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18125323_Anlises_de_Leituras_Obrigatrias_Fuvest_2016

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Literatura
Fuvest
Unicamp
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Literatura
Fuvest
Unicamp
Estudo das obras, resumos, 
análise de textos, exercícios.
Célia A. N. Passoni
3ª edição atualizada, 2013
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COLEÇÃO NÚCLEO DE LITERATURA
Organização e Apresentação: Célia A. N. Passoni
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação 
(CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
FUVEST/UNICAMP: estudo das obras, resumos e análise de 
textos, exercícios / organizado por Célia A. N. Passoni. – 
3ª. ed. – São Paulo: Núcleo, 2012.
Vários autores.
ISBN 978-85-7263-342-0
1. Literatura (Vestibular) 2. Literatura brasileira (Vestibular) 
3. Literatura portuguesa (Vestibular) I. Passoni, Célia A. N.
12-05840 CDD-378.1664 
Índices para catálogo sistemático:
1. Vestibulares: Literatura 378.1664
2. Vestibulares: Literatura brasileira 378.1664
3. Vestibulares: Literatura portuguesa 378.1664
Todos os direitos reservados
EDITORA NÚCLEO
Central de Atendimento
Rua Vergueiro, 1987 – cj. B
CEP 04101-000 – São Paulo, SP – Brasil
Tel./Fax: (0**11) 2187-1130
www.editoranucleo.com.br
E-mail: livros@editoranucleo.com.br
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Índice
Viagens na minha terra
Almeida Garrett . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Til
José de Alencar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
Memórias de um sargento de milícias
Manuel Antônio de Almeida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35
Memórias póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47
O cortiço
Aluísio Azevedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61
A cidade e as serras
Eça de Queirós . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73
Vidas secas
Graciliano Ramos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89
Capitães da Areia
Jorge Amado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
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6 Fuvest/Unicamp
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7Fuvest/Unicamp
Importante
Como utilizar
A Fuvest e a Unicamp têm recomendado a leitura de algumas obras que 
os examinadores julgam ser as mais significativas no desenvolvimento da his-
tória das literaturas brasileira e portuguesa.
Na prova de Português, as questões de literatura costumam exigir não só 
um bom domínio dos volumes, alguns detalhes sobre personagens, sequência 
de capítulos, estilo dos autores, etc., como também associações temáticas e 
estilísticas entre os autores. Por esse motivo, sugere-se a leitura de todas as 
obras de forma integral.
Desde 2007, Unicamp e Fuvest unificaram a lista de leituras obrigató-
rias, mas mantiveram as características peculiares de seus exames. Por isso, 
recomenda-se que o vestibulando estude os exames anteriores das duas fun-
dações.
Os estudos apresentados a seguir visam a dar um painel do enredo, 
levando em conta algumas particularidades estilísticas, de modo a permitir, 
àqueles que já leram, recordar passagens mais importantes, estabelecer rela-
ções obra/estilo de época e compará-las intertextualmente, apontando-lhes 
aspectos comuns e seus diferenciais. Lembramos que os resumos não têm a 
pretensão de captar a especificidade das obras e, consequentemente, as parti-
cularidades das questões dos referidos exames.
Abordagem
Nas próximas páginas, o vestibulando encontrará o esquema literário 
da obra, contendo apresentação do autor e do narrador, estilo de época, per-
sonagens, linguagem, tempo e espaço e um resumo do enredo, ou análises 
comentadas de poesias.
Questões em teste e questões escritas
Na finalização dos estudos dos autores, o estudante encontrará testes – 
inéditos ou recolhidos de vestibulares – que abordam as principais caracterís-
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8 Fuvest/Unicamp
ticas da obra, bem como algumas questões escritas. No final, são apresentados 
os gabaritos dos testes e uma possível resposta para as questões escritas, lem-
brando que são sugestões de resposta, servindo como roteiro de conferência, 
porque cada questão admite mais de uma possibilidade de abordagem.
Esperamos que a obra possa ser de algum proveito, contribuindo, assim, 
para seu melhor desempenho nas provas de Português e, de modo geral, para 
seu sucesso nos vestibulares.
 Bons exames!
Célia A. N. Passoni
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ROMANTISMO
Viagens na minha terra
Almeida Garrett
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11Fuvest/Unicamp
Conhecendo o autor
Almeida Garrett (1799-1854) foi um dos mais representativos nomes do 
Romantismo em Portugal. Hábil no uso da palavra, domina tanto o verso quan-
to a prosa. Defendeu ideias revolucionárias, participou da revolução liberal de 
1820, seguindo, depois, para exílio na Inglaterra em 1823. Aí tomou contato 
com o movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott entre 
outros autores, visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, 
vivências que se refletiriam na sua obra posterior. Em 1824, seguiu para a Fran-
ça, onde escreveu Camões (1825) e Dona Branca (1826), poemas considerados 
marcos das tendências românticas em Portugal. Em 1826, foi anistiado e pôde 
regressar à pátria, dedicando-se ao jornalismo. Deixou Portugal novamente 
em 1828, com o retorno de D. Miguel. Novamente na Inglaterra, torna-se ávido 
leitor das obras tanto inglesas quanto francesas. Mergulhou na literatura, filo-
sofia e história.
Com a vitória do liberalismo na revolução de setembro de 1836, instalou-
-se novamente em Portugal, após curta estadia em Bruxelas como cônsul-geral e 
encarregado de negócios, onde lê Schiller e Goethe. Em Portugal exerceu cargos 
políticos, distinguindo-se nos anos 1830 e 1840 como um dos maiores oradores 
nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do Conservatório de Arte Dramática, 
da Inspeção-Geral dos Teatros, do Panteão Nacional e do Teatro Normal (atual-
mente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Mais do que construir um teatro, 
Garrett procurou renovar a produção dramática nacional segundo os cânones já 
vigentes no estrangeiro.
Elegante, bon-vivant e, acima de tudo, frequentador da alta roda lisbonense, 
facilmente conquistava amores e acumulava inimigos, não só por suas ideias infla-
madas e sua oratória convincente que vertia ideias polêmicas e, muitas vezes, des-
gastantes... Foi agraciado com o título de visconde e falece vítima de um cancro.
A inserção das Viagens
No início do século XIX, Portugal atravessava uma das mais conturbadas 
épocas da sua história: a invasão das tropas francesas;a difusão das ideias liberais 
e a Revolução Liberal do Porto em 1820; a promulgação da Constituição de 1822; 
a contrarrevolução absolutista de 1823; outorga da Carta Constitucional e perjúrio 
de D. Miguel; lutas liberais, entre outras.
Nesse contexto, ativo participante dos acontecimentos de sua pátria, sofrendo 
perseguições, exílios e prisões por causa de suas ideias, Garrett foi um típico homem 
de seu tempo. Ao lado do ativista, encontrava-se um produtivo artista, com vasta obra, 
na qual mesclou tendência clássica com romântica, a primeira advinda de sua forma-
ção, a última adquirida por influência de seu exílio na Inglaterra e na França.
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As Viagens na minha terra estão inseridas na prosa de feições românticas. 
A obra chegou a ser chamada de Viagem, por se tratar de uma única viagem. No 
entanto, o autor optou pelo plural, talvez por pretender associar a viagem real 
com aquelas conseguidas através das inúmeras viagens mentais ou digressões, que 
serão comentadas mais adiante.
Viagens na minha terra foi publicada inicialmente na Revista Universal Lisbo-
nense entre 1842-44 e era precedida da seguinte nota da redação:
O escrito, cuja publicação agora encetamos, é exemplar de gênero precioso e novo em 
nossa literatura. A seu autor, o Sr. Conselheiro Almeida Garrett, que nos honra com a sua ami-
zade e colaboração, cabe a glória de ter aberto mais de um caminho, que outros após ele têm 
seguido e hão de seguir. – O teatro moderno, e o romance pátrio fundou-os ele incontestavel-
mente. As Impressões de Viagens, como em todos os países de adiantada civilização hoje se 
escrevem em grande abundância, – estreia-as também ele agora. – No que damos à luz oferece-
mos pois aos frívolos um estudo desenfastiado, – aos estudiosos, uma recreação prestadia – aos 
engenhos fecundos, um incentivo poderoso.
A obra tem 49 capítulos e foi editada em dois volumes no ano de 1846, 
sendo, então, revisada pelo autor. As observações contidas nas páginas do livro 
nascem de uma viagem realizada pelo autor a convite do político e correligionário 
Passos de Manuel, eminente parlamentar e um dos vultos mais proeminentes do 
liberalismo.
Se, por um lado, Viagens na minha terra pertence à literatura, mesclando fic-
ção e literatura de viagem, contendo descrições detalhadas da região percorrida 
por Garrett e seus companheiros; por outro, constitui uma fonte de documenta-
ção que revela aspectos da história de Portugal, fixa momentos fundamentais da 
política, sendo possível representar, por meio dela, a passagem de uma estrutura 
política arcaica para a modernidade. Passado, presente e futuro são simbolizados 
pelos personagens que compõem a novela inserida no volume, conforme será vis-
to posteriormente.
De viagem e viagens
Na introdução, o narrador em primeira pessoa confessa ter recebido influência 
dos autores ingleses Swift, Sterne e do francês Xavier de Maistre, este último cita-
do logo nas primeiras páginas:
Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que 
é quase tão frio como São Petersburgo – entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus 
nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que 
aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.
Dos mesmos autores herda a tendência para as divagações, diluídas por 
toda obra. Se, por um lado, as digressões são ornamentos preciosos para o leitor 
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poder compreender a bagagem ideológica do autor, adentrar os seus pensamen-
tos políticos, a sua visão de arte, a forma com que encara as línguas e as culturas 
estrangeiras, mormente francesas e inglesas, com as quais conviveu boa parte de 
sua vida; por outro, tornam a obra fragmentada, com prejuízos para a sequência, 
porque a pena corre solta, e Garrett se deixa levar pelos impulsos do pensamento. 
Portanto, as Viagens não são um livro para se ler corridamente, pois são necessá-
rias pausas para que o leitor possa acompanhar as interferências pessoais e ideo-
lógicas do autor, enfim, sentir todo processo criativo.
Nesse contexto, a linearidade cede lugar a reflexões do narrador. Por exem-
plo, a novela da “menina dos rouxinóis”, que de certa maneira é o fio condutor da 
fabulação, só tem início no capítulo XI, depois de inúmeros preâmbulos, e segue, 
com uma série de interrupções, até o final da obra.
As divagações têm os mais variados conteúdos: vão desde estudos acerca 
da arte, da história de Portugal, o proselitismo político em que Garrett deixa pa-
tente suas ideias liberais, até uma vasta demonstração de sua cultura literária clás-
sica e moderna. Observe, por exemplo, a seguinte passagem, em que, a pretexto 
de mostrar hospedagens e caminho percorrido, lança mão de vários artifícios que 
vão de citações filosóficas e literárias a ironias pautadas na realidade portuguesa.
Eu comungava silenciosamente comigo nestas graves meditações, e revolvia incerta-
mente no ânimo a ponderosa dúvida: – se o administrar justiça direita aos povos valia a pena 
de andar um desembargador a pé!... Lutava no meu ser o Sancho Pança da carne com o D. Qui-
xote do espírito – quando a Providência, que nos maiores apertos e tentações não nos abando-
na nunca, me trouxe a generosa oferta de um amigo e companheiro do vapor, o Sr. L.S.: era a 
sua invejada carroça, e nela me deu lugar até à Azambuja. 
A virtude é o galardão1 de si mesma, disse um filósofo antigo; e eu não creio no famoso 
dito de Bentham2, que sabedoria antiga seja um sofisma3. O mais moderno é o mais velho, não 
há dúvida; mas o antigo, que dura ainda, é porque tem achado na experiência a confirmação 
que o moderno não tem. Jeremias Bentham também fazia o seu sofisma como qualquer outro. 
Vamos percorrendo lentamente aquele mal composto marachão4, que poucos palmos 
se eleva do nível baixo e salgadiço do solo; de inverno não se passará sem perigo; ainda agora 
se não anda sem incômodo e receio. Estamos em Vila Nova e às portas do nojento caravança-
rai5, único asilo do viajante nesta, hoje, a mais frequentada das estradas do reino. 
Parece-me estar mais deserto e sujo, mais abandonado e em ruínas este asqueroso lu-
garejo, desde que ali ao pé tem a estação dos vapores, que são a comodidade, a vida, a alma do 
Ribatejo. Imagino que uma aldeia de alarves nas faldas do Atlas deve ser mais limpa e cômoda. 
1 Galardão – prêmio, recompensa.
2 Bentham – Jeremias Bentham (1748-1832), filósofo e jurista inglês. Desenvolveu a teoria ética do utilita-
rismo, segundo a qual todo objeto tem sua utilidade definida pela capacidade de produzir prazer e evitar a 
dor, permitindo a realização do indivíduo, sem, no entanto, comprometer o bem-estar coletivo.
3 Sofisma – argumento articulado a partir de uma aparente lógica mas que induz ao erro, raciocínio in-
consistente.
4 Marachão – represamento.
5 Caravançarai – estalagem.
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Oh! Sancho, Sancho, nem sequer tu reinarás entre nós! Caiu o carunchoso trono de teu 
predecessor, antagonista, e às vezes amo; açoitaram-te essas nádegas para desencantar a for-
mosa del Toboso, proclamaram-te depois rei em Barataria, e nesta tua província lusitana nem 
o paternal governo de teu estúpido materialismo pode estabelecer-se para cômodo e salvação 
do corpo, já que a alma... oh! a alma... 
Falemos noutra coisa. 
Fujamos depressa deste monturo6. – É monótona, árida e sem frescura de árvores a es-
trada: apenas alguma rara oliveira mal medrada, a longos e desiguais espaços, mostra o seu 
tronco raquítico e braços contorcidos, ornados deramúsculos doentes, em que o natural verde-
-alvo das folhas é mais alvacento e desbotado que o costume. O solo, porém, com raras exce-
ções, é ótimo e, a troco de pouco trabalho e insignificante despesa, daria uma estrada tão boa 
como as melhores da Europa. 
Dizia um secretário de Estado, meu amigo, que, para se repartir com igualdade o me-
lhoramento das ruas por toda a Lisboa, deviam ser obrigados os ministros a mudar de rua e 
bairro todos os três meses. Quando se fizer a lei de responsabilidade ministerial, para as ca-
lendas gregas, eu hei de propor que cada ministro seja obrigado a viajar por este seu reino de 
Portugal ao menos uma vez cada ano, como a desobriga. 
Aí está a Azambuja, pequena mas não triste povoação, com visíveis sinais de vida, assea-
das e com ar de conforto as suas casas. É a primeira povoação que dá indício de estarmos nas 
férteis margens do Nilo português. 
Corremos a apear-nos no elegante estabelecimento que ao mesmo tempo cumula as 
três distintas funções, de hotel, de restaurant e de café da terra. 
Santo Deus! Que bruxa que está à porta! Que antro lá dentro! ... Cai-me a pena da mão.
As formas de narrar
No transcorrer da narrativa, o autor interpõe os mais diferentes tons, des-
de o melodramático de gosto romântico, vazando assim a história de Joaninha, 
a menina dos rouxinóis, até certo tom realista, não raro permeado de pontadas 
irônicas ou humorísticas com que fluem as digressões e que revelam sua profunda 
erudição.
 � A linguagem
A obra é escrita em linguagem até então desconhecida dos portugueses, trans-
correndo ora nervosa, ora leve e corrente; inovando o nível vocabular, incluindo neo-
logismos e termos bilíngues. Bom exemplo é dado pelo verbo “flartar” (flertar), obtido 
do inglês to flirt, com equivalência de sentidos; o que permite ao autor a observação:
O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma palavra que não há nem pode haver 
noutras línguas, enquanto a civilização as não apurar. To flirt – é um verbo inocente, que se 
conjuga ali entre os dois sexos e não significa namorar – palavra grossa e absurda, que eu de-
testo –; não significa “fazer a corte”; é mais do que estar amável; é menos do que galantear; não 
6 Monturo – monte de lixo.
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15Fuvest/Unicamp
obriga a nada; não tem consequências; começa-se, acaba-se, interrompe-se, adia-se, continua-
-se, acaba-se ou descontinua-se à vontade e sem comprometimento.
Eu flartava, nós flartávamos, elas flartavam...
Como este, Garrett faz uso de muitos outros termos ingleses, franceses ou 
italianos, aproveitados da língua ou aportuguesados, como: chaperão, chefe de 
obra, esquissa, retreta, tapessada (do francês), desapontar, fashionável, gim (do 
inglês) e barbarismos, como lady, parlour, shakehands, cavassing, são observados 
no transcorrer da obra. Tal versatilidade linguística só terá correspondente no final 
século XIX, com a prosa inovadora de Eça de Queirós.
As Viagens são, portanto, sui generis, não pelo enredo que é sobremaneira 
frágil, mas por terem encarado de forma diversa e criativa o diálogo do português 
com outras línguas. Saboroso na obra é ver coexistirem pacificamente a erudição, 
o coloquialismo urbano e provinciano, o bilinguísmo e os neologismos, demons-
trando a vivacidade da língua harmoniosamente.
 � O gênero literário
Como o volume não segue uma linha definida, também não tem uma defi-
nição precisa de gênero; o autor vai dando asas à imaginação e à divagação, apro-
ximando-se do jeito indeciso dos românticos. Com cenas recolhidas pela imagi-
nação sonhadora, adornando-as com descrições perfeitas, Garrett cria a figura de 
Joaninha, a “menina dos rouxinóis”. Também romântico é o antagonismo tenebro-
so, tipo roman noir, que advém da figura de Frei Dinis. E o leitor está porta adentro 
do sonho, tentando desvendar-lhe a essência que, na verdade, é a essência do 
próprio artista. Além disso, mescla crônicas de viagem no mais puro estilo exigido 
pelo gênero.
Boa parte da obra, no entanto, trata de aspectos da viagem propriamen-
te dita. Nesse sentido, pode-se afirmar que ao lado de descrições das paisagens, 
opiniões acerca da política, referências históricas de Portugal, interpõe-se um 
momento lírico-dramático em que Garrett conta a história da “menina dos rouxi-
nóis”, história que ele ouviu de um companheiro de viagem. Finalmente, a partir 
de determinado momento, realidade (a viagem) e ficção (a história de Joaninha) 
se fundem.
Nos onze primeiros capítulos, entre demonstrações da vasta erudição de 
Garrett, o leitor é conduzido ao vale de Santarém, tal como os relatos de viagem 
costumam fazer; referindo-se a datas, companheiros e meio de transporte.
São 17 deste mês de julho, ano da graça de 1843, uma segunda-feira, dia sem nota e de 
boa estreia. Seis horas da manhã a dar em S. Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do Paço. 
Chego muito a horas, envergonhei os mais madrugadores dos meus companheiros de viagem, 
que todos se prezam de mais matutinos homens que eu. Já vou quase no fim da praça quando 
oiço o rodar grave mas pressuroso de uma carroça d’ancien régime: é o nosso chefe e coman-
dante, o capitão da empresa, o Sr. C. da T. que chega em estado. 
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16 Fuvest/Unicamp
A viagem dura nove dias e os viajantes atravessam cerca de setenta quilô-
metros, seguindo a rota desenhada no mapa a seguir:
O estuário do rio Tejo é cortado a vapor. Em seguida, de montaria, os via-
jantes pernoitam em Azambuja, depois em Cartaxo para finalmente chegarem ao 
vale de Santarém. Aí, o autor é conduzido a uma janela e passa a narrar a história 
de Joaninha.
O vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e 
deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: 
não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores, de sons, de dis-
posição em tudo quanto se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do 
espírito e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência. 
As paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não podem senão 
fugir para longe. Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou com a sua inocên-
cia e com a virgindade do seu coração. 
À esquerda do vale, e abrigado do norte pela montanha que ali se corta quase a pique, 
está um maciço de verdura do mais belo viço e variedade. A faia, o freixo, o álamo, entrelaçam 
os ramos amigos; a madressilva, a musqueta penduram de um a outro suas grinaldas e festões; 
a congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem e alcatifam o chão.
Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um claro das árvores a janela 
meia aberta de uma habitação antiga mas não dilapidada – com certo ar de conforto grossei-
ro, e carregada na cor pelo tempo e pelos vendavais do sul a que está exposta. A janela é larga 
e baixa; parece mais ornada e também mais antiga que o resto do edifício que todavia mal se 
vê... 
Interessou-me aquela janela. 
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Quem terá o bom gosto e a fortuna de morar ali? 
Parei e pus-me a namorar a janela. 
Encantava-me, tinha-me ali como num feitiço. 
Pareceu-me entrever uma cortina branca... e um vulto por detrás... Imaginação decerto! 
Se o vulto fosse feminino!... era completo o romance. 
Como há de ser belo ver pôr o sol daquela janela!... 
E ouvir cantar os rouxinóis!... 
E ver raiar uma alvorada de maio!... 
Se haverá ali quem a aproveite, a deliciosa janela?... quem aprecie e saiba gozar todo 
o prazer tranquilo,todos os santos gozos de alma que parece que lhe andam esvoaçando em 
torno? 
Se for homem é poeta; se é mulher está namorada. 
São os dois entes mais parecidos da natureza, o poeta e a mulher namorada: veem, 
sentem pensam, falam como a outra gente não vê, não sente, não pensa nem fala. 
Na maior paixão, no mais acrisolado7 afeto do homem que não é poeta, entra sempre 
o seu tanto de vil prosa humana: é liga sem que não se lavra o mais fino do seu oiro. A mulher 
não; a mulher apaixonada deveras sublima-se, idealiza-se logo, toda ela é poesia; e não há dor 
física, interesse material, nem deleites sensuais que a façam descer ao positivo da existência 
prosaica. 
Estava eu nestas meditações, começou um rouxinol a mais linda e desgarrada cantiga 
que há muito tempo me lembra de ouvir. 
Era ao pé da dita janela! 
E respondeu-lhe logo outro do lado oposto; e travou-se entre ambos um desafio tão 
regular em estrofes alternadas tão bem medidas, tão acentuadas e perfeitas, que eu fiquei todo 
dentro do meu romance, esqueci-me de tudo o mais. 
Lembrou-me o rouxinol de Bernardim Ribeiro8, o que se deixou cair na água de cansado. 
O arvoredo, a janela, os rouxinóis... àquela hora, o fim da tarde... que faltava para com-
pletar o romance? 
Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão – vestido de branco – oh! branco 
por força... – a frente descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente, os olhos alça-
dos ao céu... De que cor os olhos? Não sei, que importa! É amiudar muito demais a pintura, 
que deve ser a grandes e largos traços para ser romântica, vaporosa, desenhar-se no vago da 
idealidade poética...
– Os olhos, os olhos... – disse eu, pensando já alto, e todo no meu êxtase – os olhos... pretos. 
– Pois eram verdes! 
– Verdes os olhos... dela, do vulto na janela? 
– Verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes, brilhantes, sem preço. 
– Quê! Pois realmente?... É gracejo isso, ou realmente há ali uma mulher, bonita, bonita, e?... 
– Ali não há ninguém – ninguém que se nomeie hoje, mas houve... oh! houve um anjo, 
um anjo, que deve estar no céu. 
– Bem dizia eu que aquela janela... 
7 Acrisolado – purificado, depurado.
8 Bernardim Ribeiro (1482?-1552?) – escritor e poeta renascentista, autor da novela Menina e moça.
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– É a janela dos rouxinóis... 
– Que lá estão a cantar. 
– Estão, esses lá estão ainda como há dez anos – os mesmos ou outros, mas a menina 
dos rouxinóis foi-se e não voltou. 
– A menina dos rouxinóis! Que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela? 
– É um romance todo inteiro, todo feito como dizem os franceses, e conta-se em duas 
palavras. 
– Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com os olhos verdes! Deve ser interes-
santíssimo. Vamos à história já. 
– Pois vamos. Apeemo-nos e descansemos um bocado. 
Já se vê que este diálogo passava entre mim e outro dos nossos companheiros de viagem. 
Apeamo-nos com efeito; sentamo-nos; e eis aqui a história da menina dos rouxinóis, 
como ela se contou. 
É o primeiro episódio da minha odisseia: estou com medo de entrar nele, porque dizem 
as damas e os elegantes da nossa terra que o português não é bom para isto, que em francês 
que há outro não sei quê...
Eu creio que as damas que estão mal informadas, e sei que os elegantes que são uns 
tolos; mas sempre tenho meu receio, porque enfim, enfim, deles me rio eu: mas poesia ou ro-
mance, música ou drama de que as mulheres não gostem, é porque não presta. 
Ainda assim, belas e amáveis leitoras, entendamo-nos: o que eu vou contar não é um 
romance, não tem aventuras enredadas, peripécias, situações e incidentes raros; é uma história 
simples e singela, sinceramente contada e sem pretensão. 
Acabemos aqui o capítulo em forma de prólogo; e a matéria do meu conto para o se-
guinte. 
 � A fabulação
A história mal começa e já é interrompida por longa digressão sobre barões 
e frades, mas as sementes da trama são lançadas: uma bela aldeã, órfã de pai e 
mãe, criada pela avó, D. Francisca Joana, mulher cega e amargurada. Um frade, 
antigo corregedor de comarca que abandona a vida civil e assume, na eclesiástica, 
o nome de Frei Dinis da Cruz, sendo ele a única companhia da família, sempre às 
sextas-feiras. Outro elemento masculino importante para a trama está ausente. 
É Carlos, neto de D. Francisca, igualmente órfão, pois a mãe morrera ao lhe dar a 
vida e cujo suposto pai havia desaparecido, juntamente com o pai de Joaninha, 
em uma cheia do Tejo, quando o saveiro em que viajavam naufragou. Tudo parece 
envolto em uma aura de mistério que instiga a imaginação. São todos ingredien-
tes indispensáveis para uma boa trama romântica. Conduzir habilmente o enredo 
é tarefa do bom escritor e Garrett sabe, no momento em que isto se faz necessário, 
prender a atenção do leitor, mesmo quando ele mesmo está perdido em uma ex-
cessiva rede de intrincados pensamentos.
Ao retomar a história, dois anos são passados desde a partida de Carlos. Frei 
Dinis assume o papel de antagonista por sua forma de vida e de crença, e, prin-
cipalmente, por suas posições rígidas contra a filosofia dos liberais, acusando as 
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ideias defendidas por ela de “perversoras de toda a ideia sã, de todo o sentimento 
justo, de toda a bondade praticável”.
O chamado liberalismo, esse entendia ele: “Reduz-se”, dizia, “a duas coisas, duvidar e 
destruir por princípio, adquirir e enriquecer por fim; é uma seita toda material em que a carne 
domina e o espírito serve; tem muita força para o mal; bem verdadeiro, real e perdurável, não o 
pode fazer. Curar com uma revolução liberal um país estragado, como são todos os da Europa, 
é sangrar um tísico: a falta de sangue diminui as ânsias do pulmão por algum tempo, mas as 
forças vão-se, e a morte é a mais certa”. 
Dos grandes e eternos princípios da Igualdade e da Liberdade dizia: “Em eles os prati-
cando deveras, os liberais, faço-me eu liberal também. Mas não há perigo: se os não entendem! 
Para entender a liberdade é preciso crer em Deus, para acreditar na igualdade é preciso ter o 
Evangelho no coração.” 
As instituições monásticas eram, no seu entender e no seu sistema, condição essencial 
de existência para a sociedade civil – para uma sociedade normal. Não paliava9 os abusos dos 
conventos, não cobria os defeitos dos monges, acusava mais severamente que ninguém a sua 
relaxação10; mas sustentava que, removido aquele tipo da perfeição evangélica, toda a vida cristã 
ficava sem norma, toda a harmonia se destruía, e a sociedade ia, mais depressa e mais sem remé-
dio, precipitar-se no golfão do materialismo estúpido e brutal em que todos os vínculos sociais 
apodreciam e caíam e em que mais e mais se isolava e estreitava o individualismo egoísta – últi-
ma fase da civilização exagerada que vai tocar no outro extremo da vida selvagem.
Ao mesmo tempo, Frei Dinis é responsável por acender a chama da suspei-
ta: descobre-se que há um espantoso e grande segredo entre ele e a velha, que 
levou à morte a mãe de Carlos. Tamanho drama parece não combinar com a fres-
cura da paisagem, a leveza do retrato feminino traçado, o tom justo do diálogo, 
nem com o caráter reformador da obra. Observe, por exemplo, o trecho já citado, 
em que o narrador chega ao vale de Santarém, destaca a beleza da paisagem, a ja-
nela que o motiva a contar o caso de Joaninha, a lembrança da suavidade poética. 
Outro exemplo: ao iniciar a novela, Garrett recheia-a de belos quadros românticos, 
como o da neta que acorre ao chamado da avó cega, numa suavidade e leveza que 
contrastam com o sabor da tragédia pretendida no enredo.
Tornemos à velhinha. 
Estava ela alisentada na dita cadeira, e diante de si tinha uma dobadoira11 que se mo-
via regularmente com o tirar do fio que lhe vinha ter às mãos e enrolar-se no já crescido novelo. 
Era o único sinal de vida que havia em todo esse quadro. Sem isso, velha, cadeira, doba-
doira, tudo pareceria uma graciosa escultura de Antônio Ferreira12 ou um daqueles quadros tão 
verdadeiros do morgado13 de Setúbal. 
9 Paliar – encobrir, dissimular, disfarçar.
10 Relaxação – ato ou efeito de relaxar.
11 Dobadoira – artefato para proceder ao enovelamento dos fios.
12 Antônio Ferreira (1528-1569) – poeta e escritor renascentista que ficou conhecido como “o Horácio por-
tuguês”.
13 Morgado – bens inalienáveis destinados ao primogênito da família.
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O movimento bem visível da dobadoira era regular, e respondia ao movimento quase 
imperceptível das mãos da velha. Era regular o movimento, mas durava um minuto e parava, 
depois ia seguindo outros dois, três minutos, tornava a parar: e nesta regularidade de intermi-
tências se ia alternando como um pulso de um que treme sezões. 
Mas a velha não tremia, antes se tinha muito direita e aprumada: o parar do seu lavor 
era porque o trabalho interior do espírito dobrava, de vez em quando, de intensidade, e lhe sus-
pendia todo o movimento externo. Mas a suspensão era curta e mesurada: reagia a vontade, e 
a dobadoira tornava a andar. 
Os olhos da velha é que tinham uma expressão singular: voltada para o poente, não os 
tirou dessa direção nem os inclinava de modo algum para a dobadoira que lhe ficava um pou-
co mais à esquerda. Não pestanejavam, e o azul de suas pupilas, que devia ter sido brilhante 
como o das safiras, parecia desbotado e sem lume. 
O movimento da dobadoira estacou agora de repente, a velha poisou tranquilamente 
as mãos e o novelo no regaço, e chamou para dentro da casa: 
– Joaninha?
Uma voz doce, pura, mas vibrante, destas vozes que se ouvem rara vez, que retinem 
dentro da alma e que não esquecem nunca mais, respondeu de dentro: 
– Senhora? Eu vou, minha avó, eu vou. 
– Querida filha!... Como ela me ouviu logo! Deixa, deixa: vem quando puderes. É a meada 
que se me embaraçou. 
A velha era cega, cega de gota-serena, e paciente, resignada como a providência mi-
sericordiosa de Deus permite quase sempre que sejam os que neste mundo destinou à dura 
provança de tão desconsolado martírio.
Chega ao vale o oficial Carlos, defensor das causas liberais, primo e amigo 
de infância de Joaninha, a quem a moça julgava morto. Reencontrá-lo significou 
fazer nascer no coração da menina o mais profundo amor. Embora Carlos também 
esteja apaixonado por Joana, não lhe escapam as outras mulheres – o coração 
volúvel do rapaz bate no ritmo de ardentes paixões.
A sequência narrativa é interrompida por novas digressões, mas o autor se 
vê obrigado a terminar a obra, colocar pontos-finais – no intrincado caso amoroso, 
desfazer duas cruéis dúvidas: a quem pertencerá o coração do nobre rapaz, já que 
ele oscila entre a inglesa Georgina e a portuguesa Joaninha?; descobrir o mistério 
que envolve a morte do pai é seu segundo objetivo. As características de Carlos 
são semelhantes às do próprio Garrett; o personagem, portanto, com suas dúvidas 
amorosas e suas ideias políticas, torna-se uma espécie de alter ego do autor.
Georgina chega a Portugal em busca de seu amor. Carlos, em campanha 
na guerra civil, defendendo os liberais pela deposição de D. Miguel, foi ferido e 
posteriormente recolhido por Frei Dinis ao convento de São Francisco. Mediante 
explicações de Georgina, o frade abre-lhe as portas do convento para que a moça 
servisse de enfermeira ao ferido. 
Entre quatro paredes estão reunidos os principais personagens que com-
puseram a trama, resta agora dar-lhes um desfecho. Mas, ao rapaz é poupado o 
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esforço da solução, uma vez que ela vem pronta, pelas mãos de Georgina. Já recu-
perado, Carlos pôde abrir-se para Georgina, declarando seu amor por ela. Porém 
tarde demais, porque a moça, tomada por profunda afeição pela singela Joaninha, 
revela que não o ama mais, e que é nos braços da prima que Carlos encontrará a 
felicidade. 
Como um bom dramaturgo, chega, também, o momento de grandes re-
velações. Frei Dinis é acusado de ter matado o genro e o filho da velha Francisca, 
ignorando a identidade deles quando de um assalto. Ao avançar sobre o assassino 
para vingar a morte de seu pai, outra revelação é configurada – o verdadeiro pai 
de Carlos é o frade. Diante de confissões tão reveladoras, o rapaz opta por fugir e 
por escrever uma carta em que dá explicações à pessoa que mais comoções so-
freu – Joaninha. A menina dos rouxinóis ensandeceu e, logo depois, veio a falecer. 
Mas as coisas andam a passos de carruagem, e antes de dar ao leitor a conclusão, 
Garrett compõe uma série de outras digressões, mas nada impede o leitor de sal-
tar algumas páginas e chegar mais rapidamente ao desfecho de tão melodramá-
tica história, que há muito vem se arrastando. É aí que o escritor, atando as duas 
pontas da narrativa, recupera as páginas iniciais, fechando a trágica novela da vida 
da menina dos rouxinóis. E o narrador volta a ser o turista português em viagem 
de recreio por sua pátria, que conversa com Frei Dinis, tendo por ouvinte a velha 
Francisca, que, sofrida com a morte da neta e com o esquecimento do neto, agora 
barão, apenas vegeta à espera da morte.
Em um único capítulo, Garrett resume todo o final da narrativa de forma 
rápida e certeira, em oposição à direção tomada até então.
Dito isto, o frade benzeu-se, pegou no seu breviário e pôs-se a rezar. A velha dobava 
sempre, sempre. Eu levantei-me, contemplei-os ambos alguns segundos. Nenhum me deu mais 
atenção, nem pareceu cônscio da minha estada ali. 
Sentia-me como na presença da morte e aterrei-me. 
Fiz um esforço sobre mim mesmo, fui deliberadamente ao meu ca valo, montei, piquei 
desesperado de esporas, e não parei senão no Cartaxo. 
Encontrei ali os meus companheiros; era tarde, fomos ficar fora da vila à hospedeira 
casa do Sr. L. S. 
Rimos e folgamos até alta noite: o resto dormimos a sono solto. 
Mas eu sonhei com o frade, com a velha – e com uma enorme constelação de barões que 
luzia num céu de papel, donde choviam, como farrapos de neve, numa noite polar, notas azuis, ver-
des, brancas, amarelas, de todas as cores e matizes possíveis. Eram milhões e milhões de milhões... 
Nunca vi tanto milhão, nem ouvi falar de tanta riqueza senão nas Mil e uma noites.
Acordei no outro dia e não vi nada... só uns pobres que pediam esmola à porta. 
Meti a mão na algibeira, e não achei senão notas... papéis! 
Parti para Lisboa cheio de agoiros, de enguiços e de tristes pressentimentos. 
O vapor vinha quase vazio, mas nem por isso andou mais depres sa. 
Eram boas cinco horas da tarde quando desembarcamos no Ter reiro do Paço. 
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Assim terminou a minha viagem a Santarém; e assim termina este livro. 
Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado alguma coisa do que vi. De todas quan-
tas viagens porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra. 
Se assim pensares, leitor benévolo, quem sabe? pode ser que eu tome outra vez o bor-
dão de romeiro, e vá peregrinando por esse Portu gal fora, em busca de histórias para te contar. 
Nos caminhos de ferro dos barões é que eu juro não andar. 
Escusada é a jura, porém. 
Se as estradas fossem de papel, fá-las-iam, não digo que não. 
Mas de metal! 
Que tenha o governo juízo, que as faça de pedra, que pode, e viajaremos commuito 
prazer e com muita utilidade e proveito na nossa boa terra.
Considerações finais
As frequentes menções a Dom Quixote e Sancho Pança têm a intenção de 
contrapor o idealismo do cavaleiro ao materialismo de seu companheiro. Quixote 
é austero, Sancho é prático; Quixote é idealista, Sancho é realista. Estendendo a 
comparação, vê-se, em Viagens na minha terra uma divisão de polos que represen-
tam, à sua maneira, a história de Portugal. Recuperando a narrativa e as digressões 
do autor, tem-se uma forma de representar passado e presente.
Joaninha, por exemplo, representa um Portugal idealizado, de beleza, 
simplicidade, ingenuidade e de grandeza. Pode simbolizar o momento em que, 
politicamente, defendiam-se as ideias absolutistas que levaram os portugueses 
a navegar por mares desconhecidos. É a apoteose política e econômica do país, 
momento de orgulho e de grandes perspectivas. Trata-se de um Portugal agrícola, 
promissor e autossuficiente. Ao mesmo tempo significa a possibilidade de reto-
mar as glórias do passado e crescer rumo ao desenvolvimento. Ao lado da menina 
dos rouxinóis está a força e a vitalidade da juventude, representada por Carlos. O 
jovem é audaz, disposto a dar sua vida por sua causa. Ao fazer oposição a Dom Mi-
guel, representa a busca pela modernidade, a inserção de Portugal novamente no 
mundo representativo, alter ego de Garrett na defesa do liberalismo. No entanto, 
deve-se lembrar de que, no final, Carlos rende-se ao título de nobreza e ao dinhei-
ro, o que o fará vítima do ostracismo e, de certa forma, da alienação social, que o 
aproxima do materialismo. Portanto, é um momento em Portugal que coincide 
com o tempo de Garrett, em que os ideais não estão constituídos. Por esse par, 
têm-se representado dois Portugais: agrícola x urbano, inocente x guerreiro e duas 
formas de alienação: a que leva à loucura e à morte, no caso de Joaninha; a que 
leva ao abandono das lutas, no caso de Carlos.
Tanto quanto Joaninha, Georgina, a namorada inglesa de Carlos, está do 
lado do bem, representa a influência de uma cultura estrangeira, à qual Garrett 
rende imenso respeito. Ela é capaz de atitudes abnegadas e de se tornar reclusa ao 
saber que seu grande amor não lhe pertence. Entre os antagonistas, situa-se Frei 
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Dinis, que metaforiza um Portugal arcaico. Antes de se tornar frade, pelos erros 
cometidos, percebe-se que era preso a paixões carnais. Tornou-se homem de prin-
cípios austeros e de crenças rígidas, exercendo grande influência sobre Joaninha 
e a avó. Representa o lado da Igreja autoritária e dogmática, punitiva e podero-
sa. O exercício do sacerdócio era uma forma de se redimir dos erros mundanos, 
espiritualizar-se. Finalmente, a velha avó e sua cegueira e posterior alienação era 
subserviente, passiva, aceitava as ordens do Frei Dinis como se fosse obrigada a 
seguir seus passos. Representa certa cegueira com que os portugueses assumi-
ram algumas ideias para as quais não estavam preparados politicamente. Enfim, 
Portugal é representado, nas páginas do livro de Garrett por meio de meandros 
literários que o leitor tem de desvendar no transcorrer da leitura.
Mais ainda, Garrett possui outro mérito: fazer uma narrativa diferenciada 
dos padrões usuais, abrir caminhos para o advento de grandes autores que bebe-
rão em sua fonte, como Eça de Queirós e Machado de Assis. Dono de uma lingua-
gem inovadora deixa herdeiros nas literaturas em língua portuguesa tal como é de 
se esperar de grandes autores.
Textos extraídos de:
Almeida Garrett. Viagens na minha terra. São Paulo: Núcleo, 1992.
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ROMANTISMO
Til
José de Alencar
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Um escritor bem-intencionado
José Martiniano de Alencar (1829, Mecejana, CE - 1877, Rio de Janeiro, RJ) 
forma-se em Direito em 1850 e inicia sua carreira de jornalista no Correio Mercantil 
(RJ) quatro anos depois. Em 1956, já no Diário do Rio de Janeiro, trava uma célebre 
polêmica com Gonçalves de Magalhães, publicando as Cartas sobre a Confedera-
ção dos Tamoios, as quais provocam reação no imperador D. Pedro II, que o pretere 
em favor do autor de Suspiros poéticos e saudades. Pouco depois, estreia em ro-
mance com o folhetim Cinco minutos, mas sua primeira obra de vulto sai em 1857, 
quando publica o épico indianista O guarani, que inspiraria o compositor erudito 
Carlos Gomes a escrever uma ópera homônima de estrondoso sucesso. 
Em 1860, falece seu pai, senador revolucionário e político de renome. O 
contato do escritor com a lida política do pai influenciaria o jovem Alencar por 
toda a vida, resultando em um intenso e permanente interesse pelas questões 
de ordem pública, chamando a atenção sobre causas que afligiam e dividiam a 
sociedade, como: o nativismo, a prostituição, o escravagismo, a corrupção a minar 
as ralas fronteiras do império, entre outras. 
José de Alencar desempenhou um leque impressionante de atividades 
correlatas: foi jornalista, crítico, advogado (seu verdadeiro ganha-pão), polemista, 
orador, dramaturgo, pesquisador aguçado, estilista ímpar da língua e romancista, 
o primeiro grande prosador da literatura do Brasil. Em tudo, incansavelmente al-
mejando – nunca é demais realçar – a justa medida da brasilidade, numa análise 
histórica, sociológica, artística e psicológica a um só tempo (nesses termos, o autor 
pode ser vislumbrado como um precursor legítimo, embora remoto e fundamen-
talmente romântico, do Modernismo de 1922). 
Elegeu-se deputado em 1861 e foi reeleito várias vezes. Em 1868, ocupa 
a pasta de ministro da Justiça. Suas constantes desavenças com o imperador 
D. Pedro II, que lhe vetara a entrada no Senado, em 1869, levam-no a se apartar 
da carreira política, em 1870. Em 1876, ele, seus seis filhos e sua esposa Georgiana 
leiloam os bens e se mudam para a Europa, com o fito de tratar da sua precária 
saúde: Alencar, por quase toda a vida, foi vítima da tuberculose. Não obtendo efei-
to o tratamento em terra estrangeira, regressa ao Rio de Janeiro, vindo a falecer 
em 1877.
É impressionante como em tão pouco tempo Alencar obteve êxito em pra-
ticamente tudo o que compôs e fez, impondo-se entre os intelectuais brasileiros 
como um dos maiores nomes de sua época. De espírito nacionalista, Alencar pro-
curou descobrir o Brasil espacial e temporalmente, compondo quatro tipos de ro-
mances que seriam a base de toda a prosa brasileira posterior: (i) romances urba-
nos, em que trabalha o tempo presente (do escritor) e o meio urbano, nos quais 
desenha as relações egoístas e interesseiras que se firmam entre os indivíduos, 
subjugados pelo dinheiro. Neles, o amor subordina-se à posse e ao dinheiro, em-
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bora, como solução, seja encontrado um termo conciliador e a redenção: Lucíola, 
Diva e Senhora ilustram com perfeição esse ciclo; (ii) romances históricos, nos quais 
Alencar recupera e enaltece o passado e a memória nacionais, como em As minas 
de prata, Alfarrábios e o também indianista O guarani; (iii) romances indianistas, em 
que se pode contemplar a cartilha de Rousseau na pintura do “bom selvagem”, 
tendo como cenário a selva virgem do país recém-descoberto ou totalmente vir-
gem. O índio nobre, valente, plasmado com grande viço e ambientado numa na-
tureza luxuriante, de rara beleza e idealização épica: O guarani, Iracemae Ubirajara 
são notáveis exemplos; (iv) romances regionalistas, nos quais retrata o presente e 
a formação de uma sociedade rural/sertaneja, em que a honra, o sangue, a tradi-
ção local e uma certa moralidade (pautada em convenções simples, mas impe-
riosas) prevalecem. São regionalistas os romances O gaúcho, O tronco do ipê, Til e 
O sertanejo. 
Til, o regionalismo paulista
Publicado em 1872, o romance Til está entre os chamados romances re-
gionalistas de Alencar, registrando aspectos como vestuário, festividades, alguns 
modos de fala, alguns códigos sociais e familiares, e valores que retratam um país 
ainda em formação, agreste e bruto, que adentra o interior, distanciando-se dos 
focos urbanos. 
Sobre essa paragem bucólica, perdida nos desvãos da imaginária geografia 
brasileira, comenta o próprio José de Alencar, em seu prefácio a outro livro de sua 
lavra, Sonhos d’ouro (também de 1872):
Onde não se propaga com rapidez a luz da civilização, que de repente cambia a cor 
local, encontra-se ainda em pureza original, sem mescla, esse viver singelo de nosso país (...) re-
cantos, que guardam intacto, ou quase, o passado. O tronco do ipê; Til e O gaúcho vieram dali...
Til é, tipicamente, um romance romântico: obra leve e lírica, repleta de pe-
ripécias, segredos inconfessáveis, coincidências do destino e eventos muitas ve-
zes inverossímeis, que se tornam possíveis graças à pena precisa e experiente do 
narrador, que conduz a trama com elegância e competência. O romance revela 
os namoricos, arrufos, caprichos e, em suma, a descoberta do amor entre quatro 
adolescentes inseparáveis: Afonso, Linda, Miguel e Berta. 
A obra é escrita em terceira pessoa, por um cuidadoso narrador observador 
que não se inibe em se colocar na narrativa usando a primeira pessoa. A ação se 
passa no ano de 1846. O cenário básico e pano de fundo é o interior paulista, uma 
região que encontra seus primeiros momentos de progresso com a expansão da 
cultura cafeeira e também da cana-de-açúcar:
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Cerca de uma légua abaixo da confluência do Atibaia com o Piracicaba, e à margem 
deste último rio, estava situada a fazenda das Palmas.
Ficava no seio de uma bela floresta virgem, porventura a mais vasta e frondosa, das 
que então contava a província de São Paulo, e foram convertidas a ferro e fogo em campos de 
cultura. Daquela que borda as margens do Piracicaba, e vai morrer nos campos de Itu, ainda 
restam grandes matas, cortadas de roças e cafezais. Mas dificilmente se encontram já aqueles 
gigantes da selva brasileira, cujos troncos enormes deram as grandes canoas, que serviram à 
exploração de Mato Grosso. Daí partiam pelo caminho d’água as expedições que os arrojados 
paulistas levavam às regiões desconhecidas do Cuiabá, descortinando o deserto, e rasgando 
as entranhas da terra virgem, para arrancar-lhe as fezes, que o mundo chama ouro e comunga 
como a verdadeira hóstia.
No ano de 1846 era de recente fundação a fazenda das Palmas, que Luís Galvão, seu 
proprietário, recebera de herança paterna, ainda nas condições de simples situação, com um 
velho casebre de caipira, dois cafezais e alguma pouca roça. 
Tinha Luís Galvão o gênio empreendedor e gosto para a lavoura; casando com a filha 
de um capitalista de Campinas, que lhe trouxe de dote algumas dezenas de contos de réis, além 
do crédito, pôde ele, dando alas à sua atividade, fundar uma importante fazenda, que a muitos 
respeitos servia de norma e escola ao agricultor brasileiro.
Ao passo que se ia adiantando a lavra das terras, erguia-se na chapada fronteira ao rio 
uma bela casa de morada em dois lances abarracados, com um pequeno mirante no centro, 
sobreposto à larga portada; esta abria para o patamar, ladrilhado, de uma pequena escada de 
seis degraus, que descia ao terreiro.
Formava o edifício uma face da vasta quadra, onde se fora levantando sucessivamente 
casas para o administrador e feitores, senzalas para os escravos, o engenho de cana, a fábrica 
do café, tulhas de feijão e milho, além de outros acessórios do grande estabelecimento rural, 
que veio a tornar-se depois a fazenda das Palmas.
Do terreiro da casa partia o caminho principal da fazenda, que se estendia pelo espigão 
da colina, e bifurcava-se de espaço a espaço para serventia das várias jeiras de lavoura. O ramo 
principal, fugindo aos alagados e descrevendo uma grande curva, ia entroncar-se, a meia lé-
gua de Santa Bárbara, na estrada geral da Constituição a Campinas.
A fazenda das Palmas era propriedade de Luís Galvão, que a herdara e a 
tornara próspera, como “norma e escola ao agricultor brasileiro”. Casa-se Galvão 
com a filha de um rico capitalista de Campinas, D. Ermelinda. Da união, nascem 
os gêmeos Afonso e Linda, apelido que a distinguia, por ter o mesmo nome da 
mãe. Esse par juvenil irá contracenar com Miguel e Berta, esta última órfã e irmã 
de criação de Miguel.
Filha de um capitalista de Campinas, D. Ermelinda recebera em um colégio inglês da 
corte educação esmerada, que desenvolveu a natural distinção de seu espírito. Recolhida à sua 
província, teria sem dúvida perdido ao atrito dos costumes do interior aquele tom fidalgo, se 
fosse ele um artifício do hábito, em vez de um dom, que era da natureza, o qual o exemplo não 
fizera senão polir.
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O entrecho começa quando Berta salva Miguel da descomunal fúria de um 
impiedoso assassino da região, Jão Fera. Adiante, saberemos que Fera anda às vol-
tas com um certo Barroso, que lhe encomendara a morte de Luís Galvão, dono 
da fazenda Palmas. Um núcleo dramático se constrói em torno do poder e auto-
ridade, verdadeiramente inexplicáveis, que a “pequena, esperta, ligeira, buliçosa” 
Berta exerce sobre o matador.
Berta é, em tudo, a síntese romântica da femme perfeita: pura, ingênua, ab-
negada, caridosa e menina; mas, ao mesmo tempo, sedutora e mulher: “A antítese 
banal do anjo-demônio torna-se realidade nela”. Ela enfeitiça os personagens, que 
orbitam em torno de sua pureza e beleza.
Contradição viva, seu gênio é o ser e o não ser. Busquem nela a graça da moça e en-
contrarão o estouvamento do menino; porém mal se apercebam da ilusão, que já a imagem 
da mulher despontará em toda sua esplêndida fascinação. A antítese banal do anjo-demônio 
torna-se realidade nela, em quem se cambiam no sorriso ou no olhar a serenidade celeste com 
os fulvos lampejos da paixão, à semelhança do firmamento onde ao radiante matiz da aurora 
sucedem os fulgores sinistros da procela. 
Por intermédio de Berta, também Luís Galvão acaba livre das garras de Jão 
Fera, obra encomendada por Barroso, como vingança por um crime que Luís Gal-
vão cometera na juventude. 
Jão Fera, reconhecendo a menina através da nuvem de sangue que lhe inflamava o 
olhar, e vendo-a afrontar-lhe os ímpetos, não abateu logo de todo o fero senho, mas foi-se 
aplacando a pouco e pouco. A ira que se arrojava do seu aspecto, retraiu-se e de novo afundou 
pelas rugas do semblante, como a pantera que recolhe à jaula, rangendo os dentes.
Sua alma se impregnava do fluido luminoso dos olhos de Berta, e ele sentia-se trespas-
sado pelo desprezo que vertia no sorriso acerbo esse coração nobre e puro, sublevado pela in-
dignação. De repente começaram a tremer-lhe os músculos da face, como os ramos do pinheiro 
percutidos pela borrasca; e as pálpebras caíram-lhe, vendando-lhe a pupila ardente e rúbida.
– Estavas aqui para matar alguém? perguntou a menina com um timbre de voz, seme-
lhante ao ringir do vidro.
Respondeu o capanga com uma palavra, que em vez de sair-lhe dos lábios, aprofun-
dou-se pelo vasto peito a rugir como se penetrasse em um antro.
Seguem-se inúmeros episódios, e o quebra-cabeça, afinal, se concatena e 
se deslinda: no passado, LuísGalvão, galanteador, rico e jovem, protegido pelo 
capanga Jão Fera, lançara-se em inúmeras aventuras amorosas. Uma delas, com o 
grande amor, reprimido e devocional, de Fera: Besita. Esta, percebendo o descom-
promisso de Luís, contrai núpcias com Ribeiro, “mas este ao sair da igreja recebeu 
uma carta, que o chamava a toda pressa a Itu para salvar a maior parte da herança”. 
Ribeiro não volta, abandona a esposa e ganha o mundo numa vida, de forma 
inconsequente e irresponsável, abandonando a esposa e não dando notícias de seu 
paradeiro. Por puro capricho oportunista, Luís Galvão, disfarçado, uma noite invade 
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o quarto de Besita e a engravida. Diga-se, de passagem, que Besita é totalmente 
inocente, foi enganada e violentada. Desse encontro nasce Berta. Devotado a seu 
grande amor, Jão Fera torna-se um anjo da guarda permanente da mãe e da filha.
Eis, porém, que algum tempo depois Ribeiro retorna e compreende a traição: 
vê a mãe brincando com a filhinha, ainda bebê, e, num assomo de ira, mata Besita e 
foge, antes que Jão pudesse fazer qualquer coisa. O bebê, então, é entregue, por Jão, 
aos cuidados de nhá Tudinha, mãe de Miguel, e a história toda é abafada. 
É nesse momento que Jão Fera se torna o selvagem e sanguinário assassino, 
revelado no romance. Seu ódio por Ribeiro é incontrolável e visceral. Ocorre que, por 
um arranjo da fatalidade, será esse mesmo Ribeiro quem, passados vinte anos, e sob 
o falso nome de Barroso, irá contratar os serviços de Fera. Ambos não se reconhecem, 
mas instintivamente se detestam. Os fatos se sucedem, até que a verdade vem à tona. 
Berta descobre sua origem; Luís a aceita como filha e herdeira (embora a moça decline 
disso, optando por cuidar dos enjeitados, como ela); Fera vinga a memória da amada, 
Besita, barbaramente destroçando Barroso (Ribeiro), com as próprias mãos.
Entretanto, Jão Fera, embrenhado na espessura, atirava ao chão o corpo do Ribeiro, 
quase desfalecido pelo terror e pela constrição formidável dos braços que o arrochavam.
O capanga sacara a faca da cinta, e com o golpe suspenso procurou sofregamente um 
lugar para ferir, mas de modo que reanimasse com a mais intensa dor, aquele corpo desmaiado 
sem contudo lhe tirar a vida, que ele queria conservar como um avaro, para sua vingança.
Ao cabo de um instante de hesitação arremessou de si a arma, arquejante aos arrancos 
daquela sanha. Agachando-se então como um tigre que prepara o salto, com os dentes rangi-
dos e os lábios espumantes, se arremessou em cima do Ribeiro e tripudiou sobre o corpo em um 
frenesi de selvagem ferocidade.
Quem o visse dilacerando a vítima com as mãos transformadas em garras, pensaria 
que a fera de vulto humano ia devorar a presa e já palpitava com o prazer de trincar as carnes 
vivas do inimigo.
Soou perto um brado de horror.
Transido e estúpido, Jão Fera viu Berta fugindo espavorida daquele sítio, ao qual a guia-
ra o Brás, por uma estulta malignidade. O idiota espreitara a cena anterior, e forjara no seu 
bestunto aquela vingança.
O furor de Jão Fera transportou-se do cadáver, que já não o podia cevar, ao monstren-
go; na sua raiva o teria despedaçado, se este não corresse a abrigar-se sob a proteção de Berta.
Ao cabo, Jão Fera se redimiu por inspiração sublime de Berta. Trabalha no 
eito, como escravo, mas livre das misérias que o embalaram. Til é um exemplar 
volume romântico, que versa sobre adultério, vingança, honra e amores proibidos.
 Til, obra pictórica com riqueza psicológica
Os personagens de Til são planos, isto é, têm pouca profundidade ou es-
tofo psicológico. Agem de forma convencional, caracterizando tipos pontuais e 
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bem-definidos, cumprindo as necessidades românticas de criar uma narrativa que 
oscila entre o bem e o mal, o certo e o errado, o sublime e o grotesco. As perso-
nagens estão inseridas no cenário agreste e rude em que são articulados os fatos 
enfeixados no enredo. No entanto, na medida em que a narrativa caminha, a mão 
de Alencar desenha um contorno psicológico, tênue, porém preciso, de modo que 
o leitor é capaz de perceber quão lapidadas são suas personagens. Nesse senti-
do, ele antecipa a análise dos traços humanos, que tanto celebrizaria Machado de 
Assis:
Toda a força vital da boicininga se concentrava no olhar, donde coava-se uma flama 
tépida, por entre as titilações da membrana sutil, que reveste a retina da serpente. Encadeada 
por este fio luminoso ao olhar cintilante de Berta, o medonho réptil parecia como deslumbrado 
com súbito lampejo. 
Uma exceção, na caracterização de tipos, se abre a Jão Fera personagem 
denso que, sob inúmeros aspectos, nos remete ao Realismo. Embora profunda-
mente romântico em suas motivações interiores, Jão é construído como “fera” e 
depois é desconstruído pela “bela” – a menina Berta – e passa da pura barbárie 
à ascese e redenção, num percurso que muito lembra a conversão religiosa: de 
fato, Berta é pintada como uma freira, a quem se deve uma devoção imaculada e 
transformadora: todos os personagens macabros são submissos à magia de sua 
presença: Zana, a escrava louca; Brás, o abobalhado filho da irmã de Luís e Jão Fera, 
o vingador. Justifica-se, assim, o último capítulo do livro, “Alma sóror”.
Quando o Sol escondeu-se além, na cúpula da floresta, Berta ergueu-se ao doce lume 
do crepúsculo, e com os olhos engolfados na primeira estrela, rezou a ave-maria, que repetiam, 
ajoelhados a seus pés, o idiota, a louca e o facínora remido.
Como as flores que nascem nos despenhadeiros e algares, onde não penetram os es-
plendores da natureza, a alma de Berta fora criada para perfumar os abismos da miséria, que 
se cavam nas almas, subvertidas pela desgraça. 
Era a flor da caridade, alma sóror.
Jão Fera trava uma batalha final contra si mesmo e vence, ou seja, ameniza 
sua consciência e fica em paz consigo mesmo. Vemo-lo, ao término do romance, 
carpindo a terra, na enxada, numa renúncia à vida de banditismo e aventura que 
levara até então. O homem “fera” concilia-se com a natureza (segundo os preceitos 
do Romantismo) e dela tira o seu sustento e a paz de seu espírito.
Til, romance social
As personagens secundárias, e o contexto em que surgem, dão um agradá-
vel tempero à narrativa. O detalhismo de Alencar nos remete, como um cineasta, 
aos mínimos detalhes das festividades (capítulo XVI – São João), dos falares, dos 
cantares (“Cadonga, deixa de partes / É melhor desenganar / Que este negro da 
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carepa / Não há fogo pra queimar”), da hierarquia social, das intrigas, dos códigos 
de conduta da fazenda e do campo, regrados a valentia, justiça e brio. Tipos como 
Chico Tinguá, Gonçalo Suçuarana, a preta Florência, etc., revelam uma época e 
uma vivência social, estruturadas sobre relações de confiança, tradição e família. 
Em Til, a renúncia a uma filha bastarda, Berta, se transforma em pano de fundo a 
desvendar os mecanismos de uma sociedade marcada pelo preconceito, pela se-
paração entre ricos e pobres, doentes e sãos, pela injustiça e, principalmente, pela 
regra de se fazer justiça com as próprias mãos. 
Do til ao abecê do estilo
Certa vez, Gonçalves Dias aludiu à “poesia grande e santa” que, fervorosa-
mente, ele almejava – e obteve. O mesmo se dirá de José de Alencar, um autêntico 
poeta na prosa. Sua linguagem, cheia de inovações estilísticas, adjetivação farta, 
subjetividade e esmero nas descrições, com cenários inebriantes e paradisíacos, 
enaltecendo, como poucos, a terra e a gente brasileira, é traço singular seu. 
Como se lerá, páginas adiante, “Til” é o apelido que o demente Brás (criatura 
bestializada, exposta numa tinturaquase naturalista) empresta a Berta, pois en-
tende que o sinal gráfico do til está passeando no rostinho da menina, no nariz, no 
desenho das orelhas, nos lábios finos e meigos, etc. Evidentemente, Alencar gera 
metalinguagem, e o próprio romance Til passa a simbolizar um esforço em prol da 
construção de uma escritura excepcional.
Permitido o jogo de palavras, Til se transforma numa grande lição de estilo, 
numa linda obra de arte.
Textos extraídos de:
José de Alencar. Til. São Paulo: Núcleo, 2012.
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ROMANTISMO
Memórias de um
sargento de milícias
Manuel Antônio de Almeida
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Crônicas da vida suburbana
Escrito em pleno desenvolvimento do movimento romântico (1836-1881), 
Memórias de um sargento de milícias não pode ser classificado como autentica-
mente romântico por fugir dos padrões tradicionais do romance do século XIX.
Enquanto romancistas urbanos como José de Alencar (1829-1877) e Joa-
quim Manuel de Macedo (1820-1882) escreviam seus romances sem preocupa-
ções de datar ou localizar as ações, tecendo personagens oriundas ou com livre 
trânsito pelas camadas mais privilegiadas, Manuel Antônio de Almeida inicia seu 
relato de forma diferente, pontuando tanto o tempo como o espaço suburbano. 
O mesmo ocorre quanto à linguagem utilizada, mais prolixa e mais elaborada nos 
dois primeiros românticos e mais solta, econômica e rápida em Manuel Antônio 
de Almeida. 
São dados a seguir trechos dos romances urbanos Senhora, A moreninha e 
Memórias de um sargento de milícias, para serem constatadas as diferenças apon-
tadas. 
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. 
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a 
rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilida-
de. 
Era rica e formosa. 
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores 
que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante. 
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como 
brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu 
fulgor?
Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conhe-
ciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia. 
Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, 
sem os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros. 
Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Masca-
renhas, que sempre a acompanhava na sociedade. 
Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os es-
crúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emanci-
pação feminina.
(José de Alencar. Senhora. São Paulo: Ed. Núcleo, 2010.)
Seriam pouco mais ou menos onze da manhã quando o batelão de Augusto abordou à 
ilha de... Embarcando às dez horas, ele designou ao seu palinuro o lugar a que se destinava, e 
deitou-se para ler mais à vontade o Jornal do Comércio. Soprava vento fresco e, muito antes do 
que supunha, Augusto ergueu-se, ouvindo a voz de Leopoldo que o esperava na praia. 
– Bem-vindo sejas, Augusto. Não sabes o que tens perdido... 
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– Então... muita gente, Leopoldo? 
– Não: pouca, mas escolhida. 
No entanto, Augusto pagou, despediu o seu bateleiro, que se foi remando e cantando 
com seus companheiros. Leopoldo deu-lhe o braço, e, enquanto por uma bela avenida, orlada 
de coqueiros, se dirigiam à elegante casa que lhes ficava a trinta braças do mar, o curioso es-
tudante recém-chegado examinava o lindo quadro que a seus olhos tinha e do qual, para não 
sermos prolixos, daremos ideia em duas palavras. A ilha de... é tão pitoresca como pequena. A 
casa da avó de Filipe ocupa exatamente o centro dela. A avenida por onde iam os estudantes a 
divide em duas metades, das quais a que fica à esquerda de quem desembarca está simetrica-
mente coberta de belos arvoredos, estimáveis ou pelos frutos de que se carregam, ou... 
(Joaquim Manuel de Macedo. A moreninha. São Paulo: Ed. Núcleo, 1996.) 
Era no tempo do rei.1
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se 
mutuamente, chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos2 –; e bem lhe assentava o 
nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que go-
zava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que sombra 
caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e res-
peitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio 
de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto 
eram os desembargadores.
(Manuel Antônio de Almeida. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Ed. Núcleo, 2011.)
O autor, para a confecção do volume, recolhe cuidadosamente as informa-
ções que lhe foram fornecidas por um colega de repartição, Antônio César Ramos. 
Esse português, há longos anos radicado no Brasil, viera para cá como soldado e, 
depois, chegara a sargento de milícias, ainda na Época Colonial, sob o comando de 
um certo major, autoritário e disciplinado, conhecido como Vidigal.
O título, Memórias, marca o primeiro desafio a ser enfrentado pelo leitor: 
usualmente, um livro de memórias é narrado em primeira pessoa e relata episó-
dios da vida de um personagem, geralmente protagonista. Nas Memórias de Ma-
nuel Antônio de Almeida, prevalece a ambiguidade, uma vez que o leitor não sabe 
de quem são as memórias: do português, de quem o autor ouviu os relatos, ou 
de Leonardo, o “herói” do livro e futuro sargento de milícias? A marca da dúvida 
nasce do deslocamento do foco narrativo para a terceira pessoa e possibilita um 
dinamismo interativo, cabendo ao leitor questionar, participar ou tomar partido.
Outro ponto a assinalar é que Manuel Antônio de Almeida pretendia narrar 
a acidentada vida de uma criança nascida no começo do século XIX, mas foi muito 
além, já que fez uma esplêndida reconstituição de época nas camadas suburba-
1 Observe-se que existem claramente dois tempos: o tempo do narrador, século XIX, contemporâneo à 
escritura do volume, e o tempo dos fatos narrados, 1º quartel do século XIX. No entanto, esse início remete 
o leitor à indeterminação temporal do “Era uma vez...” comum nos contos de fada.
2 meirinhos – antigos funcionários judiciais, equivalentes aos oficiais de justiça.
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nas: da obra, aflora um Rio de Janeiro mais popular; são focalizados costumes, 
usos, moda, divertimentos, brigas familiares, intrigas de comadres, superstições, 
música, linguagem e relações sociais peculiares aos meios retratados.
Aliando bom humor a uma certa dose de realismo, justapõe várias histórias 
tendo como elo o personagem principal, malandro e traquinas, que figura mais 
como anti-herói e lembra as peripécias de heróis do tipo picaresco3. A mola mestra 
do livro é o movimento: a um acontecimento segue outro e mais outro, o que faz 
Mário de Andrade assinalar que o livro só termina quando o inútil da felicidade 
começa, quando não são mais possíveis as peripécias do anti-herói, “guapo rapaz 
que nasceusob a égide da aventura e das proezas”.
Uma obra em folhetins
As Memórias de Manuel Antônio de Almeida, por terem sido publicadas es-
parsamente, apresentam algumas características que a tornam sui generis. O autor 
pôde acompanhar o gosto dos leitores e, de certa forma, interferiu na composição 
dos capítulos para agradá-los e mantê-los cativos. Quase todos os episódios são 
nucleares, marcados por algum incidente motivador que, geralmente, é utilizado 
como pretexto para dar maior colorido ao cenário. Assim, o leitor contempla um 
Rio de Janeiro festivo, agitado, movimentado pelos tipos populares, cujas ações 
personificam as funções que exercem. São eles: o barbeiro, a parteira, os ciganos, 
o mestre de cerimônias, o toma-largura e a moça do caldo. Somente de relance é 
possível perceber o que ocorre no Paço, através de figurantes como um fidalgo, 
um oficial superior, dois clérigos e uma senhora rica. Resta lembrar que o único 
personagem autenticamente histórico da obra é o major Vidigal, principal repre-
sentante da autoridade policial que serviu nas ruas de 1809 a 1824, quando, então, 
se aposentou. 
Deve-se ter em mente que “popular” de modo algum refere-se a pobreza: 
nesse Rio retratado, não há carências, o dinheiro corre solto, as heranças são gran-
des, e os dotes, atraentes. 
O estilo jornalístico é reforçado pela utilização de uma linguagem sem exa-
geros, rápida, leve e solta, aproximando-se da oralidade, inclusive pela quase, au-
sência de metáforas. 
3 picaresco – o herói picaresco é característico de certo tipo de novela, comum na Espanha do século XVI. 
Participa de episódios de aventuras, geralmente na pele de um criado ladino ou de um andarilho. Sagaz 
observador, o pícaro registra as fraquezas, desfila casos e cria tipos, de modo a traçar uma visão de largo 
espectro da época. Normalmente, suas peripécias apresentam uma velada crítica social e relatam com certa 
fidelidade as camadas sociais mais populares. No entanto, o pícaro é velhaco, cínico e ladino, qualidades que 
não se encaixam perfeitamente em Leonardo, que sempre angaria simpatias e protetores. Além do mais, 
é o pícaro que usualmente narra, em primeira pessoa, suas aventuras, o que não ocorre com o volume de 
Manuel Antônio de Almeida, narrado em terceira pessoa, com passagens na 1ª pessoa do plural.
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A travessia de um malandro
Filho de beliscões e pisadelas
Em um único capítulo o autor narra as origens do herói. Leonardo Pataca e 
Maria da Hortaliça, ambos portugueses, vieram para o Brasil e conheceram-se no 
navio. Leonardo assenta uma pisadela em Maria, que retribui com beliscões. Entre 
beliscões e pisadelas, a mulher vê-se grávida. Já no Rio, foram morar juntos e nas-
ce, sete meses depois, um filho, 
(...) formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esper-
neador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o pei-
to. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o 
menino de quem falamos é o herói desta história.
O batizado de Leonardo
Ao completar sete anos, Leonardo é descrito como um menino travesso, 
irrequieto e teimoso. Acresce que o pai, desconfiado da traição de Maria, trava 
com ela uma enorme discussão, culminando com a fuga da amante. Algum tempo 
depois, fica-se sabendo que Maria da Hortaliça retorna a Portugal em companhia 
de um capitão de navio. Como o pai não assumiu o menino e a mãe o havia aban-
donado, o compadre de Leonardo Pataca, padrinho do herói, passa a educá-lo.
Barbeiro de profissão, com mais de cinquenta anos, solteiro e solitário, o 
padrinho afeiçoa-se muito ao afilhado, a ponto de perdoá-lo sempre e até mesmo 
contemporizar com benevolência as travessuras do moleque.
Não foram poucas as malandragens de Leonardo. Ele fugia, embrenhava-se 
no meio de ciganos, atiçava os vizinhos, fazia enormes algazarras, desmanchava 
procissões, enfim, fazia tudo o que era possível fazer para infernizar a vida dos ou-
tros. No entanto, era simpático, alegre e, por isso, facilmente perdoado.
Entra em cena a comadre, parteira de profissão e religiosa por convicção. 
Ambos – padrinho e madrinha – desejavam um grande futuro para o moleque. Ele 
queria fazer do afilhado um padre; ela, que aprendesse um ofício; mas o menino 
não tinha vocação nem para padre nem para artista. A única coisa que fazia, e 
muito bem, era vadiar.
Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padri-
nho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista me-
tendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula4 arranjando-o em algum cartório, 
e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente 
às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a 
pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição, nem para cartório algum; não fez 
nenhuma destas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-
-mestre, vadio tipo.
4 rábula – advogado que usa de ardis e bravatas para enredar as questões.
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O padrinho desesperava com isso vinte vezes em cada dia por ver frustrado o seu belo 
sonho, porém não se animava mais a contrariar o afilhado, e deixava-o ir à sua vontade.
Enquanto Leonardo vai crescendo e traquinando, o narrador focaliza o pai. 
Após ser abandonado por Maria da Hortaliça, Leonardo Pataca chora por algum 
tempo a ausência da amante, mas logo se consola nos braços de uma cigana. Não 
contente, recorre à feitiçaria para poder conquistá-la e durante um ritual “místico” 
é preso pelo major Vidigal, astuto e poderoso policial que a todos fazia tremer. Só 
se livra da prisão graças à comadre, que resolve interceder junto a um tenente-co-
ronel, velho conhecido seu, cujo filho havia seduzido Maria, a mãe de nosso herói. 
Quanto à cigana, ela era também amante de um clérigo, mestre de cerimô-
nia da Igreja da Sé. A vingança do enciumado e preterido Leonardo Pataca é consu-
mada quando, em uma briga na casa da cigana, o padre é apanhado pelo Vidigal. 
Mais para frente, já idoso, Leonardo Pataca torna-se mais bonachão; apertara-se 
em novos laços amorosos, desta vez com Chiquinha, filha da comadre. Amasiado, 
torna-se pai de uma menina mansa e risonha, em tudo diferente do irmão.
Voltando à vida do herói, Dona Maria, louca por demandas, simpatiza com o 
malandro. “Já se vê que o menino não era dos mais infelizes, pois que, se tinha ini-
migos, achava também protetores por toda parte.” Dona Maria recebe a tutela de 
uma sobrinha, Luisinha, moça roceira que herdara cerca de mil cruzados. Por essa 
época Leonardo já deixara as estripulias de criança. Quando o compadre visitava a 
velha senhora, fato que ocorria com relativa frequência, Leonardo sempre o acom-
panhava “e fazia diabruras pela casa enquanto estava em idade disso, e depois 
que lhe perdeu o gosto, sentava-se em um canto e dormia de aborrecimento”. No 
entanto, nosso herói fica realmente perturbado ao conhecer Luisinha, uma moça 
roceira, feiosa, em tudo diferente das heroínas românticas. A cena que se deu 
quando Luisinha é apresentada aos dois é de profunda leveza e rara felicidade. 
Depois de mais algumas palavras trocadas entre os dois, D. Maria chamou por sua so-
brinha, e esta apareceu. Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso. Era a sobrinha 
de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não 
tinha adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida: andava com o queixo enterrado no 
peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha

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