LUTA ou FUGA. Ou seja, pronto para reagir. 19 O sistema nervoso parassimpático, sempre entrará em ação após o fim da ação do sistema simpático. O parassimpático diminui a frequência cardíaca, diminui a frequência respiratória, aumenta a motilidade do intestino e estômago, aumenta a salivação, retrai a pupila, diminui o tônus muscular, inibe a secreção de adrenalina, diminui a pressão arterial e causa constrição dos brônquios. Desse modo, a atuação de todos esses sistemas, atrelados aos demais controles de homeostase, permite que o corpo mantenha a vida. 2.6 Comportamento e Emoções O sistema nervoso vai muito além de controlar e integrar informações para manter o corpo vivo, ele permite a construção de nossa personalidade, de nossas memórias, sentimentos e emoções, ou seja, da nossa percepção de quem somos e como pensamos. Todos os nossos pensamentos, sentimentos e emoções são frutos de complexas e incontáveis interações realizadas entre diferentes áreas do cérebro, desde a responsável pelo armazenamento de nossa memória, até as áreas que comandam nossas emoções. A Psicobiologia é um ramo da ciência dedicado a estudar como cada região do cérebro permite a criação de cada percepção e conduta psicológica que temos. 20 3 FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Um dos sistemas que colaboram na integração das funções orgânicas é o sistema cardiovascular. Nesta fase, estudaremos os mecanismos de funcionamento do coração e dos nossos vasos sanguíneos, detalhando conceitos de hemodinâmica e de regulação da pressão arterial. 21 3.1 Fisiologia do Coração O sistema circulatório é formado pelo coração e pelos vasos sanguíneos. Os vasos sanguíneos, por sua vez, se dividem em artérias que permitem o fluxo de sangue do coração para o corpo e veias e a circulação de sangue do corpo para o coração, além dos capilares. O coração funciona como uma bomba propulsora geradora de pressão, é formado por uma espessa paredemuscular que encerra quatro câmaras internas, sendo que o lado direito não possui comunicação com o lado esquerdo. As câmaras menores e superiores são denominadas átrios e as câmaras maiores inferiores, ventrículos. O átrio direito possui comunicação com o ventrículo direito através de uma valva. O átrio esquerdo possui comunicação com o ventrículo esquerdo também através de uma valva. As valvas não permitem que o sangue que está nos ventrículos volte para os átrios durante a contração. Essa configuração cardíaca permite que o sangue arterial (rico em oxigênio O2) não se misture com o sangue venoso (rico em gás carbônico CO2), uma vez que o sangue arterial circula na parte esquerda do coração e o sangue venoso na parte direita. Detalhando o processo circulatório, verifica-se que a circulação pode ser dividida em duas, uma grande circulação e uma pequena circulação. Na grande circulação o ventrículo esquerdo bombeia o sangue arterial, por meio da aorta (maior artéria do corpo), para todos os tecidos corporais. Nos tecidos e na região dos capilares ocorre a liberação do oxigênio e captação do gás carbônico tornando o sangue venoso. Esse sangue venoso retorna ao coração por meio das veias, chegando ao átrio direito, que bombeia o sangue venoso para o ventrículo direito. Na pequena circulação, o ventrículo direito bombeia o sangue venoso por meio da artéria pulmonar para os pulmões. Nos pulmões ocorre a liberação do gás carbônico e a absorção do oxigênio, tornando o sangue arterial. O sangue arterial retorna ao coração por meio da veia pulmonar, chegando ao átrio esquerdo, que bombeia o sangue arterial para o ventrículo esquerdo. 22 É importante ressaltar que as duas circulações ocorrem ao mesmo tempo, visto que os dois átrios contraem juntos, enquanto os ventrículos estão relaxados. Depois, os dois ventrículos contraem juntos e as valvas não permitem que o sangue volte para os átrios. A contração dos átrios é denominada diástole, e a contração dos ventrículos se chama sístole. Sabendo que pressão é igual a força dividida pela área, a contração do coração diminui o tamanho das câmaras, essa força de contração, somada à diminuição da área, aumenta a pressão, o que permite o fluxo do sangue, uma vez que todo o líquido flui do local de maior pressão para o local de menor pressão. Ou seja, o funcionamento cardíaco está integralmente atrelado à contração de sua parede, formada por células musculares cardíacas. As células musculares cardíacas, ou fibras cardíacas, são estriadas (possuem sarcômeros) e nunca se fadigam. Sua contração é estimulada por um potencial de ação gerado em uma região específica do coração, denominada nó sinoatrial, ou nó sinusal. O nó sinoatrial é o marca-passo cardíaco gerando espontaneamente potenciais de ação que se propagam pelo tecido cardíaco estimulando a contração ritmada. Como existe a propagação de um impulso elétrico (potencial de ação) sobre o tecido cardíaco, ocorre a formação de um campo eletromagnético que pode ser medido na superfície do corpo. A medida desse campo eletromagnético se chama eletrocardiograma. No traçado do eletrocardiograma observamos a formação de diferentes curvas que correspondem a cada fenômeno elétrico cardíaco. Desse modo, a onda P é o reflexo da despolarização dos átrios, o complexo QRS está vinculado à despolarização dos ventrículos e a onda T é o reflexo da repolarização dos ventrículos. Todo o trabalho do coração é quantificado por meio de um parâmetro denominado débito cardíaco, que é o volume de sangue que o coração bombeia por minuto. Para calcular o débito cardíaco, multiplicamos a frequência cardíaca pelo volume de sistólico. 23 3.2 Sangue Um homem de 70 kg possui, aproximadamente, 5 litros de sangue, que é um tecido líquido especializado formado por células (2 litros) suspensas no plasma (3 litros). O plasma é uma mistura de água, proteínas e outras moléculas solúveis, como íons aminoácidos, glicose e vitaminas. A proteína mais encontrada no sangue é a albumina. Os elementos celulares podem ser divididos em três grupos, a série branca, a série vermelha e as plaquetas. A série vermelha é formada pelas hemácias, também chamadas de eritrócitos, que são células cheias da proteína hemoglobina em seu interior. Sua principal função é transportar oxigênio. A série branca é formada pelas células chamadas monócitos, neutrófilos, basófilos, eosinófilos e linfócitos. Todas as células da série branca são pertencentes ao sistema imune e são responsáveis pelos processos de defesa do organismo. Todas as células sanguíneas são sintetizadas na medula óssea a partir de células-tronco hematopoiéticas e dependem de estímulos próprios. 3.3 Vasos O sangue circula em um sistema fechado composto por vasos que funcionam como tubulações. Como já mencionado, esse sistema é formado por artérias e arteríolas (que conduzem o sangue do coração para os tecidos) e veias e vênulas (que conduzem o sangue dos tecidos para o coração), além dos capilares que são vasos muito finos encontrados nas regiões de trocas nos tecidos. As artérias são mais calibrosas (maior diâmetro) que as arteríolas, que são mais delgadas (finas) e se ramificam das artérias. As artérias possuem uma forte parede muscular, enquanto as arteríolas possuem feixes de músculo em porções de sua parede. Os capilares, por sua vez, possuem sua parede formada por uma única camada de células, podendo ser contínuos ou fenestrados. Em um capilar passa uma célula por vez. As veias são complacentes e possuem paredes mais elásticas. Em seu interior nota-se a presença de válvulas que impedem o refluxo de sangue. As vênulas são mais delgadas. 24 Apesar da vasta rede de artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias que temos em nosso corpo, não possuímos volume de sangue suficiente para circular vastamente em todas as regiões do corpo ao mesmo tempo. Isso significa que a circulação sanguínea é ampliada nos órgãos que estão em atividade e diminuída nos tecidos que estão em repouso. Esse processo é chamado de desvio do débito cardíaco. Isso ocorre graças a contração e/ou relaxamento das arteríolas. Quando um tecido entra em atividade, a produção de CO2 pelas células aumenta causando variação do pH da região, que faz com que as arteríolas relaxem aumentando o fluxo para esse local. Assim, o fluxo sempre é direcionado para os tecidos com maior metabolismo. Além dos vasos sanguíneos, o corpo possui uma vasta rede de vasos linfáticos, que interagem com os sistemas vascular, digestório e imunológico. O sistema linfático permite o movimento de líquido intersticial (liquido que está entre as células) do tecido para a circulação sanguínea. Os capilares linfáticos sempre estão ao lado dos capilares sanguíneos. Os vasos linfáticos, por sua vez, são formados pelas junções de capilares linfáticos e possuem estrutura similar a das veias, com a presença de válvulas. O líquido intersticial quando está dentro do vaso linfático é chamado de linfa. O bombeamento da linfa depende da contração dos músculos esqueléticos, que comprimem os vasos linfáticos gerando diferença de pressão. Ao longo do percurso dos vasos linfáticos são encontrados os linfonodos, extremamente relevantes no processo de defesa imunológica. 3.4 Vasomotricidade de Hemodinâmica Dentro dos vasos o sangue exercerá pressão sobre a parede do vaso. Essa pressão é maior de acordo com a força exercida ou com a área do vaso. Quanto maior a força ou menor a área, maior será a pressão. O sangue sempre se movimentará da área de maior pressão para a região de menor pressão. O fluxo de sangue, portanto, é diretamente proporcional à diferença de pressão. Porém, outros fatores também interferem na intensidade do fluxo sanguíneo. Segundo a Lei de Poiseuille, o fluxo será influenciado pela diferença de pressão, raio do vaso, viscosidadedo sangue e comprimento do vaso. Conforme a equação abaixo, o fator de maior impacto do fluxo é o raio do vaso, que está relacionado exponencialmente à quarta 25 potência, o que significa que se o raio diminuir pela metade (dividido por 2), o fluxo diminuirá 16 vezes (24). Além de problemas causados por diminuições patológicas do raio do vaso, como em uma aterosclerose, os vasos fisiologicamente também podem alterar seus raios por meio da contração de suas paredes. As paredes dos vasos possuem uma camada de músculo liso, que sofre contração quando estimulado por noradrenalina. 3.5 Regulação da Pressão Arterial A pressão arterial é um fator homeostático e precisa se manter dentro de faixas de normalidade para que um indivíduo se mantenha saudável. Em repouso, um adulto precisa que sua pressão arterial esteja por volta de 120 mmHg durante a sístole (contração dos ventrículos) e em 80 mmHh durante a diástole. Durante uma situação de estresse ou uma atividade física, esses valores se elevarão, sem que isso seja um problema, porque tal alteração denota adaptação a uma nova situação do organismo. Para controlar a pressão arterial, possuímos neurônios sensoriais específicos denominados baroceptores, presentes em regiões específicas dos vasos. Esses neurônios são estimulados por variações da pressão arterial e propagam potenciais de ação até a região do hipotálamo, que irá estimular mecanismos de compensação. Os mecanismos de regulação da pressão arterial podem ser divididos entre de curto- prazo e de longo-prazo. 26 Os mecanismos de curto-prazo são exercidos pelos sistemas nervosos simpático e parassimpático. O sistema simpático quando estimulado libera noradrenalina, que estimula a contração das paredes dos vasos aumentando a pressão arterial. O parassimpático quando estimulado secreta acetilcolina, que causa relaxamento dos vasos, diminuindo a pressão arterial. A regulação de longo prazo é realizada, principalmente, pelo sistema renina- angiotensina. A queda da pressão arterial estimula a secreção de renina pelas células justaglomerulares dos rins. A renina é uma enzima que aumenta a velocidade de quebra do angiotensinogênio, que é uma proteína produzida pelo fígado. Desse modo, a renina catalisa a quebra do angiotensinogênio em angiotensina I. Quando passa pelo pulmão, a proteína angiotensina I é novamente clivada por uma enzima chamada enzima conversora de angiotensina, obtendo a angiotensina II. A angiotensina II causa contração dos vasos, aumenta a reabsorção do sódio e a retenção de água pelos rins, e aumenta a força de contração cardíaca. Esses três fatores, juntos, aumentam muito a pressão arterial. 27 4 FISIOLOGIA ENDÓCRINA Além da regulação nervosa, o corpo possui um sofisticado sistema de regulação e modulação hormonal, desempenhado por vários órgãos e tecidos, sendo que os principais compõem o sistema endócrino, objetivo de estudo desta unidade. 28 4.1 Hipotálamo Endócrino – Hipófise e Adrenal O sistema é composto pelas glândulas endócrinas, hipófise, tireoide, paratireoides, adrenais, pâncreas, gônadas (testículos e ovários) e timo, além dos tecidos que secretam hormônios, como o tecido adiposo, estômago, pele, rins e fígado. Nesta fase, focaremos nas glândulas endócrinas. O hipotálamo está intimamente relacionado ao controle de nossa homeostase e de nossas funções vegetativas. Está anatomicamente acima da glândula hipófise (pituitária) e secreta neuro-hormônios que controlam a hipófise. Os hormônios secretados pelo hipotálamo são: GnRH - Hormônio Liberador de Gonadotrofina – que estimula secreção de FSH e LH pela adeno-hipófise TRH - Hormônio Liberador de Tireotropina - que estimula secreção de TSH pela adeno-hipófise CRH - Hormônio Liberador de Corticotropina - que estimula secreção de ACTH pela adeno-hipófise GHRH - Hormônio Liberador de GH - que estimula secreção de GH pela adeno- hipófise SS – Somatostatina - que inibe secreção de GH pela adeno-hipófise PRF - Fator Liberador de Prolactina – que estimula a secreção de Prolactina pela adeno-hipófise Dopamina – que inibe a secreção de prolactina pela adeno-hipófise A glândula hipófise está situada abaixo do hipotálamo, dentro da caixa craniana. É dividida em duas porções, a hipófise anterior, ou adeno-hipófise, e a hipófise posterior, ou neuro-hipófise. A neuro-hipófise secreta dois hormônios principais: a ocitocina e o hormônio antidiurético (ADH, ou vasopressina). A ocitocina é liberada durante o trabalho de parto, estimulando a contração uterina, e também durante a lactação, estimulando a ejeção 29 do leite materno. A ocitocina também é liberada durante experiências emocionalmente acolhedoras, propiciando a formação de laços, por exemplo, durante o abraço de pessoas amigas ou familiares. O ADH estimula a reabsorção de sódio pelos rins, aumentando a retenção de água no corpo e, consequentemente, elevando a pressão arterial. A adeno-hipófise, secreta diversos hormônio que atuam sobre outras glândulas ou sobre o metabolismo, são eles: Hormônio Folículo estimulante (FSH) e Hormônio Luteinizante (LH) que agem sobre as gônadas (testículos e ovários) Tireotropina (TSH) que age sobre a tireoide Corticotropina (ACTH) que age sobre as adrenais Hormônio do Crescimento - GH Prolactina Um dos principais eixos de regulação orgânica é o formado pelo hipotálamo, hipófise, adrenais. O hipotálamo secreta CRH, que estimula a adeno-hipófise a secretar ACTH, que age nas adrenais estimulando a secreção de cortisol. O cortisol, por sua vez, faz um feedback negativo, inibindo a secreção de CRH. Esse eixo é estimulado sempre que o indivíduo estiver em situações de estresse físico ou emocional, elevando o nível de cortisol. Desse modo, pode-se dizer que cortisol é o hormônio do estresse, ele aumenta a neoglicogênese, a glicemia, o catabolismo proteico e a lipólise, é, também, um anti- inflamatório natural. Em excesso, ele pode: causar resistência à insulina (diabetes tipo II); diminuir a massa muscular; e diminuir a resistência imunológica. O Hormônio do crescimento (GH) age sobre todos os tecidos do corpo humano, possuindo grande influência sobre o metabolismo. Dentre os inúmeros efeitos, o GH: estimula o fígado a sintetizar IGF, estimula a síntese de proteína (aumenta massa muscular), estimula o crescimento ósseo, aumenta a lipólise (diminui tecido adiposo), aumenta o crescimento linear. A prolactina é secretada pela adeno-hipófise e estimula o desenvolvimento das glândulas mamárias e a síntese de leite materno. 30 4.2 Tireoide A tireoide é responsável pela síntese e secreção de três hormônios, a tri-iodotironina (T3), a tiroxina (T4) e a calcitonina. O TSH liberado pela adeno-hipófise estimula a secreção e a síntese de T3 e T4, onde ocorre a ligação de uma molécula do aminoácido tirosina com três átomos de iodo (T3) ou quatro iodos (T4). No processo de feedback negativo, os hormônios T3 e T4 secretados inibem a secreção de TSH. O T3 é muito mais potente que o T4, mas o T3 possui menor tempo de duração. Tanto o T3 quanto o T4 possuem os mesmos efeitos, apesar da diferença de potência, e agem sobre todas as células do organismo, aumentando o metabolismo celular. Ou seja, a grosso modo, pode-se resumir que os hormônios T3 e T4 aceleram todas as reações das células do corpo. Nas situações clínicas em que esses hormônios estão fora das faixas de normalidade, a pessoa terá diversos efeitos físicos. No hipertireoidismo, onde se observa aumento da secreção de T3 e T4 e diminuição de TSH, o paciente terá: irritação, ansiedade, perda de peso, insônia e falta de foco mental. No hipotireoidismo, onde se nota diminuição da secreção de T3 e T4 e aumento de TSH, o paciente relatará: sonolência, raciocíniolento, ganho de peso, cansaço crônico a até depressão. 4.3 Pâncreas Endócrino O pâncreas possui duas funções, uma endócrina, relacionada com a secreção de hormônios na corrente sanguínea, e uma exócrina, de secreção de enzimas e bicarbonato no duodeno durante a digestão. Neste momento, focaremos apenas na função endócrina. Os hormônios secretados pelo pâncreas são sintetizados em regiões específicas denominadas Ilhotas de Langherans, onde encontramos diferentes tipos de células. As células alfa-pancreáticas sintetizam e secretam o hormônio glucagon, as células beta- pancreáticas sintetizam e secretam o hormônio insulina e as células delta-pancreática sintetizam e secretam somatostatina. 31 A insulina e o glucagon estão diretamente relacionados ao metabolismo da glicose. A glicose é um monossacarídeo proveniente da digestão dos carboidratos (principal componente de pães, macarrão, arroz, batata, etc.) e é a principal fonte utilizada para a obtenção de energia pela célula. A quebra da molécula da glicose está acoplada a processos que permitem a síntese de ATP (nossa molécula energética). A glicose é uma molécula hidrofílica, ou seja, não atravessa a bicamada lipídica, entrando na célula por meio de proteínas transportadoras. Existem 10 tipos diferentes de transportadores de glicose, chamados GLUT. Os GLUT1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 estão sempre na membrana. O GLUT4 fica dentro da célula, só vai para a membrana se a célula for estimulada por insulina. O GLUT 4 é encontrado nos tecidos musculares e no tecido adiposo, que são parte relativamente grande da massa corporal. Os tecidos que possuem o receptor GLUT-4 são chamados de tecidos insulino dependentes. Após uma refeição, os níveis de glicose no sangue (glicemia) começam a subir. O aumento da glicemia estimula as células beta-pancreáticas a secretar insulina. A insulina cai na corrente sanguínea e vai se ligar em seus receptores presentes nas membranas das células. Quando a insulina se liga ao seu receptor dos tecidos insulino dependentes, ela sinaliza para a externalização do GLUT4 na membrana plasmática. Quando esse transportador chega na membrana plasmática, a glicose consegue entrar nas células e o nível de glicose no sangue diminui. Além de sinalizar para a diminuição da glicemia (estímulo hipoglicemiante), a insulina estimula a síntese de lipídeos e de proteínas e diminui a neoglicogênese. Ou seja, a insulina é um hormônio anabólico. O glucagon é secretado pelas células alfa-pancreáticas quando existe queda da glicemia (nível de glicose no sangue), durante um período de jejum, por exemplo. O glucagon estimula a lise (quebra) de lipídeos, estimula a lise (quebra) de proteínas, estimula a neoglicogênese e diminui a captação de glicose pelas células. O glucagon é um hormônio catabólico, que possui ação antagônica com relação à insulina. A somatostatina inibe a secreção de GH, inibindo o efeito anabólico. 32 4.4 Sistema Reprodutor Feminino As glândulas do sistema reprodutor feminino são os ovários, que são regulados por hormônios secretados pela adeno-hipófise. Nesse sentido, o hipotálamo secreta o GnRH que estimula a adeno-hipófise a secretar FSH e LH, esses dois hormônios agem sobre os ovários. Contudo, no corpo feminino esse processo é cíclico e depende da faixa etária. Antes da primeira menstruação, chamada menarca, os níveis de hormônios sexuais são baixos e a menina não terá a ativação desse eixo. Quando a menina chega à puberdade, ela passa a ter a secreção dos hormônios sexuais, que serão responsáveis pelo desenvolvimento das características sexuais secundárias: crescimento das mamas, deposição de gordura nos quadris, crescimento de pelos das axilas e região pubiana e desenvolvimento da vagina. As características secundárias são resultado da ação do estrógeno (ou estrogênio), com exceção do crescimento das mamas, que é estimulado pela progesterona. Após a menarca, a mulher passa a ter ciclos hormonais que sempre preparam seu corpo para a gravidez, denominado ciclo menstrual. O primeiro dia do ciclo menstrual é o primeiro dia da menstruação, e inicia uma fase do ciclo denominada fase folicular. Nessa fase, a adeno-hipófise passa a secretar altas concentração de FSH e concentrações menores de LH. A ação conjunta do FSH e do LH sobre o ovário induz o crescimento de diversos folículos, que passam a secretar estrógeno. O estrógeno induz espessamento da camada interna do útero, o endométrio, preparando o tecido para uma possível gravidez. O estrógeno também age sobre a adeno-hipófise inibindo a secreção de FSH e LH, fazendo com que atinjam os menores níveis por volta do 10º dia do ciclo. No 14º dia do ciclo, ocorre um pico de secreção de FSH pela adeno-hipófise induzindo a eclosão de um dos folículos com o extravasamento de um oócito, processo denominado ovulação. No ovário fica um tecido cicatricial, produto da ovulação, denominado corpo lúteo, que passa a secretar estrógeno e alta quantidades de progesterona. A progesterona age sobre o endométrio aumentado a sua capacidade secretiva. O estrógeno e a progesterona agem sobre a adeno-hipófise inibindo a secreção de FSH e LH. Sem o FSH e o LH o corpo lúteo do ovário involui e deixa de secretar estrógeno e progesterona. 33 Com a queda do estrógeno e da progesterona, no último dia do ciclo, o endométrio do útero começa a descamar, iniciando um novo ciclo. As datas acima se referem a um ciclo médio de 28 dias, mas existem mulheres que possuem ciclos mais curtos, de até 21 dias, ou mais longos, com mais de 30 dias. Se a mulher engravidar, o embrião irá nidar no endométrio do útero e será formado um novo tecido chamado teca, que passa a secretar estrógeno e progesterona, mantendo a estrutura uterina e permitindo a progressão do processo. Quando a mulher chega na menopausa a secreção hormonal é completamente interrompida e seus níveis de estrógeno e progesterona são praticamente zerados, ocasionando diversos efeitos colaterais, como aumento do risco de doenças cardiovasculares, osteoporose e depressão. 4.5 Sistema Reprodutor Masculino Quando o menino chega à puberdade, o hipotálamo passa a secretar GnRH que age sobre a adeno-hipófise estimulando a secreção de FSH e LH. O FSH estimula a produção de espermatozoides, enquanto o LH estimula a secreção de testosterona. O corpo masculino é menos sofisticado que o feminino, uma vez que a secreção hormonal e a espermatogênese são contínuas, variando muito pouco ao longo da vida. Tem início na puberdade e possui um declínio suave a partir da meia-idade, chegando a níveis mais baixos no idoso, mas sem nunca cessar. A testosterona é um potente hormônio anabólico. Induz a produção de proteínas e aumento da massa muscular, bem como o crescimento ósseo. Também aumenta a libido (desejo sexual) e a agressividade, induz o desenvolvimento das características sexuais secundárias, como crescimento de pelos, espessamento da voz, aumento da oleosidade do suor, aumento do tamanho dos testículos e pênis. Em função de seu efeito anabólico, é comum o uso inadequado de testosterona para crescimento muscular. Contudo, é uma prática muito perigosa, pois seu uso pode causar câncer de fígado, bem como atrofia de testículos, impotência e esterilidade. 34 4.6 Homeostase do Cálcio O cálcio é um cátion (íon positivo) fundamental para os processos de sinalização e metabolismo celular. Nesse sentido, os níveis de cálcio são um fator homeostático importante, regulado por diferentes hormônios. O cálcio deve ser absorvido diariamente pela dieta para repor a perda diária que ocorre por meio da secreção de sucos gástricos e descamação das células do intestino, saindo pelas fezes. Nosso corpo possui uma grande reserva de cálcio no tecido ósseo, onde está depositado na forma de hidroxiapatita. O metabolismo do osso é controladopor dois tipos de células, os osteoclastos e os osteoblastos, que possuem funções antagônicas. Os osteoclastos são responsáveis pela reabsorção óssea, diminuindo a matriz óssea, enquanto os osteoblastos são responsáveis pela deposição óssea, aumentando a matriz. A ação do osteoclasto resulta da liberação de cálcio do osso para o meio extracelular, a ação do osteoblasto resulta da absorção de cálcio do meio para o osso. O primeiro hormônio a atuar no metabolismo do cálcio é o paratormônio (PTH) secretado pelas glândulas paratireoides. O PTH inibe a secreção de cálcio na urina, estimulando a reabsorção e cálcio nos rins. O PTH também age sobre os ossos, estimulando a reabsorção óssea e a liberação de cálcio na corrente sanguínea. A vitamina D é outra molécula indispensável no metabolismo ósseo. O fígado sintetiza 7-desidrocolesterol, essa molécula na pele sob ação da radiação ultravioleta é convertida em colecalciferol. O colecalciferol, estimulado pelo PTH, é convertido em diidroxicalciferol, que é a forma ativa da vitamina D. A vitamina D aumenta a absorção de cálcio no intestino, bem como a deposição de cálcio nos ossos. Outro hormônio envolvido no processo é a calcitonina, secretada pela tireoide, com efeito oposto ao do PTH. A calcitonina inibe a reabsorção de cálcio pelos rins, estimula a deposição de cálcio nos ossos e inibe a absorção intestinal de cálcio. A ação combinada dos hormônios permite que os níveis de cálcio no sangue variem muito pouco. 35 5 FISIOLOGIA DOS SISTEMAS GRASTRINTESTINAL E RESPIRATÓRIO Nesta etapa serão discutidos os mecanismos de funcionamento de dois sistemas fundamentais na manutenção da homeostase, por permitir as trocas do corpo com o meio externo. 36 5.1 Morfologia do Trato Gastrintestinal e Regulação Neuro-hormonal O Sistema Digestório poderia ser resumido como um tubo muscular com glândulas anexas. Nesse sentido, o trato se inicia na boca, continua na faringe e depois no esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus, estando anexado a esse trajeto as glândulas salivares, o fígado e o pâncreas. Na boca ocorre a trituração e maceração dos alimentos por meio da mastigação. A saliva, sintetizada pelas glândulas salivares, permite a emulsificação do bolo alimentar, facilitando a deglutição, e suas enzimas permitem o início da digestão de carboidratos. A salivação é estimulada por fatores locais, como tamanho do bolo alimentar na boca e presença de ácidos, bem como por fatores centrais, como imaginar um alimento ou sentir um aroma. O esôfago é um tubo muscular que permite a passagem do bolo alimentar até o estômago. Impedindo a saída do suco gástrico do estômago para o esôfago existe o esfíncter (anel muscular, com o funcionamento de válvula), denominado cárdia. A cárdia relaxa para a entrada do bolo alimentar no estômago e volta a contrair para impedir o refluxo de suco gástrico. O estômago é uma dilatação do tubo do trato gastrintestinal e possui sua parede revestida de muco para proteger o tecido do suco gástrico, que é extremamente ácido. No estômago existem as células parietais que secretam ácido. A secreção é estimulada diretamente pela molécula de histamina. A secreção de histamina, por sua vez, é estimulada pela acetilcolina secretada pelo nervo vago, bem como por outras vias. Vale ressaltar que essa via de estimulação tem três fases: a fase cefálica, apenas de ver um alimento ou sentir um aroma o sistema nervoso parassimpático já inicia a estimulação de todo o processo digestório; a fase gástrica, a presença de proteínas e lipídeos no estômago também estimula a secreção de suco gástrico; e a fase intestinal, a presença de quimo ácido no duodeno inibe a motilidade gástrica. 37 Além da secreção de ácido, no estômago também ocorre a liberação de pepsinogênio, que na presença de ácido é convertido em pepsina, enzima que inicia a digestão de proteínas. O bolo alimentar, com a ação desnaturante do ácido, é convertido em uma massa ácida denominada quimo ácido, que atravessa outro esfíncter denominado piloro, chegando ao duodeno (primeira porção do intestino delgado). A presença do quimo ácido no duodeno estimula a secreção de secretina e colecistocinina. A secretina estimula a secreção de bicarbonato pelas células acinares do pâncreas. A colecistocinina inibe o relaxamento do piloro, impedindo a continuidade do esvaziamento gástrico, estimula a secreção de enzimas pancreáticas pelas células acinares e a secreção de bile pela vesícula biliar. O bicarbonato e as enzimas pancreáticas formam o suco pancreático, que atinge o duodeno por meio do ducto pancreático. Desse modo, o suco pancreático que chega ao duodeno promove a continuidade do processo digestivo de proteínas, carboidratos e lipídeos. A bile tem papel fundamental na digestão de lipídeos por ser um emulsificante que aumenta a superfície de contato do lipídeo com a lipase, enzima pancreática. A bile é sintetizada no fígado a partir do colesterol e é armazenada na vesícula biliar. O quimo resultante do processo digestório no duodeno será movido pelo jejuno e íleo (porções do intestino delgado) por meio de movimentos peristálticos (contrações longitudinais e transversais coordenadas do músculo liso intestinal). O principal estímulo para a contração intestinal é a acetilcolina, que é liberada tanto por estímulos centrais quanto por reflexos locais. Durante a passagem pelo jejuno, são absorvidos todos os nutrientes resultantes da digestão das macromoléculas. No íleo ocorre a absorção de sais e água. Quando atinge o intestino grosso, ocorre principalmente a absorção de água com a formação do bolo fecal. 5.2 Motilidade do Trato Gastrintestinal A parede de quase todo o trato gastrintestinal possui músculo liso, com exceção do terço inicial do esôfago, que possui músculo esquelético. A célula muscular lisa não possui sarcômeros e apresenta formato fusiforme com filamentos finos se ligando diretamente à membrana plasmática e se dispondo de maneira aleatória pela célula. 38 O principal estímulo para contração muscular é o neurotransmissor acetilcolina. Esse neurotransmissor pode ser liberado tanto pelo nervo vago, quando o sistema parassimpático é estimulado, quanto pelos nervos nervosos que existem na parede do intestino. O intestino possui milhões de neurônios, sendo chamado de “segundo cérebro” por alguns autores. Os plexos nervosos intestinais podem liberar acetilcolina em função de diferentes estímulos, como distensão da parede do intestino, presença de nutrientes ou de toxinas. O músculo liso gastrintestinal está organizado em duas camadas, uma camada longitudinal e outra, transversal. Quando a camada transversal contrai, ocorre o estreitamente do tubo, quando a camada longitudinal contrai, ocorre o encurtamento do tubo. A contração combinada das duas camadas origina o movimento peristáltico, que permite movimentar o bolo pelo tubo na direção do esôfago para o ânus. O canal anal possui dois esfíncteres, um interno e outro externo. O esfíncter anal interno não possui controle voluntário e relaxa quando ocorre o movimento peristáltico para evacuação. O esfíncter externo possui controle voluntário, e a pessoa pode manter contraído mesmo com o estímulo para evacuação. Se a evacuação não ocorrer, as fezes retornam do canal anal para o colón sigmoide (porção final do intestino grosso), onde continua ocorrendo a absorção de água. Desse modo, ao resistir ao estímulo para defecar, o indivíduo está provocando endurecimento de suas fezes por continuidade da absorção de água. 5.3 Digestão e Absorção de Nutrientes Carboidratos – os carboidratos possuem como principais fontes os açucares e farinhas de trigo, mandioca e milho, além de estarem presentes em tubérculos como a batata, a mandioca, a batata-doce,o inhame, a mandioquinha (batata-baroa) etc. A digestão dos carboidratos tem início na boca por meio da ação da enzima amilase salivar, presente na saliva. No estômago, não há digestão de carboidratos, que continuam no duodeno sob ação de enzimas pancreáticas como a amilase. Sob ação dessas enzimas, a macromolécula de amido vai sendo quebrada em dissacarídeos, trissacarídeos e polissacarídeos. Contudo, a maior parte do processo de digestão dos 39 carboidratos acontecerá nas células presentes no duodeno e na borda em escova do enterócito (célula da mucosa intestinal). Nessa célula encontramos a maltase, enzima que quebra a maltose em duas glicoses; a sacarase, que quebra a sacarose em glicose; a frutose e a lactase, que quebra a lactose em galactose e glicose. Desse modo, ao fim da digestão dos carboidratos, obtemos os seguintes monossacarídeos: glicose, frutose e galactose, que são absorvidos pelos enterócitos. Proteínas – as proteínas são encontradas principalmente nas carnes, na clara do ovo, nos queijos e em alguns vegetais, como feijão, lentilha e soja. A digestão das proteínas tem início no estômago por meio da ação da pepsina, que quebra longas cadeias de proteínas em cadeias menores. Esse processo continua no duodeno, com a ação de enzimas pancreáticas, como a tripsina, a elastase, a carboxipolipeptidase e a quimotripsina, que resulta na obtenção de peptídeos. Nos enterócitos do intestino delgado, os peptídeos são quebrados por peptidases, com a obtenção de aminoácidos livres que são absorvidos. Lipídeos – os lipídeos são encontrados em alimentos gordurosos como queijos, carnes gordas, manteiga, óleos, margarina, além de estarem presentes em castanhas e abacate. A digestão dos lipídeos tem início no estômago por meio da ação da lipase ácida, que inicia a quebra dos triacilgliceróis. No duodeno os lipídeos são emulsificados pela bile, o que aumenta a superfície de contato para a ação da lipase pancreática, que acelera a quebra do triacilglicerol liberando ácido graxo e glicerol. Os mesmos são absorvidos pelos enterócitos e transportados por meio de quilomícrons. 5.4 Fisiologia do Sistema Respiratório e Mecânica Respiratória O sistema respiratório é formado por nariz, laringe, traqueia, brônquios, esquerdo e direito, e pulmões. Nos pulmões os brônquios se ramificam em bronquíolos, que se ramificam até atingir os alvéolos. Para que o processo de respiração possa ocorrer, é necessário o fluxo constante de ar pelos pulmões. O ar é um fluido e, como tal, se move do local de maior pressão para o local de menor pressão. 40 Desse modo, durante a inspiração, a pressão intrapulmonar deve ser menor que a pressão atmosférica, para que o ar vá do ambiente para o meio intrapulmonar. Na expiração, a pressão intrapulmonar é maior que a pressão atmosférica, expelindo o ar do pulmão para o ambiente. Para que a pressão intrapulmonar diminua durante a inspiração, deverá ocorrer o aumento do volume intratorácico e, para isso, há contração do músculo diafragma e dos músculos intercostais externos, expandindo a caixa. O aumento do volume causa diminuição da pressão e, consequentemente, inspiração. Durante a expiração, ocorre o relaxamento do diafragma e a contração dos músculos intercostais internos, diminuindo o volume da caixa torácica. Com a diminuição do volume, ocorre aumento da pressão e efluxo do ar. Vale destacar que o pulmão acompanha o movimento da caixa torácica em função da anatomia das pleuras. A pleura visceral está intimamente vinculada ao pulmão, enquanto a pleura parietal está vinculada à caixa torácica. Entre a pleura visceral e a parietal existe uma fina camada de líquido pleural que permite a criação de uma pressão negativa entre as pleuras, desse modo, é como se as pleuras estivessem aderidas, mas deslizando uma sobre a outra. Desse modo, o movimento da caixa torácica provoca o movimento do pulmão. A ventilação pulmonar pode ser mensurada, ou seja, os volumes de ar que entram e saem do pulmão podem ser medidos. Volume Corrente (VC) – 500 ml – o volume de ar que entra e sai do pulmão durante a respiração. Volume de Reserva Inspiratório (VRI) – 3000 ml – o volume máximo de ar que pode ser inspirado após o fim de uma inspiração. Volume de Reserva Expiratório (VRE) – 1100 ml – volume de ar eliminado durante uma expiração forçada. Volume Residual (VR) – 1200 ml – volume de ar que permanece nos pulmões após a expiração forçada. 41 Capacidade Pulmonar Total (CPT): é a quantidade de ar contida no pulmão no final de uma inspiração máxima. CPT = VC + VRI + VRE + VR Capacidade Vital (CV): é o volume máximo de ar que pode ser expirado após uma inspiração máxima. CV = VC + VRI + VRE 5.5 Transporte de Gases Como mencionado, os gases se movimentam do local de maior pressão para o de menor pressão, e esse é o princípio das trocas gasosas que ocorrem na região dos alvéolos. No espaço alveolar, com a ventilação constante, a pressão parcial de oxigênio é maior que no interior do capilar sanguíneo, permitindo a difusão de oxigênio do alvéolo para o sangue. Por outro lado, a pressão parcial de gás carbônico é maior no sangue que no espaço alveolar, permitindo a difusão do CO2 sangue para o alvéolo. É importante destacar que a membrana alveolar é muito mais permeável ao CO2 que ao O2, fazendo com que pequenas diferenças de pressão de CO2 sejam suficientes para o fluxo desse gás. Por outro lado, a membrana alveolar é impermeável ao nitrogênio, por isso, mesmo o ar sendo composto por 78% de nitrogênio, ele não atravessa a barreira alveolar. 5.6 Controles da Ventilação A frequência respiratória pode ser controlada voluntariamente ou involuntariamente. Ou seja, você pode conscientemente controlar sua respiração ou até esquecer que está respirando sem perder a frequência adequada. Esse processo é regulado por regiões do bulbo e está vinculado aos processos de controle da homeostase do pH sanguíneo e do nível de oxigênio. A respiração é o principal mecanismo de controle do pH sanguíneo. Aumento da quantidade de CO2 pode causar acidose; enquanto diminuição na quantidade de CO2 pode ocasionar alcalose. 42 O bulbo pode estimular liberação de noradrenalina ou de acetilcolina por meio dos nervos simpáticos ou parassimpáticos. Noradrenalina: estimula o relaxamento do músculo liso dos brônquios causando broncodilatação. Aumenta a frequência respiratória. Acetilcolina: estimula a contração do músculo liso dos brônquios causando broncoconstrição. Diminui a frequência respiratória. No repouso, um adulto possui frequência respiratória de 10 a 15 movimentos por minuto. 43 6 FISIOLOGIA RENAL Finalizando o processo de construção de competências sobre a Fisiologia Humana, esta etapa será dedicada à discussão dos mecanismos de funcionamento do Sistema Renal e sua participação na manutenção da homeostase. 44 6.1 Morfologia do Rim e Hemodinâmica Renal O Sistema Renal é formado por dois rins, dois ureteres, uma bexiga e uma uretra. O rim é responsável pela filtração do sangue e formação da urina que se direcionará à bexiga por meio dos ureteres. Na bexiga ocorre a armazenagem da urina que é expelida para o meio externo por meio da uretra. Os rins possuem formato de feijão e são do tamanho de uma mão fechada. Estão situados um em cada lado da coluna, abaixo da caixa torácica. Em um indivíduo adulto de 70 Kg, os rins filtram cerca de 180 L de sangue por dia, produzindo aproximadamente 1,5 L de urina. Os rins recebem o sangue por meio das artérias renais, direita e esquerda, que após a filtração renal retornam à circulação por meio das veias renais, direita e esquerda. Os rins são formados por néfrons, sua unidade funcional. Cada rim possui mais ou menos 1 milhão de néfrons. O néfron é formadopor um glomérulo (enovelado de capilares) que está envolvido pela cápsula de Bowman, essa cápsula continua no túbulo contorcido proximal, alça de Henle e túbulo contorcido distal, que se encerra em um ducto coletor. Os ductos coletores se conectam e se continuam nos cálices menores, que se comunicam com os cálices maiores e se encerram nos ureteres. O fluxo de sangue nos rins é controlado pela contração das arteríolas renais em função dos desvios do débito cardíaco. 6.2 Excreção Renal de Solutos O funcionamento renal pode ser divido em três etapas: a filtração glomerular, a reabsorção tubular e a excreção ativa. O sangue passa pelo glomérulo em alta pressão fazendo com que as pequenas moléculas e parte da água passem do capilar para a capsula de Bowman, em um processo denominado filtração glomerular. Nesse processo não passam pela barreira glomerular nenhuma célula, nem grandes moléculas. Contudo, parte das pequenas moléculas 45 filtradas não podem ser perdidas na urina e precisarão ser reabsorvidas para voltar para a corrente sanguínea. No túbulo contorcido proximal ocorre a reabsorção das moléculas que não serão perdidas na urina. Esse processo ocorre, principalmente, por transporte passivo facilitado em simporter com o sódio. Desse modo, são reabsorvidos a glicose, os aminoácidos, os sais como fosfato e o magnésio. Durante a passagem pela Alça de Henle ocorre o mecanismo de contracorrente, onde em função da diferença de osmolaridade ocorre osmose (reabsorção de água) e também excreção da ureia. No túbulo contorcido distal ocorre a reabsorção de potássio, cálcio e cloreto, bem como a excreção ativa das demais toxinas que precisam ser eliminadas na urina. Concluindo, pode-se afirmar que a excreção pode ser descrita como tudo o que foi filtrado (saiu da corrente sanguínea), menos o que foi reabsorvido (voltou para a corrente sanguínea) e mais o que foi excretado (retirado da corrente sanguínea). 6.3 Situação de Desidratação O rim possui papel fundamental na manutenção da homeostase, estando diretamente relacionado com a manutenção do pH e do equilíbrio hidroeletrolítico do corpo, ou seja, regula o nível de água e sais do organismo, retendo ou eliminando-os. Quando um indivíduo está desidratado, ocorre o aumento da osmolaridade do sangue por meio de receptores sensoriais, esta informação é direcionada para o hipotálamo que irá sintetizar o hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina) que será secretado pela neuro-hipófise). O ADH atuará nos rins aumentando a reabsorção de água e, por consequência, irá tornar a urina mais concentrada. O ADH também age no cérebro estimulando a sensação de sede, bem como age nos vasos sanguíneos periféricos, causando contração das arteríolas, aumentando a resistência periférica e, consequentemente, a pressão arterial. A quantidade de sódio no sangue, por sua vez, é controlada pela aldosterona. Esse hormônio é sintetizado e secretado pelas glândulas adrenais quando ocorre queda da 46 quantidade de sódio no sangue. A aldosterona aumenta a reabsorção de sódio pelos rins e também a pressão arterial. 47 REFERÊNCIAS Aires, M. M. Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. CONSTANZO L. S. Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
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