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1 Filosofia Moderna – Hobbes Filosofia 407 Aula Formação e contexto Hobbes foi o que podemos chamar hoje de um polemista. Dialogou com os grandes nomes da primeira metade do século XVII, o período que forjou a moderni- dade: Galileu, Francis Bacon e Descartes. Foi, igualmente, um personagem importante da vida política inglesa. Assim como Aristóteles, foi preceptor de um rei, Carlos II. Durante a ditadura de Oliver Cromwell, viveu no exílio com a corte dos Stuarts. Na volta, ganhou como prêmio por sua fidelidade uma pensão vitalícia. E olhe que ele viveu muito: até os 92 anos. N at io n al P o rt ra it G al le ry , L o n d o n /F o tó g ra fo d es co n h ec id o Thomas Hobbes (1588-1679) Hobbes, além de longevo, foi precoce. Filho de um padre que mal sabia ler, teve a sorte de ser aceito na família dos Latimer, pessoas cultas e aficionadas pela cultura clássica. Aos 15 anos, já traduzia peças de Eurípedes, do grego para o latim. Formou-se em Oxford e, antes do rei, trabalhou para William Cavendish e apro- veitou os dias ociosos no seu castelo para estudar, estu- dar, estudar. Além disso, pôde viajar para vários países europeus e aprender seus idiomas. Mas sua particular afeição concentrava-se nos historiadores clássicos e suas descrições sobre Estados e Política. Traduziu A guerra do Peloponeso, de Tucídides. Já se delineava, desde cedo, sua simpatia pelos governos fortes e sua crítica aos arranjos democráticos. Entre 1621 e 1626, foi secretário de Francis Bacon e chegou a traduzir algumas de suas obras para o latim. Por meio desse autor tomou conhecimento do empiris- mo, importante elemento de seu próprio pensamento. Por outro lado, em 1629, em uma viagem a Genebra, conheceu a obra de Euclides (filósofo e matemático que escreveu Elementos de Geometria, no século III a.C.) e viu-se apegado às ideias racionalistas. Poucos anos depois, conheceu o editor de Descartes e leu os originais de Meditações Metafísicas, formulando uma série de questionamentos que foram publicados pelo pensador francês. Segundo o historiador das ideias Battista Mondin, o pensamento de Hobbes, embora tenha tido contato intenso com o racionalismo de Descartes, assumia uma relação bastante crítica em relação a ele: – Descartes professava doutrinas conceitualistas em Lógica (ideias claras, distintas e inatas), transcen- dentalistas em Metafísica (primado de Deus e da reali- dade espiritual), espiritualistas em Psicologia (homem é a sua essência) e estoicas em éticas (desapego do mundo); – Hobbes defende as doutrinas nominalistas em Lógica (as ideias universais são apenas nomes), mate- rialistas em metafísica (o princípio último de todas as coisas são a extensão e o movimento), naturalísticas em antropologia (o homem é constituído apenas de matéria e está sujeito a leis mecânicas da natureza), hedonistas em ética (a felicidade está no prazer). (MONDIN, 1981, p.98) O resultado, portanto, foi um pensamento que não buscou apenas uma síntese entre a razão cartesiana e o imperativo da experiência em Bacon. Usou-os, sim, 2 Semiextensivo para desenvolver uma leitura vigorosa da Política, da Sociedade e do Pensamento, colocando-se como um empirista-racionalista original. Sua leitura do mundo parte do real para compor unidades racionais e, com elas, volta ao real para compreendê-la mais adequadamente. Vamos conhecer dois exemplos que permitem entender a importância e a atualidade desse pensador. O Leviatã ou o Deus mortal O empirismo de Hobbes o levou a imaginar os primeiros homens envolvidos em uma guerra de todos contra todos. Isso porque, para esses homens em estado de natureza, buscariam principalmente aquilo que lhes desse prazer e satisfação. O egoísmo moveria a humanidade. Essa seria a condição do homem, ao contrário das abelhas e formigas, animais “sociais” por natureza. Ou seja, para Hobbes, Aristóteles estava errado. Enquanto a existência não estivesse em perigo, o homem estaria inclinado a buscar o que lhe desse satisfação individual, numa versão filosófica do ditado popular que diz “farinha pouca, meu pirão primeiro.” Aliás, se há uma igualdade entre os homens, seria nesse sentimento de egoísmo. Como afirmava o autor: A vida é como uma corrida. É preciso vencer sempre. Ser ultrapassado é miséria. Ultrapassar sempre é felicidade. Abandonar a “corrida” é morrer. O problema é que esse sentimento é naturalmente conflitante. Muitos acabam querendo e gostando de coisas comuns e, por isso, a guerra se instala. O homem é o lobo do próprio homem, diz Hobbes em outra frase que se tornou famosa. © Sh u tt er st o ck /z ap o m ic ro n Mas o destino de um estado constante de guerra não pode ser bom. Para evitar essa destruição mútua, que ofende o lado racional do homem natural, a saída foi buscar uma forma de garantir a sobrevivência, mesmo que à custa da liberdade. Melhor ser obediente e vivo, do que livre e morto. A paz e não a guerra combina mais com a conser- vação da vida. Mas é preciso que muitos aceitem essa paz, esse pacto, esse contrato. Essa, para Hobbes, é a origem racional da sociedade civil. Um pacto no qual os homens temerosos de suas vidas abrem mão de sua liberdade em troca de segurança e comprometem-se a manter o pacto, construindo um estatuto social, po- lítico e moral. Uma moral utilitária pois, para Hobbes, os homens concordam em evitar os conflitos, buscar uma divisão equânime dos bens e aceitar as decisões de magistrados às desavenças não porque são bons, mas porque são racionais e sabem que a alternativa a esse contrato é a volta da guerra de todos contra todos. A melhor garantia de que o pacto de sobrevivência não soçobrasse a um mais valentão ou a um outro mais esperto seria abrir mão de qualquer iniciativa de impor vontades aos outros, deixando essa tarefa, inteiramen- te, a um rei ou a uma assembleia. Para Hobbes, portanto, o absolutismo seria resultado não de uma imposição violenta, mas de uma decisão coletiva, estabelecida pela razão e voltada a garantir a conservação dos sig- natários do acordo. E esse poder deveria ser absoluto para e enquanto garantisse o fim a ele outorgado: a paz e a prosperidade. Para garantir esses propósitos não havia razão para discutir e questionar as decisões do(s) governante(s). Observe que Hobbes não recusa a ideia de um governo formado por vários representantes. O que ele não aceita na sua formulação é a liberdade de contestação. Apesar disso, sua preferência era evidente por um governo de um homem só, controlador das decisões e inquestionável no que decidisse. O poder de decidir do soberano incluía as regras religiosas. Todo o poder religioso estaria, igualmente, na mãos do soberano. Deveria haver um único culto e a crença deveria ser obrigatória. Não haveria, por isso, crentes, mas obedientes. Toda essa conformação do Estado a uma base ra- cional fundada na ideia da conservação, levou Hobbes a enfrentar algumas dificuldades, pois tornava a Igreja desnecessária e mesmo Deus um componente aces- sório, decorativo. O Estado imaginado por ele era um “Deus mortal”: “A multidão reunida em um único indivíduo passa a ser chamada de Estado, em latim, civitas. Esta é a origem do grande Leviatã, ou melhor (para falar com maior reverência), do Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e a nossa defesa.” Aula 07 3Filosofia 4 © Tr u st ee s o f t h e B ri ti sh M u se u m Por ideias como essas, o pensador inglês sofreu acusações de ateísmo e foi obrigado a deixar a família real durante o exílio em Paris. Não era considerado o preceptor mais adequado para o rei. Depois reatou com o jovem, já rei Carlos II e foi recompensado por ele. Con- siderem: o pensamento de Hobbes deveria ser música aos ouvidos de um jovem rei, não? Como se forma o pensamento? A influência empirista de Bacon, associada aos fins práticos, úteis, e a influência mecanicistade Descartes sobre o universo, na qual todo o movimento está dissociado de um fim e todo o conhecimento racional é desprovido de qualidade, levaram Hobbes a um con- ceito sobre o pensamento que é muito original, próximo do que somente no século XX seria retomado pelos cien- tistas com o nome de cibernética. Para Hobbes, tanto o pensamento quanto a linguagem podem ser descritas como operações de compor e decompor: “... a proposição é constituída pela adição de dois nomes; o silogismo, pela adição de duas proposições; a demonstração, pela adição de vários silogismos. A ciência seria, então, o conhecimento das consequências de uma palavra a outra.” Para Hobbes, os objetos externos afetam o homem produzindo as percepções. O cérebro capta essas sensa- ções e as transmite ao coração. A sensação daí derivada é a que se manifesta por meio de palavras e explica os fenômenos. A generalização dessas sensações que nos afetam individualmente é formulada por meio da imaginação. A razão funciona, para Hobbes, ao analisar as sensações e depois sintetizá-las em nomes que se aplicam genericamente. Como afirma o próprio autor: “... ao raciocinar, não fazemos mais que obter uma soma total por meio da adição de parcelas, ou um resto por meio da subtração de uma soma de outra: isso consiste em obter, por meio da conexão dos nomes de todas as partes, o nome do todo: ou, do nome do todo e de uma parte, o nome da parte restante. (...)” “Os escritores de política somam os pactos estipula- dos para encontrar os deveres dos homens, e os juristas, as leis e os fatos para encontrar o que está certo e o que está errado nas ações dos indivíduos privados. Em suma, em qualquer campo em que houver lugar para a adição e subtração haverá também espaço para a razão; e onde essas coisas não encontrarem lugar, a razão não tem o que fazer ali.” © Sh u tt er st o ck /d an i3 31 5 Hobbes, assim, busca associar aspectos que depois as ciências verão como campos distintos – do pensa- mento dedutivo a formulação do Estado – numa visão materialista mecanicista ou, podemos dizer, computa- cional, na qual a soma de segurança implica a subtração da liberdade; a adição de linhas, figuras, ângulos, pro- porções, etc., permitem compreender a physis; a soma de desejos implica a guerra; a subtração das paixões, a estabilidade. Precursor das teses contratualistas, que estudaremos nos capítulos seguintes, Hobbes também antecipou a discussão sobre o conflito entre desejo e razão que a psicanálise vai popularizar no século XX. E, por fim, é considerado o “avô” da cibernética, a ciência da computação. Quer mais? 4 Semiextensivo Testes Assimilação 07.01. De acordo com o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em seu estado natural, os seres humanos são livres, competem e lutam entre si. Mas como têm em geral a mesma força, o conflito se perpetua através das gerações, criando um ambiente de tensão e medo permanentes. Para Hobbes, criar uma sociedade submetida à lei e na qual os seres humanos vivam em paz e deixem de guerrear entre si, pressupõe que todos os homens renunciem a sua liberdade original e deleguem a um só deles (o soberano) o poder com- pleto e inquestionável. Assinale a modalidade de governo que desempenhou importante papel na Filosofia Política Moderna e que é associada à teoria política de Hobbes. a) Monarquia censitária c) Sistema parlamentar e) Sistema republicano b) Monarquia absoluta d) Despotismo esclarecido 07.02. No Leviatã, Hobbes opõe-se à tese aristotélica de que o homem é sociável por natureza, dizendo que a) a constituição de uma sociedade organizada é impossível. b) a socialização desvirtua o homem, tornando-o indefeso. c) ninguém quer renunciar à sua liberdade e viver em so- ciedade. d) os homens são naturalmente inclinados à discórdia e à luta de uns contra outros. e) toda ciência política é desprovida de valor, já que os ho- mens não foram feitos para viver em sociedade. 07.03. Thomas Hobbes define assim a essência do Estado: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, me- diante pactos recíprocos uns com os outros, foi institu- ída por cada como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. HOBBES, Thomas. Leviatã. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p.110. A partir desse contexto, qual o caráter do poder do qual é dotado o Estado? a) Seu poder é equivalente ao poder de cada um dos seus membros. b) Seu poder é absoluto, apenas se não for feito uso da força. c) Seu poder é absoluto, no sentido de não ser constrangido por nenhuma outra pessoa. d) Seu poder é limitado pelos direitos naturais dos quais os cidadãos são portadores. e) Seu poder é limitado pela vontade geral da qual partici- pam os cidadãos a cada decisão. 07.04. Para Hobbes, o estado de natureza a) é idêntico ao estado de guerra. b) implica a liberdade para cada um fazer o que bem lhe aprouver. c) faz homens livres e responsáveis pelas próprias ações. d) é um estado de paz, de harmonia e de assistência mútua. 07.05. (UEL – PR) – “O direito de natureza, a que os au- tores geralmente chamam de jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.” HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o Estado de natureza em Hobbes, considere as afirmativas a seguir. I. Todos os homens são igualmente vulneráveis à violência diante da ausência de uma autoridade soberana que detenha o uso da força. II. Em cada ser humano há um egoísmo na busca de seus in- teresses pessoais a fim de manter a própria sobrevivência. III. A competição e o desejo de fama passam a existir nos homens quando abandonam o Estado de natureza e ingressam no Estado social. IV. O homem é naturalmente um ser social, o que lhe garante uma vida harmônica entre seus pares. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. d) I, II e III. b) I e IV. e) II, III e IV. c) III e IV. Aperfeiçoamento 07.06. (UFU – MG) – Hobbes escreve, no Leviatã, que a condição dos homens fora da sociedade civil nada mais é do que uma simples guerra de todos contra todos, na qual todos os homens têm igual direito a todas as coisas. Com base nisso, assinale a única alternativa correta. a) A sociedade civil continua o estado de natureza. b) A sociedade civil é uma ruptura com o estado de natureza. O estado de guerra está presente na sociedade civil. c) A guerra de todos contra todos não pode ser eliminada da condição humana. 07.07. Thomas Hobbes foi um matemático, teórico político e filósofo inglês. Sobre sua obra Leviatã, podemos afirmar: a) Explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades. b) Defende a necessidade do governante de basear suas forças em exércitos próprios, não em mercenários. c) Explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a capacidade do homem de viver independente de governos. d) Defende a necessidade do governante de basear suas forças em exércitos mercenários e não constituir exércitos próprios. Aula 07 5Filosofia 4 07.08. Tendo como base a filosofia moral e política de Hobbes, assinale a opção correta. a) A melhor forma de governo é a democracia. b) O direito à vida é inalienável, isto é, ninguém pode abdicar-se dele. c) O homem nasce naturalmente bom, mas é corrompido pela sociedade. d) O objetivo da política é tentar devolver o homem ao estado de natureza. 07.09. Assinale a alternativa que NÃO condiz com o pen- samento de Hobbes sobre o estado de natureza, ou seja, sobreo estágio da humanidade em que “os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização”: a) Em estado de natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou “o homem lobo do homem”. b) Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. c) Quanto à força corporal, o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. d) A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar. e) A natureza fez os homens tão desiguais, quanto às fa- culdades do corpo e do espírito, de forma que, quanto a força corporal, o mais fraco nunca tem força suficiente para matar o mais forte. 07.10. (UFU – MG) – Leia o texto abaixo e assinale a alter- nativa correta. “É evidente que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum que os mantenha sub- jugados, eles se encontram naquela condição que é chamada de guerra; e essa guerra é uma guerra de cada homem contra cada outro homem.” Hobbes in BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1991. p. 35. a) Para Hobbes, a guerra é uma situação anterior ao estado de natureza. b) Hobbes associa, em suas reflexões, a situação de guerra e o estado de natureza. c) Um poder comum, segundo Hobbes, mantém os homens no estado de natureza. d) Em Hobbes, a guerra de todos contra todos é compatível com um poder comum. 07.11. (UFU – MG) – Com base na teoria de Hobbes e no texto abaixo, marque a alternativa correta. O que Hobbes quer dizer falando de “guerra de todos contra todos”, é que, sempre onde existirem as condi- ções que caracterizam o estado de natureza, este é um estado de guerra de todos os que nele se encontram. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991. p. 36. a) O estado de natureza e o estado de guerra estão relacio- nados apenas a alguns homens. b) Hobbes caracteriza a “guerra de todos contra todos” como algo que pode sempre existir. c) A “guerra de todos contra todos” independe de condições para existir. d) O estado de natureza caracteriza-se pela ausência de guerra. 07.12. Para Hobbes, “[...] o poder soberano, quer resida num homem, como numa monarquia, quer numa as- sembleia, como nos estados populares e aristocráticos, é o maior que é possível imaginar que os homens possam criar. E, embora seja possível imaginar muitas más con- sequências de um poder tão ilimitado, apesar disso as consequências da falta dele, isto é, a guerra perpétua de todos homens com os seus vizinhos, são muito piores.” HOBBES, T. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988. capítulo XX, p. 127. Com base na citação e nos conhecimentos sobre a filosofia política de Hobbes, assinale a alternativa correta. a) Os Estados populares se equiparam ao estado natural, pois neles reinam as confusões das assembleias. b) Nos Estados aristocráticos, o poder é limitado devido à ausência de um monarca. c) O poder soberano traz más consequências, justificando-se assim a resistência dos súditos. d) As vantagens do estado civil são expressivamente superio- res às imagináveis vantagens de um estado de natureza. e) As consequências do poder soberano são indesejáveis, pois é possível a sociabilidade sem Estado. Aprofundamento 07.13. (UFU – MG) – Segundo Thomas Hobbes, o esta- do de natureza é caracterizado pela “guerra de todos contra todos”, porque, não havendo nenhuma regra ou limite, todos têm direito a tudo o que significa que ninguém terá segurança de seus bens e de sua vida. A saída desta situação é o pacto ou contrato social, “uma transferência mútua de direitos”. HOBBES, T. Leviatã. Coleção Os Pensadores. Trad. João P. Monteiro e Maria B. N. da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 78-80. Com base nestas informações e nos seus conhecimentos sobre a obra de Hobbes, assinale a alternativa que caracteriza o pacto social. a) Pelo pacto social, cria-se o Estado, que continua sendo uma mera reunião de indivíduos somente com laços de sangue. b) Pelo pacto social, a multidão de indivíduos passa a cons- tituir um corpo político, uma pessoa artificial: o Estado. c) Pelo pacto social, cria-se o Estado, mas os indivíduos que o compõem continuam senhores de sua liberdade e de suas propriedades. d) O pacto social pressupõe que o Estado deverá garantir a segurança dos cidadãos, mas em nenhum momento fará uso da força pública para isso. 6 Semiextensivo 07.14. (UFSM – RS) – Na citação: “– Chama-se gato uma ligação elétrica clandestina entre a rede e uma residência. Usualmente, o gato infringe normas de segurança, porque é feito de pessoas não especializadas. O choque elétrico, que pode ocorrer devido a um gato malfeito, é causado por uma corrente elétrica que passa através do corpo humano – ”. Observamos no trecho um problema de ordem política e econômica. Considere a teoria política hobbesiana, que afirma: “Onde não há propriedade não pode haver injustiça e onde não foi estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, pois todos os homens têm direito a todas as coisas”. Assim, a prática dos “gatos”, uma vez que vivemos sob o regime de um Estado, implica uma I. injustiça porque lesa o direito à propriedade privada. II. injustiça porque as ligações clandestinas representam um perigo para as pessoas. III. ilegalidade por desobedecer à legislação do Estado sobre a propriedade privada. Está(ão) correta(s): a) apenas I. b) apenas II. c) apenas III. d) apenas I e II. e) apenas I e III. 07.15. (UENP – PR) – “[....] Cedo e transfiro o meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele o teu direito, autorizando de uma maneira seme- lhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou, antes (para falar em termos mais reverentes), daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, a nossa paz e a nossa defesa”. (Hobbes, T. Leviatã, Capítulo XVII). Sobre o pensamento de Hobbes, julgue as afirmações e assinale a alternativa correta. I. Hobbes pode ser classificado como contratualista, tendo em vista que acredita que o Estado tem origem em um contrato social. II. O contrato social que dá origem ao Estado pode ser quebrado quando o soberano deixa de representar os interesses dos súditos. III. O estado de natureza é caracterizado pela guerra de todos contra todos, e isso motiva os homens a celebrarem um contrato social que dá origem ao Estado Político, cuja principal função é garantir a segurança e a paz. a) somente I e II estão corretas. b) somente I, II e III estão corretas. c) somente I e III estão corretas. d) somente II e III estão corretas. e) todas são falsas. 07.16. (UFU – MG) – Leia o texto de Hobbes transcrito abaixo: “O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua pró- pria conservação e com uma vida mais satisfeita.” HOBBES, T. Leviathan, São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 103. Assinale a alternativa correta, de acordo com o pensamento de Hobbes. a) Viver fora de um Estado é o desígnio final de muitos homens. b) A vida mais satisfeita é alcançada pelo exercício sem limites da liberdade. c) A restrição que os homens impõem a sua própria liberda- de é compatível com sua vivência sob um Estado. d) Os homens não se preocupam com sua conservação, mas em construir um Estado para ter uma vida melhor. 07.17. (UEL – PR) – Leia o seguinte texto de Hobbes e responda àquestão. A maior parte daqueles que escreveram alguma coisa a propósito das repúblicas o supõe, ou nos pede ou requer que acreditemos que o homem é uma criatura que nasce apta para a sociedade. Os gregos chamam-no zoonpolitikon; e sobre este alicerce eles erigem a dou- trina da sociedade civil [...] aqueles que perscrutarem com maior precisão as causas pelas quais os homens se reúnem, e se deleitam uns na companhia dos ou- tros, facilmente hão de notar que isto não acontece porque naturalmente não poderia suceder de outro modo, mas por acidente. [...] Toda associado [.. .] ou é para o ganho ou para a gló- ria, isto é, não tanto para o amor de nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos. [...] se fosse remo- vido todo o medo, a natureza humana tenderia com muito mais avidez à dominação do que construir uma sociedade. Devemos, portanto, concluir que a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não pro- vém da boa vontade recíproca que os homens tives- sem uns para com os outros, mas do medo recíproco que uns tinham dos outros. HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes. 1992. p. 28-29; 31-32. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamen- to político hobbesiano, é correto afirmar. a) Hobbes reafirma o postulado aristotélico de que os ho- mens tendem naturalmente à vida em sociedade, mas que, obcecados pelas paixões, decaíram num estado generalizado de guerra de todos contra todos. b) O estado de guerra generalizada entre os homens emerge, segundo Hobbes, da desigualdade promovida pela lei civil e pelo desejo de poder de uns sobre os outros. c) A ideia de que o estado de guerra generalizada ocorre com o desaparecimento do estado de natureza, onde todos os homens vivem em harmonia, constitui o fun- damento da teoria política de Hobbes. Aula 07 7Filosofia 4 d) Segundo Hobbes, para restaurar a paz que existia no estado de natureza, os homens sujeitam-se, pelo pacto, a um único soberano para subtrair-se ao medo da morte e, por sua vez, garantir a autopreservação. e) Segundo Hobbes, à propensão natural dos homens a se ferirem uns aos outros se soma o direito de todos a tudo, resultando, pela igualdade natural, em uma guerra perpétua de todos contra todos. 07.18. (UEM – PR) – Thomas Hobbes explica a origem da sociedade e do Estado mediante a ideia de um pacto ou acordo entre os indivíduos para regulamentar o convívio social e garantir a paz e a segurança de todos. Sobre a teoria política de Thomas Hobbes, assinale o que for correto. 01) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o comportamento dos homens é pacífico, o que é con- dição para instauração do pacto de respeito mútuo às liberdades individuais. 02) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o homem dispõe de toda liberdade e poder para realizar tudo quanto sua força ou astúcia lhe permitir. 04) Segundo Thomas Hobbes, o Estado é a unidade formada por uma multidão de indivíduos que concordaram em transferir seu direito de governarem a si mesmos à pessoa ou à assembleia de pessoas que os represente e que possa assegurar a paz e o bem comum. 08) Na obra Leviatã, para caracterizar o Estado, Thomas Hobbes utiliza a figura do Novo Testamento, o Leviatã, cuja função é salvar os homens do poder despótico dos reis. 16) Segundo Thomas Hobbes, o Estado não dispõe de poder absoluto algum. É ilegítimo o uso da força pelo soberano para constranger os súditos, pois o controle do poder instituído, como o próprio poder, deve assentar-se no acordo e no convencimento. Discursivos 07.19. (UFU – MG) – Leia a afirmação abaixo e responda. A função que Hobbes atribui ao pacto de união é a de fazer passar a humanidade do estado de guerra para o estado de paz, instituindo o poder soberano. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991. p. 43. a) Por que, sem o pacto, não há paz entre os homens? b) Por que a instituição do poder soberano é resultado de uma passagem? Gabarito 07.01. b 07.02. d 07.03. c 07.04. b 07.05. a 07.06. b 07.07. a 07.08. b 07.09. e 07.10. b 07.11. b 07.12. d 07.13. b 07.14. e 07.15. c 07.16. c 07.17. e 07.18. 06 (02, 04) 07.19. a) Porque os homens, fora do pacto, em seu estado de natureza, entram em guerra todos contra todos. b) O poder soberano se dá pela transfe- rência das liberdades individuais em troca da paz e das garantias de cum- primentos dos acordos. 8 Semiextensivo Filosofia Moderna – Pascal e Spinoza 4 Filosofia Aula 08 Pascal e a “aposta” em Deus O século XVII impunha um desafio aos pensadores: a necessária submissão da razão à onisciência de Deus. Por mais que a matemática avançasse, que a física ganhasse consistência, que a química desse seus primeiros e se- guros passos, o conhecimento do mundo e do universo precisavam, a todo tempo, de uma justificação religiosa. Não estava distante no tempo a abjuração de Galileu e, pouco antes, a fogueira que levou Giordano Bruno desta vida. Descartes, como sabemos, quase abandonou suas convicções e quando, convencido pelos amigos, publi- cou seu Discurso sobre o Método, evitou colocar seu nome na obra. Por isso, o tema “Deus” ainda ocupava um tempo considerável da reflexão dos filósofos do século XVII. Mas cada vez que a compreensão do univer- so dava um passo para frente, a interferência divina dava um passo para trás. Descartes, como vimos, usou sua filosofia para demonstrar a existência de Deus, como os escolásticos (que ele criticava) o fizeram. Para Descartes, a existência de Deus validava o conhecimento dedutivo e verdadeiro das coisas. “Se Deus existe, Ele é bom e não criaria o homem para que ele não fosse capaz de conhecer.” Um comportamento desses seria próprio de um “gênio maligno” e não de Deus. Pascal (1623-1662), contemporâneo e crítico de Descartes, também buscou demonstrar a existência de Deus e, ao mesmo tempo, nossa insignificância diante Dele. “O que é um homem no infinito?” O questionamento buscava lembrar que a tentativa humana de apreensão do conhecimento do mundo era uma arrogância e uma inutilidade: “O universo é uma esfera infinita, cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar nenhum. Enfim, que a nossa imaginação se perca nesse pensamento é o maior sinal da onipotência de Deus.” E dizia, ainda, o pensador francês: “... por não ter considerado esses dois infinitos – o princípio e o fim de todas as coisas – os homens puseram-se imprudentemente a investigar a natureza, como se tivessem alguma simetria em relação a ela. É curioso que tenham querido descobrir os princípios das coisas e a partir destes chegar a conhecer o todo, com uma presunção tão infinita quanto o seu objeto: porque certamente não se pode conceber tal desígnio sem uma presunção ou uma capacidade infinita, como aquela da natureza.” Desse discurso sobre a pequenez humana diante do universo, deduzia Pascal outra realidade: se não pode- mos afirmar sobre o princípio e o fim das coisas, o que podemos dizer sobre a existência de Deus? Como nossa razão não alcança a origem e o fim do que vemos, o que dizer sobre o Criador? Considerando que não é possível afirmá-lo, a alternativa é negá-lo. Mas negá-lo, igualmente, não é uma afirmação racional, pois não se fundamenta em nenhuma evidência ou nada capaz de ser demonstrado. Diante desse impasse, Pascal propõe uma solução, no mínimo, criativa: acreditar em Deus, por ser esta a melhor aposta. E por que essa escolha é a melhor? Imagine que você opte por não acreditar em Deus. Quando você morrer e ele não existir, você não ganhou nada e tudo acabou. Mas, se ele existir, você terá de se explicar com Ele. Agora veja o outro lado: você opta por acreditar em Deus. Quando você morrer e ele não existir, você não perdeu nada, tudo acabou mesmo. Mas, caso ele exista, você não terá muito o que reclamar. Então Pascal acreditava que era mais “conveniente” acreditar. E como desenvolver essa crença? Pelo hábito, dizia ele. A fé começapela prática: “... imitai o modo pelo qual começaram: fazendo como se acreditassem, tomando da água benta, mandando rezar missas, e assim por diante. No vosso caso, também isso fará crer e vos tornará dóceis como ovelhas. Mas é justamente isso que eu temo. E por quê? O que tendes a perder? O que você acha disso? 9 Aula 08 Filosofia 4 Spinoza e o Deus como Natureza © W ik im ed ia C o m m o n s/ B ib lio te ca H er zo g A u g u st , V o lf em b u te l, A le m an h a Baruch de Spinoza (1632-1677) Spinoza (1632-1677) foi criado em uma família de judeus que fugiu da península ibérica e refugiou-se na Holanda. A Inquisição Espanhola e Portuguesa não poupava os judeus. A Holanda era mais tolerante e, por isso, tornou-se pouso de muitas famílias como a de Baruch Spinoza. Curioso é que, apesar disso, Spinoza converte-se ao catolicismo, depois de ser expulso da sinagoga, por causa de suas ideias. Pior: rejeitado por sua comunidade, quase deserdado pela família, quase apunhalado na rua, passou a viver modestamente em uma pequena vila nas proximidades de Amsterdã, como polidor de lentes. A vida precária cobrou um preço alto: aos 44 anos, morreu de tuberculose. © Fl ic kr /R o b er t E o que provocou essa ira tão grande da comunidade judaica? Esse jovem brilhante, que estudou numa escola hebraica ortodoxa e que, por conhecer também o latim, teve acesso aos pensadores contemporâneos, como Hobbes, Bacon e Descartes, apreendendo suas ideias e admirando suas obras. A ele foram oferecidos prêmios e empregos como professor, como foi o caso da Uni- versidade de Heidelberg. Nobres abastados, como era costume na época, ofereceram-lhe proteção e auxílio financeiro. Enfim, havia um consenso na qualidade do seu pensamento e na solidez das suas ideias. Então, o que provocou tanta ira dos seus mais próximos, seus irmãos de fé? Basicamente, a originalidade – e, ao mesmo tempo, a polêmica – do pensamento de Spinoza está situado no conceito de substância. Para compreendê-la, lem- bremos de Aristóteles e Descartes. Para o Aristóteles, há tanta substâncias quanto seres e, pela razão, é possível conhecer as substâncias dos seres, desconsiderando o que for aparente ou acidental. Para Descartes, eram substâncias, isto é, o ser verdadeiro, apenas a matéria e a alma. Tudo o que há de corpóreo no universo é matéria, res extensa. Fora disso, só o espírito, res cogitans. Ao espírito caberia o conhecimento. À matéria, ser dada ao conhecimento. Seja o mundo de seres de Aristóteles, ou o mundo de uma única “coisa extensa” de Descartes, ambas tinham algo em comum: a existência da alma, distinta da ma- téria e, como tal, eterna e imutável. E havia aqui uma distinção que Spinoza considerava equivocada. Para Spinoza, substância é aquilo que “existe em si e por si é concebido; isto é, aquilo cujo conceito, para ser formado, não precisa do conceito de uma outra coisa”. Ora, com base nesse conceito, a matéria de Descartes e os “Seres” de Aristóteles não podiam ser considerados substâncias. Spinoza afirmará que o aquilo que Aristóteles e Descartes chamaram de substância era, na verdade, atributo, isto é, aquilo que o intelecto percebe como a essência das coisas. E as manifestações dessas substân- cias, que são infinitas, Spinoza conceituou de modo das coisas. E por que essa preocupação classificatória era tão importante para o pensador holandês? Mais ainda: por que é importante para nós? Panteísmo Então vamos fazer um raciocínio. Se por “substância” Spinoza afirma ser apenas aquilo que existe em si e por si é concebido; aquilo cujo conceito não precisa do conceito de uma outra coisa. O que você acha que pode ser então denominado de “substância”? Spinoza acreditava que tudo é governado por uma necessidade de lógica absoluta. A ordem da natureza é geométrica. Nada há que ocorra por aca- so no mundo físico; tudo o que acontece é uma ma- nifestação da natureza imutável de Deus. 10 Semiextensivo Ou seja, quem pensou em Deus, acertou em cheio. Esse Deus que é um ente absolutamente infinito e que possui infinitos atributos. Nós, porém, só conseguimos perceber dois deles, exatamente o que Descartes deno- minou de “matéria” e “alma”. Logo, tudo o que percebe- mos no mundo – e tudo o que não percebemos – não são “coisas” de Deus, mas os atributos de Deus. Ou seja, o próprio Deus! Aqui reside a ideia original e, ao mesmo tempo, he- rética de Spinoza. Não há uma transcendência de Deus, mas uma imanência de Deus. Explico-me: Um Deus transcendente é aquele que está separado e acima das coisas, exercendo sobre elas seu conhecimento e poder. É a ideia do Deus de boa par- te da tradição judaica. O Deus que cria e que provê e que abençoa e que castiga. Por sua vez, um Deus imanente é aquele cuja criação confunde-se com ele, é parte dele e não sua obra. Por serem os atributos a manifestação da substância divina, ao apreendê-los pelos sentidos ou pela razão nós, humanos, não conhecemos a obra de Deus (como na visão transcendente) mas o próprio Deus presente nas coisas. Só assim seria possível aceitar a presença das coisas que vemos: elas não poderiam ter sido criadas do nada porque do nada, nada vem; e nem de alguma coisa já existente, porque assim a coisa original seria reduzida, diminuída. Logo, como afirma o próprio Spinoza: “Disso decorre que da natureza afirma-se tudo absolutamente – em outras palavras, que a natureza é composta de infinitos atributos, cada um dos quais é in- finitamente perfeito no seu gênero: o que corresponde plenamente à definição que se dá de Deus.” Como só há um ser infinito e perfeito, tudo o que possa ser afirmado é esse ser. Não é “fruto” dele ou “criação” dele, mas Ele próprio. Além disso: se Deus é onisciente e, portanto, ele sabe tudo, isso permite afirmar que ele não pode saber mais nada! E o tudo que ele sabe, já que ele é imutável, perfeito e infinito, a natureza e o espírito, que são atributos de sua substância, expressa já toda essa perfeição e infinita sabedoria. Logo, pode-se concluir que toda a manifestação de Deus já está presente na natureza. © Sh u tt er st o ck /T ro tz O lg a Até porque, sendo Deus perfeito, não é possível imaginar Deus no tempo. Não há um antes e depois de Deus. Logo, por que Deus criaria algo antes e algo depois? Antes e depois do quê? O tempo é a percepção das mudanças da matéria: deslocamento, nascimento e morte, crescimento e diminuição, multiplicação e divi- são, alteração de estado. Deus fez surgir o tempo com a natureza que expressam sua substância. Por isso não é concebível imaginar um antes e um depois. Uma razão de espera. Deus, por acaso, onisciente que É, precisa esperar para saber que algo funciona ou não? Mas as coisas não mudam? Uma coisa não muda a outra? Se a percepção das coisas permite-nos compre- ender o tempo e a mudança, como tudo isso pode ser Deus, se ele é eterno e imutável? Ora, porque as coisas da natureza têm causas, mas a natureza como um todo não tem causa. Spinoza afirma assim: “Devemos brevemente distinguir a natureza em duas partes: a natureza naturante e a natureza naturada. Por natureza naturante entendemos um ser que, por si mesmo, sem ajuda de outra coisa, é conhecido clara e distintamente. Esse ser é Deus” . A natureza naturada é a mesma coisa, mas vista do ponto de vista dos seus efeitos, que é o que podemos perceber pelos nossos sentidos. Mas não são duas coi- sas, mas uma só. Natura naturante é a própria substância, Deus e sua essência infinita; Natura naturata são os modos e as manifestações da essência divina: o Mundo. A natureza naturante prolonga-se na matéria como modo de manifestação de Deus; este se basta a si mesmo no processo de automanifestação contínua – Natureza Criadora. Na natureza, tudo é necessário Considerando que a natureza é Deus, há algo “errado” na natureza? Algo imperfeito? Algo sobrando? Para Spi- noza, não. Nada é contingente na natureza.Tudo o que existe é necessário pois que é manifestação divina. E não há fins, pois que Deus é eterno e sua manifestação é fruto da necessidade e não de um plano calculado no tempo. © W ik im ed ia C o m m o n s/ B ib lio te ca H er zo g A u g u st , V ol fe m b u te l, A le m an h a Aula 08 11Filosofia 4 O intelecto humano também é atributo de Deus. Por isso, conhecer o que o intelecto permite e conhecer a natureza é, simplesmente, conhecer Deus. Percebem o impacto das ideias de Spinoza na comunidade religiosa, judaica e cristã da sua época? No pensamento estabelecido, seja de base escolástica, seja cartesiana? Não é à toa que a comunidade judaica o tenha condenado tão fortemente. As ideias de Spinoza e a lógica poderosa dessas ideias abalavam as crenças e as fundamentações das crenças. Daí o perigo que ele representava. E hoje, por que olhar para esse autor? Há várias razões, mas vamos destacar uma única, para a sua reflexão: imagine que ele tenha razão e que a natureza – incluindo todos nós – somos manifestações de Deus, parte dele e não apenas a sua Criação. Mas não nós em relação ao resto. Nós – natureza – como um todo. Uma unidade. Um todo. Ou como ele mesmo diz em sua obra mais famosa, Ética: “A Natureza inteira é um só indivíduo cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo na sua totalidade”. Percebe o potencial para um reflexão sobre um dos mais importantes assuntos da contemporaneidade, a ecologia? Como a existência do mundo é a manifestação da essência de Deus, cuidar do mundo parece ser uma tarefa necessária. Ou não? M ar ce lo B it te n co u rt . 2 01 7. D ig it al . Testes Assimilação 08.01. Filósofo que defendeu o panteísmo, ideia de que Deus se manifesta em tudo: a) Hobbes; c) Pascal; e) Santo Tomás de Aquino. b) Spinoza; d) Maquiavel; 08.02. Para ele, somos seres naturalmente afetivos, nosso corpo é diretamente afetado por outros corpos e afeta tantos outros. Esse afeto ou sentimento é, portanto, constitutivo de nosso corpo e de nossa alma: a) Aristóteles c) Baruch Spinoza e) Platão b) Immanuel Kant d) Descartes 08.03. Na parte I da Ética, o filósofo holandês Spinoza afirma que Deus-Natureza é um todo substancial indivisível, incau- sado, sendo que fora dele nada existe e tudo o que existe é parte dele, e que tudo é trazido para o Ser necessariamente, através das leis da Natureza. Neste sentido, ele defende uma tese: a) agnóstica; b) baseada no ateísmo brando; c) baseada no ateísmo radical; d) não metafísica; e) panteísmo. 08.04. O corpo não afeta o espírito nem este àquele. Ambos, porém, são manifestações de uma única e mesma realidade universal, Deus. A árvore é um atributo de Deus; o pensamen- to que nos ocorre neste momento é um atributo de Deus. Tudo o que acontece no corpo, acontece também no espírito. É o que se chama paralelismo psicológico, isto é, o corpo e o espírito são sempre paralelos, pois constituem dois aspectos de uma só e mesma realidade. No homem o espírito percebe os seus próprios atos, é consciente. Quer dizer, a substância do espírito é mais complexa do que a substância do corpo, embora todas façam parte de uma única substância. Com essa ideia, Spinoza quer dizer: a) que as coisas do mundo e do espírito são excludentes; b) que é possível um caminho lógico para o ateísmo; c) que Deus é um entidade externa e independente da realidade; d) que o espírito não tem relação com o corpo; e) que corpo, alma, mundo e Deus são partes de uma única realidade. 08.05. A noção imanente de que Deus está em todas as coisas e que todas as coisas são apenas parte de uma única realidade, que é o próprio Deus é característica da filosofia de: a) Santo Agostinho b) Santo Tomás de Aquino c) Platão d) Spinoza e) Descartes 12 Semiextensivo 08.06. Por meio do conceito de natureza naturante, Spinoza está se referindo a) às causas das consequências; b) a Deus; c) aos objetos criados pelo homem; d) à natureza viva; e) ao próprio Homem. Aperfeiçoamento 08.07. O panteísmo é a crença de que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente e imanente, ou que o Universo (ou a Natureza) e Deus são idênticos. Sendo assim, os adeptos dessa posição, os panteístas, não acreditam num deus pessoal, antropomórfico ou criador. A palavra é derivada do grego pan (que significa “tudo”) e theos (que significa “deus”). Embora existam divergências dentro do panteísmo, as ideias centrais dizem que deus é encontrado em todo o Cosmos como uma unidade abrangente. Assinale a alternativa abaixo que apresenta um filósofo que defende a tese apresentada no texto. a) Platão b) Santo Agostinho c) Descartes d) Hobbes e) Spinoza 08.08. Leia o texto que segue: “Ou Deus existe ou não existe. Mas qual das alternativas devemos escolher? A razão não pode determinar nada: existe um infinito caos a nos dividir. No ponto extremo desta distância infinita, uma moeda está sendo girada e terminará por cair como cara ou coroa. Em que você aposta? (…) Não se pode provar que Deus existe. Mas se Deus existe, o crente ganha tudo (céu) e o descrente perde tudo (inferno). Se Deus não existe, o crente nada perde e o descrente nada ganha. Portanto, há tudo a ganhar e nada a perder ao acreditar em Deus.” Blaise Pascal, Pensamentos (edição póstuma, 1844). Este raciocínio de Blaise Pascal ficou conhecido na história do pensamento filosófico como: a) dúvida metódica; b) método indutivo; c) redução ao infinito; d) dúvida hiperbólica; e) aposta de Pascal. 08.09. “A Natureza inteira é um só indivíduo cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo na sua totalidade.” Com este conceito, Spinoza quer dizer a) que todas as coisas fazem parte de uma única realidade; b) que todas as coisas estão subordinadas a uma divindade centralizadora; c) que todas as coisas são idênticas entre si; d) que os indivíduos são formados pelas mesmas parcelas da natureza; e) que a natureza e os indivíduos se distinguem pela origem divina. 08.10. Ao contrapor a concepção mais comum de Deus e assumir a ideia de que Deus é a única substância existente, e que este Deus não é transcendente, como é o Deus cristão, por exemplo, Spinoza acaba ao mesmo tempo em que rompe com uma concepção mais aceita e compreendida, criando um siste- ma que se baseia em um monismo natural, e que atribui a uma natureza comum e única, não só o conceito de Deus em si, mas sua potência e força para existir, em outras palavras, esta única substância, além de Deus, é este mundo, ou seja, a natureza. A partir da leitura do texto podemos afirmar que Deus, segundo Spinoza: a) é contingente; c) transcendente; e) inexistente. b) imanente; d) intrascendente; 08.11. Deus para Spinoza é o único motivo da existência de todas as coisas. Deus é a substância única e nenhuma outra realidade existe fora de Deus. Ele é a fonte única e Dele surgem todos os outros elementos. Deus existe em si e foi gerado por si, para existir ele não necessita de nenhuma outra realidade. A essência de Deus pressupõe a sua existência. A substância divina é infinita e não é limitada por nenhuma outra, ela é a causa de todas as coisas existentes, que por consequência são manifestações de Deus. A partir desta noção, Espinoza propõem: a) um Deus transcendente; b) um Deus racional; c) um Deus contingente; d) um Deus empírico; e) um Deus imanente. 08.12. Assinale a alternativa que melhor apresenta a ideia de Imanência de Deus, segundo Spinoza. a) Deus e Natureza são nomes diferentes usados para se referir à mesma realidade, a saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. b) Deus está completamente além dos limites cosmológicos; c) Deus como princípio criador, uma autoconsciência que está externa ao mundo exercendocontrole sobre todas as coisas e sobre todas as criaturas. d) Deus como um ser externo ao mundo que criou o mundo da imanifesto. Aula 08 13Filosofia 4 Aprofundamento 08.13. Em sua obra filosófica, Spinoza: a) defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade; b) negou a possibilidade de o homem ter acesso às coisas de Deus; c) concordou com Aristóteles no conceito de substância; d) procurou separar a alma do corpo; e) negou a imanência de Deus. 08.14. “Desta guerra de todos os homens contra todos os ho- mens também isto é consequência: que nada pode ser injusto. As noções de certo e de errado, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. (...) A justiça e a injustiça não fazem parte das facul- dades do corpo ou do espírito.” (HOBBES. Leviatã. XIII) “Nós estabelecemos anteriormente que todas as coisas são determinadas e que na Natureza não há bem nem mal.” (ESPINOSA. Tratado breve. IV) Sobre a existência em si mesma ou não de noções éticas, pode-se dizer que Hobbes e Spinoza concordam que: a) existem em si mesmas e devem ser inteligidas, como tais, pelos homens. b) não existem em si mesmas e tampouco podem ser cons- truídas pelos homens. c) não sabemos se existem ou não, pois são inacessíveis ao intelecto humano. d) não existem em si mesmas, mas são construídas pelos homens. 08.15. Leia o fragmento: “É muito conhecida a célebre frase de Pascal, filósofo francês do século XVII: “O coração tem razões que a razão desconhece”. Nessa frase, as palavras razões e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas diversas. Razões são os motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração; este é o nome que damos para as emoções e paixões, enquanto “razão” é o nome que damos à consciência intelectual e moral”. (Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p.70). Uma vez que Pascal declara que a razão desconhece as razões do coração, é correto afirmar que a) a razão possui níveis diversos de manifestação. b) as paixões que dominam o homem não se tornam objeto à compreensão intelectual. c) as emoções movem o coração, enquanto que a razão é movida pela vontade de conhecer. d) há um conceito tradicional de razão que não estabelece nenhum vínculo relacional com o irracional. 08.16. Para Spinoza não existe uma finalidade para a exis- tência do homem e nem para a existência da natureza. Deus não criou as coisas para o uso dos homens, nem para agradá- -los nem para que os homens agradem a Deus. Pensar que Deus criou as coisas com algum objetivo, como o de que os homens lhe agradem, é o mesmo que dizer que Deus tem necessidade do agradecimento dos homens, e isso é tornar Deus imperfeito. Na natureza tudo é perfeito, pois tudo vem de Deus e é parte dele. Seguindo esse raciocínio, Spinoza: a) descarta a possibilidade da existência de milagres, pois se a natureza é divina e perfeita, qualquer mudança na natureza vai contra a perfeição divina. b) reconhece que Deus tem uma natureza diferente daque- las que compõem as criaturas do mundo. c) sugere que a natureza forma um mundo separado da- quele ocupado pelo próprio Deus. d) endossa a tese de Sto. Agostinho que propõem a salvação do homem pelo reconhecimento de sua obra na Terra. e) traz à discussão a antiga tese de Heráclito de que tudo no cosmos passa pela eterna mudança. 08.17. A “aposta” de Pascal é uma proposta argumentativa de filosofia apologética criada pelo filósofo, matemático e físico francês do século XVII Blaise Pascal. Ela postula que há mais a ser ganho pela suposição da existência de Deus do que pelo ateísmo, e que uma pessoa racional deveria pautar sua existência como se Deus existisse, mesmo que a veracidade da questão não possa ser conhecida de fato. A partir disto, podemos concluir, segundo a filosofia de Pascal, que a única alternativa falsa é: a) se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito; b) se você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita; c) se você não acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito; d) se você não acredita em Deus e estiver errado, você terá um ganho infinito. 08.18. Leia o texto que segue: “Ou Deus existe ou não existe. Mas qual das alternativas devemos escolher? A razão não pode determinar nada: existe um infinito caos a nos dividir. No ponto extremo desta distância infinita, uma moeda está sendo girada e terminará por cair como cara ou coroa. Em que você aposta? (…) Não se pode provar que Deus existe. Mas se Deus existe, o crente ganha tudo (céu) e o descrente perde tudo (inferno). Se Deus não existe, o crente nada perde e o descrente nada ganha. Portanto, há tudo a ganhar e nada a perder ao acreditar em Deus.” Blaise Pascal, Pensamentos (edição póstuma, 1844). 14 Semiextensivo A afirmações que seguem podem ou não serem possibilida- des possíveis da famosa Aposta de Pascal: I. Se apostarmos na existência de Deus e ganharmos, isto é, se Deus existir, ganhamos a vida eterna – um excelente prêmio. O que perdemos se apostarmos nesta opção e verificarmos que Deus não existe não é muito, se com- pararmos com a possibilidade da vida eterna: podemos perder alguns prazeres mundanos, perder muitas horas a rezar e viver as nossas vidas debaixo de uma ilusão. II. Se apostarmos na opção da inexistência de Deus e ga- nharmos, isto é, se Deus não existir, viveremos uma vida sem ilusão e teremos a liberdade de gozar os prazeres desta vida sem medo do castigo divino. III. Se apostarmos na inexistência de Deus, e perdermos, isto é, se Deus existir, perdemos pelo menos a possibilidade da vida eterna e podemos mesmo correr o risco da con- denação eterna. IV. Se apostarmos na existência de Deus e não tivermos razão, não estaremos em posição de perder tanto quanto estaríamos se escolhêssemos acreditar na inexistência de Deus e não tivéssemos razão. V. Se quisermos maximizar os nossos ganhos possíveis e minimizar as nossas perdas possíveis, devemos acreditar na existência de Deus. São possibilidades válidas para a Aposta de Pascal as afir- mações: a) I, II,III e V somente; b) III e V somente; c) nenhuma das afirmações; d) todas as afirmações; e) I, III, IV e V somente. Discursivos 08.19. Por que razão acha Pascal que só nos resta apostar de modo a justificar a crença em Deus? 08.01. b 08.02. c 08.03. e 08.04. e 08.05. d 08.06. b 08.07. e 08.08. e 08.09. a 08.10. b 08.11. e 08.12. a 08.13. a 08.14. d 08.15. c 08.16. a 08.17. d 08.18. d 08.19. Pascal defendeu que, enquanto aposta- dores perante estas opções, a ação mais racional será acreditar que Deus existe. Assim, se tivermos razão, estaremos em posição de obter a vida eterna. Se apos- tarmos na existência de Deus e não tiver- mos razão, não estaremos em posição de perder tanto quanto estaríamos se escolhêssemos acreditar na inexistência de Deus e não tivéssemos razão. Logo, se queremos maximizar os nossos ganhos possíveis e minimizar as nossas perdas possíveis, devemos acreditar na existên- cia de Deus. Gabarito
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