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Elementos de uma teoria da parafiscalidade

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ELEMENTOS DE UMA TEORIA DA PARAFISCALIDADE 
JEAN-GUY MERIGOT 
SUMÁRIO: Parafiscalidade e Finanças do Estado. A parafiscali-
dade e as regras orçamentárias clássicas. Contrôle legislati-
vo. Parafiscalidade e tradições fiscais. A concorrência entre 
a parafiscalidade e a economia da Nação. A parafiscalidade é 
meio de ação possível? A parafiscalidade é meio de ação efi-
caz? Conclusão. 
CAPÍTULO SEGUNDO - Parafiscalidade e Finanças do Estado 
* Fruto e técnica do intervencionismo econômico e social, a para-
fiscalidade se integra com dificuldade no quadro definido pelos prin-
cípios fundamentais da Ciência Financeira concebidos e elaborados 
para um Estado Liberal. Arrecadação que se vem juntar à arrecadação 
fiscal propriamente dita, cogita-se, agora, da pressão específica que a 
parafiscalidade pode exercer sôbre a única matéria tributável: a Ren-
<ia Nacional. 
Tais idéias destacam dois problemas que consideraremos aqui: 
1.0 - parafiscalidade e princípios tradicionais das Finanças do 
Estado; 
2.° - concorrência entre parafiscalidade e fiscalidade propria-
mente dita. 
SEÇÃO I - Parafiscalidade e Princípios Tradicionais das Finanças 
do Estado 
A parafiscalidade suscita, em primeiro lugar, dificuldades quan-
to à sua integração na teoria financeira tradicional ainda invocada, 
com demasiada freqüência, apesar da evolução dos fatos. 
No plano da técnica fiscal, com efeito ela tira seus caracteres es-
senciais de um procedimento de descentralização. O Estado, como já 
* NOTA DA RED.: Continuação do trabalho publicado nesta Revista, vol. 33. 
ps. 54-66. Tradução de Guilherme A. dos Anjos. do original divulgado pela Revue de 
Science et de Legislation Financieres, juil-sept. 1949. 
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vimos, delega a grupos, ou a órgãos secundários ou anexos, o direito 
de perceber e utilizar receitas. Parcial quando apenas visa o direito de 
disposição das receitas parafiscais, essa delegação é integral quando 
se refere, além disso, ao direito de percepção dêsses recursos. 
Em diversos graus, conforme a modalidade de que se reveste, tal 
delegação infringe as regras orçamentárias clássicas relativas à elabo-
ração, à execução e ao contrôle do orçamento, assim como as tradições 
fiscais. 
A - A Parafiscalidade e as Regras Orçamentárias Clássicas 
A parafiscalidade transgride, primeiro que tudo, os princípios de 
elaboração do orçamento: unidade, universalidade, anualidade. 
O orçamento deve ser unitário; as receitas parafiscais aparecem 
numa multiplicidade de documentos: contas especiais do Tesouro ou 
orçamentos distintos daquele do Estado, de repartições, estabelecimen-
tos públicos ou entidades semi-públicas ou privadas, incumbidas de ge-
rir um serviço público. 
O orçamento é universal no duplo sentido de que êle agrupa tôdas 
as receitas e tôdas as despesas, e de que o conjunto das receitas cobre 
o conjunto das despesas. Ora, os recursos parafiscais são receitas de 
aplicação epecíficas, extra-orçamentárias. Não são consignados senão 
nos orçamentos independentes daquele do Estado. Aplicam-se à co-
bertura de uma despesa determinada. 
Por êsses dois caracteres, a parafiscalidade atenta contra o ter-
ceiro princípio, segundo o qual o orçamento deve ser ânuo, sendo as 
receitas fiscais autorizadas para cada exercício. Grande número de 
rendas parafiscais continua a ser percebido sem que sejam objeto de 
uma autorização anual. São muitas vêzes, fixadas para períodos não 
definidos e sujeitas a revisão por motivos não determinados previa-
mente. 
Ignorando as regras de elaboração do orçamento, a parafiscalida-
de derroga também os princípios da execução do orçamento. A velha 
distinção entre administradores e responsáveis por dinheiros públicos 
que domina a nossa organização financeira, perde o seu sentido e o 
seu alcance (se bem que ela seja, às vêzes, aplicada internamente nas 
organizações interessadas). A utilização dos recursos fica, então, in-
teiramente entregue aos únicos beneficiários, que se aventuram a fa-
zer prevalecer os interêssses particulares sôbre os de uma satisfatória 
administração das Finanças. 
Princípios orçamentários de elaboração e de execução são consi-
derados, com justeza, como garantias da segurança da gestão dos di-
nheiros públicos, e salvaguarda dos direitos das Assembléias no to-
cante à atividade do Govêrno. Sua infringência pela parafiscalidade 
significa, entretanto, a abdicação das Câmaras na matéria? 
V. Revue de Science et de Législation financieres, 1949, n.o 2 (avril, mai, juin). 
- 51-
o papel exato do Parlamento nesse domínio deve ser definido. 
Na origem de todo encargo parafiscal há uma lei que determina 
a sua criação. Se êsse novo encargo se relacionar a um impôsto já 
existente, sob a forma de cêntimos adicionais, por exemplo, submeter-
se-á ao mesmo regime da contribuição principal, e a sua recondução 
de um ano para o outro dependerá da autorização das Câmaras. O 
mesmo não acontece quando a receita deixa de revestir essa modali-
dade. Pode, então, continuar a ser arrecadada por fôrça da lei que a 
criou, sem que haja mister de nova autorização dada pelo Parlamento. 
Por outro lado, as Assembléias podem ter estabelecido apenas o 
princípio da criação do encargo, negligenciando os detalhes de sua apli-
cação. Duas possibilidade então se apresentam, tendo ambas dado lu-
gar a realizações, o cuidado de precisar as modalidades de aplicação 
sendo confiado: 
1.0 ora ao Executivo - e isto só se verifica quando nos acha-
mos em face de um processo correntemente admitido em matéria de 
impostos propriamente ditos; 
2.° ora às Entidades beneficiárias do encargo, as quais, por si 
próprias, fixam os elementos da imposição. Nesse caso, as prerroga-
tivas do Parlamento - até mesmo as do Govêrno - são considerà-
velmente reduzidas. 
Essa conseqüência será tanto mais grave quanto a determinação 
das despesas às quais se achem ligados tais recursos escapar ao Par-
lamento. Quando isto acontece, êsse último não pode proceder à esti-
mativa das receitas em função das despesas anteriormente previstas. 
A intervenção das Assembléias - inexistente durante o Govêrno 
de Vichy - mostrou-se, logo após a libertação, tão inócua relativa-
mente à parafiscalidade quanto o havia sido antes da guerra. Entre-
mentes, haviam proliferado Entidades que assim possuíam o poder de 
perceber e dispor dos dinheiros públicos. A fim de atenuar os lamen-
táveis abusos a que haviam dado lugar, ganhou terreno a idéia da 
imperiosa necessidade de um cont1'ôle. 
Até a uma data muito recente, o contrôle legislativo não podia 
em princípio exercer-se, porque os recursos em questão eram conta-
bilizados fora do orçamento. As contas especiais do Tesouro, os or-
çamentos das Entidades beneficiárias não eram submetidos ao voto 
do Parlamento. A parafiscalidade escapava ao contrôle parlamentar. 
Hoje se manifesta uma reação muito nítida visando a submetê-la 
à fiscalização do legislador. Para tal fim procura-se transformar os 
orçamentos autônomos das Entidades beneficiárias em orçamentos 
anexos, ligados por ordem ao orçamento geral, submetendo-os, ipso 
facto, ao voto do Parlamento. Êstes últimos constituem uma simples 
infração à regra da unidade, aquêles derrogam gravemente o princí-
pio da universalidade. 
Assim é que o Govêrno, num projeto de 30 de oezembro de 1948, 
sôbre o qual se pronunciou a Assembléia Nacional em sua sessão de 
- 52-
11 de fevereiro de 1949, propôs criar um orçamento anexo das presta-
ções familiais agrícolas, fixando-lhes o montante para 1949. 2 
Da mesma forma, em conseqüência do último relatório do Tribu-
nal de Contas, busca-se promover um certo contrôle legislativo sôbre 
as contas especiais do Tesouro. É o que se conseguiu com a lei n.o 
49/310, de 8 de março de 1949 (J. O. de 9 de março) que se aplicará, 
por exemplo, às operações efetuadas mediante aplicação da lei de 15 
de setembro de 1943, que dispôs sôbre a criação de uma taxa de fo-
mento da produção têxtil. Tais recursos serão, doravante, atribuídos a 
uma conta de aplicaçãoespecial (prevista pela discriminação B da lei 
supracitada) cujas operações de receita e despesa serão "executadas, 
controladas e reguladas nas mesmas condições que as do Orçamento 
Geral com exceção de algumas disposições ... " . 
Assim, enquanto o Estado, renunciando a assumir diretamente 
certas atividades de ordem econômica e social, vai confiando essa ges-
tão a Entidades a que delega o poder de arrecadar contribuições se-
melhantes aos impostos e também de dispor das mesmas, o Parlamento 
procura, estendendo o seu contrôle, atenuar os efeitos da multiplió-
dade orçamentária que dali resulta e limitar as conseqüências do des-
membramento do orçamento. 
Embora essa fiscalização do Legislativo se insinue tímida e va-
garosamente, não se pode falar de uma liberdade total das organiza-
ções que percebem os recursos parafiscais. Os seus orçamentos são sub-
metidos, durante a sua execuç'ão, a um contróle administrativo susce-
tível de revestir diversas modalidades. 
Quando as Entidades beneficiárias são repartições e estabeleci-
mentos públicos financeiramente autônomos, aplica-se-lhes, sem difi-
culdade, em suas formas tradicionais, não só a fiscalização financeira 
exercida, em virtude dos decretos-leis de 30 de outubro de 1935 e de 
20 de março de 1939, por um corpo de controladores financeiros -
ditos de Estado, após o decreto de 23 de novembro de 1944, como tam-
bém o contrôle das operações contábeis pela Inspetoria Geral das Fi-
na nças. Assim ocorre com as Câmaras de Comércio ou a Caixa N a-
cionaI de Seguridade Social. 
Até à Libertação, quando a natureza de estabelecimentos p:ibrcos 
das Entidades em quedão ainda não havia sido definida pelo legis-
lador, a regulamentação precedente não se aplicava, e um contrôle 
e"pecial era instituído. 
Assim, a lei de 16 de agôsto de 1940 previra uma fiscalização 
dos ministérios interessados sôbre o emprêgo dos recursos aplicáveis 
às despesas administrativas dos Comités de Organização. Tal fisca-
lização fôra confiada, por decreto de 29 de março de 1941, a contro-
ladores financeiros nomeados pelo Ministro da Economia N aciona] e 
das Finanças e encarregados principalmente de efetuar verificações 
contábeis para julgar da regularidade das operações. 
2 V. Mazero1!es. loc. cito 
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Um princIpIo geral foi, todavia, estabelecido pelo citado decreto 
de 23 de novembro de 1944, que prevê a intervenção dos controladores 
de Estado não só em Repartições, estabelecimentos públicos e serviços 
autônomos do Estado, de caráter industrial, comercial ou agrícola, mas 
também em organizações que se beneficiem de vantagens financeiras 
do Estado ou em "Entidades de importação e de distribuição, comités 
e órgãos profissionais autorizados ora a perceber taxas e rendas des-
tinadas a cobrir suas despesas de funcionamento, ora a efetuar pere-
quaç5es de preços" . 
Êsse contrôle relativo a "tôdas as operações suscetíveis de ter uma 
repercussão direta ou indireta" pode ser estendido por decreto aos di-
versos órgãos que exerçam por conta do Estado uma função econômi-
ca. Não é exclusivo da tutela dos Ministérios técnicos de onde ema-
nam tais órgãos ou do contrôle da Inspetoria das Finanças, aos quais 
estão sujeitos todos os responsáveis por dinheiros públicos em vir-
tude da lei de 4 de abril de 1941. 
Pelo fato de suas receitas provirem de investimentos impostos a 
seus segurados sem nenhum acôrdo contratual e sem outra base ju-
rídica a não ser a obrigação legal de participar de um serviço público, 
tais órgãos "responsáveis por dinheiros públicos" parecem dever estar 
sujeitos ao contrôle jurisdicional normal: o do Tribunal de Contas. De 
jurisdição de competência que êle fôra anteriormente, o Tribunal, pela 
lei de 4 de abril de 1941, se tornou juiz de direito comum de todos 
aquêles que sejam responsáveis por dinheiros públicos. Todavia, "vá-
rias instituições destinadas ora a dirigir e a regulamentar a atividade 
econômica em cada profissão, ora a aplicar a legislação social" esca-
param a seu contrôle a despeito de suas reclamações explícitas. 
Comités de Organização, Repartições profissionais mais tarde, 
C. A. R. C. O., Repartição Central de Distribuição (O. C. R. P. 1.) or-
dens corporativas diversas, Corporação Rural, alegaram fazer exce-
ção tendo em vista o seu estatuto mal definido (pois que não se lhes 
reconhecia expressamente a qualidade de repartições públicas), a fim 
de se subtraírem às verificações do Tribunal. Outrossim, êste órgão 
assinala, em cada um dos dois relatórios publicado após a Libertação, 
não somente os abusos a que deu lugar uma tal política, como também 
as insuficiências da vigilância administrativa e a necessidade de sub-
meter ao seu contrôle êsses órgãos rebeldes, embora "verdadeiras fi-
liais de Serviços Públicos". O Tribunal acaba de obter ganho de causa 
no tocante aos órgãos de Seguridade Social, os quais, exclusivamente 
sujeitos até agora ao contrôle administrativo, ora do Ministério do 
Trabalho, serão doravante submetidos ao contrôle a posteriori daquele 
Tribunal. Mas, se o contrôle da maioria das entidades em aprêço es-
capa sempre a esta jurisdição, êle tem sido, pelo contrário atribuído à 
Comissão de Verificação, prevista pela lei de 6 de janeiro de 1948. Cer-
tos órgãos, o Instituto Nacional Interprofissional dos Cereais, por 
exemplo, estão sujeitos ao duplo contrôle da Comissão de Verificação 
e do Tribunal de Contas. 
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o fato de que tal contrôle jurisdicional se exerce sôbre as opera-
ções financeiras e contábeis, relativas à utilização dos encargos para-
fiscais, não pode fazer esquecer que êstes últimos dão lugar a nova in-
tervenção das jurisdições para conhecerem das contestações que sur-
gem a respeito dos mesmos. 
O contencioso das receitas parafiscais ligadas ou assemelhadas às 
contribuições diretas ou indiretas e percebidas pelas repartições fis-
cais, é o contencioso correntemente aplicado em matéria de impostos 
de Estado. 
Os recursos parafiscais, por não revestirem essa forma, podem 
ficar sujeitos a um contencioso especial. Assim acontece no tocante 
à Seguridade Social, por fôrça da lei de 24 de outubro de 1946 e do 
regulamento de administração pública de 31 de dezembro de 1946. 
Sendo geralmente um ato administrativo o fator que estabelece as 
condições de aplicação dêsses encargos, isso permite um contrôle de 
legalidade confiado à jurisdição administrativa. O Conselho de Es-
tado afirmou sua competência mesmo quando a entidade beneficiária 
não se tenha erigido em repartição pública (aresto Monpeurt) . 
B - Parafiscalidade e Tradições Fiscais 
A parafiscalidade não se contenta em infringir os princípios or-
çamentários. Na medida em que ela resulta de uma delegação, trans-
gride também as tradições fiscais, tanto no plano da mobilização da 
receita como no da justiça. 
Os princípios clássicos da mobilização dos recursos são solapados 
pela parafiscalidade assim que o Estado coloca esta última fora da 
intervenção das repartições fiscais. 
Duas modalidades são, com efeito, possíveis: 
1.0) As receitas parafiscais percebidas à conta de diversos ór-
gãos são estabelecidas pelos serviços de contribuições diretas ou indi-
retas. Podem apresentar-se ora como taxas "anexas", arrecadadas sob 
forma de cêntimos ou de taxas adicionais às imposições correntes, ora 
como taxas "assemelhadas" a essas contribuições, tendo, porém, uma 
base própria, autônoma. 
A tal respeito, uma evolução curiosa pode ser notada, relativa aos 
encargos fiscais estabelecidos pela distribuição das contribuições di-
retas à conta do Fundo Nacional de Solidariedade Agrícola. 3 
N um primeiro período (Ocupação e Libertação), foram estabele-
cidas concomitantemente taxas anexas e taxas assemelhadas (taxas 
sôbre os produtos da indústria de laticínios e taxas sôbre as produções 
hortícolas) . 
Não subsistem hoje senão taxas anexas que, até o advento do de-
creto de 9 de dezembro de 1948, tinham a mesma base que os impostos 
de Estado, porém que, a partir daquele texto relativo à reforma fiscal3 MazeroIles. Le budget annexe des prestations Familiales agrieoles (Reu. de Se. 
et de Lég. fin., 1949. n.o 1 e seguintes). 
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e supressão dos impostos cedulares, possuem uma base idêntica à dos 
cêntimos adicionais percebidos, conforme o antigo sistema, em proveito 
dos Departamentos e Comunas. 
2.°) O Estado confiou a cobrança dessas receitas aos órgãos be-
neficiários. A forma extrema seria habilitar êsses órgãos a perceber, 
não só as contribuições que lhes estão afetas, mas também os impostos 
do Estado. Reconhece-se aí o projeto, apresentado por Benini na Itá-
lia fascista, tendo por fim completar o poder econômico das Corpora-
ções com um poder fiscal. Na própria península, a delegação corpo-
rativa do impôs to somente sofreu limitações. Simplesmente chama-
das a colaborar com a administração por ocasião do estabelecimento da 
base dos impostos, as Corporações não foram habilitadas, de modo al-
gum, a avaliar o montante dos impostos individuais ou a percebê-los. 
Em França, quando em matéria de parafiscalidade social e pro-
fissional, a cobrança não é assegurada pelas repartições tradicionais, 
fala-se, às vêzes, em "desmembramento" do poder fiscal por analo-
gia com o sistema precedente: Eis, aí, uma expressão equívoca, sendo 
conveniente precisar que, com exceção de alguns Comités de Organi-
zação que por si próprios fixaram a escôlha das bases da contribuição 
social, 4 com ressalva de uma aprovação ulterior por parte da autori-
dade administrativa. os organismos beneficiários fazem apenas a co-
brança das imposições, cuja criação, base e tarifa são determinadas 
pelo Estado. 
Essa delegação dá lugar a duas modalidades diferentes, confor-
me as entidades interessadas percebam diretamente as imposições ou 
conforme uma organização intermediária (distinta das Repartições do 
Estado) assegure a cobrança dos tributos, fazendo, em seguida, re-
verter o seu produto àquelas entidades. tsses dois regimes coexistem, 
às vêzes, no tocante a organizações similares: enquanto a cobrança das 
contribuições era assegurada pela C. A. R. C. O. para a maioria dos 
Comités de Organização, seis dentre êles arrecadavam diretamente as 
quantias destinadas a assegurar o seu próprio financiamento. Além 
disso, o poder de sujeição fiscal nem sempre é total: a C. A. R. C. O., 
por exemplo, podia proceder à cobrança forçada mas devia utilizar os 
processos comerciais (o que não deixa de explicar os dissabores por que 
passou aquela organização) . 
Acentua-se, destarte, o caráter híbrido e complexo dessas contri-
buições, que justifica o qualificativo de parafiscalidade. 
O princípio da justiça é mais bem respeitado por essa técnica de 
arrecadação? Não parece que isto aconteça. Fonte possível de injus-
tiça, a parafiscalidade parece aumentar, pelo contrário, a injustiça 
dos impostos existentes. 
Embora não seja útil considerar aqui a justiça do encargo para-
fiscal, debate que poria em jôgo o próprio fundamento dessa técnica, 
é preciso, pelo contrário, lembrar aqui os dois aspectos essenciais sob 
4 Cf. J. G. Mérigot, Essai sur les Comités d'Organization Professionnelle. Librai-
rie générale de Droit e de J urisprudence. Paris, 1943. 
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os quais pode ser encarada a justiça de qualquer contribuição: justiça 
nessa e justiça por essa contribuição. 
A parafiscalidade ignora fàcilmente a igualdade perante o im-
pôsto, tanto no plano individual quanto no plano coletivo. 
No nível individual, a igualdade dos sacrifícios é ignorada na 
maioria dos casos: a progressividade é a exceção; a proporcionalidade 
é a regra. Os elementos de personalização raramente são considerados. 
N o plano coletivo (setores profissionais ou categorias sociais), a 
parafiscalidade não deixa de ser injusta dentro dos limites seguintes: 
1.0) as taxas percebidas pelos órgãos profissionais variam con-
forme as profissões e diferem profundamente no tocante às profissões 
vizinhas; 
2.°) a parafiscalidade acarreta uma situação desvantajosa para 
um grupo com relação a outro. Isto se produz evidentemente quando 
a lei, deslocando o fardo das imposições, coloca, mediante o jôgo das 
taxas parafiscais, uma parte do financiamento da Seguridade Social 
em agricultura sob a responsabilidade dos compradores de produtos 
agrícolas; 
3.°) um grupo contribui e um outro se beneficia com as presta-
ções assim feitas, graças às contribuições parafiscais (assim aconte-
ce com os Seguros Sociais em França: patrões e operários contribuem, 
mas somente êstes últimos é que recebem auxílios oriundos dessas 
prestações) . 
A parafiscalidade não aparece, então, como uma técnica capaz de 
promover justiça por meio do impôsto? A prática da discriminação, 
sobretudo entre grupos sociais classificados pelas situações econômi-
cas, não permite que se duvide aqui da resposta a ser dada. A para-
fiscalidade social se esforça em realizar uma solidariedade compulsó-
ria na escala nacional. 
A justiça fiscal que outrora se apreciava individualmente só pode 
ser apreciada agora sôbre o plano nacional. 
Em conseqüência disso, a parafiscalidade, consoante o ponto de 
vista sob o qual é observada, pode parecer aumentar a justiça pelas 
ou a injustiça nas contribuições do Estado existente a seu lado. A 
busca de recursos suficientes, suscetíveis de cobrir as despesas de no-
vos organismos, leva a selecionar matérias que já foram objeto de im-
pôsto. O encargo fiscal, que está longe de satisfazer no domínio da 
justiça, vê assim o seu caráter de iniquidade acentuar-se com o pêso 
suplementar do encargo parafiscal. Do crescimento da pressão e do 
aumento da injustiça, a amplificação da evasão fiscal só pode ser a re-
sultante. 
Surge, também, daí o problema da concorrência entre a fiscali-
dade e parafiscalidade, ou mais exatamente o problema da identidade 
da matéria tributável e da interferência dessas duas técnicas de impo-
sição na pressão que elas exercem sôbre a única fonte possível de ar-
recadação: a Renda Nacional. 
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SEÇÃO 11 - A Concorrência entre a Parafiscalidade e a Fiscalidade 
propriamente dita 
As técnicas de cálculo da Renda Nacional se entrechocam quando 
se trata de fazer a inclusão total ou parcial dos produtos fiscais e 
parafiscais numa das grandezas características da Renda Nacional. 
Corrado Gini fala mesmo de circunstâncias que tendem a fazer com 
que o crescimento da Renda Nacional pareça maior do que o é na 
realidade. 
Dois pontos de vista condicionam o exame dessa questão conforme 
se considere a pressão quantitativa ou a pressão qualitativa. 
O ponto de vista da pressão quantitativa suscita a questão do li-
mite da arrecadação operada sôbre o contribuinte, qualquer que seja 
a forma - fiscal ou parafiscal. 
Quanto à existência dêsse duplo limite divergem as opiniões. 
Para alguns autores, êsse limite está irremediàvelmente fixado 
numa porcentagem determinada da Renda Nacional: 25% segundo 
Colin Clark, por exemplo. Mas se dermos crédito aos teoristas da com-
pensação fiscal, tal limite poderá ser recuado: todo indivíduo sujeito 
a um encargo fiscal se esforça, mediante um acréscimo de trabalho, 
a compensar a redução de rendimento conseqüente à arrecadação; e 
dêsse esfôrço de todos os contribuintes a tendência para o aumento da 
Renda Nacional seria a conseqüência inelutável. 5 Aplicando aqui es~a 
tese de Viti de Marco (contestada, aliás, por Pantaleoni, em seus pri-
meiros trabalhos), seríamos levados a ver na parafiscalidade um fa-
tor de crescimento real da Renda Nacional. 
Na realidade, a noção de limite só pode ser concebida em função 
de uma situação dada. 6 Se se pretende transformar a ordem existente 
- e nisto parece consistir o objetivo da parafiscalidade ao serviço 
de um intervencionismo econômico e social ativo - o limite pode ser 
ampliado. Mas qualquer que seja o seu lugar, êsse limite pode ser re-
presentado, empregando-se uma geometria simples, por uma assíntota 
em relação ao total das duas arrecadações: fiscal e parafiscal. Para 
um dado volume de arrecadações, as duas técnicas entramem concor-
rência, pois que uma não pode tomar a si aquilo que a outra deixou de 
arrecadar. 
A parafiscalidade compromete, portanto, a situação atual e o de-
senvolvimento futuro da fiscalidade stricto sensu reduzindo a substân-
cia fiscal disponível para o Estado e aumentando os encargos dos con-
tribuintes. Os redatores do Inventário Schuman haviam compreen-
dido bem êsse fenômeno quando observaram: " ... Uma arrecadação 
tão maciça diminui necessàriamente a capacidade fiscal do País, aca-
.bando mesmo, em certos casos extremos, por absorvê-la inteiramente". 7 
A importância da arrecadação efetuada em proveito do Fundo de So-
5 Cf. Krier. La charge des impôts sur l'economie. Paris. L. G. D. J .. 1944 e Dehove, 
Impôt, Economie et Poli tique : Pression fiscale et équilibre economique. Paris. P. U . F .• 
1947. 
6 Cf. J. Peyréga. Les limites de la fiscalité, in Openhare, 1947. n.O 4. p. 297. 
7 Inventaire de la Situation Financiere. Paris. Imprimerie Nationa1e, 1946, p. 454. 
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1idariedade Agrícola tornou, com efeito, impossível uma enumeração 
exata das espécies de rendimentos por empreitada, por ocasião do es-
tabelecimento da lista de itens da cédula agrícola para o ano de 1946. 
Mais recentemente, em face da situação que se originou com a 
superposição, sôbre os salários e vencimentos, da fiscalidade direta 
(impôsto cedular e impôsto geral) e da parafiscalidade (seguridade 
social), após comparação com os encargos mais leves que incidiam sô-
bre certos contribuintes, militou-se - não exclusivamente sem dúvida, 
porém muito fortemente - em favor de uma transformação do im-
pôsto sôbre os vencimentos e salários, que perdeu, a partir de setembro 
de 1948, pelo menos de fato senão de direito, o seu caráter de impôsto 
cedular e pessoal sôbre a renda. 
Nessas condições, qual das duas técnicas se nos afigura preferí-
vel? O exame do segundo ponto de vista, o da pressão qualitativa pode 
indicar uma linha de solução. 
Do ponto de vista do Estado, parece que é mais fácil fazer supor-
tar o ônus da arrecadação, difundindo-a, fracionando-a. Assim, o li-
miar de excitação da evasão fiscal, legítima ou não, será mais elevado. 
Os promotores da parafiscalidade pensam que o contribuinte não fará, 
de modo algum, uma assimilação, em verdade exata, entre a fôlha de 
cobrança do recebedor fiscal e o recibo de pagamento da contribuição 
a uma entidade profissional ou de Seguridade Social. 
Ora, no plano individual, tal esfôrço parece ilusório. O contri-
buinte considera o montante líquido de seus rendimentos, confrontan-
do-o com o total dos descontos que suporta, qualquer que seja a justi-
ficação ou a técnica. O elemento de sujeição que é comum tanto à téc-
nica fiscal como à técnica parafiscal é algo de que êle não pode deixar 
de ressentir-se. Êle engloba todos os descontos a que está sujeito e os 
considera como uma coisa alheia capaz de refluir à sua origem. Os en-
cargos parafiscais, portanto, tenderão a refluir e pesarão sôbre os pre-
ços ou, então, serão, muitas vêzes, objeto de uma evasão fiscal como a 
de que a C. A. R. C. O. nos ofereceu um excelente exemplo. 
A gravidade do problema da concorrência entre a parafiscalidade 
e os impostos do Estado não escapou aos autores da recente reforma 
fiscal. O artigo 261 do decreto de 9 de dezembro de 1948 prevê, com 
efeito, que nenhum direito ou taxa pode ser arrecadado em benefício 
de organismos públicos ou privados e incluídos nos preços sem que a 
lei haja autorizado a sua instituição e regulamentado as suas moda-
lidades de lançamento e cobrança. 
O texto estipula, além disso, que "as taxas existentes que não te-
nham sido objeto de uma autorização legal explícita, serão nulas de 
pleno direito se, antes de 30 de julho de 1949, os textos que as insti-
tuem não foram submetidos a uma homologação que será pronunciada 
por decreto referendado pelo Ministro das Finanças e Negócios Eco-
nômicos e, se necessário, pelo Ministro interessado ... " 
Examinada à luz dos princípios da ciência tradicional das Finan-
ças, a parafiscalidade parece, portanto, revelar-se sob aspectos bastan-
te comprometedores. Quando se trata de suas repercussões na técnica 
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orçamentária, contábil ou fiscal, ela trai uma certa vacilação, muitas 
vêzes mesmo uma incoerência. É pouco provável que a parafisca-
lidade possa integrar-se na concepção jurídica e publicista da Ciência 
das Finanças. 
Na medida em que ela decorre do intervencionismo do Estado e 
em que assinala um rompimento com os quadros tradicionais adequa-
dos a funções delimitadas e precisas do poder público, uma Nova 6tica 
se impõe para o seu exame. É a da economia financeira. Não mais se 
trata de estudar e de julgar a parafiscalidade do ponto de vista do ór-
gão arrecadador, do responsável pelo dinheiro público ou do auditor 
do Tribunal de Contas; trata-se de considerar o seu papel num hori-
zonte mais vasto do que o das contas do Estado, de repô-lo no meca-
nismo da Economia Nacional, de examinar as suas interferências com 
a atividade das diversas entidades econômicas e avaliar-lhe a impor-
tância no quadro de uma política econômica quantitativa. 
CAPíTULO TERCEIRO - Parafiscalidade e Economia da Nação 
A evolução da parafiscalidade poderia lembrar, em mais de um 
ponto, a da fiscalidade propriamente dita. 
No dia em que se compreendeu: 1.0) que o impôs to estava em es-
treita ligação com o rendimento do sujeito econômico e as decisões que 
êle tomava relativamente a êste último e 2.°) que o Estado tendia a 
considerá-lo mais como instrumento de política econômica do que como 
meio de alimentar os cofres públicos, o reformismo fiscal, por inter-
médio da distribuição dos rendimentos, adquiriu uma amplitude e uma 
importância que encontra o seu apogeu na Fiscal Policy dos anglo-sa-
xões contemporâneos. 
A parafiscalidade, por sua vez, não teve, à primeira vista, senão 
um papel econômico ínfimo na medida em que ela se limitou a simples 
sobretaxas ou a suplementos relativamente mínimos aos impostos do 
Estado. Sua importância cresceu quando ela passou a ser o fruto da 
economia dirigida ou da economia corporativa, ao ficar limitada ao 
setor profissional organizado. Mas quando se observa como são mane-
jados hoje em dia os capitais pelos órgãos da seguridade social pode-se 
medir a distância que separa a parafiscalidade de economia dirigida, 
ou de organização profissional, da parafiscalidade social. 
Hoje, com efeito, a parafiscalidade serve essencialmente para 
abarcar os rendimentos das diferentes classes sociais e garantir, em 
ligação com o impôsto, uma redistribuição em vista de uma ordem eco-
nômica não decorrente de uma ordem social hierarquizada, como nos 
regimes corporativos, mas, antes, que se proponha a assegurar o 
bem-estar econômico da Nação. 
As cifras já apresentadas na primeira parte dêste estudo assina-
lam a importância sempre crescente da parafiscalidade social com re-
lação à parafiscalidade de economia dirigida e de organização profis-
sional. 
Os volumes respectivos das arrecadações realizadas estão hoje na 
proporção de, pelo menos, 1 para 50. O simples exame de tais cifras 
- 60-
nos autoriza, em nosso entender, a aplicar aqui o esfôrço principal de 
nossa análise sôbre a parafiscalidade social; em suma, os problemas e 
os efeitos são, muitas vêzes, comuns às outras modalidades de para-
fiscalidade. 
Por que se considera a parafiscalidade como um meio de ação 
possível? 
Até que ponto a parafiscal idade se manifesta como sendo um meio 
de ação eficaz? 
Tais são os dois pontos que convém examinar aqui. 
SEÇÃO I - A Pamfiscalidade é Meio de Ação Possível? 
A utilização da parafiscalidade como meio de ação possível é uma 
questão que só apresenta um interêsse limitado quando se considera 
exclusivamente parafiscalidade de economia dirigida ou de organiza-
ção profissional. Pelo contrário, ela se reveste de um interêsse maior 
quando se levam em conta os encargos sociais parafiscais no quadro 
de uma política econômica de redistribuição das rendasem conexão 
com uma política de emprêgo. 
A partir daí, é possível estudar-se o papel econômico da parafis-
calidade à luz daquilo que o economista norte-americano Groves'" 
chama de duas filosofias da Seguridade Social: o método distributivo 
e o método funcional. 
A. O Método Distributivo: é aquêle que está em relação com o 
padrão de vida e a distribuição relativa das rendas numa determinada 
economia. 
De acôrdo com êsse ponto de vista, pode ser apreciada, sem dú-
vida, a parafiscalidade na medida em que, por exemplo, sôbre o plano 
da economia dirigida, ela é destinada a facilitar perequações ou com-
pensações de preços ou no domínio da organização profissional, ela 
permitiu pagar indenizações às emprêsas fechadas ou destruídas. Mas 
é, sobretudo, para os encargos sociais que êsse método distributivo é 
válido. 
"A abolição da necessidade - escreveu Sir W. Beveridge - exi-
ge uma dupla redistribuição das rendas, pelos Seguros Sociais de um 
lado e pelos Abonos de Família". Para lutar contra a interrupção, a 
insuficiência ou o desaparecimento do ganho, é preciso conceder ren-
das de compensação (prestações de seguro-doença), de substituição 
(abonos de desemprêgo, pensões de amparo à velhice), de complemen-
to (abono-família ou de alojamento), àqueles que estão na penúria e 
carecem de meios de existência necessários a uma vida sã. 
Uma justa redistribuição das rendas implica: 
1.0) a generalização, a todo o povo, da concessão de prestações, 
partindo-se dos encargos parafiscais (quaisquer que sejam as suas mo-
dalidades) ; 
2.°) a cobertura de todos os riscos e a uniformidade de uma 
parte entre as prestações concedidas aos segurados, e por outra parte 
8 Harold M. Groves, Postwar taxation and Economic Progresso Me Graw, 1946. 
- 61-
entre as contribuições que dêstes últimos são exigidas. Mas se essa 
uniformização é levada ao máximo no Plano-padrão apresentado por 
Beveridge, os cidadãos que dispõem de meios superiores se vêem, con-
tudo, na contingência de pagar mais na medida em que, como contri-
buintes costumam pagar mais impostos. Participam, assim, em pro-
porção mais elevada, do financiamento dos Seguros Sociais pelo Estado. 
Pela transferência das rendas das classes abastadas para as clas-
ses deserdadas, esforça-se por garantir a todos um mínimo vital. A idéia 
da redistribuição das rendas não é a idéia da igualação geral das 
rendas. 
Mas o papel distributivo da parafiscalidade não é mais, na hora 
atual, um fim em si mesmo. O filtro em que consiste a parafiscalidade 
vem favorecer o funcionamento do sistema econômico. É que, em úl-
tima análise, a seguridade social não pode ser garantida senão pela 
seguridade econômica. 
O seu papel distributivo reforça hoje o seu papel funcional. 
B. Êsse Papel Funcional foi definido por Alvin Hansen como de-
vendo integrar-se numa política do emprêgo. A parafiscalidade social 
ajusta os seus efeitos aos de outras modalidades de arrecadações (or-
ganização profissional, economia dirigida) e à fiscalidade propriamen-
te dita para promover um alto grau de emprêgo e para manter, por 
outro lado, a estabilidade do nível do emprêgo. 
Busca-se alcançar a realização de um alto grau de ern]J1"êyo ao 
mesmo tempo sôbre o plano quantitativo e sôbre o plano qualitativo. 
1.0) Sôbre o plano quantitativo: a parafiscalidade assegura, pela 
redistribuição das rendas, o aumento ou a manutenção da tendência 
ao consumo, portanto da procura efetiva. 
O investimento de capitais tenderá igualmente a ampliar-se. 
A participação dos encargos sociais no circuito sob forma de pres-
tações (portanto mediante redistribuição) acarreta uma nova procura 
de bens e serviços que provoca a criação ou o desenvolvimento de no-
vos ramos de atividade nos quais podem ser empregados capitais e 
mão-de-obra. 
Por outro lado, os recursos arrecadados pelos órgãos da Seguri-
dade Social podem participar diretamente dos investimentos. O plano 
francês da Seguridade Social, pOl" exemplo, resolve aplicar uma par-
te dos recursos a um esfôrço de investimento e de equipamento sani-
tário e social: hospitais, laboratórios, por exemplo. 
Dessa for:na, portanto, as quantias livremente amealhadas que 
podiam permanecer inaplicadas ou ser irracionalmente empregadas 
(pelos detentores de rendimentos elevados) são absorvidas pelos en-
cargos parafiscais e postas ao serviço de um investimento útil para o 
conj unto da economia. 
2.°) O ponto de vista qualitativo do emprêgo não é menos im-
portante. Trata-se com efeito: 
De uma parte: de assegurar uma forte produtividade do trabalha-
dor e isto se consegue por meio das prestações de seguros - doença, 
- 62-
seguros de acidentes de trabalho; ou ainda, no plano da parafisca-
lidade profissional, mediante as arrecadações destinadas a financiar 
os órgãos de aprendizagem, de formação profissional ou de promoção 
do progresso técnico. 
De outra parte: de assegurar a manutenção, a longo prazo, do 
capital humano. Os encargos sociais correspondem às despesas da 
"conservação intacta" do fator humano da produção. Assim sucede 
muito particularmente com os Seguros Sociais e os Serviços médico-
sociais. 
Uma vez alcançado um alto grau de emprégo convém mantê-lo es-
tável. A parafiscalidade oferece um meio aliás preconizado pelo Li-
vro Branco inglês de 1944: a variação das contribuições e prestações 
de seguros sociais. Fazendo variar essas contribuições em tôrno de 
uma taxa-padrão que tenha por finalidade manter no tempo um fundo 
sempre igual de Seguridade Social, tentar-se-á conseguir a estabiliza-
ção do índice do emprêgo. Se se desejar, por exemplo, que o índice de 
desemprêgo não ultrapasse jamais de 5%, deverão ser diminuídas as 
contribuições; se o índice de desemprêgo vier a elevar-se, atingindo, 
por exemplo, a 15 %, as contribuições serão reduzidas pela metade. O 
dinheiro deixado assim nas mãos dos trabalhadores ajudará a manter 
a procura de bens de consumo e a compensar de algum modo o declínio 
nas despesas daqueles que perderam o seu trabalho. 
Assim, portanto, a parafiscalidade surge como um elemento de 
ação possível, mas as críticas que ela tem suscitado, em particular no 
que concerne à Seguridade Social em França, tendem a fazer que seja 
considerada como um encargo nefasto para a Economia. 
SEÇÃO II - A Parafiscalidade é Meio de Ação Eficaz? 
A parafiscalidade, meio de ação possível, é meio de ação eficaz? 
Para examinar com objetividade as censuras dirigidas contra ela, 
é preciso frisar, de início que - pelo menos no que diz respeito à pa-
rafiscalidade social - tais críticas não podem, de forma alguma, acar-
retar uma condenação definitiva de uma série de medidas e de insti-
tuições que se enraizaram e se tornaram uma peça essencial de nossa 
estrutura social. Assim como acontece com muitos outros instrumen-
tos de política econômica, trata-se de determinar o "bom uso" que é 
possível fazer da mesma em determinadas condições de estrutura e 
conjuntura. 
A. No Plano da Redistribuição das Rendas 
Deve-se, inicialmente, frisar que as rendas de complemento ou de 
substituição são destinadas a fazer face, em numerosos casos, a des-
pesas necessárias, de sorte que o nível de vida não corra o risco de 
aumentar. A regra não é geral. O regime dos abonos de família, por 
exemplo, assegura recursos apreciáveis ao paí de família em qualquer 
época, mas o essencial é que a redistribuição por meio da parafisca-
-63-
lidade não se veja, de algum modo, aniquilada por uma elevação dO' 
custo da vida e por um aumento dos encargos do indivíduo. 
Êsse papel de redistribuição será verdadeiramente importante? 
Parece ser pouco significativo. Algumas porcentagens podem dar uma 
idéia da intensidade redistributiva das rendas pela parafiscalidade: 
em França, segundo a Revue Française du Travail, 6% da Renda Na-
cional; na Bélgica 6 a 7 % se dermos crédito ao órgão do Ministério da 
Previdência Social. 9 
B. Chega-se, destarte, a conceber algumas dúvidas sôbre a im-
portância do papel funcional da parafiscalidade,ligado, como vimos, 
a seu papel redistributivo. 
No que concerne ao aumento da propensão ao consumo, se todos 
os elementos das prestações cor respondem a uma necessidade inelutá-
vel, a massa dos rendimentos destinados ao consumo para o conjunto 
de uma economia não se acha acrescida com isso. Em numerosos casos, 
as prestações, como salientaram Dalton ou Pigou, são destinadas uni-
camente à aquisição de bens e serviços inelásticos. 
O pêso da parafiscalidade sôbre os rendimentos das classes pobres, 
dos salariados em particular, provàvelmente não permitirá um acrés-
cimo das despesas de consumo. Na medida em que encargos parafis-
cais profissionais vêm juntar-se ao preço corrente de venda dos pro-
dutos - como acontece principalmente no que diz respeito às taxas 
percebidas sôbre as profissões cinematográficas em benefício do fundo 
de auxílio à indústria do cinema - a possibilidade de um acréscimo 
das despesas de consumo, talvez mesmo de sua manutenção, se acha 
consideràvelmente ameaçada. 
Da mesma forma, todo encargo social sôbre o salário dos traba-
lhadores se traduz para os mesmos por uma diminuição de seu rendi-
mento líquido. Assim, os investimentos efetuados pelos salariados a 
título de contribuições operárias aos Seguros Sociais agem diretamente 
naquele sentido, isto é, abaixando os salários reais muito aquém dos 
salários teóricos. Na França, os estudos do Instituto de Estatística e 
da Conjuntura, comparando o poder aquisitivo dos trabalhadores em 
1947 e 1938, tendem a mostrar que o montante dos encargos sociais 
tem sido integralmente arrecadado sôbre os rendimentos dos salaria-
dos. Houve transformação no modo de distribuição das rendas, mas 
essa transformação não afetou, de modo algum, a importância mesma 
dos rendimentos consagrados à despesa de consumo. 
Se incidem sôbre os trabalhadores, os encargos sociais pesam tam-
bém sôbre os empregadores. É provável que o crescimento quantita-
tivo do emprêgo corra o risco de se ver, por seu turno, comprometido 
por sua repercussão sôbre o custo de produção das emprêsas. N ote-
mos, aliás, que a parafiscalidade profissional oferece resultados idên-
ticos. Os encargos sociais que pesam sôbre a emprêsa acarretam uma 
9 Revue Française du Travail, décember 1947, p. 1057 - Revue du TravaU. 
organe du Ministére du Travail et de la Prévoyance sociale en Belgique, janvier 1948, p. 5. 
- 64-
alta da parte dos salários no custo de produção, e portanto, uma e~e­
v<lcão dêste último. 
• Duas possibilidades se apresentam, então, devendo a tal respeito 
excluir-se a hipótese assaz improvável segundo a qual os donos de em-
prêsas aceitariam arrecadar aquêles encargos sôbre os seus próprios 
lucros. 
Ou bem essa majoração se traduzirá pela necessidade de os em-
pregadores diminuirem o número de operários ocupados. A procura 
de mão-de-obra baixará então no mercado de trabalho. O emprêgo não 
poderá ser mantido. Ou bem, essa majoração repercutirá num au-
mento dos preços de venda dos bens produzidos, transferindo-se assim 
dos produtores para os consumidores. Mas entre êstes últimos figura 
um grande número de trabalhadores. Já adstritos a uma arrecadação 
parafiscal operada em seu salário, êles verão o seu nível de vida afe-
tado, além disso pela repercussão da alta dos preços, principalmente 
dos bens de consumo. Com o abaixamento de sua renda real, a sua pro-
cura global tenderá a diminuir e, com ela, o emprêgo. A situação se 
agrava em caso de eclosão inflacionista: o ciclo infernal dos salários 
e dos preços vem destruir de algum modo as vantagens que teriam po-
dido nascer da redistribuição das rendas. 
Qualquer que seja a forma pela qual se manifestem, a elevação do 
custo de produção, o licenciamento dos trabalhadores, o abaixamento 
da renda real acarretam uma redução do consumo, um amortecimento 
da atividade econômica, portanto, uma diminuição do índice de em-
prêgo. Tal fenômeno pode acentuar-se com a paralisação das exporta-
ções então menos favorecidas em relação à concorrência estrangeira. 
Assim acontece na França, onde os encargos sociais representam, às vê-
zes, mais de 40 % sôbre o preço de custo de produção, ao passo que 
nos Estados Unidos da América do Norte a cifra correspondente é de 
50/0, na Grã-Bretanha 16%, nos Países-Baixos 20% e na Bélgica 24%. 
Do ponto de vista qualitativo, é preciso assinalar que o seguro 
contra a doença e a invalidez permite a eliminação, do mercado de 
trabalho, de elementos fisicamente deficientes e provoca, sem nenhu-
ma dúvida, um crescimento na produtividade média dos trabalhado-
res. Pelo contrário, êle favorece - principalmente no início da insti-
b~ção do regime de Seguridade Social - o absenteísmo, cujo desen-
vulvimento pode ocasionar uma diminuição da produtividade total da 
mão-de-obra. 
Embora seja possível admitir-se, a longo prazo, como provável a 
compensação do encargo que pesa sôbre os custos mediante o acréscimo 
da produtividade devido à melhoria do estado de saúde dos trabalha-
dores, por outro lado não se pode esquecer que a parafiscalidade é tanto 
mais onerosa quanto recai essencialmente sôbre a população ativa, a 
qual, num país como o nosso tende a decrescer em relação aos elemen-
tos não produtivos da população. 
Pretende-se, enfim, obter a estabilidade do emprêgo? Beveridge 
levantou objeções contra uma política de variação das contribuições 
sociais, colocando-se num terreno prático e psicológico. Êle pensa que 
- 65-
a vantagem dessa política consiste, quando muito, em poder mitigar 
os efeitos secundários da flutuação do emprêgo. Se fôsse adotada, só 
poderia aplicar-se com êxito no tocante à contribuição dos emprega-
dos, uma vez que os patrões podem gastar menos no caso de serem re-
duzidas as contribuições. 
Tais são, ao nosso ver, os limites, segundo os quais a parafiscali-
da de aparece como sendo um meio de ação eficaz. Se pensarmos que 
ela se faz acompanhar de um aparelho administrativo emperrado e 
complexo, chegaremos a indagar, juntamente com Meade em sua obra 
mais recente: "Planning and the Price mechanism", 10 se não seria pos-
sível simplificar, consideràvelmente, uma reforma fiscal que tivesse de 
solucionar satisfatoriamente o problema da concorrência entre a fis-
calidade e a parafiscalidade. Poderia tal reforma seguir "a idéia a ser 
aprofundada" sugerida por Lady Rhys Williams, que preconiza o pa-
gamento mensal pelo Estado a cada um dos seus cidadãos de um divi-
dendo social por empreitada? 11 A fórmula pode ser sedutora. Não é, 
todavia, demasiado simplista? 
Trata-se, com efeito, como o demonstrou Hansen, de combinar um 
impôsto sôbre a renda, progressivo, com um vasto plano de parafis-
calidade social. 
Mas tal entrosamento não será muito fácil para o Estado inter-
vencionista ou dirigista, cujas opções serão mais complexas e delicadas 
do que, pelo menos, as do Estado planificado, enquanto permanecer 
um Estado impotente perante as tarefas econômicas que incessante-
mente se avolumam. 
CONCLUSÃO 
A parafiscalidade é, no plano financeiro, o reflexo ou, mesmo, a 
própria imagem de um intervencionismo crescente, feito de empiris-
mo, de oportunismo e de ajustamentos parciais. 
Ela trai a hesitação dos Poderes Públicos em promover a elabo-
ração de um sistema fiscal coerente e de acôrdo com as novas tarefas 
que lhe incumbem doravante. 
Manifesta, ao mesmo tempo, a inadequação técnica e política às 
ambições e responsabilidades atuais de um Estado, que pretende con-
servar a estrutura válida para um regime econômico que êle repudiou: 
o capitalismo liberal. 
Revela a inadaptação fundamental entre o que é e o que pretende 
o Estado intervencionista; porque, para citar a expressão sugestiva do 
Professor Jean Lhomme, - êle quer demais em relação àquilo que 
êle é". 12 
10 Cf. E. Meade. Planning and the Price Mechanism. AlIen and Unwin. Londres, 
1948. 
11 Lady Rbys Williams. Something to look Forward. Vide Macdona1d and Co .• 
Londres. citado por M. Gaél Fain, Pour simplifier le redistributioTl des revenus. Revue 
Politiqueet Parlementaire, octobre 1948. p. 134. 
12 Cf. J. Lbomme. L'Etat moderne: ses tâches et moyens, in Banque, n.o 26. aout 
1948. p. 485. 
- 66-
Aí está por que, se considerarmos a parafiscalidade no quadro clás-
sico das finanças públicas, não chegaremos a realizar a sua integração 
completa. Eis, também, a razão pela qual a parafiscalidade, até o li-
mite em que é um instrumento de política econômica, corre o risco de 
revelar-se inadequada aos fins que lhe são atribuídos. 
Não pode ser explicada segundo os pontos de vista da Ciência tra-
dicional das Finanças. Ela traz em demasia o caráter de uma técnica 
fortuita - ou talvez mesmo de um mero expediente - para que pos-
sa exercer uma ação verdadeiramente eficaz sôbre o conjunto da ati-
vidade econômica. 
A parafiscalidade é um conceito híbrido e de expectativa, conce-
bível enquanto os pensamentos político, econômico e financeiro mo-
dernos não tiverem realizado suas síntese e unidade. Assinala a pas-
sagem da éra da tradição para a das "apostas sôbre estruturas novas". 13 
13 A expressão é do Professor François Perrou.

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