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Alguns nomes, situações e informações que pudessem revelar as reais identidades dos personagens foram mudadas para a proteção de cada pessoa. Todos os eventos aconteceram à autora como descritos. MY FAT MAD TEENAGE DIARY Rae Earl Originalmente publicado em 2007 pela editora Hodder & Stoughton Todos os direitos reservados © Rae Earl 2007 Cópia virtual traduzida sem fins lucrativos Para O meu marido – por não ter me deixado queimar estes diários quando eu quis... Kevin Earl - por três décadas de um humor genial Mas acima de tudo Para a minha mãe – por não ter me deixado assistir Catástrofe Nuclear (1984) e pelas eternas palavras: “Você pode publicar o que quiser, se isso vai me fazer ganhar um fogão novo.” ESTE É MEU GORDO DIÁRIO LOUCO E ADOLESCENTE, Volume 1 – 1989 (N.T: introdução) É um título extremamente autoexplicativo, mas para que as coisas façam sentido, você precisa se situar melhor. E eu preciso avisá-lo – algumas dessas coisas são tão esquisitas quanto um episódio da série de TV Trisha. Quando eu conto às pessoas sobre a minha vida, parte disso parece mentira. Digo, a maioria das pessoas de 35 anos não tem uma mãe de 64 anos que é casada com um marroquino campeão de fisiculturismo 20 anos mais novo do que ela. A maioria das pessoas não tem uma mãe que tatuou na bunda uma foto do já mencionado fisiculturista. Eu tenho. Sendo assim, esse é o tipo de detalhe que você vai ter que aceitar. Na época em que escrevi estes diários eu era uma garota de 17 anos que frequentava uma escola particular e tinha acabado de receber alta de um hospital psiquiátrico. A escola particular foi cortesia de um sistema de bolsas escolares – Lincolnshire sempre esteve 50 anos mais atrasada do que o resto da Inglaterra, assim como sua política de educação. O hospital psiquiátrico? Cortesia de um enorme colapso nervoso. O mais engraçado foi que, no final dos anos 1980, os profissionais da saúde pareciam achar que seria uma boa ideia colocá-lo em um hospital psiquiátrico com adultos, com vista para campos e mais campos de tubérculos – quando todo mundo sabe que qualquer um enlouqueceria se fosse forçado a ficar olhando para couves-de-bruxelas e beterraba sacarina do brejo o dia todo. Então, eu ainda estava com a cabeça um pouco fora de mim, mas consegui terminar dissertações sobre a política estrangeira de Henrique VIII de Inglaterra, enquanto a segunda adolescência da minha mãe estava prestes a cair de cabeça dentro da minha própria juventude. A principal diferença entre nós era que ela estava fazendo sexo – e eu não. Em 1989, minha mãe ainda estava casada com seu segundo marido. Ele acabou descobrindo que era gay. (Cara nojento, mas com uma ótima coleção de vinis! Ninguém ouvia tanto os vinis europeus coloridos e importados dos anos 1970 como nós.) Ele morava fora do país lecionando Inglês em Marrocos. Como muitas mães e filhas adolescentes de antes ou de agora, nós vivíamos juntos numa atmosfera de quase completa antipatia mútua. Ela tinha grandes expectativas para o meu futuro e queria que eu fugisse da falta de oportunidades da nossa cidadezinha de Lincolnshire e evitasse a coisa que ela achava que causaria a maior de suas dores de cabeça – garotos. Ela estava certa em se preocupar. Sinceramente, para usar a termologia de final dos anos 1980, eu estava sedenta de vontade. Como boa parte das adolescentes, eu estava desesperada para perder minha virgindade. Contudo, eu já tinha um amante que me fazia parecer uma grávida e que fez questão de fazer com que eu nunca, nunca entrasse nas estatísticas de gravidez na adolescência: Comida. Não consigo lembrar quando foi que caí de amores pela comida. Acho que foi uma porção dos sorvetes violetas do Happy Shopper em 1981. Tomei um. Depois outro. Depois outro. Desde então, Comida e eu damos piruetas de felicidade uma com a outra durante quase todo tempo em que estou acordada. Em casa, comia algumas barrinhas de chocolate e pedaços de queijo cortados delicadamente mas consumidos aos montes. Já na escola, o problema entrava em acordo com as cozinheiras da cantina – elas sempre me amaram. Acho que elas viram na menina gorda a chance de criar uma aliança. Eu sempre tive um olhar de “me dê mais comida” - mesmo quando tinha pele de sobra explodindo pra fora das calças. A sra. Cozinheira da Escola Primária de São Jorge logo me viu como uma 'bochechuda' (o que na verdade significava ter 'bochechas gordas') e era uma mulher tão durona que era impossível conseguir entrar em acordos com ela – mas na terceira série ela já me dava milkshake de baunilha tamanho grande, mousse cor- de-rosa e “temac” (como chamavam creme de chocolate com flocos de arroz no final dos anos 1970). O Ensino Médio tinha ainda mais intensidade em relação aos alimentos – minha escola era tão chique que nós podíamos comer queijo e biscoito na sobremesa; então, em um dia comum, minhas refeições consistiam em um café da manhã inglês completo, depois um almoço de três pratos – entrada, prato principal e sobremesa – e, em casa, um jantar (algo cozido em fogo baixo, mas mesmo ensopados podem engordar quando você come um frango inteiro por noite). Tudo isso com uma adição de comer despretensiosamente qualquer coisa empacotada em uma embalagem brilhante que estivesse na minha frente. Com isso, aos 17 anos e com 1,62cm de altura, eu estava beirando os 92kg. E uma vez que você é assim tão gorda, o “fator foda-se” vem à tona. O fator foda-se significa que você sabe (mesmo sem a menor noção de nutrição) que vai demorar séculos para perder o excesso de peso, então simplesmente escolhe o caminho mais fácil ao mergulhar um pacote de salgadinhos em um pote de requeijão. Meninas acima do peso eram difíceis de se encontrar em 1989. Hoje em dia você vê crianças bochechudas em todo lugar, mas antes nós éramos raras. Tínhamos mais tortuosas aulas forçadas de Educação Física, menos direitos humanos, mais ar puro, mais calorias gastas e consequentemente menos carne flácida. Você realmente tinha que se esforçar para ser jovem e gorda nos anos 1980. Mas as meninas gordas estavam lá. Nós não aparecemos de repente com as porções tamanho grande do McDonald's. Você só não deve ter nos notado. Curiosamente, é muito fácil querer ser invisível quando você está 30kg acima do peso, comendo barrinhas de chocolate e entoando a Oração da Gorda: Por favor, que seja verdade que os homens secretamente desejam garotas como Alison Moyet e Dawn French... Por favor, faça com que a minha grande personalidade conte mais do que uma cintura fina espremida dentro de algo pequeno e sedutor... Por favor, permita que a minha beleza interior REALMENTE importe como a Oprah Winfrey diz que importa, e me permita crescer e ser como a Kylie Minogue... Para que algum garoto possa libertar minha ousadia interior esmagada debaixo destes quilos de carne... E por favor... Ah, por favor... Faça os salgadinhos sabor camarão dos salgadinhos terem zero de gordura. Amém. P.S: Até me parecer como a Dannii Minogue serve. Então, esta garotinha gorda já estava cansada, sozinha, presa em uma cidade pequena dos anos 1980 e cercada por um mar de magreza. Todos os dias eu transbordava em um ensopado de hormônios, frustração sexual, inveja e desejo; no entanto, como todas essas coisas estavam banidas de Lincolnshire até o final dos anos 1990, despejei tudo o que eu sentia em três cadernos supersecretos que eu usava na escola. Foi aí que o diário começou. Essas somos eu, minha mãe e a Comida. É janeiro de 1989 em Stamford e nós estamos vivendo com uma gata branca surda em uma casa de baixo custo financiada pelo governo, com um banheiro suíte cor verde menta e uma despensa cheia de guloseimas. É uma cidade pequena – ironicamente famosa por ser o local de sepultamento de um dos homens maisgordos da Inglaterra, Daniel Lambert. Não há celulares, nós temos medo dos russos, Charles e Diana ainda estão casados, o muro de Berlim ainda está de pé, Kylie Minogue não deve durar mais um ano nas paradas de sucesso e eu estou prestes a começar um diário que vai me acompanhar no Ensino Médio e além. Tudo o que eu escrevi é verdade. Mudei o nome de algumas pessoas, mas todas elas existiram. (Uma pessoa é na verdade a mistura de três pessoas: Bethany – ela é três garotas em uma. Nunca há somente uma vaca em um diário gordo e louco da vida de uma adolescente). Apenas tomei alguma liberdade poética, mas tudo aconteceu. Com todas as palavras. Decidiu compartilhar porque esses dias me fazem rir – e porque eu ainda vejo gordas sendo rotuladas como “engraçadas e com uma personalidade legal”. E acho que quero dizer a elas (e a todo mundo) que no final está tudo bem. Você pode ser gorda, maluca e virgem aos 17 anos – e as coisas ainda podem ficar bem. O volume 1 começa na terça-feira, 24 de janeiro, 1989. Terça-feira, 24.01.89 Estou com essa vontade louca de começar um diário de novo. Eu não sei o que é, mas acho que as coisas estão desatualizadas. Faz quase dois anos desde que escrevi no meu diário anterior pela última vez. Céus, escrevi a maior bobagem de todas – uma MERDA! (pra ser bem clara.). Para falar a verdade, penso em queimar aquele diário. Já não é divertido e não presta mais, então estou lendo e guardando em caixas. Bom, o que aconteceu nos últimos dias? Urmm... ● Coleção de discos bastante impressionante. Já somam mais de 1.000 discos, graças à venda recorde feita a cada três meses em que um cara vende discos de antigas jukeboxes por uma pechincha. Metade dos discos estão arranhados – minha cópia de 'China in Your Hand' da T'Paul dura menos de um minuto – mas quem se importa? ● Tive uma onda de fraqueza por falta de nutrientes. Tá, fui idiota. Acabei na ala psiquiátrica 4 do Hospital Edith Cavell no fim de semana – quebra-cabeças, purê de batata e exercícios em grupo. Eu precisava sair de lá, então menti que me sentia melhor. Sei que algumas das coisas que penso e faço são erradas pra caramba, mas nunca mais cometerei o erro de dizer a alguém o que realmente se passa na minha cabeça. Não quero voltar a ficar trancada em um quarto marrom com um rádio descarregado e 58 cópias de revistas de saúde e nutrição – foi tão ruim quanto parece. ● Tenho “problemas femininos”, mas eles continuam desproporcionais à minha idade. Eles dizem a mesma coisa para minha mãe e ela está quase na menopausa, o que significa que ainda tenho uns 30 anos disso. Que ótimo. ● Estou tendo quatro matérias avançadas. Inglês, Política, História e Artes Cênicas. ● Chloe está grávida! Dá pra acreditar? Ela precisou parar de estudar e tudo o mais. Ela me contou no banheiro da escola, sentada no parapeito da janela e comendo uma barrinha de chocolate, como se fosse a coisa mais normal do mundo. ● Estou gorda – realmente gorda. Estou mais gorda que a Chloe e é ela quem está grávida. ● O cara da dupla Soft Cell gravou uma música com o Gene Pitney!!! Ele é tão velho que até minha avó gosta dele!! Isso prova que tudo está indo mesmo pra merda. Eu me sinto tão estranha! Talvez eu devesse esperar até chegar na segunda página. Ah, quero ser amada. Isso é TÃO CAFONA, não é?! Mas só quero ser amada por um cara que ME ame! Quero me sentir especial, sabe? Quase me sinto culpada por me sentir assim. Todas as noites sonho com isso. Apenas alguém especial. Eu ainda seria a mesma, mas sou feia e gorda e não gosto de baladas e festas em que todos ficam bêbados e acabam vomitando. Só desejo ir pra cama com um cara. Não é do meu costume dizer isso, mas é como me sinto! Quero fazer. Eu quero ser amada. 23h50 Acabei de terminar de ler aquele maldito livro, Paraíso Perdido, para a escola. Como eu odeio aquele livro. E tive uma briga enorme com a minha mãe sobre alguma coisa desimportante, como sempre. Ela coloca a música 'The Logical Song' da banda Supertramp e fica sentada lá com cara de miséria. É muito difícil se concentrar no livro do John Milton quando o vocalista do Supertramp fica se lamentando sobre ser um vegetal e se perguntando quem ele é. Ela se senta lá toda triste como se fosse a única pessoa que tivesse problemas. A vida dela é uma droga – se resume a ler revistas de dietas e a gritar comigo. Eu sei que ela já morou em uma casa de adoção quando era criança, mas fala sério – era mais ou menos 1952 quando isso aconteceu. Não sinto nada – estou confusa, irritada, brava, mas não depressiva. Eu tinha preparado várias coisas profundas para escrever, mas naturalmente essas coisas perdem o sentido quando você começa a de fato escrevê-las. Não queria ter que dizer isso – não quero estragar meu diário logo na segunda página – mas sei o que precisa ser feito e conseguirei me vingar de todas as pessoas que me deixaram pra baixo e me diminuíram. Acabei de assistir 'Dirty Dancing – Ritmo Quente' (1987) outra vez e é como Patrick Swayze diz: “Ninguém deixa a Baby num canto”; bom, NINGUÉM vai deixar a Rae num canto. Vou fazer as meninas bonitas pagarem. Quarta-feira, 25.01.89 19h Acabo de reler o que escrevi ontem. E já acho que foi patético – que começo brilhante. Ah, o dia hoje foi meio bosta. Adivinha sobre qual livro da literatura inglesa eu tive que escrever? Paraíso Perdido. Só escrevi coisa sem sentido. Nem entendi uma das perguntas: “Milton é um apologista cristão. Discorra.”. Fui para a segunda pergunta: “A linguagem de Milton é como música tocada por um órgão. Discorra.”. Escrevi bobagem por todos os quatro cantos da folha A4. Mas todos os problemas da escola ficaram insignificantes assim que os problemas da Megan vieram à tona. Megan tem estado doente por ficar sem comer há tempos. Agora, ela começou a tomar laxante. Foi direto para o banheiro assim que terminou de comer uma barrinha de chocolate. Eu fui ver se ela estava fazendo aquela coisa dos dois-dedos-na-garganta. E, sim, ela estava. Hora do almoço – comi um pedaço de carne assada gigante e Megan comeu salada. Quando todos da mesa foram embora, eu e Megan começamos a conversar. Ela falou: “Me sinto cheia”, e eu disse: “Estou até surpresa, já que você esvaziou o estômago durante o intervalo.”. Enfim, nós voltamos para a sala e ela caiu no choro. Dei uma lição nela, etc., etc. Ah, minha mãe está me chamando para jantar – Volto logo. 21h40 Ensopado de linguiça e mousse quase não dão conta – meu cérebro precisa de mais para conseguir escrever uma dissertação sobre Tomás Cardeal Wolsey. Enfim, Megan foi fazer uma prova de Inglês, mas foi para casa uns cinco minutos depois. É engraçado – eu continuava me sentindo gorda e feia e hoje Megan também estava, e ainda assim eu MATARIA para ter a aparência que ela tem – garotos ainda seguem seu instinto mais primitivo e escolhem quem tem o rosto e o corpo mais bonitos, etc. Gostaria de perder peso, mas não queria que isso virasse uma obsessão. Quando você assiste aquelas coisas sobre guerras africanas e desnutrição e tal, você pensa: “Tenho uma cama decente, tenho comida,” e depois: “Para de reclamar! Eles são gente de verdade, e como eu me sentiria?” Mas presenciar a desnutrição não faz você parar de querer sexo e a fantasiar com o George Michael. Se fizesse, eu teria parado de ter esses pensamentos depois que o supergrupo Band Aid apareceu, em 1984. Amanhã vou até o hospital para tratar do meu período menstrual irregular. Não acredito que Kylie e Jason ainda estão no topo das paradas – trágico pra caramba. As pessoas da escola falam mal da música que eles gravaram juntos, mas particularmente adoro aquele dueto. Eles disseram que não estão namorando – mas estão sim. Você pode ver isso pelo jeito que eles se olham. Só digo uma coisa – se a Kylie não quiser o Jason,eu quero. Quinta-feira, 26.01.89 23h10 Fui ao hospital hoje. O médico que geralmente me atende não estava lá. Fiquei contente com isso, sabendo que ele estudou na mesma escola que o meu pai. Sei que essas pessoas assinam um contrato de confidencialidade ou sei lá o quê, mas não acredito nem um pouco que ele não mencionaria para o meu pai que me atendeu quando o encontrasse fora de daqui. Não quero que as pessoas saibam que já tenho o útero de uma mulher de meia idade. Enfim, a médica que me atendeu basicamente me disse: “Remarque outra consulta para daqui a quatro meses.”. E fui atendida bem na hora marcada, então nem perdi a aula, o que é uma pena. Ela disse que eu precisava me exercitar mais, mas você acha mesmo que faço Educação Física na escola? Claro que não – jogo netball nas férias, mas tirando isso sempre invento alguma desculpa e fico de fora junto aos asmáticos. Ela também me lembrou que Ponstan (é o remédio que eu tomo) é um analgésico e não um anticoncepcional (“para referências futuras”), e me aconselhou a perder peso, já que estou “bem acima do peso.” Por que eles sempre acham que toda garota com menos de 19 anos é uma assanhada escandalosa? Sei que muitas pessoas são, mas é muito irritante quando você está desesperada para transar e ir à farmácia às escondidas para comprar preservativos e testes de gravidez e mijar nos palitinhos desses mesmos testes – MAS VOCÊ É GORDA DEMAIS! SALA DE ESPERA DO HOSPITAL DE STAMFORD Infértil Trombas ligadas Chás das senhoras da Cruz Vermelha em porcelana chinesa Incontáveis cópias de revistas de velha Ela diz que sou gorda Ela passou sete anos fazendo faculdade para conseguir Resolver problemas dos ovários das mulheres Desejando que o meu tivesse a chance de ter um problema causado por qualquer atividade sexual com homens Mas a única atividade que meus ovários tiveram foi a da ecografia Para checar se o médico deixou passar despercebido Um cisto. Aparentemente Megan vai pedir ajuda médica para conseguir perceber que não é gorda e que é tudo coisa da cabeça dela. Estou feliz que tenha gente cuidando dela, mas isso é horrível. Eu só queria que o fato de eu ser gorda também fosse coisa da minha cabeça. Mas minhas roupas que parecem uma tenda e meus tops esportivos enormes provam que não é. Amanhã vou ao cinema com a Bethany. Aliás, no parque do fumo (onde a Bethany vai para fumar escondido), desabafei com ela. Disse que estava cansada de ver pessoas namorando enquanto eu continuava sozinha, que não aguentava mais ser gorda e que estava COMPLETAMENTE cheia de ficar só na amizade com os rapazes. Isso abriu espaço para uma inundação de lição de moral. A primeira coisa que ela disse foi: “Já viu o jeito que você come? Você come como uma porca!”, e continuou: “Garotos não gostam de gordas, porque elas os constrangem na frente dos amigos – eles ficam enojados de um jeito nada legal.” E, então, ela me aconselhou a comer menos e a fazer academia para melhorar minha bunda e minha barriga. Acho que ela me viu levantando, porque tentou me fazer sentir melhor ao dizer: “Só estou falando a verdade. Não quer que eu minta para você, quer?”. Caí no choro assim que voltei para o meu quarto. O que faz as pessoas acharem que é normal dizer esse tipo de coisa de mim? Comi um bolo, mas continuei pensando: “Fico imaginando como deve ser o jeito que como. Eu me pergunto se pareço mesmo uma porca comendo.” Comi o bolo na frente do espelho da sala de jantar. Sim, parece que sou a porca mais gorda do mundo. Minha mãe me flagrou comendo na frente do espelho e perguntou se eu era tão vaidosa que tinha que ficar me vendo comer. Mas eu nem disse nada. Não vou me dar ao trabalho de explicar. Nada que ela dissesse me faria sentir melhor. Ninguém poderia. Minha amizade com a Bethany é estranha, sabe, só sou amiga dela porque ela era tímida e parecia precisar de amigos. E o pai dela era o presidente de uma empresa enorme e pelo que ela me disse não deu muita atenção a ela. Fiquei com pena. Sei lá. Liguei para a Mort – ela disse que Bethany é só uma piranha, perguntou por que eu ainda não tinha parado de falar com ela e ainda disse que a Bethany vivia em uma bolha e era uma mimada. Amo a Mort – queria que ela morasse mais perto. Detesto ter que dizer isso, mas isso é tão comum na minha vida... Minha melhor amiga vive em uma vila a 45 minutos de distância, com um banheiro que ela não precisa dividir. Aqui nem sei se tenho uma toalha só minha. Mas Bethany tem razão – eu preciso mesmo começar a me exercitar. Farei uma longa caminhada amanhã nos campos próximos ao Supermercado do Arco-Íris. Estou exausta demais para continuar escrevendo. Amanhã continuo, a não ser que eu fique mais entediada agora à noite e queira rabiscar mais alguma coisa, o que é bem possível. Não consigo dormir no momento. Fico comendo biscoitos de chocolate ao leite por tonelada, mas nem isso me ajuda a pegar no sono. Sexta-feira, 27.01.89 mas tecnicamente já é sábado, 28.01.89 00h19 (acabei de chegar) Tem um boato ridículo sendo espalhado na escola. Aparentemente, The Smiths vão fazer uma apresentação surpresa em Peterborough domingo à noite. Eu disse: “Que mentira – todo mundo sabe que eles se separaram há mais de um ano, e, afinal, por que diabos eles escolheriam tocar em Peterborough?”. As pessoas estão dizendo que eles escolherem essa cidade porque ninguém esperaria que eles fossem tocar no brejo, e isso faria com que a imprensa ficasse tentando adivinhar onde seria feita essa apresentação, sem sorte. Nós vasculhamos a revista NME na sala do intervalo – não tinha nada sobre isso. É mentira. A única coisa que você verá em Peterborough esse ano é a peça Aladdin no Key Theatre. E as chances de o Morrissey sair da lâmpada mágica são maiores do que os Smiths tocarem em Peterborough. Ainda assim, todos estão dizendo que vão até lá. Vou precisar implorar pra minha mãe me dar £12 para comprar o ingresso. A saída ao cinema foi cancelada. Em vez disso – ME EXERCITEI!!!! Fui caminhar. Uns caras da rua em um carro cor de cereja buzinaram, colocaram a cabeça para fora da janela, gritaram alguma coisa e aceleraram. Eles provavelmente disseram algo terrível, mas a parte boa de ter Suzanne Vega no volume máximo do seu walkman é que você não ouve o que os babacas estão dizendo. Caminhei por cerca de 20 minutos – quando a fita da música começou a falhar naquele maldito walkman, voltei para casa. Não notei nada diferente na minha aparência, e minha calça não estava menos apertada. Mas é um começo, e eu amo os campos – não tem ninguém lá para tirar com a sua cara. Depois, Bethany e eu fomos ao bar Sepultura. Ela conhece alguns dos caras da escola para garotos, então, sim, estou usando ela. A maior surpresa que tive lá foi conhecer algumas pessoas interessantes que estavam falando sobre a apresentação secreta do The Smiths (QUE NÃO VAI ACONTECER) E EU NÃO FUI CHAMADA DE GORDA NEM UMA VEZ. Brilhante!! Sábado, 28.01.89 EXERCÍCIO! Peguei emprestado da mãe da Bethany o disco 'Shape Up and Dance', do Peter Powell. É antigo e tem umas versões de outras músicas regravadas bem escrotas, mas gosto do Peter Powell. Bom, eu costumava gostar de ouvi-lo na Rádio 1, mas depois de fazer tanto exercício perdi toda a vontade. É sádico!! No refrão ele começa a cantar: “Chute de esquerda, chute de direita, chute de esquerda, chute de direita” muito rápido. É muito difícil dançar na sala de estar e ao mesmo tempo evitar esbarrar nos enfeites decorativos da minha mãe, mesmo se eu estivesse fazendo um favor a ela se acidentalmente quebrasse um daqueles cavalinhos de porcelana ridículos. Eu estava pulando feito louca quando esbarrei nos cavalinhos. Ficaram com rachaduras enormes. Vou simplesmente colocá-los de volta no lugar e esperar queela não perceba. Ao que me parece, a música 'Shape Up and Dance', da Lulu, é muito mais calma, então vou tentar essa versão. É claro que, estando velha, é provável que a Lulu tenha reumatismo hoje em dia. Estou indo até o Sepultura. Catei duas libras jogadas no chão do antigo quarto do meu irmão. Vou comprar cidra, se eles não pedirem minha identidade – ainda parece que sou alguém de 12 anos numa versão tamanho grande. Se eu passasse maquiagem isso certamente funcionaria melhor, mas toda vez que tento usar um batom fico parecendo o palhaço Bozo. Domingo, 29.01.89 21h e alguns minutos EXERCÍCIO. ARREBENTA. Eles me serviram mesmo!! Apesar de o proprietário ter perguntado minha idade duas vezes. Pedi meia cidra para não extrapolar. Minha mãe ficaria furiosa se soubesse – ela se cagou na vez em que tomei champanhe em um casamento. Noite passada eu vou te contar – é por isso que eu amo a Bethany – que ela conhece tantos caras que chega a ser inacreditável. Eles a cercam. Mesmo que ela seja uma vaca, esse é o melhor jeito que encontrei de conhecer garotos. Passei a maior parte da noite com Harry e Luke, que me apresentaram para vários outros garotos da escola para garotos. Harry é fofo, estiloso, tímido e ri de quase tudo o que eu digo. Não consigo dizer se ele ri de nervoso ou porque me acha engraçada. Luke é magro como um poste e sarcástico pra caralho – ele levou Bethany para casa (apenas como amigos – ele tem namorada). Ninguém se ofereceu para me levar até em casa, então só dei um sumiço e fui para casa caminhando. No caminho comprei uma porção de batatas fritas coberta com a casquinha de fritura da batata. Sim, elas não são nada além de massa frita com óleo, mas dane-se. Fiz mais exercício na semana passado do que nos últimos anos juntos. Todos estavam usando camisetas do álbum 'The Queen is Dead', e tinha bastante gente indo àquela apresentação do The Smiths (QUE NÃO VAI ACONTECER). Minha mãe se recusou a me dar £12 para o ingresso, só para o caso da história ser verdadeira, o que mostra que ela não sabe nada sobre música e não se importa comigo. Nunca fui a um show na vida. Argh! 'The Final' – ela não deu permissão. Howard Jones – disse que eu era muito jovem. Eu até perdi o festival Live Aid porque nós tivemos que voar para Marrocos para estar com o marido dela no dia seguinte. Ela ainda diz: “Bom, pelo menos você encontrou o bailarino Wayne Sleep no avião, e ele disse que aquele era um dia fabuloso.” Como se encontrar Wayne Sleep compensasse ter perdido o maior festival de rock da história da música. Se todo mundo for à escola amanhã segurando flores e falando sobre a noite que os Smiths voltaram a tocar, eu vou embora daqui! Segunda-feira, 30.01.89 HÁ! HÁ! EU AVISEI!!! É impagável. Todo mundo viajou para ver os Smiths ontem à noite e pagou £12. E, sim, os Smiths tocaram – A FAMÍLIA SMITH! – eles são uma banda country!!!! Perguntei à Daisy quando foi que eles perceberam que os Smiths não tocariam. Ela respondeu que foi quando cantaram 'All Around My Hat', da banda Steeleye Span. As pessoas não acharam que eles teriam uma banda de abertura que tocaria isso. Então, olharam para o nome da banda e juntaram dois mais dois. E para cutucar mais a ferida, um dos membros da Família Smith disse: “É incrível ver tantos jovens aqui hoje!” Eu me sinto tão presunçosa que não deu pra acreditar. Até onde sei um protesto aconteceu. Não estou surpresa. Todos sabem que a maioria das pessoas que gosta de música folclórica come cogumelo, mora em um barracão e não toma banho. Aposto que o lugar estava fedendo!! Levei o diário para a escola hoje e Bethany anunciou para todos na sala do intervalo que eu o tinha comigo. Ela o pegou da minha mochila e ele saltou para longe como uma bola de netball, até que recuperá-lo. Ela ficou dizendo coisas como: “Aposto que não tem quase nada interessante aí... sem sexo... Com quem você fantasia, Rae?” Todas riram. Bando de vaca. Eu já sei que minha vida é desinteressante e não tem tanto homem na minha cama quanto tem na delas. Bethany é geralmente agradável quando somos só nós duas, mas quando estamos em público ela me zoa o tempo TODO. É como se eu fosse o saco de pancadas dela. Estou FARTA. O problema é encontrar um lugar para guardar esse diário. Não é seguro deixá-lo em casa e não é seguro deixá-lo no meu armário da escola. É um diário novo, mas já tem tanta merda escrita que eu morreria se alguém lesse. Vou só colocá-lo debaixo do colchão e esperar que ninguém encontre. Não tenho NENHUMA privacidade – não tem nenhum lugar para ir no Estado Fascista da Minha Mãe. ELA ainda abre a porta do banheiro quando estou no banho para perguntar se preciso de ajudar para me lavar – especialmente (e ela sempre sussurra essa parte) “minhas partes íntimas” Ela me dá nos nervos. DIZ LOGO, MULHER!! Ela não consegue nem chamar absorventes de absorventes. Ela chama absorventes de COELHINHOS!! É como se nós estivéssemos nos anos 1950 nessa casa. Sem exercícios hoje. Assisti Alien (1979) no vídeo cassete e me borrei de medo da cabeça aos pés. Sem chance de eu sair pra caminhar sabendo que pode ter um monstro arrancador de tripas por aí. Terça-feira, 31.1.89 Está tarde Eu tenho 17 anos, ganhei uma quantidade significante de independência e está na hora de reivindicar isso. Na volta da escola, comprei um cadeado autoadesivo baratinho. Ele tinha um tipo de adesivo enorme atrás, então não precisava de perfuração. Coloquei na porta do meu quarto antes da minha mãe chegar em casa. Não percebi quando ela chegou, porque estava tocando a todo volume 'Cuddly Toy', do Roachford (música INCRÍVEL). Não demorou até ela tentar entrar no quarto. HÁ!!!! Ela não conseguiu e ficou PUTA – ACABOU FORÇANDO A PORTA E QUEBRANDO O CADEADO. O mesmo discurso de sempre: “Você costumava ser tão dócil... Quando você começar a pagar diárias de hotel, você também vai poder tratar a minha casa como se fosse um hotel.... Quem você acha que é...?” E finalmente a frase mais clássica: “NÃO SE PREOCUPE, EU NÃO QUERO LER ESSAS BOBAGENS ADOLESCENTES QUE VOCÊ ESCREVE.” Eu disse: “AH, ENTÃO VOCÊ SABE QUE TENHO UM DIÁRIO!” Ela saiu e colocou seu disco dos Kenny Ball & His Jazzmen para tocar. Tenho amigos que têm seus próprios closets, ganham dinheiro para comprar roupas e têm um video cassete só para eles. Tudo o que eu quero é um pouco de privacidade. Ela tem sorte de me ter. Nem preciso de muito. Nunca pedi para ir esquiar. E, ao contrário da maioria das garotas, eu não exijo ter cosméticos caros ou fazer uma escova nos cabelos. Quarta-feira, 1º.02.89 18h17 Babado na escola hoje! Daisy levou advertência por escrever “Satã” em vez de “Saturno” numa redação. E olha que ela quer estudar na Cambridge. Boa sorte, queridinha!! Vou ao bar – escrevo mais depois. 23h09 Acabei de voltar do bar. Tomei uma coca-cola diet e NADA DE BATATINHAS!! Sinto tanto orgulho de mim mesma. Não me entenda mal, mas agora estou oficialmente faminta. Os garotos da escola para garotos estavam no bar. Harry estava lá vestindo um casaco de camurça marrom e calças jeans – ficou parecendo brega e anos 1970 nele, mas, mesmo assim, ficou ótimo. Nós estávamos falando sobre coisas da escola e matérias avançadas – ele está tendo basicamente as mesmas matérias que eu. Harry ainda parecia me achar engraçada, e eu percebi isso porque até agora é tudo o que consegui dele, até que eu melhore meu corpo. Se eu puder fazê- lo se apaixonar por mim, então, talvez, eu tenha uma chance. Ele me comprou uma bebida – a qual aceitei com prazer, porque só tinha levado uns trocados para comprar refrigerante e seria estranho beber só um copo a noite toda. Não quero criar muitas expectativas, mas acho que estou começando a gostar dele. Não sei direito como me sinto. Não acho que ele faça meu tipo, mas... Sim, eu sei sim como me sinto.Sinto que quero ir pra cama com ele. Quinta-feira, 02.02.89 Para compensar os últimos dias sedentários, vou tentar sair e praticar algum esporte. Não sei nem por que me dou ao trabalho. É claro que eu era sempre escolhida por último para entrar no time de netball pelas minhas SUPOSTAS amigas. “Foi mal, Rae. Você joga muito mal.” Digo, elas estavam certas e tudo mais, mas quando elas não me escolhiam eu tinha que ser a goleira – a posição mais chata do netball. Eu faço mais exercícios fugindo da professora de Educação Física e tentando encontrar esconderijos na escola. No final da partida, a professora Vaca-Sarcástica dizia: “Obrigada por aparecer, Rachel.” Foi a última vez que fui até lá. Voltei para a sala do intervalo e belisquei uma barrinha de chocolate. Todos sabem como os garotos funcionam e qual é o melhor momento para perder a virgindade. Qualquer momento serviria para mim. 22h43 Esse último trecho não é verdade. Tenho que perder a virgindade com alguém que eu gosto. Como Harry. Quem estou querendo enganar? Eu gosto do Harry. Loucamente. Sexta-feira, 03.02.89 Comemos peixe com batatas fritas e, depois, fomos fazer compras. Vi a Bethany tentar se decidir entre roupas tamanho 38, tamanho 40 e por fim voltar ao tamanho 38. Não tem nada maior que 46, então não faria sentido tentar experimentar. Bethany ficou choramingando e dizendo: “Sou tão gorda, tão gorda”, enquanto apertava seus pneuzinhos imaginários. É claro que eu disse que ela era mesmo magra, mas ela acabou comprando só uma blusinha justa com um símbolo alemão desconhecido estampado e uma calça jeans tamanho 38. Todos da escola concordaram que aquela calça jeans ficaria ótima quando ela fosse usá-la pela cidade. E, não, eu não me exercitei. Não é como se isso fosse me fazer ficar magra do dia pra noite. Exercícios não vão me ajudar a arranjar um namorado nesse exato momento. Prefiro afundar minha cara numa pizza e tentar me convencer de que vou começar de novo na segunda-feira, sem enrolação. Não fui ao bar. Ninguém vai notar que não fui, e Bethany estará lá parecendo uma moldura naqueles jeans tamanho 38 e os garotos estarão lá encarando a bunda dela. Incluindo o Harry. Preciso ver pelo lado bom. Talvez ser tão grande assim possa me ajudar. Não tem fotos minhas usando minissaias cafonas e coisas do tipo. Afinal, eu não conseguiria entrar nelas, então nem as uso. Pelo menos ter esse tamanho todo me salvou de vestir roupas ridículas – exceto as tiaras com antenas coloridas e as tampinhas de garrafa colecionáveis penduradas no meu coturno. Sábado, 04.02.89 23h37 Hoje tive o pior dia dessa que já é uma droga desde muito, muito tempo. Pensei que o plano fosse ir para a nova Piscina Recreativa de Stamford. Minha mãe tinha me comprado um maiô novo do supermercado – com listras brancas e vermelhas. Alguns garotos me chamaram de gorda e outras coisas quando entrei na piscina, mas isso acontece todos os dias. Até que Bethany disse: “Vamos descer naquele toboágua amarelo” Na hora pareceu uma boa ideia – mas fiquei entalada na metade. Todos estavam se acabando de rir, e um cara disse: “Não devia ter ficado tão gorda.” Finalmente consegui terminar a descida – caí na piscina e percebi que parte do meu maiô era transparente. Voltei para casa e fui deitar lá pelas seis da tarde. Estou aqui desde então. EU ODEIO ESSA VIDA E ODEIO PISCINAS RECREATIVAS. Domingo, 05.02.89 10h21 Ainda me torturando mentalmente pelo que aconteceu ontem, mas me sinto melhor depois de uma boa noite de sono. Continuo morta de vergonha, lembrando de toda aquela gente que me viu em um estado de... bom... em mau estado. E eu odeio imaginar que as pessoas foram para casa e comentaram o que aconteceu e que hoje eu já sou, tipo, uma grande piada enquanto eles estão à mesa comendo o pão do assado de domingo. Isso só me faz querer chorar e chorar. VACA GORDA. VACA GORDA. VACA GORDA. Uma coisa: tirando a Bethany, pelo menos ninguém que eu conhecia estava lá. Minha mãe sabia que eu estava chateada – tive um café da manhã repleto de fritura hoje pela manhã. Dois ovos e linguiças. Que se danem os exercícios agora. Eu vou começá-los quando eu estiver magra. 20h40 Eu só queria ser amada. Eu queria que alguém deitasse comigo aqui e mandasse toda essas porcarias na minha cabeça para longe. Segunda-feira, 06.02.89 22h01 PREVISÍVEL. PREVISÍVEL. PREVISÍVEL. É claro que a Bethany contou pra todo mundo da escola o que aconteceu. Ela contou de um jeito que me impediu de tirar satisfações com ela depois: “Ah, foi horrível o que aconteceu com a Rae no domingo.” Mas eu percebi a maldade, sua piranha. Foi uma boa história e a deixou popular por cinco minutos. Muita gente vindo até mim com suas simpatias, mas você sabe como é quando as pessoas fingem que estão chocadas e surpresas e que se importam, quando, na verdade, eles só eram saber os detalhes sórdidos. Quando Bethany contou a parte em que um cara disse: “Não devia ter ficado tão gorda”, todos ficaram meio que: “Ah, minha querida...”, mas você conseguia ver que 99% deles estavam pensando: “Pobre vaca gorducha. Ainda bem que não foi comigo.” Teria sido a fofoca do dia, mas por sorte depois que saiu do bar no sábado à noite Florence Hunter aparentemente deixou o namorado gozar na cara dela num estacionamento de supermercado. Ela estava chorando na sala de estudos 3, convencida de que foi avistada por um policial. Todos estavam perguntando se era permitido por lei deixar um homem gozar na sua cara em público. Alguém meio lerdo comentou: “Não lembro de ter ouvido falar de uma lei sobre isso” Eu e Mort estávamos nos mijando de rir – é claro que é ilegal! Senão todo cara gozaria nas caras das pessoas em estacionamentos da Inglaterra. Mort salvou a minha vida hoje ao me deixar copiar a dissertação dela sobre Fernando e Isabel. Eu não consegui fazer qualquer lição de casa ontem à noite. Escrever sobre alguma idiota espanhola de sei lá quantos milhões de anos atrás me esgotou completamente. Terça-feira, 07.02.89 Está muito tarde (e um programa bem lixo está passando na TV) Se você é a gorda, você sempre vai chamar atenção e ser fadada a ficar fazendo coisas para os outros. O pessoal da escola ainda está discutindo o que se pode ou não fazer em público. O único livro que nossa escola tem sobre sexo é 'De Onde Eu Vim?', na seção infantil – sabendo disso, estavam todos vindo até mim e pedindo: “Quando estiver voltando para casa, você pode passar na biblioteca pública de Stamford e perguntar se eles têm um livro de Direito? Não me leve a mal.” Eu estava rindo com eles também, mas ter que fazer coisas já é bem diferente. Sem chance de eu ir na biblioteca e dizer àquelas velhas chatas atrás do balcão: “Preciso encontrar um livro sobre sexo em público.” Nessa cidade minha mãe ficaria sabendo disso num instantinho. Tudo o que eu faço aqui é analisado sob um microscópio. Enfim, só fiquei zanzando na Seção de Referência por um tempão – não encontrei nada além de guias para inexperientes e decidi que poderia aproveitar a oportunidade e procurar livros que poderiam me ajudar. Encontrei 'O que Faz de uma Mulher Atraente' (se alguém precisa deste, essa pessoa sou eu), da Julia Grice. Tinha uma mulher de minissaia e meia-calça na capa – fala sério, é muito óbvio que isso atrai os homens. Até eu sei disso! Também tinha um outro livro chamado 'Tornando-se Orgásmica'. É um autoajuda para ajudar você a conseguir amar o próprio corpo. Mas dá muito na cara, porque tem uma flor imensa na capa. Coloquei-o entre dois livros de capa mole e os levei até o balcão. Aquele raio de mulher que fazia os registros mostrou o livro para a colega dela – “Ah, olha só isso, Jean” – e riram feito crianças. Patético. Só pra constar, parece que até elas não têm problemas em conseguir sexo. Quando saí da biblioteca, três coisas típicas aconteceram.Primeiro, os sardenhos de 14 anos que pagam de valentões e estão sempre andando pelos arredores da biblioteca começaram a repetir em voz alta: “Vaca gorda”, “Gorda” e “Bunda de toucinho”. Eu fui para a esquerda para evitá- los e vi Harry entrando numa papelaria próxima. Não queria que ele me visse segurando um livro sobre orgasmos, então caminhei rápido para o lado contrário. Ouvi mais “Jabba, Jabba, Jabba” até sair da vista deles. Parei na mercearia para comprar uma maçã – achei que seria saudável – e o que a mulher de lá diz? “Ah, você é igualzinha à sua mãe, Rach – GRANDONA.” Essa cidade do caralho. Eu sei que não estou satisfeita com meu peso atual. Não estou feliz ou orgulhosa do que eu sou. As pessoas dizem que gostam de mim porque estou sempre sorrindo e não levo desaforo pra casa. O homem da papelaria me diz toda vez que entro lá: “Olha aqui o Fofão de Stamford - balança, mas nunca cai!”, como se fosse o cara mais engraçado do mundo. Eu odeio o que sou. Sento aqui e choro e me queimo com fósforos, porque odeio o que sou. Esse lugar parece precisar de uma vítima – está sempre buscando tirar com a cara de alguém – e hoje esse alguém foi eu. E eu odeio isso. E eu me odeio. Costelas tamanho grande no almoço da escola. Vera, a cozinheira, me deu duas. É só gordura de porco com um gosto agridoce, mas são divinas. Quarta-feira, 08.02.89 A escola foi ótima hoje. Conversas interessantes na sala do intervalo e uma discussão sobre como os cachorros nada mansos da Georgia correram atrás da Mia. Eu não sei por quê, mas decidi pegar alguns garfos da cantina e colocá-los na prateleira cheia de trabalhos escolares da professora Faux. Parece patético, mas não conseguíamos conter as risadas. Brilhante! Comecei a ler 'Tornando-se Orgásmica'. Já não aguento mais esse livro. No início tem um questionário para que você descubra o motivo de não conseguir ter orgasmos. Aqui está o meu motivo: PRIMEIRO PRECISO DE UM NAMORADO. Talvez eu precise do 'O que Faz de uma Mulher Atraente' ou daquela maldita dieta rica em fibras ou algo assim. Preciso de um homem, é só isso que digo. Quinta-feira, 09.02.89 23h40 E ISSO SÓ PROVA QUE MINHA MÃE É UMA VACA. Eu deixei 'Tornando-se Orgásmica' no meu quarto. E daí?? Não é ilegal. Ela estava sibilante, o que sempre significa que lá vem problema, e então, ela pegou o livro e veio me mostrar bem no meio da novela. MÃE: O que é esse livro que estava no seu quarto? EU: Que livro? MÃE: Esse livro sobre sexo. EU: O nome é 'Tornando-se Orgásmica'. Não é sobre sexo – é só um livro de autoajuda e realização pessoal. (PAUSA GIGANTE) MÃE: Você já terminou 'As Viagens de Gulliver'? EU: Não MÃE: Tudo bem, Rachel. Se você quer terminar em um emprego sem futuro como o meu, continue assim. EU: Já chega. Estou indo para o meu quarto. Isso é típico dela – ela nem sabe como é estar sozinha. Já foi casada duas vezes. Expresso um pequeno interesse em me tornar uma mulher decente e ela não aguenta. Bom, pra mim já chega. Sou um ser humano e preciso de afeto. Ela nem me abraça, porque diz que não acha abraços assim tão necessários. Tudo que importa para ela é seu marido, seus amigos e ficar bonita. CÉUS, EU QUERO SER NORMAL – QUERO UMA FAMÍLIA NORMAL, E NÃO UMA MÃE COM CABELO DESCOLORIDO E UM PAI QUE APARECE A CADA SEIS MESES PRA DIZER OI!!!! E outra coisa – não fiz Educação Física hoje, já que aquelas idiotas das cavernas não estão mais me mandando fazer nada. Amanhã é sexta-feira. Talvez eu encontre o Harry. Pensamentos ruins. Sexta-feira, 10.02.89 20h e alguns minutos Devolvi o 'Tornando-se Orgásmica'. Não vale a pena e é como querer correr antes de começar a dar passinhos de bebê. Bob Tex, um artista country de rua, estava do lado de fora da biblioteca. Queria ter a vida dele – é só aparecer na rua principal, tocar dois refrões de 'Stand by Your Man', doar o que recebeu para a caridade e ser amado por todos. Além do mais, minha mãe ficou sabendo que ele tem muitas namoradas, então esse trabalho com certeza dá um empurrãozinho. Bethany me emprestou o anuário de 1989, “Simplesmente 17 Anos”. Acho que estou ficando meio velha pra isso, mas como sou uma idiota em relação aos garotos, achei que poderia me dar algumas dicas. E foi isso que aprendi com isso: ● Mães adolescentes precisam do apoio da família e as coisas são difíceis para elas. (Pelo menos elas transaram – veja pelo lado bom.) ● Debbie Gibson não faz dieta. (Vaca!) ● Sinitta é uma compradora compulsiva (Quem liga?) ● Especial de cinco páginas da banda Bros. (Até crianças de sete anos são velhas demais para ouvir Bros.) ● O Guia Completo de como Ser um Garoto. (Eles basicamente não sabe nada sobre mulheres.) ● Passar um dia com o Simon Mayo (que EU AMO) seria hilário. (Ele parece ser uma pessoa fenomenal, mas é vesgo.) ● Passar um dia com a Patsy Kensi me enojaria, porque ela é linda além da imaginação. ● Ser a amante é ruim quando é com você. (Veja como exemplo as mães solteiras – mas ao menos você tem um homem, mesmo você não sendo a primeira opção.) ● 1988 foi ótimo. (Não, não foi. Foi uma merda. Prova: a segunda música mais tocada era do CLIFF RICHARD!) Uma previsão para o meu signo que li no anuário disse que vou me atrair por caras bem-humorados e inteligentes que minha natureza vai encontrar em julho. Não disse precisamente que vou fazer sexo. Eu posso esperar até o ano que vem para dar uns amassos. Sei que posso. Não fui até o bar. Harry pode estar lá. Não tenho dinheiro, minha calça jeans está na máquina de lavar e todo mundo lá vai estar bajulando a Laura Ashley e sua minissaia e pagando suas próprias bebidas. Não aguento mais ser pobre. Minha mãe disse: “Ah, então arranje um emprego”. Ela não percebe o tanto de trabalho escolar que faço nos fins de semana, atualizando as anotações da aula e tudo o mais. Se você quer que sua filha frequente uma universidade, mamãe querida, DÊ ESPAÇO A ELA. Sábado, 11.02.89 15h56 Outro sábado entediante. Não tenho nada para fazer, não quero fazer nada e está passando um programa esportivo na televisão. Tenho amigos na escola que moram em fazendas ou em casas incríveis e quando saem pela manhã para o quintal veem flores e uma grama bonita. Da vista da minha janela consigo ver a rua, vários sacos de lixo na frente da nossa casa esperando o caminhão do lixão na segunda-feira, e a nossa vizinha, sra. Bark, trabalhando em seu jardim com um cigarro na boca. Uma vista desanimadora. Eu e minha gata branca ficamos sentadas aqui, desejando poder viajar para longe. Simplesmente sair desse quarto e ir para algum outro lugar. Posso ver nos olhos dela que ela concorda comigo. Fiquei tão entediada que li algumas páginas de um livro de fábulas infantis para a gata. Ela não gostou e soprou seu bafo de ração para mim. Estragou o momento. Agora só estou deitada na cama morrendo de tédio. Comi demais hoje – cerca de oito fatias de torradas. E isso só no café da manhã. Eu e a Bethany estamos indo para ao bar hoje à noite. Então com sorte alguma coisa aconteça mais tarde. 00h01 Nada demais aconteceu. Bethany flertou com todo mundo. Eu fiz piadas às minhas custas. Ela fez piadas às minhas custas. Harry riu. Imogen ficou tão mal que foi vomitar fora do bar. Voltei para casa. Comi um espetinho. Tive que dar um pouco para a gata, porque ela ficou farejando, mas ela surtou por causa do molho de pimenta. Domingo, 12.02.89 16h05 Fiquei uma hora no telefone público conversando com a Mort. Ela teve que me ligar de volta, porque acabaram meus créditos. Mort acha que Bethany me usa para atrair o interesse dos garotos e que deve me considerar inofensiva, porque sabe que nenhum cara poderia se interessar por mim. Isso faz todo sentido, já que ontem à noite TODA A VEZ que um cara se aproximava, Bethany fazia voz de inocente, começava a enrolaros cabelos com os dedos e agia como uma idiota. É patético. Mas funciona. Ou deve funcionar, porque um dos garotos estava lambendo a cara dela no pátio do Sepultura antes de eu ir comprar meu espetinho. Ainda vou com ela no bar Buraco na Parede mais tarde. Eu não tenho escolha – ela é a única por perto – e como eu disse, quando estamos sozinhas ela é agradável. Ontem à noite, antes de irmos para o bar, ela me disse que já foi gorda e que se sente exatamente como eu. Bethany estudou num colégio interno quando era criança e pelo que me disse sofreu bullying. Certa vez mergulharam ela de cabeça no lodo – esse tipo de coisa me horrorizava quando eu via na novela. Tenho que me lembrar que outras pessoas também passaram por maus bocados e que isso também os afetou. 23h39 Bom, Bethany se arranjou quase que imediatamente com um babaca engomadinho do terceiro ano. Obrigada por se importar. A parte boa é que isso me levou a me aproximar de várias outras pessoas no Buraco na Parede. Tinha gente da minha escola e da escola para garotos lá e consegui conhecer gente incrível. HARRY ESTAVA LA. Fiz um cartão idiota de aniversário para ele, já que ele fez aniversário no início do mês e disse que costumava assistir Button Moon. Harry ficou todo emocionado quando entreguei o presente. NARRAÇÃO COMPLETA DA MINHA CONVERSA COM O HARRY EU: Oi, Harry, te fiz um cartão com um personagem do Button Moon. Desculpe se perdi sua festa de 18 anos. HARRY: Ah, Raemondo, quanta gentileza. Dá licença, tenho que ir falar com o Luke sobre umas coisas da escola. Ele pareceu meio decepcionado. Ainda assim, ele foi rápido, mas meigo. Mais coisas estão por vir, não acha? Domingo, 13.02.89 Quero ser sempre sincera com você, Diário. Fiz um cartão para o Harry porque esperava que ele fosse me dar um amanhã no Dia dos Namorados. Se ele não me der nada, vou ficar muito frustrada. Implorei pra minha mãe comprar um telefone residencial hoje, porque pela 50ª vez nesse mês quase estourei o limite de ligações do telefone público. Se eu uso por mais de cinco minutos, ela começa a chiar. Hoje foi um exemplo clássico. Estava com a Mort no telefone e minha mãe já começou a perguntar: “Você não vai desligar, não?” Eu respondi que não e ela disse: “Sai logo daí, sua idiota gorducha, eu quero usar o telefone.” É irritante, mas ela parecia ser mais brava do que eu, então desliguei. Essa é uma área mais chique, cada vez mais gente tem um telefone residencial e de quebra posso passar no mercadinho no caminho e comprar uma barrinha de chocolate. Mas eu ODEIO esses novos modelos de telefones públicos. Não tem mais cabine. Eu sei que as cabines vermelhas de antes cheiravam a mijo, mas ao menos você conseguia ter privacidade. E é por ISSO que eu e a Mort criamos um sistema de códigos. De agora em diante cada pessoa que conhecermos ganhará um apelido codificado, porque aí nós vamos poder falar delas em ligações de telefone público sem cabine e ninguém da rua vai conseguir entender. Já até demos apelidos para as pessoas que conhecei ontem. Mort os batizou com nomes de fast food. Vou chamá-los por esses apelidos quando estiver aqui para que algum intrometido não entenda NADA. Linguiça Empanada Ele é hilário. Signo de escorpião. Mora perto de um bairro chique! É meio imaturo, mas nos divertimos bastante noite passada. Ele me apelidou de Raezona. Eu achei carinhoso – deu pra perceber que era. Dirige um carro Ford Cortina que ele chama de Clarence. Peixe Frito Melhor amigo do Linguiça Empanada. Sr. Estrela-do-time-de-rúgbi, Sr. Senta-lá-com-uma-sobrancelha-erguida-e-uma-pose-blasé-rebugenta, Sr. Egocêntrico, Sr. Não-falo-muito-porque-sou-lindo-e-não-preciso-disso, Sr. Eu-sei-que-todo-mundo-dá-em-cima-de-mim, Sr. Sabichão-de-escola- particular. Figo (Mort se cansou dos nomes de fast-food) Segundo melhor amigo do Linguiça Empanada. Parece o Capitão Escarlete daquela série de TV. Muito gentil. Caminha que nem um pinguim e faz a melhor imitação de Bruce Forsyth que eu já vi. Flutuador de Vara de Pesca Namorada do Figo. Muito bonita, mas me ignorou a noite toda. Esse é o apelido dela porque ela ficou fazendo coisas grosseiras e embaraçosas o tempo todo. Não nos demos ao trabalho de apelidar quem a gente já conhecia. Só queria que minha mãe comprasse um telefone residencial – nem que fosse só para receber chamadas. Digo, ela tem um marido que mora fora do país – é de se imaginar que ela queira falar com ele. Mas ela diz que minhas amigas ficariam ligando o tempo todo. É só mais uma maneira que ela arrumou para me fazer sentir mal. Se eu ficar com hemorroidas de tanto ficar sentada no chão perto do telefone público, a culpa é dela. Caramba! – escrevi demais hoje, né? Quinta-feira, 14.02.89 (Dia dos Namorados) MINHA MÃE RECEBEU TRÊS CARTÕES. Muita gente da escola recebeu no mínimo um. Uma vaca de lá até ganhou flores. Eu me sinto mal por chamá-la de vaca. Ela é bem legal. É que estou com tanta inveja que dá vontade de chorar. É claro que não recebi nenhum. Você passa o caminho inteiro de volta para casa esperando encontrar alguma coisa quando chegar – mas não encontra. Sem chance. Eu odeio o Dia dos Namorados. É como se olhar num espelho distorcido. Você se vê bem mais gorda do que realmente é. Eu levo na esportiva, mas fecho a porta do quarto e fico socada aqui – e não passo disso. Não passo disso porque não quero voltar para o hospital psiquiátrico com paredes marrons, quebra-cabeças, mulheres chorando por terem sido abandonadas pelos maridos, gente batendo a cabeça contra a parede e minha mãe me levando doces e alguma revista de música, como se isso fosse melhorar as coisas. Não melhorou. Não vai melhorar. Não posso. Hospitais psiquiátricos quando a maioria dos meus amigos eram... Não posso dizer a ninguém o que está acontecendo... Não posso escrever... Não posso pensar nisso. Nem mesmo aqui. Deu tanta música ruim no rádio hoje. Só canções de amor e músicas dedicadas, tipo: “Para o meu amorzinho de Wisbech – Te amo – Te amo eternamente – Minha sopinha de caneca...”. MAS O QUE É ISSO??? E aquelas malditas canções de amor tocando o dia todo, principalmente 'Evergreen', da Barbra Streisand. PARA DE ESFREGAR ESSAS MÚSICAS NAS NOSSAS CARAS E TOCA ALGUMA COISA DE VERDADE. PENDURA ESSE DJ!!! Quarta-feira, 15.02.89 8h17 Estou com frio. Estou sozinha. Já chega. Só nessa casa alguém poderia brigar por causa de aquecedores. Quero ligá-los PORQUE JÁ TEM ATÉ GELO NAS JANELAS. Mas minha mãe é tão mão de vaca que me diz para pegar mais uma coberta. Alô? Já estou enrolada em umas 27 cobertas! Estou deitada aqui com meias de lã, moletom velho e um pijama manchado de feijão na calça. Fico aliviada que não tenha nenhum garoto aqui comigo, porque ele não conseguiria se atrair por nada daqui – ele só conseguiria ver uma mendiga. 19h45 Tinha um barbante na carne assada da escola. Sei que é o governo que paga a minha mensalidade, mas se eu fosse eles pediria meu dinheiro de volta. Sim, essa foi a coisa mais interessante que aconteceu hoje. Quinta-feira, 16.02.89 Foi ótima a nossa missão de fugir da aula de Educação Física hoje. Os alunos descobriram que tem um espaço perto do telhado em que você pode se esconder ao sair pela janela da sala de aula! A gente podia ver a professora Senhorita Sádica olhando para nós de cara feia – foi muito engraçado. Desculpe – tenho 17 anos – e não sou mais criança. Mas aguento mais que gritem comigo por eu não querer ficar jogando bola numa quadra. Sou melhor do que isso. Em vez disso nós ficamos comendo kinder ovo e fazendo guerra de água. Estava tudo bem até que alguém achou e distribuiu uma porção de sopa de caneca vencida há três meses. Eu quase vomitei. Estão comentando por aí que eu gosto do Harry! Sr. Egocêntrico Peixe Fritoperguntou para a Bethany: “Sua amiga com nome de homem tá a fim do Harry?” Bethany disse: “Talvez. Por quê?”. Peixe Frito aparentemente ergueu a sobrancelha até metade da testa e disse: “Aaahhhhh”, antes de se afastar com aquele jeito de caminhar arrogante e imbecil. Mas se ele espalhar isso na escola e alguma coisa boa acontecer, entá tudo bem. Sexta-feira, 17.02.89 Super tarde Aqueles que achei que fossem mesmo meus amigos são na verdade um bando de idiotas condescendentes. Estávamos conversando hoje sobre a maneira que achamos que vamos ser lembrados depois da formatura, e adivinha o que eles disseram? Rae é a engraçadona... Rae é a única que tem personalidade... TODO MUNDO SABE O QUE ISSO SIGNIFICA! Estou cansada de ser a graça da turma – vou começar uma greve de comédia. Sem mais Rae gorda e engraçada. Só gorda – até que eu consiga ser magra e sedutora. MENINA BORBULHANTE Se você é tão redonda quanto uma bolha Você tem que borbulhar E fazer a plateia se rachar É como se as pessoas não notassem a barriga Da mais engraçada menina Mas estou abrindo mão das piadas e dos baratos Meu posto agora abandono Esse corpo redondo será lisinho e sarado Então os homens em mim vão babar! Minha mãe comprou os tênis mais horríveis que já vi. Eles são chamados O Gosto do Verão. (COMO ASSIM??? NEM ESTAMOS NO VERÃO!!!). Eles não têm nem uma cor legal, e sim um verde cor de papel de parede dos anos 1970. Parece o tipo de tênis que os Boney M usariam em um dia ruim. Ela disse que foram “baratos e são confortáveis de caminhar”. Ela também diz isso sobre TODAS as outras coisas que me compra. Minha mãe ainda acha que tenho sete anos. Sábado, 18.02.89 19h01 Tive o maior dos desastres usando aqueles tênis O Gosto do Verão, mas minha mãe não acredita em mim. Andando pela cidade, pisei num montinho enorme de cocô de cachorro. Sinceramente, não fiz de propósito. É claro que os tênis ficaram destruídos, então precisei abandoná-los em uma calçada e caminhar até uma loja de sapatos em uma rua próxima para comprar chinelos (CONGELANDO). Quando cheguei em casa, minha mãe perguntou: “O que aconteceu com seus tênis?” Contei que tinha pisado em cocô de cachorro, mas ela continuou não acreditando. Eu disse: “Vá lá ver, então – deixei-os no desvio daquela rua que tem o campo de golfe.” Ela ficou furiosa. Continuei dizendo que FOI UM ACIDENTE, e ela disse: “VOCÊ TAMBÉM FOI!”. Eu disse: “Mas você sempre falou que pisar na merda dá sorte – então SE DECIDA.” Isso a calou. Foi um acidente, mas obviamente era pra ter acontecido assim!!! 22h43 Ninguém vai sair hoje. Não posso simplesmente aparecer no bar e ficar parecendo A Menina Sem Amigos quando sei que ninguém que conheço estará lá. Eu não conseguiria encarar outro sábado ocioso, então decidi arranjar o que fazer. Meu quarto tem o mesmo papel de parede desde 1983 – listras horizontais vermelhas, amarelas, verdes e brancas – e por isso fiquei pensando: “Vou trocar de papel de parede. É o meu quarto, posso fazer o que eu quiser com ele.” Comecei a tirá-lo da parede. Em pouco tempo minha mãe de audição biônica subiu as escadas e disse: “Sou eu quem paga o aluguel – você não vai tirar nada de lugar nenhum... Blá, blá, blá...”. Tem uma parte do jardim em que nunca colaram a grama sintética. Eu construiria uma cabana e moraria ali, se pudesse. Com alguém como o Harry. Aliás, é claro que eu precisaria de água corrente instalada. Ah, é – e uma privada. Domingo, 19.02.89 Atualmente, viver aqui é como viver em um campo de prisioneiros. Levantei rapidinho à noite e ela gritou: “O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?” Eu expliquei: “VOU SÓ LEVANTAR UM POUQUINHO”. E ela perguntou: “POR QUÊ?” Eu disse: “PORQUE MINHA BEXIGA ESTÁ CHEIA. ACHA QUE TEM COMO EVITAR ISSO?” Recebi minha punição pela manhã – alguma estação de rádio tocando sinos de igreja, e ela colocou no volume máximo daquele rádio nojento dela. Fui nas lojas da rua Green Lane hoje e fui cuspida e zoada por uns babacas sentados no muro. “Vaca gorda riquinha – vá comer outro hambúrguer.” Gorda é uma coisa. Mas riquinha é outra. Meu quarto é úmido. Eu vivo em uma casa de baixo custo financiada pelo governo. Meu último feriado decente foi o que passei nas praias da cidade litorânea de Mablethorpe, em 1984. O Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional pagou pela minha cama. Eu queria ser riquinha – então eu estudaria em um colégio interno, bem longe de toda essa porcaria. Segunda-feira, 20.02.89 Tem alguma coisa acontecendo com a minha mãe. Ela começou a depilar as pernas e não para de ouvir aquela maldita música do Harry Nilsson, 'Without You'. Aposto que seu segundo casamento não deu certo, o que seria triste e tudo o mais, mas dificilmente me surpreenderia. O marido dela é um professor – ela engomou as camisas na mesma escola. Ele estudou na Universidade de Durham e fala Latim – ela foi para o que chama de 'Universidade da Vida' e fala...err...vida. Assim que eles se casaram, ele foi para outro país lecionar. Mas não deixo de sentir pena dela – é terrível ser gorda e sozinha. Só espero que ela se resolva com ele em Marrocos e que ele continue trabalhando lá. Não quero que ele venha morar aqui quando estou tendo tantas matérias avançadas na escola. Ele é um sabichão esnobe – e devia saber que preciso de espaço, sem amolações. Terça-feira, 21.02.89 20h20 Eu tenho certeza que tem alguma coisa acontecendo com a minha mãe. Ela diz que está fazendo a dieta de Cambridge outra vez. Aquele copo gigante estava jogado no pátio de casa há anos – o fundo está todo enferrujado! É aquela dieta em que você só toma líquidos e perde uns 6kg em dois dias. Algo DEVE ter acontecido, mas não consigo fazê-la me dizer nada. Ela diz que vai começar a dieta de Cambridge na segunda-feira. Só acredito vendo. Ela está sempre começando na próxima semana e essa semana nunca vem. Só digo uma coisa – não vou ficar nem um pouco feliz se ela começar a perder muito peso. Eu não conseguiria lidar com isso – ficaria arrasada. Não posso ter uma mãe que é mais magra do que eu – ela seria injusta se fizesse isso. À noite me borrei toda quando minha mãe disse que queria ir comprar molho de carne comigo, o que significa ter de ir às LOJAS DA RUA GREEN LANE. O QUE SIGNIFICA ENCONTRAR AQUELES BABACAS. Por sorte eles estavam na locadora – sem dúvidas tentando alugar pornografia, 'O Massacre da Serra Elétrica' (1974) ou algum outro filme ruim. O cara do caixa do supermercado estava demorando horrores para me atender e conversando com a mãe dele em um dialeto indiano ou algo parecido sobre aquela região asiática, Kashmir. Eu estava pensando: “Foda-se a Índia – anda logo e me atenda para que eu possa ir embora e evitar aqueles babacas”. Felizmente ele se apressou. Às vezes acho que os indianos acertaram em cheio em ter casamentos arranjados. Assim, não importa como você se parece ou o quanto você pesa, você ainda vai ter um marido. 23h44 Eu me sinto tão horrível por ter escrito esse último trecho. Sei que casamentos arranjados são terríveis e que algumas mulheres se casam contra sua vontade. Passou alguma coisa na TV sobre isso uma vez. Posso ser bem estúpida às vezes. Não consigo dormir novamente. Sem chance de eu dizer isso pra minha mãe. Ela vai gritar comigo por acordá-la ou me vai me dizer para tomar um remédio para dormir. É tão solitária essa hora da noite. Pelo menos está passando um duelo de perguntas sobre bandas na rádio. Se nós tivéssemos um telefone fixo, eu poderia ligar e ganhar a competição. O prêmio provavelmente seria um frisbee ou uma camiseta, mas ganhar alguma coisa é melhor do que não ganhar nada. Quarta-feira, 22.02.89 Caramba, que babadão hoje!! Disseram que a Bethany tem flertado com o namorado da Marie Jamieson. Todo mundo na escola está comentando o fato deter duas garotas gostando dele, sendo as duas assim tão atraentes. Bethany estava lendo algumas revistas e livros ruins quando a Marie se aproximou dela e disse: “Quem diabos você pensa que é? Você deve mesmo ter uma boa autoestima.” Bethany respondeu: “Eu não fiz nada” e Marie continuou dizendo: “VOCÊ SAIU COM ELE? VOCÊ SAIU COM ELE?” Por sorte o sinal tocou e Bethany teve que ir para a sala. Marie estava chorando – todos se amontoando para vê-la – quando anunciou: “Transei com o meu namorado na semana passada, quando os pais dele estavam na África do Sul. Ele até pegou uma toalha para limpar o suor que ficou em mim depois que a gente terminou.” Que bênção... Mas foi como eu comentei com as pessoas – ela quer mesmo namorar um cara que tem pais racistas? Bethany apareceu aqui em casa mais tarde. Ela estava com os olhos inchados de choro, dizendo coisas como: “Eu não fiz nada. Nós só ficamos conversando. Só conversando!” Não sei se acredito nela, nem me importo. Essa é uma situação em que eu gostaria de estar. Ser a amante. A mulher mais perigosa. Ser a fofoca do dia da escola e ter os garotos se referindo a mim como “assim tão atraente”. Ela continuou perguntando: “Todos me odeiam? Todos pensam que sou uma vadia?”. E eu respondi: “Não se preocupe – assim que a Marie contou o que fez com o namorado todo mundo se esqueceu do seu boato – estavam ocupados demais pedindo mais detalhes para a Marie.” Bethany pareceu irritada quando eu disse isso. Não sei por quê – achei que ela ficaria aliviada por todos terem parado de falar dela. Levei Bethany para comer batatas fritas. Eu fiz questão de comer como uma dama e dar mordidas pequenas depois de ela ter falado que eu parecia uma porca comendo. De qualquer forma, eu odeio comer em público. Se eu estou comendo porcaria, as pessoas ficam encarando como se estivessem pensando: “Você deveria mesmo comer isso?” Bethany ficou com a cara inchada de tanto chorar – ela estava toda ranhenta e com os olhos vermelhos. Queria que todos os admiradores dela pudessem vê-la do jeito que eu a vi hoje. Queria que o Harry pudesse vê-la sendo compreensiva e gentil. Eu posso ser uma pessoa tão ruim às vezes. Mas acho que todos estão no mesmo barco. Tem vezes em que eu só digo coisas de mau gosto aqui. Nunca na frente das pessoas. Já tive que ouvir tanta coisa que não quero que ninguém se sente em seu quarto e se sinta mal por minha causa. Eu não conseguiria viver com isso. Tive uma conversa significante com a minha mãe essa noite. Sobre a única coisa que eu disse a ela desde a hora que ela chegou em casa até a hora em que ela foi dormir. MÃE: Não se case, Rachel, não antes dos 30. (Não é como se eu tivesse escolha.) EU: Por quê? MÃE: Apenas não se case. E nunca se deixe depender de ninguém. Ganhe seu próprio dinheiro. EU: Mas por quê? MÃE: Estou com dor de cabeça. Por que você continua falando...? (ER... VOCÊ QUEM COMEÇOU, MULHER!) Quinta-feira, 23.02.89 Está tarde Os babacas da rua Green Lane estavam à minha espera numa esquina próxima dali e eu sabia que estava em apuros. Não podia me virar e correr, senão eles viriam atrás de mim. Tinha de encará-los. Assim que fui me aproximando eles começaram a repetir em voz alta: “Dumbo elefantinho!” e “Jabba, Jabba, Jabba” (Eu poderia matar quem inventou esse personagem). Achei que não fosse aguentar, mas se eu tivesse chorado eles não parariam nunca. Simplesmente passei por eles e disse a primeira coisa que veio à minha cabeça: “É melhor vocês tomarem cuidado – meu tio é o Reggie Kray”. É claro que isso não é verdade. Eles ficaram perguntando: “Quem é esse? Quem é esse?”, mas um deles se tremeu de medo e deixou quieto. Eu só estava tentando pensar em alguém que iria assustá-los. Isso só os atrasou – quando perceberem que eu menti, eles vão voltar. Caminhei de volta para casa e comi e comi e comi. Então, minha mãe disse: “Você comeu metade de um pacote grande de batatinhas – Rachel, você vai ficar doente.” Eu comi mais um pacote. Foda-se. Já sou tão grande quanto uma casa – que diferença mais um pacote de batatinhas pode fazer? Esse tipo de coisa afeta minha mente. Acabo tendo pensamentos dos quais não consigo afastar. Então me bati e... tudo o mais. Você sabe. Sexta-feira, 24.02.89 Foi horrível hoje. Marie Jamieson me encurralou no vestiário feminino e perguntou: “Podemos conversar?” Eu respondi: “Claro”. Ela disse: “Só para deixar bem claro, meu namorado e a família dele não são racistas. Eles têm negócios em Joanesburco, empregam pessoas negras, incluindo empregadas domésticas de cor, e pagam um ótimo salário.” Eu disse: “Tá – obrigada por me contar”. O que mais eu poderia dizer? Saí de lá rapidinho. Mas eles eram mesmo racistas. Comi peixe com batatas fritas e pudim de sobremesa, o que melhorou as coisas. À noite cometi o erro fatal de ler a revista Guia de Saúde e Nutrição em Família da mãe da Bethany. Juro que tenho sintomas de angina, cirrose e Síndrome de Tourette. Eu estou tendo pensamentos paranoicos que acreditam que causei danos permanentes ao meu coração. Juro que consigo sentir todos aqueles queijos, hambúrgueres e bolos de chocolate nas minhas artérias. Aposto que dar amassos não causa danos ao coração. Mas frustração sexual certamente causa. Tem festa amanhã. O tema é anos 1950/1960 e não tenho nada para vestir. A boa notícia é que uma grande venda será feita amanhã financiada em associação ao governo. Gente velha chique e podre de rica – deve ser uma boa ideia. Só espero conseguir achar alguma coisa que me sirva. Sábado, 25.02.89 16h35 A festa de hoje à noite será no Hotel do Anjo, em Bourne. Não sei se vou me dar ao trabalho de ir, porque até já dá pra saber o que vai acontecer. Bethany vai ficar com alguém e eu vou ficar de vela. Além do mais, eu não me sinto bem. Acho que estou ficando gripada por causa de todas essas noites em que ELA se recusou a ligar o aquecedor. Comprei uma jaqueta na grande venda que teve – de camurça e bem velha. Até minha mãe disse que a jaqueta me faz parecer mais magra. Mas ela vai pirar quando perceber que gastei metade de seu perfume caro para tentar disfarçar o cheiro de velharia que ficou em mim quando cheguei em casa. Decido se vou ou não à festa mais tarde. Domingo, 26.02.89 (mas a maior parte do que vou escrever é sobre o SÁBADO, 25 DE FEVEREIRO DE 1989) 1h12 S IM ! Estou em total estado de choque! Vou contar todos os detalhes e seus contextos! Bom, eu me sentia bem dolorida (provavelmente angina, e não gripe), então tinha decidido não ir à festa. Enfim, às 19h acabei decidindo ir (a festa começou às 20h). HARRY estava lá. Todos estavam dançando e fingi não o vi – ele se aproximou, tapou meus olhos e brincou: “Adivinha quem é?” Nós nos divertimos um pouco, e depois ele apareceu de novo, já que é amigo da Bethany, e Bethany convenientemente saiu de perto e nós tivemos um semi-abraço antes de ele se afastar outra vez. FUMEI PELA PRIMEIRA VEZ. Talvez cigarros me fizeram parecer mais bonita, porque Harry voltou e - O EVENTO DA DÉCADA! Nós estávamos conversando, nos abraçando e aproximando nossas cabeças e tudo mais, e, então, ele não parou de olhar para mim e perguntou: “Não ganho um beijo, não?”, e eu disse: “Errrmmm...Tem um probleminha – Nunca beijei ninguém.” Ele respondeu: “Vamos começar pelo básico.” e... MEU.DEUS.DO.CÉU! DEI UNS AMASSOS (Odeio essa expressão!) BEIJEI UM GAROTO E HARRY!! Eu disse: “Ah, sou uma droga nisso”, e ele falou: “Sou eu quem vai julgar isso.” Houve uma pausa constrangedora, até que perguntei (porque senti cheiro de pega ratão): “Harry, você me beijou por pena?” E ele disse: “Em parte, sim; algumas pessoas me disseram que você estava gostando de mim.” E eu disse: “Mas você não me beijou só por causa disso, certo?” E ele respondeu: “NÃO! Gosto mesmo de você, mas não do jeito que você espera.” E ele ganhou meu respeito por ser sincero. Depois disso a coisa todaficou meio estranha, porque 'Fine Time', da Yazz, começou a tocar e em seguida alguém colocou 'Hey Music Lover', da banda S-Express, que são músicas boas para dançar, e não para acompanhar momentos carinhosos. Então eu disparei: “Você não vai voltar para o seu pensionato e pensar: “Céus, essa Rae Earl é uma vaca gorda e estúpida!” E ele disse: “Não! Eu não sou assim.” Gosto mesmo dele... Enfim, ele se sentou no meu colo e nós ficamos conversando como bons amigos. É incrível que o primeiro garoto que beijei tenha sido tão gentil e compreensível quanto ele foi – sou muito sortuda. Isso é tudo tão brega e vergonhoso. Aliás, quando disse que beijei um garoto e Harry, quis dizer que beijei um garoto – e foi o Harry. Não quis dizer que beijei um garoto e depois o Harry – ele beija muito bem. Também traguei um cigarro! Infelizmente não dancei muito. Mas ainda estou surpresa e feliz que alguém tenha me beijado! Estou feliz! Agradeço a Deus pela vida que tenho. NUNCA MAIS VOU PASSAR AS NOITES PENSANDO QUE TALVEZ EU FOSSE LÉSBICA 17h06 Dormi por três horas e meia noite passada, então hoje estou caindo de sono. Eu não consigo acreditar no que aconteceu. Parece mais um sonho meio embaçado. Continuo lembrando do Harry na festa e no minuto seguinte não consigo nem me lembrar como ele se parece. Ai, céus! Em pensar que eu o beijei. Ainda não consigo acreditar. Ainda estou em choque. O problema é que eu gosto mesmo dele. Só pra constar, é difícil ter certeza disso – minhas emoções estão numa COMPLETA BAGUNÇA!!! Lembrei da minha frase do anuário – dizia que esse tipo de coisa aconteceria. Domingo, 27.02.89 Minha mãe começou a dieta de Cambridge – e não demorou a ficar mal-humorada. Não sei nem por que ela tenta – ela já é uma sortuda: é casada – e eu provei que há garotos por aí que não se importam com o meu tamanho. Garotos que não escolhem pela magreza. Garotos que veem além de uma aparência bonitinha. O gosto da língua do Harry é inacreditável. É estranho ter algo de outra pessoa se mexendo na sua boca. Parecia um bicho quente e pequeno. Fico imaginando que gosto tem o...NÃO, não vamos por esse caminho. Nem consigo me imaginar fazendo isso. Acho que eu começaria a rir. E depois passaria mal. Sou o assunto da escola – no melhor sentido da palavra – e estão todos sendo gentis comigo. As pessoas estão dizendo coisas como: “Estou muito feliz por você, Rae.” Eu tenho amigas realmente legais. A única pessoa que ainda não sabe é a Mort – ela não tem estado bem – melhoras! – e não foi à escola hoje. Vi Harry na rua principal no caminho de volta para casa. E me desmanchei completamente. Tudo o que eu queria era abraçá-lo. O típico foi que eu estava tomando um copo gigante de bebida mancha língua quando o vi, então minha língua estava toda azul. Terça-feira, 28.02.89 Minha mãe está com um humor do cão por não estar se alimentando direito. Todas as minhas refeições tem sido pré-congelados que coloco no micro-ondas. Não exigem muito tempo e são rápidos de fazer. Eu comi metade de uma cebola hoje, porque ela não picou direito. É um pouco ruim que eu tenha que sofrer só porque ela está passando fome por vaidade. Concordei em ficar responsável pela trilha sonora da peça da escola, que se chama A Nossa Cidade, sabendo que a Mort tem um dos papéis principais, e por isso deve ser uma peça muito engraçada. E TEM GAROTOS LÁ fazendo papéis masculinos. Bom ver que o século XX finalmente chegou nessa escola. Quarta-feira, 1º.03.89 Fui andando até a casa da Mort antes do último ensaio de A Nossa Cidade. Contei a ela tudo o que aconteceu no fim de semana e ela que achou a atitude do Harry babaca. Eu perguntei: “AI, MAS POR QUÊ?” e ela disse: “Porque ele disse que em parte só te beijou por pena, Rae. Você não precisa da pena de um garotinho de escola particular! Você é uma das pessoas mais engraçadas e adoráveis que já conheci.” Eu expliquei: “Ele não quis dizer desse jeito”, e ela insistiu: “Com que jeito ele quis dizer, então????” Tenho certeza que ele não teve má intenção. Amo a Mort – e normalmente ela tem sempre razão – mas nesse caso nós vamos ter que discordar. Foi difícil levá-la a sério estando ela com o figurino da peça de uma mulher americana do começo do século e tendo problemas com seu gorrinho. Terceiro dia da Dieta de Cambridge e flagrei a minha mãe fumando no quintal. Perguntei: “O que diabos você está fazendo?” e ela disse: “Rachel, isso não é da sua conta – sou uma adulta.” Bom, então aja como uma, sra. Petulante, e seja um bom exemplo. Se ela ME pegasse com um cigarro, enlouqueceria. Não disse a ela que fiquei com alguém. Ela acha que se pega doença venérea se sentando em vasos de banheiro público. Quinta-feira, 02.03.89 Eu estou tão confusa com a situação do Harry. Leah, do terceiro ano, me contou que ele realmente gosta de mim, mas não sente nada muito profundo por mim e que tinha uma possibilidade muito mínima de ele sair comigo. Mas pouco depois a Bethany me contou que ALGUÉM da escola para garotos disse para ela: “Alguém dessa escola gosta muito da Rae.”, e ela perguntou: “É o Harry?” e esse alguém respondeu: “SIM! COMO VOCÊ SOUBE??” Então explica ESSA! Mort também disse que se pega doença venérea se sentando em vaso de banheiro público. A primeira apresentação de A Nossa Cidade foi boa. Alguém ficou brincando com meu contador de fitas, mas consegui separar o som de grilos do hino que cantaram na igreja, e depois da apresentação teve um bufê espetacular. Enchi a barriga de barras de chocolate e molhos gratuitos, especialmente porque minha mãe não estava lá com inveja desejando a minha comida. Fico pensando no Harry. Eu não entendo os garotos. E, só pra constar, tampouco entendo a mim mesma. Sexta-feira, 03.03.89 11h01 Estou na sala de estudos 2. Minha mãe pediu hoje pela manhã que eu comesse minha torrada no caminho da escola, já que o cheiro da comida estava deixando ela com fome. Coloquei bastante geleia na torrada, achando que a neblina da rua poderia mudar o sabor. Que mentira – foi só uma desculpa para comer mais. Eu não aguento mais a dieta EGOÍSTA da minha mãe. Quase fui atropelada por um corvo no meio de tanta neblina por causa dela. 22h45 Segunda apresentação de A Nossa Cidade. Queria nunca ter aceitado ficar responsável pela trilha sonora. Ocupou todo o tempo que eu tinha para ir ao bar e resolver essa situação com o Harry. Além do mais, a verdade é que é uma peça muito decepcionante. A personagem principal morre e ressuscita com a chance de viver mais um dia de sua vida. Ela escolhe ter 16 outra vez, o que tira toda a credibilidade da peça, afinal, por que você escolheria reviver seus 16 anos? Não tem dinheiro, sexo, amor ou controle das coisas. E no final ela conclui que não se deve jamais olhar para trás e reviver o passado, porque não vai ser a mesma coisa e ISSO eles acham que é uma tragédia!! É uma boa coisa, na minha opinião. Sábado, 04.03.89 14h16 Apresentação final de A Nossa Cidade hoje à noite e estou muito feliz, porque quero ir descobrir o que está acontecendo com o Harry. Há boatos por aí sobre o que Harry deve estar pensando, o que ele não está pensando, o que seus amigos estão dizendo e onde ele estava quando disse o que supostamente disse. Preciso descobrir a verdade. Minha mãe agora está até vendo uma cesta de frutas com olhos grandes e famintos, então logo previ que ela sairia da linha e comeria alguma coisa sólida em uma questão de dias ou horas. Quando paro para pensar, por toda a minha vida ela tem feito dietas duvidosas – sim, ela continua gorda. Dieta da sopa, dieta da toranja, dieta do cachorro-quente, dieta rica em fibras, dieta com restrição de gordura. Mas a dieta atual parece ser a mais difícil de se fazer – nada além de líquidos. Que tipo de dieta te proibiria de comer bergamota?
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