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Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-1 Instituto Federal da Bahia – Câmpus Salvador Licenciatura em Física Prof. Niels F. Lima Luz, Visão e Ótica Geométrica Sumário 1. A Ótica Geométrica, apesar das controvérsias .............................................................. 3 2. Luz e Visão ...................................................................................................................... 7 2.1. O espectro eletromagnético .................................................................................... 7 2.2. Emissão e absorção de luz pela matéria .................................................................. 9 Emissão térmica e o problema do corpo negro ............................................................. 9 Emissão atômica ou molecular .................................................................................... 13 Emissão estimulada ou o laser ..................................................................................... 15 2.3. A visão em cores no olho humano ......................................................................... 15 2.4. Visão binocular estereoscópica ............................................................................. 20 3. Princípios e primeiras aplicações da Ótica Geométrica ............................................... 25 3.1. Os princípios da Ótica Geométrica ........................................................................ 25 3.2. Primeiras aplicações da Ótica Geométrica ............................................................ 26 Retas e raios de luz ....................................................................................................... 26 Sombras ........................................................................................................................ 27 Eclipses ......................................................................................................................... 28 Câmera de orifício ........................................................................................................ 31 4. Reflexão em espelhos planos e formação de imagens. ............................................... 34 7.1. Leis da Reflexão...................................................................................................... 34 7.2. Reflexão de um ponto luminoso em um espelho plano. ....................................... 35 7.3. Formação da imagem de um corpo extenso. ........................................................ 37 7.4. Campo visual de um espelho plano. ...................................................................... 39 7.5. Semiespelhos. ........................................................................................................ 41 5. Espelhos esféricos ........................................................................................................ 45 5.1. A Equação dos Pontos Conjugados ........................................................................ 47 5.1.1. Espelho côncavo forma imagem real de objeto real. ..................................... 48 5.1.2. Espelho côncavo forma imagem virtual de objeto real. ................................ 52 5.1.3. Espelho convexo forma imagem virtual de objeto real. ................................ 54 5.1.1. A convenção de sinal da equação de pontos conjugados. ............................. 55 Niels F. Lima I-2 5.2. Aberração Esférica ................................................................................................. 56 5.3. Construção da imagem de um corpo extenso. Diagramas de Raios. .................... 58 5.3.1. Espelho côncavo forma imagem real de objeto real. ..................................... 59 5.3.2. Espelho côncavo forma imagem virtual de objeto real. ................................ 62 5.3.3. Espelho convexo forma imagem virtual de objeto real. ................................ 63 6. Refração em dioptros esféricos ................................................................................... 65 6.1. Leis da Refração ..................................................................................................... 65 Dioptros ........................................................................................................................ 67 6.2. A Equação dos Pontos Conjugados de um Dioptro Esférico.................................. 67 Dioptro forma imagem real de objeto real. ................................................................. 68 Dioptro esférico forma imagem virtual de objeto real. ............................................... 71 Dioptro invertido forma imagem real de objeto real. ................................................. 72 6.3. A convenção de sinal da equação de pontos conjugados do dioptro esférico. ........ 73 7. Formação de imagem por lentes finas ......................................................................... 78 7.1. Combinação de dois dioptros esféricos ................................................................. 78 7.2. A “equação do fabricante de lentes”. .................................................................... 80 7.3. Diagramas de raios – lentes. .................................................................................. 83 7.4. Limitações da ótica geométrica ............................................................................. 84 Aberração cromática .................................................................................................... 84 Limite de resolução de um sistema ótico .................................................................... 85 8. Instrumentos óticos ..................................................................................................... 87 8.1. O sistema ótico do olho humano ........................................................................... 87 Vergência do olho humano .......................................................................................... 88 Ametropias ................................................................................................................... 89 8.2. A lupa ..................................................................................................................... 90 8.3. O Microscópio Composto ...................................................................................... 92 8.4. O Telescópio ........................................................................................................... 93 Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-3 1. A Ótica Geométrica, apesar das controvérsias A Ótica Geométrica se baseia na noção de que, num meio homogêneo, a luz se propaga em raios retos, raios cuja direção de propagação muda ao refletir-se ou refratar-se na interface entre dois meios, obedecendo às leis da reflexão e da refração conhecidas da natureza. Não faz nenhuma afirmação sobre a natureza fundamental da luz, apenas que os raios de luz são reversíveis e não se afetam mutuamente; muito menos tenta explicar por que as leis da reflexão e da refração são como são. Por outro lado, a descrição geométrica dos fenômenos óticos não depende da natureza da luz e assim pôde ser desenvolvida enquanto o conhecimento sobre a luz e as duas teorias rivais sobre sua natureza se aperfeiçoavam e amadureciam até se chegar à solução da questão em 1850. Luz é onda ou é corpúsculo? A ótica geométrica é compatível com as duas concepções em controvérsia, a ideia que a luz é composta de corpúsculos que, desde o trabalho monumental de Isaac Newton sobre a luz de 1704 (“Opticks”), é associada ao próprio Newton e a ideia concorrente de que a luz é uma onda, representada à época pelo princípio de Huygens. A propagação em linha reta da luz pode ser facilmente explicada pelo modelo de corpúsculos. Partículas que obedeçam à mecânica de Newton na ausênciade forças externas vão descrever trajetórias retilíneas, como a luz. As leis da reflexão também são muito facilmente explicadas como a colisão de partículas com superfícies lisas. Entretanto, o “Princípio de Huygens” e a concepção ondulatória da luz, que ainda viria a ser melhor desenvolvida física e matematicamente, também permite entender a propagação de ondas de luz como raios se as ondas tiverem comprimentos de onda muito curtos (como é o caso da luz visível). Da mesma forma que a teoria corpuscular, o princípio de Huygens explicava a trajetória retilínea e as leis da reflexão da luz. A esse respeito, as duas teorias não se diferenciavam. Entretanto, a explicação da refração da luz segundo as duas teorias resulta em conclusões diferentes sobre a velocidade da luz em meios materiais. As diferentes previsões que as duas teorias fazem podem ser testadas experimentalmente e o resultado do teste decidirá, entre os dois modelos fundamentalmente diferentes da luz, qual é o verdadeiro. É sabido que o menor índice de refração é o do vácuo, que vale exatamente um. Todos os meios materiais têm índice de refração maior do que o do vácuo. Por exemplo, o índice de refração do ar, que em muitas aplicações tomaremos como igual à unidade, é igual a 1,0003. A teoria corpuscular de Descartes (1637), antes mesmo de Newton (Evangelista, 2011), previa que a velocidade da luz num meio com índice de refração n maior do que o do vácuo fosse maior do que a velocidade da luz no vácuo. A teoria ondulatória, por outro lado, previa que a velocidade no meio era menor do que a velocidade no vácuo, na razão inversa ao índice de refração. Em 1850, experimentos realizados pelos franceses Léon Foucalt e Hippolyte Fizeau mostraram que a velocidade da luz na água é de fato menor do que no ar (e no vácuo), resolvendo definitivamente a contenda “corpúsculos x ondas” a favor das ondas. Já na primeira metade http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Bernard_Léon_Foucault Niels F. Lima I-4 do século XIX a discussão vinha se desenvolvendo cada vez mais a favor da concepção ondulatória e esse experimento crucial veio a ser conhecido como o “último prego no caixão da concepção corpuscular” da luz. Além disso, essa consequência da teoria corpuscular clássica seria totalmente incompatível com a propriedade revelada mais tarde na teoria da relatividade restrita (Albert Einstein, em 1905) de que a velocidade da luz no vácuo é a máxima velocidade admissível. Há uma apresentação de slides disponível no ambiente do curso que apresenta as duas teorias clássicas rivais e discute em detalhe suas diferentes previsões para a velocidade da luz em meios materiais. “Luz é Onda!” http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7466 Há também um link para um applet muito conhecido e excelente do professor alemão Walter Fendt (Fendt, 2009) que demonstra o princípio de Huygens na reflexão e na refração da luz através de uma animação interativa. É muito importante entender esse princípio e o applet será muito esclarecedor. Applet “Reflexão e refracção das ondas luminosas (Princípio de Huygens)”, https://www.walter-fendt.de/html5/phpt/refractionhuygens_pt.htm A luz era uma onda, isso agora estava definitivamente estabelecido. Sim, é uma onda, mas onda de quê? Em que meio essas ondas se propagam? O que essas ondas de luz teriam a ver com o resto da física? Os trabalhos do escocês James Clerk Maxwell na década de 1860, que unificaram a Eletricidade e o Magnetismo, propuseram a existência de ondas eletromagnéticas que teriam uma velocidade igual à velocidade conhecida da luz; isso o levou a concluir que a luz era uma onda eletromagnética. A existência física dessas ondas foi demonstrada pouco mais tarde (1887) pelo alemão Heinrich Hertz ao produzi-las, detectá-las e medi-las. Isso pode ser considerado como uma das maiores aquisições científicas da humanidade, pois agora se conhecia a natureza fundamental da luz. E esse foi só o começo de um movimento que, ao final do século XIX e começo do século XX, superou a física clássica com a teoria da relatividade e com a mecânica quântica, pois afinal os grandes problemas da física eram a natureza da luz e da matéria e sua interação. A compreensão de que a luz era uma onda eletromagnética e a ideia de que era necessário um meio físico, que chamou-se de “éter”, para que a luz se propagasse, junto com a tentativa de compatibilizar a mecânica com o eletromagnetismo, acabou por levar à teoria da relatividade restrita. Surgiu uma nova mecânica e também uma nova visão do mundo físico, revelando uma outra combinação de espaço e tempo que superou a de Galileu e Newton. Também foi o estudo da emissão e da absorção da luz pela matéria e seus “mistérios” que levou à mecânica quântica, de forma que o estudo da luz perpassa toda a história do desenvolvimento da física moderna. A natureza física da luz como onda havia sido finalmente decifrada: a luz é uma onda eletromagnética. Os fenômenos relacionados à propagação da luz em meios materiais, em http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7466 http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7466 https://www.walter-fendt.de/html5/phpt/refractionhuygens_pt.htm https://www.walter-fendt.de/html5/phpt/refractionhuygens_pt.htm Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-5 particular em meios homogêneos e suas interfaces, os próprios princípios da ótica geométrica e as leis de reflexão e refração podem então ser bem explicados pela propagação de ondas eletromagnéticas no vácuo e em meios materiais. Além disso, apenas a teoria ondulatória permite entender de forma satisfatória e prever os fenômenos que envolvem a polarização, a interferência e a difração da luz. Esses conteúdos serão estudados mais adiante no curso de Licenciatura em Física do IFBA, em disciplina que tratará das características ondulatórias da luz. Ora, mas o caráter corpuscular da luz e da radiação em geral voltará a ser considerado com o surgimento da teoria quântica, a partir da hipótese de Planck (1900) de que a energia do campo eletromagnético é quantizada. Com essa hipótese, que não procurou justificar mais do que pelo resultado que obtinha, Planck resolveu o chamado problema do corpo negro (emissão térmica de radiação eletromagnética por um corpo à temperatura T). A solução clássica desse problema era inaceitável, pois previa que a potência emitida por qualquer corpo a temperatura T diferente de zero seria infinita. Pouco depois Albert Einstein (1905) usa o princípio de Planck para explicar o efeito fotoelétrico, no qual a energia dos elétrons ejetados de uma superfície metálica iluminada por luz de determinada frequência (cor) depende da frequência e não da intensidade da luz, como esperava a teoria clássica. A luz não é contínua, é composta de quanta (plural de quantum) de luz, que só mais tarde foram chamados de fótons, e possui algumas propriedades corpusculares. Mas os fótons não têm nada a ver com os corpúsculos imaginados por Newton ou por qualquer físico até então. Não têm posição muito menos trajetória definida, mas têm comprimento de onda e frequência como ondas têm. A própria concepção do mundo introduzida pela teoria quântica é tão inovadora que, agora, a luz ser onda ou ser partícula não são mais possibilidades excludentes, mas sim aspectos complementares da realidade física. O caráter quântico da luz será estudado na disciplina “Física Moderna”, junto com a teoria da relatividade, concluindo de forma introdutória o estudo das diversas “faces” da luz que se pretende desenvolver neste curso de formação de professores de física. Na presente disciplina, exploraremos em detalhe as aplicações mais usuais da ótica geométrica e veremos um pouco de suas limitações, sabendo que esse conteúdo consiste em um importante conjunto de conhecimentos normalmente ensinados no curso médio e para o qual o futuro professorde física deverá estar bem preparado. Independentemente da controvérsia sobre a natureza da luz que ainda não havia sido resolvida completamente até 1850, mesmo enquanto prevalecia a ideia errônea dos corpúsculos de Newton, os princípios e leis da ótica geométrica puderam ser utilizados para o desenvolvimento da importantíssima tecnologia ótica. Como a ótica dos raios baseia-se num conjunto muito simples de postulados e leis geométricos sem se comprometer com a verdadeira natureza da luz, sendo compatível com ambas teorias, permitiu o entendimento e Niels F. Lima I-6 o projeto de sistemas óticos como óculos e lupas de aumento, microscópios e telescópios, que foram importantíssimos em diversas frentes da grande revolução científica europeia. É interessante notar, junto com MARTINS, que grande parte do desenvolvimento da Ótica na Antiguidade ocorreu sobre a ideia de que a visão se devia a algo emanado dos olhos, e não, como sabemos hoje, à luz emitida pelos objetos que chega aos olhos. De fato, segundo o autor mencionado aponta, a própria ciência “Ótica” se dedicava ao estudo da visão e não, como hoje, ao estudo da luz. Entretanto, como o método e os postulados sobre os quais as antigas Catóptrica, o estudo da reflexão, e Dióptrica, o estudo da refração, aplicados a “raios visuais” são de natureza essencialmente geométrica, aplicam-se igualmente à ideia moderna de “raios de luz”. Apesar dessa outra importante controvérsia sobre a natureza da visão também não estar resolvida àquela época, ou estar provisoriamente resolvida com uma ideia bastante errônea, a Ótica Geométrica se desenvolveu e prosperou na Antiguidade! Uma referência excelente sobre a história da Ótica Geométrica é a retrospectiva de Prof. Bassalo, “Crônica da Ótica Clássica” (Bassalo J. M., 1986), disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7905/7271 (parte 1) Cad. Cat. Ens. Fis., Florianópolis, 3(3): 138-159, dez. 1986 https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7838/7209 (parte 2) Cad. Cat. Ens. Fis., Florianópolis, 4(3): 140-150, dez. 1987 https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7719/15172 (parte 3) Cad. Cat. Ens. Fís., Florianópolis, 6 (1): p. 37-58, abr. 1989 https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7905/7271 https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7838/7209 https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7719/15172 Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-7 2. Luz e Visão 2.1. O espectro eletromagnético Um tipo muito especial de ondas, prediletas dos físicos por algumas ótimas razões, são as ondas harmônicas. Uma onda harmônica é uma função senoidal das variáveis de posição e tempo. A onda harmônica é periódica no tempo e no espaço, com período temporal T (chamado simplesmente “período”) e período espacial chamado comprimento de onda . A relação entre o comprimento de onda e o período é igual à velocidade da onda, c = /T, que é constante no caso de uma onda eletromagnética que se propaga no vácuo. Chama-se de frequência da onda, medida em hertz (Hz), ao inverso do período T medido em segundos (s): f (ou ) = 1/T. Dessa forma, se escreve a relação entre comprimento, frequência e velocidade da onda: f = c. A Figura 2.1 mostra uma onda harmônica de comprimento que se propaga na direção x com velocidade c. Figura 2.1. Onda harmônica progressiva (desloca-se para a direita), em função de x. O período da função senoidal no espaço é chamado comprimento de onda, , reservando-se a palavra período para o período no tempo, T. Uma crista da onda percorre a distância durante o intervalo T com velocidade c = /T. A radiação eletromagnética é gerada pelo movimento de cargas elétricas. Uma carga elétrica oscilando harmonicamente com certa frequência vai emitir uma onda eletromagnética harmônica com essa frequência e o comprimento de onda correspondente. As escalas de tamanho e de tempo que caracterizam os processos de emissão das ondas eletromagnéticas no universo são extraordinariamente variadas e assim são as frequências e comprimentos de onda da radiação emitida por esses processos. Também a descrição física desses processos é bastante variada, sendo possível a descrição eletrodinâmica clássica para processos em Niels F. Lima I-8 escalas de comprimento suficientemente grandes, como acontece para a teoria e o cálculo de transmissores e antenas de rádio, TV ou celular, enquanto outros só podem ser entendidos quanticamente, como os processos que ocorrem nos átomos e em seus núcleos. Figura 2.2. Espectro da radiação eletromagnética. Denominação e intervalos de frequência e comprimento de onda especiais. A luz visível está na numa faixa entre 4 x 10-7 m e 7 x 10-7 m e o costume é se referir a esses valores como 400 a 700 nm. A sub-unidade nanômetro é igual a 0,000000001 m (10-9 m). A Figura 2.2 mostra a denominação especial que cada faixa de frequências ou comprimentos de onda da radiação eletromagnética recebe, destacando em ampliação a estreita faixa da luz visível aos olhos humanos. A radiação nessa faixa é principalmente produzida por transições eletrônicas nas camadas externas de átomos. Já os raios gama, por exemplo, que são gerados por processos físicos que envolvem o núcleo dos átomos, têm frequência seis ordens de grandeza maiores e, portanto, correspondendo às dimensões relativas entre átomo e núcleo, têm comprimentos de onda um milhão de vezes menores do que o da luz visível. Figura 2.3. Espectro de radiação solar na Terra e emissão de corpo negro ideal. A diferença é devida à absorção da luz na atmosfera. Note que a parte visível do espectro eletromagnético é justamente o intervalo de comprimentos de onda para o qual a potência solar emitida é máxima. Isso não é uma coincidência. Essa é a luz branca natural. Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-9 O olho humano é sensível apenas à faixa de comprimentos de onda eletromagnética entre 400 nm e 750 nm, o espectro visível. São essas as frequências que seu olho percebe quando você observa um arco-íris. Quantas cores têm o espectro? Serão mesmo sete?!? O gráfico da Figura 2.3 mostra que a maior intensidade de emissão de energia pelo Sol se dá na faixa da luz visível, correspondendo à emissão de um corpo negro à temperatura de 5500 K. A teoria da evolução das espécies por seleção natural nos revela que isso não é uma coincidência. 2.2. Emissão e absorção de luz pela matéria O campo eletromagnético é gerado por cargas elétricas e afeta cargas elétricas. É uma interação fundamental da natureza privativa de quem tem carga elétrica. A luz que você está vendo é gerada pelos elétrons lá do objeto que você está olhando – mesmo a luz refletida, que é reemitida pelos elétrons da superfície refletora. E você só está vendo essa luz porque as moléculas da visão nas células de sua retina têm elétrons estrategicamente colocados na estrutura da proteína de forma a emitirem um sinal quando capturam um fóton. Enquanto os fenômenos que envolvem a propagação e a interferência da luz podem ser descritos de forma totalmente satisfatória pela teoria ondulatória, os fenômenos que envolvem a emissão e a absorção de luz pela matéria só podem ser entendidos através do seu aspecto corpuscular quântico. Ondas eletromagnéticas clássicas podem ser geradas pelo movimento de vai-e-vem de elétrons em um fio reto, uma antena, produzindo ondas com comprimento duas vezes maior que o fio. Isso funciona para antenas pequenas, mas não tão pequenas assim. Para comprimentos de onda da ordem do comprimento da luz visível, os aspectos quânticos são predominantes na interação luz-matéria. Vamos olhar rapidamente como são os processos de emissão de luz e como esses processos envolvem o caráter corpuscular quântico da luz, temas da chamada física moderna. Que será estudadamais adiante neste curso. Emissão térmica e o problema do corpo negro Um problema muito interessante que foi abordado pela física do final do século XIX foi o problema do espectro de emissão do corpo negro. Corpos aquecidos emitem radiação térmica. Por aquecidos, queremos dizer que qualquer corpo a temperatura absoluta T diferente de zero emite radiação eletromagnética. Isso decorre de a matéria ser constituída de átomos, e os átomos de prótons e elétrons e os últimos, particularmente, estarem sujeitos a movimentos e vibrações associadas à chamada agitação térmica. Como cargas aceleradas emitem ondas eletromagnéticas, um corpo à temperatura T deve emitir radiação eletromagnética em uma forma que vai depender desse grau de agitação, ou seja, da temperatura. A agitação térmica chacoalha os átomos e moléculas e seus elétrons chacoalhados emitem luz. Niels F. Lima I-10 As propriedades da luz emitida pelos corpos aquecidos têm uma forma muito simples e universal. Há algo em sua lei que não depende nada do corpo que irradia termicamente, sendo uma propriedade geral da natureza e, portanto, assunto da termodinâmica. A quantidade de energia emitida pelo corpo deve ser crescente com a temperatura. De fato, a chamada lei de Stefan-Boltzmann mostra que a intensidade da radiação emitida é proporcional à temperatura elevada a quatro, T4. Essa relação universal descoberta empiricamente por Stefan foi demonstrada teoricamente a partir dos princípios do eletromagnetismo e da termodinâmica por seu aluno Boltzmann, uma das mais belas incursões da física teórica no sentido de uma teoria geral da física. Entretanto, não só a quantidade, mas também a qualidade - quer dizer, a cor – da radiação emitida depende da temperatura. O leitor certamente já viu as brasas em uma fogueira ou churrasqueira emitindo luz, brasas rubras, vermelhas ou alaranjadas. Também viu a chama de um fogão a gás, que possui basicamente duas zonas, uma azulada e outra avermelhada, correspondendo a duas temperaturas diferentes. Qual é a chama mais quente? A temperatura da região azulada é maior do que a avermelhada. Diferentemente do que pinta o artista, azul é mais quente que vermelho. Você acha que o artista está errado? Será que ele tem alguma razão para usar essa convenção? Seja como for, a cor do corpo que emite radiação eletromagnética térmica depende da temperatura de uma forma que é muito característica e pode ser usada (como é) para medidas de temperatura. A Figura 2.3 mostra uma curva identificada como “Corpo negro ideal (a 5250 °C)” que representa a intensidade da radiação emitida em função do comprimento de onda, cujo máximo se dá por volta do comprimento de 500 nm. Esse máximo depende da temperatura e é dado pelo que se chama lei do deslocamento de Wien: máx b T = onde a constante de proporcionalidade b, chamada constante de dispersão de Wien, é igual para um corpo negro ideal a 2,897768 x 10-3 m.K (metro vezes kelvin). Exemplos: Considere as ondas de luz de comprimentos 635 nm (vermelho) e 500 nm (azul). A que temperatura cada um desses comprimentos de onda é o máximo da emissão de um corpo negro ideal? Quem é o mais quente, azul ou vermelho? Nem precisamos fazer a conta: como a temperatura é inversamente proporcional ao comprimento de onda, o azul é mais quente. Para determinar o valor numérico da temperatura, invertemos a expressão da lei de Wien e efetuamos o cálculo, obtendo 3 3 9 2,897768.1 5,80 500. 0 . .10 10 azul azul m Kb T K m − − = = = e 3.104,56vermelhoT K= . Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-11 Note que o comprimento de máxima emissão não determina diretamente a cor do objeto incandescente. O nosso exemplo, a temperatura do azul corresponde aproximadamente à temperatura da superfície solar, a “cor” que vemos como branco. A lei de Wien prevê apenas o máximo da emissão, mas não a forma da distribuição de energia por comprimento de onda. Como se vê da Figura 2.4, quanto maior a temperatura maior será a emissão em todos comprimentos de onda. Um corpo azul emite mais luz vermelha do que um corpo vermelho emite. Conhece-se isso muito bem, hoje, e essas curvas que você vê nas Figuras 2.3 e 2.4 e representam muito satisfatoriamente a emissão do corpo negro, foram desenhadas a partir da função proposta por Planck, em resposta a um dos problemas mais intrigantes da história da física. A tentativa de entendimento de como a intensidade da radiação se distribui pelos comprimentos de onda levou a um resultado muito estranho e surpreendente: usando-se o melhor da física da época, tanto em termos das teorias disponíveis quanto pelos físicos que se dispuseram a resolver o problema, chegou-se a um resultado impossível. Os cálculos e os físicos eram muito bons, mas mostraram que a quantidade total de energia emitida por unidade de tempo (potência emitida) de um corpo, a qualquer temperatura diferente de zero, seria infinita. Essa previsão da chamada teoria de Rayleigh-Jeans ganhou o nome de “catástrofe do ultravioleta”. Seu resultado só reproduz a lei de Wien para comprimentos de onda longos e se afastam consideravelmente da distribuição de um corpo negro real. Onde está o erro? A solução clássica tem duas partes. A primeira é saber de quantas maneiras é possível uma onda de luz de determinado comprimento e direção (modo de vibração) caber numa caixa espelhada ideal. É uma questão essencialmente geométrica que é satisfatoriamente resolvida por Rayleigh e será a base para solução de Planck. A segunda parte é saber quanta energia há em média em cada um desses modos de vibração. Esse último problema é resolvido pela mecânica estatística de Ludwig Boltzmann, que dá a probabilidade de se encontrar um sistema ou modo de vibração num determinado estado i com energia Ei como a função exponencial negativa da energia ( ) i E kT ip C T e − = Nunca é cedo para conhecer essa lei. É muito simples e perfeita, além de universal. Não é exagero dizer que serve para tudo que esteja em equilíbrio à temperatura T constante, seja matéria ou luz. O leitor certamente encontrará este tema nos seus estudos próximos. A constante k que multiplica a temperatura chama-se, não podia ser diferente, constante de Boltzmann. A função C(T) é chamada de “constante de normalização” e classicamente parece não ter tanta importância assim... Niels F. Lima I-12 Figura 2.4. Espectro de emissão de corpo negro para três temperaturas na faixa visível. A representação da cor nos gráficos tem pouco a ver com a sensação luminosa que alguém teria observando corpos negros ideais emitindo radiação térmica a essa temperatura. A figura também mostra a previsão da teoria clássica e a chamada “catástrofe do ultravioleta”. As teorias do eletromagnetismo e da termodinâmica empregadas por Rayleigh eram perfeitas. Só não se sabia é que a luz era composta de grãos... Ao calcular a energia média de um modo de vibração usando a probabilidade de Boltzmann, Rayleigh obtém o resultado clássico conhecido para todos os outros sistemas, E = kT. Ora, esse resultado combinado com o resultado da primeira parte levava ao absurdo da “catástrofe do ultravioleta”. Onde está o erro? Que teoria precisa ser modificada? A distribuição de Boltzmann ou o eletromagnetismo? O físico alemão Max Planck resolveu o problema considerando, ao calcular a energia média da luz de determinado modo de vibração, que a energia da luz vibrando em um determinado modo não pode assumir qualquer valor em um intervalo contínuo. A energia da luz de um modo tem de ser um múltiplo inteiro de uma quantidade fundamental, o quantum de energia, que depende da frequência da luz conforme: E nh= Nessa expressão, E é uma energia permitida, n é um número natural, é a frequência do modo e h tem de ser uma constante universal, desconhecida até então, cujo valorpoderia ser determinado ajustando-se a curva prevista por Planck aos resultados experimentais. O valor da constante de Planck conhecido hoje é h = 6,626069 x 10-34 J.s. Dessa forma, Planck manteve a distribuição de Boltzmann, mas recalculou a constante de normalização segundo sua hipótese de quantização e resolveu o problema da emissão do corpo negro, obtendo a função apresentada na Figura 2.4 para três diferentes temperaturas. Planck consegue resolver o problema modificando a forma como se faz a conta, mas não tem ideia de por que deve ser assim. Ainda vai demorar cinco anos até que Albert Einstein use essa ideia para explicar o efeito fotoelétrico e mais uns anos até aplicar a quantização da energia para explicar o calor específico dos sólidos, a partir de quando a física nunca mais foi a mesma (Martins). Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-13 É conveniente expressar a constante de Planck em unidades mais adequadas ao laboratório de física atômica. As cargas elétricas constituintes da matéria, principalmente os elétrons, podem ser aceleradas e desacelerada por diferenças de potencial facilmente medidas em volts, e como todos elétrons têm a mesma carga elétrica e, a unidade de energia elétron-volt, eV, torna-se a unidade natural de energia da física atômica. Assim, convém expressar a constante de Planck em elétron-volt vezes segundo: h = 4,135667 x 10-15 eV.s. Grande parte da luz no universo e em nosso planeta é produzida por emissão térmica, como o Sol ou uma lâmpada incandescente. Entretanto, outro processo importantíssimo, a emissão (e absorção) de luz por átomos e moléculas, também exigirá uma grande reformulação da física, que culminará no entendimento de que também a matéria é quântica. Emissão atômica ou molecular Os átomos e moléculas quando excitados externamente de alguma forma emitem radiação eletromagnética de uma forma que é característica de cada elemento ou molécula, mas que têm em comum o fato de serem emissões com frequência definidas, e só essas. Diz-se nesse caso que o espectro de emissão é discreto. A Figura 2.5 mostra o espectro de emissão de alguns gases sujeitos a descargas elétricas e as chamadas “linhas” de emissão. O que se chama espectro de emissão é o registro da luz emitida pela fonte separada em suas componentes de diferentes comprimentos de onda. Essa separação em suas componentes pode ser feita por um prisma ou pelo dispositivo que se chama “rede de difração”. O espectrômetro é o aparelho que separa a luz de diferentes comprimentos de onda em diferentes direções, conforme o comprimento. Na Figura 2.5, a luz emitida pela descarga elétrica em cada um dos gases é espalhada sobre papel fotográfico ou sensor de luz. A maneira como diferentes átomos emitem luz foi estudada foi estudada pela colaboração entre o físico Gustav Kirchhoff e o químico Robert Bunsen, em Heidelberg, hoje Alemanha, na década de 1850. Kirchhoff propôs as três leis de emissão de luz por objetos incandescentes: 1. Um objeto sólido aquecido produz luz com espectro contínuo. 2. Um gás tênue produz luz com linhas espectrais em comprimentos de onda discretos que dependem da composição química do gás. 3. Um objeto sólido a alta temperatura, rodeado de um gás tênue a temperaturas inferiores produz luz num espectro contínuo com vazios em comprimentos de onda discretos cujas posições dependem da composição química do gás. O espectro contínuo do corpo sólido aquecido está relacionado à emissão térmica estudada no problema do corpo negro. A existência das linhas espectrais que Kirchhoff identifica, tanto na emissão como na absorção de luz por gases tênues, também só será entendida com a mecânica quântica. Niels F. Lima I-14 Figura 2.5. Espectro de emissão atômica de alguns elementos. O átomo de Bohr é a primeira tentativa de explicar quanticamente por que a emissão de luz pelos gases se dá exclusivamente em comprimentos de ondas tão bem determinados. Sua explicação, que é corroborada no desenvolvimento da mecânica quântica propriamente dita, é existência de “níveis de energia” permitidos. O elétron só pode existir no átomo em certos estados nos quais a energia possui certos valores definidos de energia (autovalores de energia). Portanto, quando há uma mudança de estado a quantidade de energia liberada ou absorvida é muito bem definida para cada transição. Essa quantidade de energia é liberada (ou absorvida) sob a forma de um quantum de luz. Se o elétron salta do nível i com maior energia para o nível j, menos energético, a transição vai emitir a quantidade de energia Ei – Ej sob a forma de um fóton de frequência i jE E h − = Para uma transição entre níveis que aumente a energia, o elétron deverá absorver um fóton com a energia necessária. Essa é a razão dos vazios nos mesmos comprimentos discretos que o gás emite. Os fótons possuem nesse caso exatamente a energia necessária para excitar os elétrons, de forma que o gás absorve a energia da radiação nesses comprimentos de onda deixando o restante passar sem interação. Exemplo. A energia de ionização do átomo de hidrogênio é 13,6 V. Isso significa que para arrancar o elétron do átomo de hidrogênio é necessário dar ao elétron essa quantidade de energia. De modo inverso, se um átomo de hidrogênio captura um elétron livre, esse vai emitir um pacote de energia de 13,6 eV, ou seja, um fóton com frequência de 15 15 .10 4,135667.1 13,6 3,29 .0 eV Hz eV s − = = A luz emitida nesse processo é visível? Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-15 Exercício interativo. Pesquise a frequência e comprimento de onda das faixas indicadas na Tabela Wiki “Espectro eletromagnético e os múltiplos aspectos da luz”. Você vai determinar lá a “temperatura” dessa faixa e a energia do fóton associado a essa frequência. Aba: Espaço Interativo, 1ª Semana. http://uab.ifba.edu.br/mod/wiki/view.php?id=7475). Emissão estimulada ou o laser A palavra laser é formada pelas iniciais em inglês da expressão “amplificação de luz por emissão estimulada de radiação”. A emissão estimulada de luz é um fenômeno puramente quântico e é artificial. Não acontece na natureza pois as condições para que ocorra são muito particulares e especiais, mas os princípios que regem esse tipo de emissão não têm nada de especial, são os princípios do dia-a-dia da luz. O laser nada mais é do que a luz sendo luz, fótons sendo fótons... e foi o conhecimento desse comportamento que levou à invenção do laser. Infelizmente, temos pouco tempo e espaço e não vamos agora prestar mais atenção a este tema, ao qual voltaremos nas disciplinas que seguirão a esta. 2.3. A visão em cores no olho humano Os olhos humanos possuem na retina células fotossensíveis especializadas na detecção de luz de diferentes comprimentos de onda. Sejam tantas quantas forem as cores do arco-íris, a percepção de cores pela visão humana se dá a partir do reconhecimento por células especializadas (os cones) de apenas três cores fundamentais: azul, verde e vermelho. O olho humano possui ainda os bastonetes, mais abundantes e mais sensíveis, que não discriminam cor e medem a intensidade da luz. A interação dos fótons com proteínas especializadas, o que desencadeia uma série de reações que culminam no envio de mensagens nervosas ao cérebro, onde são processadas e interpretadas, é apenas o começo do processo bastante complexo que é a visão humana. Em particular, a percepção da cor de um determinado ponto ou região de um objeto depende bastante não só das frequências da luz que emana desse ponto, mas também de todo o contexto cromático da vizinhança e da iluminação - mas tudo começa com o envio de uma mensagem pela célula da retina de que um fóton foi captado em um dos seus receptores. A sensibilidade é máxima, para cada um dos três tipos de cones, em comprimentos de onda que correspondemàs cores azul, verde e vermelho. A sensação visual de cada cor é fruto de um processo muito complexo, mas depende basicamente de quantos fótons por unidade de tempo são detectados pelos três tipos de células cones na região da retina onde a imagem de interesse é formada. http://uab.ifba.edu.br/mod/wiki/view.php?id=7475 Niels F. Lima I-16 Figura 2.6. Curvas de sensibilidade ou resposta espectral dos três tipos de células cones do olho humano (de BARTHEM). Não existe um receptor para o amarelo, por exemplo. Um “fóton amarelo” pode sensibilizar os receptores verde ou vermelho. Radiação eletromagnética com comprimento de onda que corresponde ao amarelo é percebida pelos dois sensores, com diferentes intensidades, conforme esse amarelo esteja mais próximo do vermelho ou do verde. A sensação de “amarelo” surge pela combinação de ambas percepções. Figura 2.7. Uma simulação interativa simples e interessante mostra a composição das cores por adição das três componentes básicas vermelho, verde e azul, de autoria do projeto Phet, disponível em https://phet.colorado.edu/pt/simulation/color-vision Dessa forma, a emissão conjunta de duas fontes de luz, verde e vermelha, com intensidades reguláveis, causará o mesmo efeito que radiação “amarela” de vários valores de comprimento de onda intermediários entre o verde e o vermelho. Quando aprendemos sobre cores e como misturá-las em massinhas e tintas, a mistura de verde e vermelho dava uma cor escura, https://phet.colorado.edu/pt/simulation/color-vision Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-17 cinzenta talvez amarronzada, nunca o amarelo! Isso ocorre pois os pigmentos das tintas e massas subtraem cores da luz branca. Por assim dizer, um pigmento verde reflete apenas o verde e assim subtrai o vermelho e o azul. Da mesma forma, um pigmento azul subtrai o vermelho e o verde e um pigmento vermelho subtrai o verde e o azul da luz branca. A mistura desses pigmentos vai subtrair todas as cores. Diferente é a soma de luz e é muito interessante ver como o amarelo é o resultado da percepção simultânea de verde e amarelo. O cone sensível ao vermelho é sensível também, embora menos, a luz com comprimentos de onda mais curtos no espectro visível, que corresponde ao violeta. Note o pequeno pico na resposta espectral do cone “vermelho”, para comprimento de onda menor do que o do azul. Dessa forma, a sensação do “violeta” pode ser obtida pela combinação de luz azul e luz vermelha. A reprodução de cores em impressos ou em telas luminosas utiliza essa propriedade da visão em cores para criar impressões ou sensações cromáticas idênticas ou muito parecidas com a que é causada por luz de um determinado comprimento de onda. A questão é só quanto de cada cor primária é necessário combinar para dar a sensação de cada cor. As telas luminosas possuem emissores de luz vermelha, verde e azul, RGB das iniciais em inglês dos nomes das cores. Esse também é um sistema de cores muito simples que é usado em grande parte de aplicativos de texto ou imagem de computadores. Por exemplo, a cor das letras deste texto é definida pelo valor de três números inteiros entre 0 e 255, que na ordem representam a quantidade de cada cor na combinação. Até aqui, a cor do texto é Preto RGB(0,0,0). As três cores primárias são o vermelho, o verde e o azul de máximas intensidades, assim referidos: Vermelho RGB(255,0,0) Verde RGB(0,255,0) Azul RGB(0,0,255) A adição dessas três componentes conjuntamente cria a sensação das outras cores. Cada elemento gráfico da tela, o pixel, emite luz de cada cor nas proporções estabelecidas no argumento da função RGB. A cor preta é a ausência de luz. O branco, por sua vez, é a combinação das três componentes em máxima intensidade: RGB(255,255,255). O método usado para a impressão em cores é o método subtrativo. O papel, ao contrário da tela luminosa, não gera sua própria luz e a visualização das imagens impressas com tinta em papel depende da iluminação. Idealmente, uma região em branco de um papel branco iluminado por luz branca reflete igualmente todas as cores. O significado de “branco” nesses três usos é diferente: no primeiro, significa um espaço vazio; no segundo, quer dizer que a superfície do papel tem a capacidade de refletir igualmente todas as frequências visíveis; e, no terceiro, que a fonte de luz tem a composição espectral igual à do Sol. Niels F. Lima I-18 Se imprimirmos certos pontos com tinta colorida ou preta a luz não será mais refletida igualmente por esses pontos, que absorvem parte da luz. A cor de cada ponto de uma página impressa é a cor refletida pelos pontos quando iluminados por luz branca. Cada ponto colorido subtrai luz de determinada cor ou cores que seriam refletidas pelo papel branco. A subtração das cores combinadas vai diminuindo a quantidade de cada cor do branco original e assim gera uma gama de cores idealmente idêntica à do RGB. Começamos do branco e subtraindo as componentes chegamos na cor que queremos. Figura 2.8. As três cores básicas de luz e as três cores básicas da impressão. Vermelho, verde e azul em igual intensidade compõem a luz branca. Um papel branco reflete (de forma difusa) igualmente as três cores. O pigmento ciano absorve a luz vermelha, o pigmento magenta absorve a luz verde e o pigmento amarelo absorve a luz azul. Além dos pigmentos coloridos, a impressão usa também tinta preta, que idealmente absorve as três cores. As cores a serem subtraídas são as cores fundamentais RGB, definidas pela fisiologia do olho. Precisamos, assim, de três pigmentos básicos: o antivermelho, o antiverde e o antiazul. Eles devem refletir igualmente as duas outras cores e absorver apenas a cor que devem subtrair. Essas cores são, respectivamente, o ciano, que reflete o verde e azul; o magenta, que reflete o azul e o vermelho; e o amarelo, que reflete o vermelho e o verde. Se fizéssemos uma escolha de usar pigmentos nas cores básicas de luz, vermelho, verde e azul, as imagens seriam mais escuras, pois esses pigmentos absorveriam duas componentes de luz e não apenas uma. O efeito de um ponto impresso com tinta ideal dessas cores iluminado por luz branca é representado numa tela luminosa por pixels emitindo luz no padrão RGB como Ciano RGB(0,255,255) Magenta RGB(255,0,255) Amarelo RGB(255,255,0) Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-19 A distribuição de tinta nessas três cores, combinada com uso da tinta preta, em um retículo de pequenos pontos de tamanho variável, visualizados como áreas contínuas, reflete a luz que incide sobre o papel de forma que consegue reproduzir razoavelmente bem as cores que se pretendia mostrar. Na verdade, trata-se sempre de dar uma percepção das cores semelhante à do original, pois a representação exata da cor e da luminosidade de cenas naturais é impossível. O leitor é encorajado a abrir seu aplicativo de texto ou desenho e procurar formatar as cores da fonte ou do realce de texto. Há sempre uma opção com “editar cores” que acabará por abrir uma janela onde você poderá combinar as três cores como quiser. Criando a cor amarela! Tudo de vermelho e verde e nada de azul: RGB(255,255,0), Hex #FFFF00. Na tabela wiki do nosso ambiente, a codificação de cores usa três números hexadecimais de dois algarismos, de 00 a FF – ou seja, de 0 a 255 na base decimal – para definir as combinações de cores. Os números que representam a quantidade de luz das três cores são escritos sequencialmente, na ordem RGB, precedidos do carácter #: Vermelho #FF0000 Verde #00FF00 Azul #0000FF Há no ambiente uma apresentação de slides sobre a composição de cores por uma tela que o leitor talvez ache interessante, mais ainda se visualizar a sucessão de cores através de papel celofane colorido nas três cores básicas. “Dança das Cores” http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7468http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7468 http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7468 Niels F. Lima I-20 2.4. Visão binocular estereoscópica Estamos acostumados a ouvir e a dizer que temos visão tridimensional e pagamos mais caro para ir ao cinema ver a versão 3D do nosso filme preferido, mais empolgante para os fãs do gênero ação. Na verdade, temos o que se chama de visão estereoscópica, na qual a informação visual bidimensional de cada olho é combinada por um elaboradíssimo sistema neuronal que forma uma imagem mental em três dimensões. O prefixo “estéreo” é o mesmo que ocorre em som estereofônico. Na audição, a informação de uma fonte sonora captada por cada ouvido é combinada em áreas específicas do cérebro para podermos perceber a direção de onde vem o som. A base desse método é que a informação captada pelos dois sensores, os dois ouvidos ou os dois olhos, provém das mesmas fontes, mas não é igual, pelo fato dos sensores, olhos ou ouvidos, estarem em posições ligeiramente diferentes em relação às fontes. Para isso é necessário também que o cérebro identifique, entre as porções de informação recolhida pelos dois sensores, aquelas que se relacionam ao mesmo objeto. Figura 2.9. Objetos em diferentes posições no mundo real produzem imagens em locais diferentes dos dois olhos. Pela diferença entre as posições das imagens de um mesmo objeto nos dois olhos o cérebro consegue calcular a distância a que ele está e exibir isso pela sensação de profundidade, a estereopsia. Diz-se que a visão humana é binocular por termos os dois olhos voltados para a mesma direção e os usarmos em conjunto. Além disso, nossa visão é estereoscópica, o que significa que temos a noção de profundidade pela comparação das imagens formadas pelos mesmos objetos nas duas retinas em posições comparativamente diferentes. Devido à diferença de paralaxe entre os dois olhos, a diferença de posição da imagem de um corpo nas retinas depende da sua distância ao observador. Cada retina tem uma imagem do objeto semelhante e diferente da imagem da outra retina. O cérebro tem de combinar essas informações, reconhecendo nas duas retinas quais são as imagens diferentes do mesmo Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-21 objeto. A informação gerada pelas retinas é combinada no cérebro de duas formas complementares, que se chamam fusão binocular e estereopsia. Na fusão binocular, a informação proveniente das duas retinas é usada para criar uma imagem única do objeto, apesar de suas diferenças. Na estereopsia, as diferenças de paralaxe em imagens que são reconhecidas pelo cérebro como sendo produzidas pelo mesmo objeto criam uma imagem mental em três dimensões que dá uma sensação de profundidade que se pode testar com as mãos (o que fazemos desde bebês). Se cada olho de um observador receber imagens diferentes de um mesmo objeto, esses processos tentarão associar partes diferentes das imagens reconhecendo-as como imagens de um mesmo objeto e, pela diferença entre suas posições na retina, determinar a profundidade. Se não houver correspondência entre as duas imagens o processo se frustra, mas, se houver, nossa visão é muito hábil em encontrá-las. Há algumas maneiras diferentes de se fazer com que cada olho veja separadamente uma imagem diferente, correspondente ao ponto de vista do olho ao olhar uma cena. Essas imagens podem ser registradas simultaneamente usando duas câmeras, com as objetivas separadas como os olhos. Podem também ser desenhadas ou compostas graficamente, e quando apresentadas separadamente e simultaneamente aos dois olhos produzem a estereopsia de forma bastante notável. Figura 2.10. As imagens a esquerda e a direita representam como os três objetos coloridos aparecem respectivamente para o olho esquerdo e o olho direito. A combinação dessas duas imagens no cérebro pela estereopsia dá a percepção visual da profundidade. Se o leitor ampliar bem a figura e observá-la de uma distância de por volta de meio metro e ficar vesgo, poderá fazer um interessante experimento relacionado à visão estereoscópica. Também poderá tentar visualizar o efeito com o estereoscópio improvisado que vamos conhecer na primeira atividade. Inventado antes da fotografia, o estereoscópio consiste em duas lentes oculares convergentes, para que os olhos focalizem sem esforço as imagens que ficam próximas dos olhos, e uma placa opaca que só deixa os olhos verem a imagem que lhe está destinada. As imagens são dispostas de forma que a separação entre elas corresponde a linhas de visão paralelas, como a olhar para o infinito, e a estereopsia ocorre naturalmente. Após a invenção Niels F. Lima I-22 da fotografia o estereoscópio “popularizou-se” e hoje temos um grande registro de fotos estereoscópicas da época. O estereoscópio tem ainda hoje importantíssima aplicação em interpretação de imagens, sendo um método padrão em levantamentos cartográficos e geológicos. Figura 2.11. Estereoscópio do século XIX. Consiste basicamente em duas lentes oculares que devem permitir que a pessoa consiga focalizar sem esforço a visão de cada olho e um obstáculo que impede que os olhos vejam a imagem que o outro olho deve ver. Você pode improvisar um facilmente, com óculos de leitura de 4,0 dioptrias (graus) e um livro ou caderno para separar as vistas. No cinema 3D as imagens que foram captadas por duas câmeras diferentes, ou animadas de dois pontos de vista diferentes, são projetadas superpostas ao mesmo tempo na tela por dois projetores cuja luz é polarizada em direções perpendiculares. Digamos que o projetor da esquerda seja polarizado verticalmente e o da direita horizontalmente. Os espectadores usam óculos polarizadores com a mesma polarização que o filme, vertical no olho esquerdo e horizontal no olho direito. Assim, cada olho só vê o que é projetado pelo respectivo projetor, ou seja, as imagens destinadas a cada olho. Figura 2.12. Ah, la Belle Èpoque… como é que as pessoas têm saudades do que não viveram? Seja como for, os estereoscópios foram muito populares no século XIX e há muitas fotos estereoscópicas da época disponíveis na rede mundial de computadores. Os televisores 3D usam um método de dividir no tempo a exibição das imagens. Os óculos são de cristal líquido que alternam entre estado transparente e estado opaco de modo que a lente Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-23 de cada olho esteja transparente quando é exibida sua imagem e opaca quando é exibida a imagem destinada ao outro olho. Outro método para fazer com que cada olho só veja a parte que ele deve ver na imagem composta é fazer as imagens com cores diferentes e opostas e usar filtros coloridos. Isso sé o que se chama um anáglifo e as cores mais usadas são ciano e vermelho. As imagens estereoscópicas são superpostas como a apresentada na Figura 2.13 e são filtradas por um óculos onde a lente esquerda é vermelha e a lente direita é ciano. Assim, tudo que estiver em ciano será visto como escuro pelo olho esquerdo, que só verá a cor vermelha. Por outro lado, o olho direito só verá o que está em ciano e as partes vermelhas parecerão escuras. Assim, cada olho recebe a imagem que deve receber para o cérebro processar a estereopsia e ver em profundidade. É um método cansativo para a visão pois cada olho só vê uma cor e não permite a observação de imagens coloridas. Figura 2.13. Anáglifo. Para visualizar em 3D, cubra a visão de um olho com um celofane vermelho e a do outro com celofane azul. Você vai encontrar muito mais exemplos de imagens estereoscópicas por anáglifo, como esta, na internete. Os autoestereogramas ou simplesmente estereogramas são imagens sintéticas que, quando observadas com o olhar voltado para o infinito, induzem à estereopsia entre elementos da imagem. Esses elementos gráficos aparentemente arbitráriosestão dispostos na figura de forma a, quando forem visualizados com os olhos em paralelo, revelarem volumes ou vazios. Há algumas pessoas que se queixam de nunca conseguirem visualizar o que está escondido nos padrões gráficos, mas o efeito é muito mais fácil de ser conseguido do que o método de ficar vesgo para observar fotos estereoscópicas... Para facilitar a estereopsia, você deve se aproximar o máximo possível da imagem olhando em sua direção, mas sem focalizá-la, como olhando para o infinito. Sem mudar o foco do olho, sempre deixando os olhos na situação mais relaxada, afaste-se da imagem até que surja a visão em profundidade, a sensação inconfundível de estar vendo uma cena tridimensional e revele-se um objeto ou cena que não se consegue adivinhar sem “entrar na estereopsia”. Para facilitar, amplie as imagens ao tamanho máximo da sua tela. Niels F. Lima I-24 Se você quiser fazer alguns experimentos de visualização de imagens tridimensionais você pode acessar a apresentação de slides “Estereopsia” que reúne algumas imagens estereoscópicas que podem ser visualizadas com ou sem o estereoscópio. http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7469 Bichinho sabido, cuidando da própria vida... Qual é a chave deste enigma? http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7469 http://uab.ifba.edu.br/mod/resource/view.php?id=7469 Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-25 3. Princípios e primeiras aplicações da Ótica Geométrica 3.1. Os princípios da Ótica Geométrica Os princípios da ótica Geométrica são: 1. A luz se propaga em raios retilíneos em meios homogêneos. 2. Os raios de luz são reversíveis. 3. Os raios de luz são independentes. Esses princípios representam de forma significativa o comportamento da luz e os resultados obtidos com os instrumentos óticos, e baseiam conclusões que são experimentalmente comprováveis. Essa será a motivação para adotá-los, independentemente do que se acredite que seja a natureza física da luz. Não vamos adotá-los porque eles podem ser deduzidos a partir de um estudo preciso da propagação das ondas eletromagnéticos em meios materiais (e podem), mas sim porque eles são um conjunto conciso de princípios que representam essencialmente o comportamento desses “raios de luz”. Além desses princípios fundamentais, a Ótica Geométrica baseia-se também na Leis da Reflexão e nas Leis da Refração. Essas são leis a princípio empíricas, obtidas da observação da natureza, mas podem ser justificadas por ambas teorias subjacentes, corpuscular e ondulatória, e a justificativa de cada teoria pode ser testada experimentalmente. De fato, como vimos no capítulo anterior, foi a previsão que o modelo corpuscular fazia de que a velocidade de propagação da luz num meio seria maior em um meio de índice de refração maior que derrubou a teoria corpuscular da luz de Newton e outros em favor da teoria ondulatória (que muito ainda havia de se desenvolver, culminando no trabalho de Maxwell e Hertz). Entretanto, a Ótica Geométrica não depende da ideia sobre a natureza física fundamental da luz, e seus resultados não dependem das ideias que, ainda hoje, se mantêm controversas! Como também não dependeu da posição assumida na controvérsia mais antiga sobre a natureza da visão entre as teorias chamadas “teorias de intromissão” ou “teorias de ingresso” e as “teorias de emissão” ou “teorias de egressão”. Como ressalta Bassalo (Bassalo J. M., 1986), os pensadores mais importantes da Antiguidade que desenvolveram estudos sobre reflexão (catóptrica), Heron de Alexandria e refração (dióptrica), Ptolomeu, eram adeptos de teorias de emissão e acreditavam que o olho emitia raios visuais que chegavam até o objeto. Entretanto, os resultados a que chegaram, já que seu estudo foi essencialmente geométrico, valem identicamente para raios de luz que fazem o caminho inverso, do objeto ao olho e à retina. Niels F. Lima I-26 3.2. Primeiras aplicações da Ótica Geométrica Retas e raios de luz A propagação retilínea da luz em meios homogêneos é um fato atestado pela formação das sombras. Usa-se luz como a régua mais precisa, pois não se deforma. A ótica geométrica não procura demonstrar isso, mas o toma como postulado. A teoria da relatividade geral prevê, no entanto, que a trajetória de um “raio de luz” seja encurvada pelo efeito de grandes massas gravitacionais, mas isso se dá por que o próprio espaço-tempo é encurvado. A luz continua seguindo seu caminho reto no espaço-tempo curvo, sempre a menor distância entre dois pontos. Como primeira aplicação da ótica dos raios geométricos, vamos tomar a determinação da altura de um edifício ou uma pirâmide pelo tamanho da sua sombra em um dia de sol. A pirâmide de Queóps, construída por volta de 2500 A.C., é considerada uma das grandes maravilhas do mundo antigo; sua base é um quadrado cujos lados medem cerca de 230 metros e sua altura é de 150 metros, aproximadamente. Na época em que viveu o filósofo grego Tales de Mileto, nascido por volta de 585 A.C., as pirâmides já tinham mais de 2000 anos e representavam o legado de uma civilização, já àquela época muito antiga, quase perdida na história, mas cuja grandiosidade assombrava as civilizações daquela época, como até hoje assombra. Tales mediu a altura de uma das pirâmides usando um método que hoje podemos achar particularmente simples, mas só porque já temos a geometria. O ponto de partida de Tales foi o de que há uma proporção entre a altura de um objeto e o comprimento da sombra do sol projetada pelo mesmo no chão, e que essa proporção é a mesma para objetos de alturas diferentes que estejam no mesmo lugar ao mesmo tempo. Com um bastão de medição de tamanho conhecido, Tales mediu o comprimento das sombras do bastão e da pirâmide e assim calculou a altura da pirâmide. O diagrama ao lado mostra a relação geométrica entre a altura e o comprimento da sombra de um objeto iluminado pelo sol. Os raios solares são raios paralelos que formam o ângulo com a superfície do chão. Com o que sabemos hoje de trigonometria, nós podemos dizer que a razão entre a altura do objeto e o comprimento da sombra é a tangente do ângulo . Como o ângulo é o mesmo para os dois objetos, tan h H L = = Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-27 Assim, Tales nos ensinou a calcular a altura do edifício como h H L= Sombras Vamos agora olhar com mais detalhe a formação das sombras. Em primeiro lugar, devemos definir o que são fontes pontuais e fontes extensas de luz. Uma fonte pontual é um ponto emissor de luz. Claro que isso é uma idealização, mas é boa se a fonte é muito pequena em comparação com a distância ao objeto. Caso contrário, devemos tratá-la como uma fonte extensa de luz. Como exemplo temos o Sol, que podemos tomar como uma fonte pontual de luz para certas aplicações, e que de fato projeta sombras com contornos muito nítidas em superfícies próximas ao objeto sombreando o sol. A projeção da sombra em superfícies mais distantes, entretanto, mostra contornos difusos, a chamada zona de penumbra. A determinação da sombra de um corpo opaco produzida por uma fonte pontual de luz é feita pela consideração dos raios de luz emitidos pela fonte que são impedidos pelo obstáculo e é uma aplicação do método geométrico. Como exemplo vamos considerar o caso bem simples de um disco de raio R que faz sombra à luz de uma fonte pontual em uma superfície de projeção à distância d do disco. Para mais simplicidade ainda, vamos considerar que o disco e a parede são paralelos e que a fonte de luz está no eixo do disco. É fácil perceber que o disco opaco lança um cone de sombra (na verdade, um tronco de cone) que, ao ser projetado na parede ou tela assumirá a forma de um círculo sem iluminação. O raio do círculo de sombra depende da distância da fonte pontual aodisco opaco e do disco opaco à tela, além do raio do disco. Sendo d a distância da fonte pontual ao anteparo opaco, de raio r, e D a distância do anteparo à tela, o raio do círculo de sombra será igual a R = (D + d)r/d. Se a fonte não é pontual, mas ocupa uma área, surgirá, além da sombra propriamente dita, o que se chama de penumbra. É uma região que é apenas parcialmente iluminada pela fonte extensa, já que o anteparo bloqueia apenas parte dos raios da fonte. O anteparo projeta uma sombra cônica, que delimita a região de umbra, como projetaria se a fonte fosse pontual e estivesse no vértice do cone. Niels F. Lima I-28 Eclipses Os eclipses ocorrem quando Terra, Lua e Sol se encontram alinhados, os centros dos três astros em uma mesma reta, ou quase isso, com a Lua fazendo sombra sobre a Terra – eclipse solar – ou a Terra fazendo sombra sobre a Lua – eclipse lunar. As órbitas da Terra em torno do Sol e da Lua em torno da Terra não estão no mesmo plano. A diferença não é muito grande, mas é o suficiente para tornar os eclipses solares e lunares relativamente raros; caso contrário, ocorreria um eclipse lunar a cada lua cheia e um eclipse solar a cada lua nova. As figuras apresentadas abaixo, representativas da grande quantidade de imagens como essas que se encontra na internete, são meramente ilustrativas: os tamanhos dos astros e as distâncias entre eles estão totalmente fora de escala. Se quiséssemos fazer o diagrama em escala, precisaríamos desenhar a distância Sol-Terra como quase 400 vezes maior do que a distância Terra-Lua, como na verdade é. Isso simplesmente não funcionaria como um recurso pedagógico: calcule, como um exercício, qual deveria ser a distância Terra-Sol em um diagrama em escala do sistema Sol-Terra-Lua no qual a Lua fosse representada por um disco de 2,0 mm de raio. A figura teria de ser enorme para que pudéssemos ver o que interessa com nível suficiente de detalhe! Terra e Lua estão muito mais próximas entre si do que do Sol: 385 mil quilômetros comparados com 150 milhões de quilômetros, em média, entre Terra e Sol. Seus tamanhos são também muito diferentes, mas ocorre uma coincidência muito interessante: os tamanhos aparentes desses astros visto da Terra são aproximadamente iguais. Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-29 https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/eclipse.htm O tamanho aparente de um objeto depende da distância do observador ao objeto e pode ser medido como o ângulo subtendido entre as linhas de visada que cobrem o objeto. Como mostra o diagrama, o tamanho angular de cada um desses astros é o dobro de ângulo cuja tangente é a razão entre o raio do astro e sua distância à Terra. O Sol tem um diâmetro médio de 1,39 × 109 m, enquanto o diâmetro da Terra é de 1,28 × 107 m e o da Lua é de 3,47 × 106 m. O diâmetro do Sol é mais de cem vezes maior do que o da Terra e aproximadamente quatrocentas vezes maior do que o da Lua. Entretanto, a proporção entre as distâncias da Terra ao Sol e da Terra à Lua é também aproximadamente quatrocentas vezes maior e assim seus tamanhos aparentes são muito semelhantes. É importante medir ângulos em sua unidade natural, radianos. Podemos e devemos, muitas vezes, usar as medidas de ângulos em graus, pois elas comunicam muito mais explicitamente a quantidade angular em formas conhecidas, prontamente associáveis ao círculo trigonométrico, mas a quantidade matemática ângulo é uma grandeza adimensional. Além disso, como veremos, só expressando os ângulos em radianos encontraremos uma importantíssima propriedade matemática das funções trigonométricas válida para ângulos pequenos, que https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/eclipse.htm Niels F. Lima I-30 vamos usar muito quando estudarmos as imagens produzidas por espelhos e lentes esféricos. O ângulo entre duas retas que se interceptam é definido como o quociente do comprimento ℓ do arco entre as retas de uma circunferência de raio R e centro na intercessão das retas e o comprimento do raio da circunferência, o número puro R Considerando que o comprimento do arco de uma circunferência completa é 2R, temos que o ângulo varia entre 0 e 2 na volta completa do círculo trigonométrico. Assim, 2 é a verdadeira medida matemática do que chamamos 360 graus. Essa é a definição do que se chama, mais propriamente ângulo plano, já que a definição pode ser estendida para ângulos sólidos, tridimensionais, ou de maior número de dimensões. A definição de ângulo plano estabelece uma medida de ângulo plano. Se a precisão absoluta da medida dos comprimentos do arco e do raio se mantiver constante, quanto maior o raio do goniômetro mais precisas serão essas medidas de ângulo. Dessa forma, as medidas de ângulos astronômicos, que são às vezes muito pequenos ou de qualquer forma requerem muita precisão, podem ser feitas com a precisão requerida e muita reprodutibilidade. Por exemplo, o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, ainda na segunda metade do século XVI, antes do telescópio, conseguia medidas com precisão em torno de 2’ de grau, ou seja, de um grau dividido em 30 partes. Hoje, em um teodolito de alta precisão, a incerteza chega a 0,2”, ou seja, um grau dividido em 18000 partes. Todas essas medidas são feitas partindo do pressuposto que os raios de luz usados nas medições são retos; a própria medição se baseia nos princípios da ótica geométrica. Considerando que o raio R da órbita da Terra em torno do Sol é muito maior do que o diâmetro D do Sol, a diferença entre o comprimento do arco de círculo ℓ que define o ângulo e o da corda representada pelo diâmetro é desprezível, de forma que podemos dizer que D R R Assim, o tamanho angular do Sol é o ângulo 9 11 0,00927 1,5 1,39 1 0 1 0 0 Sol m m = = Da mesma forma, achamos para o tamanho angular da Lua vista da Terra 6 8 0,00901 3, 3,47 1 0 18 5 0 Lua m m = = Esses valores são muito semelhantes, o que é uma feliz coincidência, pois a Lua pode, passando entre a Terra e o Sol, cobri-lo totalmente ou quase totalmente, tornando o fenômeno do eclipse solar tão espetacular. Esses são valores médios, pois como as órbitas são Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-31 elípticas essas distâncias variam. Em particular, quando a Lua está mais afastada da Terra seu tamanho angular não é suficiente para cobrir totalmente o Sol, resultando no chamado eclipse anular do Sol. Como a Lua é muito menor do que a Terra, ela pode estar completamente coberta pela sombra, umbra ou penumbra, diferentemente de quando a Lua sombreia apenas uma parte da Terra, a região de onde se pode observar o fenômeno. No caso do eclipse lunar, os raios de luz que formam a zona de penumbra passam muito próximos à Terra, ou seja, atravessam a atmosfera. A atmosfera espalha a luz azul, que é a cor do céu que vemos, e assim torna a luz que a atravessa mais avermelhada, assim como vemos no pôr-do-sol. Quando a Lua entra nessa zona de penumbra ela adquire um brilho avermelhado, o que deu a esse evento o nome de Lua de Sangue. Como vemos, para ângulos pequenos (quão pequenos?), o valor da tangente do ângulo é numericamente muito próximo ao valor do ângulo em radianos. Como consequência, também podemos estabelecer que o seno do ângulo é numericamente muito próximo ao valor do ângulo e que o cosseno é aproximadamente constante e igual a um. Assim, para pequenos ângulos , temos tan sen Essas relações válidas para ângulos pequenos serão muito importantes para o estudo das imagens produzidas por espelhos e lentes esféricas, como veremos mais adiante. Comprove isso: usando a calculadora científica ou um aplicativo de planilha, calcule os ângulos cujas tangentes são os valores calculados acima para o Sol e a Lua, em radianos. Você vai ver que, para ângulos pequenos,muito menores do que um, em radianos, mantendo o número de algarismos significativos, o valor da tangente do ângulo é igual numericamente ao valor do ângulo. Dessa forma, você verificará que tan tan(0,00927) 0,00927 tan tan(0,00901) 0,00901 Sol Lua = = = = Câmera de orifício Outra importante aplicação da ótica geométrica é a chamada câmera escura de orifício ou, simplesmente, câmera de orifício. Trata-se de uma caixa totalmente fechada, exceto por um pequeno orifício no centro de uma das faces, por onde penetra luz que ilumina a face da caixa oposta ao orifício, a tela. Se essa parede for translúcida, a luz projetada nessa tela poderá ser vista pelo lado de fora da caixa. Ou pode-se colocar um papel ou filme fotográfico nessa parede, para registrar a luz aí projetada, e teremos uma câmera fotográfica. Niels F. Lima I-32 Se o orifício da caixa é muito estreito, de cada ponto luminoso no exterior da caixa, só um feixe muito estreito de raios de luz conseguirá atravessá-lo e iluminará uma pequena área tela. Observe que essa área tem a forma do orifício, que é um vazio na parede da caixa que está fazendo sombra na tela. Assim, cada ponto do objeto produz como imagem uma pequena mancha luminosa, tão menor quanto menor seja o orifício e a distância entre o orifício e a tela. A superposição dessas manchas de luz provenientes de cada ponto luminoso do objeto forma uma imagem real do objeto na tela; essa imagem nunca estará exatamente em foco, mas quanto mais estreito for o orifício, mais nítida será a imagem. A contrapartida disso é que, quanto mais estreito é o orifício, menos luz entra na câmera e menos luminosa é a imagem. A imagem de objetos longínquos é mais nítida do que a de objetos mais próximos, visto que a mancha luminosa produzida por um ponto luminoso próximo é maior do que a de um ponto distante. Por essa mesma razão, os objetos distantes parecerão mais escuros. Como vemos, há sempre uma contradição entre a luminosidade e a nitidez das imagens da câmera de orifício. Há uma relação muito simples entre a altura do objeto e a altura da imagem na câmera. Vamos agora chamar de d a distância entre o orifício e a tela e de D a distância do objeto de altura, ou largura, H, ao orifício. Para simplificar, supomos que o pé do objeto está sobre o eixo da câmera, a reta que passa pelo orifício e é perpendicular à tela. Os raios de luz proveniente do pé do objeto que passam pelo orifício são projetados no ponto da tela sobre o eixo. Para encontrar onde a luz proveniente da cabeça do objeto é projetada, seguimos o raio de luz que passa Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-33 pelo orifício até o ponto onde o raio encontra a tela. A distância desse ponto, a imagem da cabeça do objeto, até a imagem do pé, ou seja, a altura da imagem do objeto, h, está na mesma proporção a d que a altura do objeto H está à distância do objeto ao orifício da câmera D, h = HD/d. A solução para esse problema é o uso de uma lente convergente adequada às dimensões da câmera. A lente oferece uma superfície muito maior para o ingresso da luz do que o orifício e por isso produz imagens muito mais luminosas. Além disso, a lente focaliza os raios que recebe de um ponto objeto em um ponto imagem, não mais em uma área difusa. As imagens assim produzidas são incomparavelmente melhores – e exigem uma teoria mais aprofundada para serem obtidas, que estudaremos em breve neste curso. Niels F. Lima I-34 4. Reflexão em espelhos planos e formação de imagens. 4.1. Leis da Reflexão As leis da reflexão, assim como as da refração, da luz, são leis empíricas que complementam os princípios da ótica geométrica. Ao atravessar a fronteira entre dois meios transparentes diferentes, a luz sofre reflexão e refração. Parte da luz retorna ao meio de origem refletida e a outra parte entra no outro meio refratada. Vamos considerar que a interface entre os dois meios é lisa, de forma que localmente é sempre possível definir um plano paralelo à superfície em cada ponto da superfície. Nesse caso, a reflexão é nítida, ao contrário do caso no qual a superfície é rugosa e não se pode definir um plano paralelo à superfície em cada local e temos o que se chama de reflexão difusa. Figura 4.1. Diagrama da reflexão de um raio luminoso na superfície de separação entre dois meios. O raio incidente, o raio refletido e a normal no ponto de incidência estão todos no mesmo plano, o plano desta página. A reflexão poder ser representada pela imagem bidimensional na Figura é uma consequência direta da primeira lei da reflexão! Um raio de luz incide num ponto sobre uma superfície refletora lisa formando um ângulo i com a direção normal à superfície no ponto de incidência. O raio de luz é refletido e muda de direção nesse ponto, de forma que a porção refletida do raio 1) está no mesmo plano que o raio incidente e a normal; 2) forma com a normal um ângulo r igual ao ângulo formado pelo raio incidente. Se a superfície refletora não for plana, essas leis se aplicam para a direção normal local (superfície refletora curva), se a superfície for contínua, lisa e polida. Nesse caso, os raios de luz em um feixe bem estreito serão refletidos todos na mesma direção. Caso contrário, temos o que se chama reflexão difusa e mesmo os raios de luz em feixes muito estreitos que incidem em pequenas áreas da superfície são desviadas em várias direções. Vamos começar a aplicar o método geométrico para construção das imagens pelo caso mais simples, que é a reflexão de um ponto luminoso por um espelho plano. Ser simples não significa dizer que é pouco importante. Além de podermos desenvolver o método para as aplicações posteriores e obtermos os primeiros resultados, teremos oportunidade de definir o conceito de imagem virtual e discutir as inversões e simetrias especulares. Física Clássica da Matéria e da Luz - FIS215 – IFBA/UAB 2020 I-35 4.2. Reflexão de um ponto luminoso em um espelho plano. O objeto luminoso mais simples é um ponto que emite luz, seja porque reflete a luz que recebe de uma fonte externa, seja porque emite luz por algum processo. Há um processo físico acontecendo nesse lugar do espaço, seja reflexão ou emissão de luz. A imagem real de um ponto luminoso físico, criada por algum sistema ótico como os que vamos estudar aqui, é também um ponto luminoso real. A luz que sai do ponto luminoso é representada por raios que divergem, que saem do ponto em todas direções. Na verdade podemos imaginar infinitos raios de luz divergindo do ponto objeto, mas não podemos desenhar mais do que um punhado deles; vamos aqui traçar dois ou três, quatro, no máximo, que representem os comportamento de raios em geral, alguns especiais, para generalizar os resultados para além dos raios individuais considerados na argumentação. Figura 4.2. A luz emitida por um ponto luminoso, o ponto objeto, é representada por raios divergindo do ponto. Desenhamos tantas linhas quanto queiramos ou precisemos. O número de linhas não é definido fisicamente, mas está associado à intensidade da luz. Usamos um aplicativo disponível online que simula a ótica geométrica para produzir as figuras a seguir. O aplicativo, que não requer Java instalado, é escrito em um inglês técnico fácil, e pode ser acessado aqui. “Simulação da Ótica de Raios (Ray Optics Simulation)”, (Tu, 2018). Como representado nas Figuras 4.3 e 4.4, os raios de luz que divergem do ponto luminoso e são refletidos de acordo com as leis geométricas da reflexão parecerão provir de um ponto situado atrás do espelho, a imagem virtual do ponto luminoso. Figura 4.3. Raios de luz que divergem do ponto objeto incidem e são refletidos por um espelho plano. Só nos interessa representar os raios que incidem no espelho e, assim, desenhamos muito menos raios que antes. https://ricktu288.github.io/ray-optics/
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