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ESCALAS GEOGRÁFICAS DO CLIMA Das escalas globais às locais, tanto os processos físico-naturais quanto os de origem socioeconômicos interferem e/ou determinam as características por meio das quais o clima se articula ao espaço geográfico. As escalas do clima não devem ser entendidas apenas como as dimensões espaciais ou temporais nas quais os elementos climáticos se manifestam, mas, sim, como processos dinâmicos dotados de atributos altamente sensíveis aos ritmos, variações e alterações de todas as forças terrestres, atmosféricas e cósmicas que de alguma forma exercem, ou provocam qualquer tipo de interferência no sistema climático. Incluindo-se também, as interferências de origem antrópica e socioespacial. A duração, a velocidade e a extensão com que os processos climáticos se manifestam estão associadas tanto ao tempo longo quanto ao tempo curto. O tempo longo é definido pela escala geológica de processos que duram milhares ou milhões de anos, modificando os climas do planeta (global), ora mais quentes, outras vezes mais frios, alternadamente mais secos ou mais úmidos, explicado por movimentos astronômicos da órbita da Terra, pelas manchas solares, por intensa atividade vulcânica de determinados períodos geológicos ou mesmo pela tectônica de placas. O tempo curto relaciona-se diretamente ao tempo histórico, ou seja, as variações do clima estão associadas à presença do homem e da sociedade como agentes de transformação das paisagens e modificadores dos ambientes (regional e local), ou como grupo social que percebe e sofre as suas variações. Isto não quer dizer, que no tempo histórico, as forças terrestres e astronômicas deixam de influenciar os climas terrestres, significa que as interações entre ambos tornam-se muito mais complexas e de difícil determinação (fig. 1). É importante observar que os processos climáticos são essencialmente temporais manifestando-se em todas as escalas espaciais. Entretanto, alterações espaciais em escalas inferiores (locais e regionais), podem resultar em modificações na circulação da atmosfera, que são capazes de afetar todo o planeta. Assim, a forma mais adequada de tratá-los, é em sua totalidade espaço-temporal. Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Fig. 1. Escalas geográficas do clima (tempo longo e tempo curto) Colocando de outro modo, todos os fenômenos geográficos (entre estes, o clima) manifestam-se no tempo e no espaço. As forçantes, os movimentos e suas dinâmicas temporais constituem-se em processos que atuam no decorrer do tempo (geológico e/ou histórico), ora dotando-os de estabilidade e constância, ora de perturbações que modificam os padrões, ao provocar alterações de todos os tipos e magnitudes. Assim, processos climáticos de larga escala, podem afetar os climas regionais e locais de formas variadas e contraditórias, modificando os padrões preexistentes. Ou seja, o desenvolvimento de dado processo desencadeado nas escalas superiores pode manifestar-se de forma oposta em diferentes regiões do planeta (resfriamento e aquecimento; umedecimento e ressecamento). Neste contexto os três conceitos chaves para a compreensão dos processos climáticos e suas determinações espaciais são a mudança, a variabilidade e o ritmo. Estas são essencialmente escalas de processos, ou seja, referem-se à velocidade, duração e intensidade dos mecanismos que dotam o tempo e o clima de mobilidade e de alternância de padrões. Desta forma, as escalas do clima assumem uma dimensão espaço-temporal, em que os processos atuantes podem ser globais, ou seja, atuando na escala das mudanças das características dos climas de todo ou da maior parte do Planeta no tempo geológico, e na escala da variabilidade (variações cíclicas) no tempo histórico. Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Assumem, também, uma dimensão regional quando apenas partes da superfície da Terra sofrem variações climáticas determinadas por periodicidades, padrões cíclicos ou transformações antrópicas de grande extensão. E, podem ser locais, em função de modificações nas estruturas das paisagens e das influências urbanas nos microclimas, que tendem a particularizar estas áreas, dentro das células regionais do clima. Transpondo as escalas do clima para uma abordagem geográfica, Monteiro (1999) propôs uma articulação em que as escalas superiores (milhões de Km²), como a global, revelam os aspectos mais gerais das grandes correlações entre a dinâmica atmosférica e os grandes conjuntos das paisagens planetárias, como as massas oceânicas e continentais, cadeias montanhosas e extensas planícies. Nesta dimensão só é possível estabelecer relações generalizantes e aproximativas. As escalas intermediárias, como as regionais (centenas ou milhares de Km²), permitem a observação e a compreensão de uma trama em que a organização da paisagem, tanto natural quanto socioeconômica, articula-se revelando os diversos níveis de organização espacial. Permite o entendimento da circulação secundária dos grandes sistemas atmosféricos e suas relações com os fatores geográficos, como a rugosidade do relevo, aspectos da influência da continentalidade nas variações diárias e sazonais, da altitude e das influências dos grandes conjuntos vegetacionais ou antrópicos (como as grandes áreas de monocultura ou pecuária). Nesta hierarquia escalar, que apresenta elementos e atributos geográficos por excelência, há a possibilidade tanto de se estabelecer nexos com as escalas superiores, compreendendo como se desdobram os sistemas atmosféricos e como as transformações das paisagens impactam as variáveis climáticas, quanto com as escalas inferiores, identificando e particularizando os climas locais. As escalas inferiores, na dimensão dos climas locais e dos microclimas (inferiores a dezenas de Km²), os atributos das paisagens socioambientais permitem a identificação dos tipos de tempo e o ritmo climático associados ao cotidiano da sociedade e, portanto, apresenta um nível de especialização dos atributos e processos, muito associados à produção do espaço e as formas urbanas e rurais. Portanto, enquanto as escalas globais permitem apenas a generalização dos elementos e processos, as regionais possibilitam a compreensão das suas formas de organização, que podem ser verificadas de maneira especializada, e mais complexa, nas escalas locais. Na figura 2 observa-se a articulação das escalas espaciais e temporais do clima relacionado-as à sua gênese e processos explicativos. Nível de resolução geográfica Escala Espacial Escala Temporal Gênese dos Processos (não excludente) Processos Explicativos Generalização Global Mudança Climática Natural Movimentos astronômicos, glaciações, vulcanismo, tectônica de placas Organização Regional Variabilidade Climática Natural e Antrópica Sazonalidade, padrões e ciclos naturais, transformações das paisagens (desmatamento, poluição, urbanização) Especialização Local Ritmo Climático Antrópica Padrões de uso do solo, expansão territorial urbana, ritmos socioeconômicos Figura 2. Articulação das escalas geográficas do clima Org. Sant’Anna Neto, adaptado de Monteiro, 1999. ORDEM DE GRANDEZA E ESTRATÉGIAS DE ABORDAGEM Para cada escala do clima, exige-se uma estratégia de abordagem específica, associada a unidades territoriais determinadas. Além disto, há que se diferenciarem as aplicações e técnicas de análise entre os meios urbanos e rurais. Do ponto de vista prático, ao tratar-se de aspectos espaciais das manifestações do clima numa perspectiva geográfica, pode-se hierarquizar as escalas do clima em seis ordens de grandeza. Desde aquelas mais generalizantes, como as globais, que se referem a milhões de quilômetros quadrados, até as mais especializantes, como as dos microclimas,que abrangem apenas alguns metros quadrados. A figura 3, a seguir, resume a articulação das escalas do clima, com as escalas cartográficas, com os espaços rurais e urbanos e com as estratégias de abordagem. Marcela Realce Ordem de grandeza Unidades de superfície Escalas cartográficas Espaços climáticos Espaços rurais Espaços urbanos Estratégias de abordagens Meios de observação Fatores de organização Técnicas de análise I Milhões de km 2 1:50.000.000 1:10.000.000 Global Zonal Grandes biomas Megalópole Metrópole Grandes áreas urbanas Satélites Latitudes, centros de pressão Caracterização, comparação, classificação II Milhares de km 2 1:10.000.000 1:1.000.000 Macro Regional Meso regional Micro regional Conjuntos vegetacionais Grandes unidades naturais Satélites, modelagem, cartas sinóticas, Nefanálise, rede de superfície, postos de observação Circulação atmosférica III Centenas de km 2 1:1.000.000 1:250.000 Fatores geográficos do clima Redes e transectos espaciais e temporais. Mapeamento sistemático, estatística aplicada IV Dezenas de km 2 1:250.000 1:100.000 Local mesoclima Unidades de paisagem grande propriedade rural Cidades de porte grande e médio Geoecologia Ação antrópica (uso do solo) V Milhares e Centenas de m 2 1:100.000 1:10.000 Topoclima Feições da paisagem, pequena e média propriedade rural Cidades de porte médio e pequeno. Zonas, bairros e aglomeração Postos de observação, Registros móveis Urbanismo, economia, agronomia Análise espacial, análise sistêmica VI Dezenas de m 2 1:10.000 1:1.000 Microclima Planta, espécie Quarteirões Edificações Detalhe, forma, instrumentos especiais Arquitetura Meteorologia agrícola Análises especiais Figura 3. Escalas geográficas do clima e estratégias de abordagens Org. Sant’Anna Neto. 1. A escala climática global A escala climática global ou zonal é a de 1ª ordem de grandeza. A dimensão espacial desta escala refere-se aos processos atmosféricos de grande escala, determinados pelas duas principais forças motoras da movimentação do ar. Ou seja, são processos que afetam e produzem padrões climáticos que abrangem todo o planeta, observando as diferentes latitudes, os grandes traçados do relevo e a distribuição dos oceanos e continentes. Como a unidade de superfície associada a esta escala é a global, em escalas cartográficas de milhões de quilômetros quadrados, pode-se apenas observar e analisar as grandes correlações generalizantes. Nesta escala identificam-se os grandes sistemas de circulação atmosférica planetária (e controle dos centros de pressão) e, por conseguinte, as generalizações térmicas e pluviométricas dos grandes biomas terrestres e regiões oceânicas, marcadamente influenciadas pelas zonas de baixas latitudes (climas equatoriais e tropicais), pelas zonas de médias latitudes (climas temperados) e pelas Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce zonas de altas latitudes (climas frios e polares). Desta forma, distinguem-se as áreas de domínio dos sistemas atmosféricos que caracterizam os regimes climáticos globais, como se observa na Figura 4. Figura 4. Circulação geral da atmosfera, áreas de pressão e zonas de controle. As teleconexões também se inserem nesta escala, ainda que afetem parcialmente regiões específicas, como a Oscilação do Atlântico Norte (NAO), que se refere ao gradiente de pressão entre as áreas do anticiclone dos Açores e a baixa da Islândia, que quando se encontra numa fase positiva, provoca aumento de chuvas e de ondas de frio na América do Norte e na Europa durante o inverno. Ou ainda, o El niño- oscilação sul (ENOS), fenômeno associado às variações de temperatura no Oceano Pacífico equatorial, que quando está na fase positiva, modifica os padrões das correntes de jato e provoca aumento de precipitação no sudeste da América do Sul e secas no nordeste do Brasil, por exemplo (Figura 5). Marcela Realce El niño – oscilação sul (ENOS) Oscilação do Atlântico Norte (NAO) Figura 5. Teleconexões globais: El niño/oscilação sul e Oscilação do Atlântico Norte. A dimensão temporal das escalas globais permite duas formas distintas de abordagem. Numa perspectiva paleoclimática, refere-se as grandes mudanças do clima através do tempo geológico, como os períodos de aquecimento e as glaciações. Neste sentido, a teoria de Milankovitch à respeito dos movimentos orbitais da Terra em sua relação com o Sol, explica as grandes glaciações e fases interglaciais do Quaternário (último milhão de anos). Portanto, trata-se de variações do clima no tempo longo associadas exclusivamente a fatores e processos naturais. Além desta perspectiva paleoclimática, a dimensão temporal permite também uma abordagem de suas variações em períodos de tempo mais curtos, ou seja, a variabilidade climática explicada por ciclos que se repetem mais ou menos de forma periódica, em segmentos de tempo que pode se estender por séculos ou décadas. Neste caso, inserem-se as influências das manchas solares na incidência da radiação solar que chega à Terra, ou ainda, os movimentos das correntes oceânicas. Todos estes processos e dinâmicas que envolvem as escalas globais do clima, por sua natureza física, geofísica e astrofísica, escapam à uma interpretação puramente geográfica e, em geral, são melhor explicados pelas ciências da atmosfera Fase positiva Fase negativa (meteorologia) e pelas geociências (geologia). Cabe, porém, à Geografia, compreender seus mecanismos dinâmicos, pois estão na gênese de processos que auxiliam no entendimento da natureza, dinâmica e distribuição dos climas no planeta. 2. As escalas climáticas regionais A dimensão da escala regional, de 2ª e 3ª grandeza hierárquica, é mais complexa do que a global. Por um lado, resulta de uma combinação de dinâmicas e processos atmosféricos, tanto da ação da circulação geral, quanto da circulação secundária (ou seja, as áreas de pressão e o domínio dos sistemas atmosféricos). Estes processos recebem a influência de fatores geográficos que podem potencializar ou minimizar os atributos climáticos. Dentro de uma mesma zona de circulação atmosférica (as áreas intertropicais, por exemplo), uma região pode ser mais ou menos chuvosa do que outra, em função de sua posição com relação aos sistemas produtores de chuva, da orientação do relevo (orografia), da proximidade do mar, ou, ainda, pode ser mais ou menos quente do que outra, por causa da altitude (zonas planálticas ou montanhosas), e da continentalidade. Não há uma extensão de área definida para a escala regional. Tanto pode referir-se a grandes macrorregiões (como a Amazônia, o Saara, a Sibéria), com unidades escalares de milhões de km 2 , como as microrregiões caracterizadas por paisagens complexas (como a zona costeira do Brasil de sudeste, ou o Vale do Paraíba), que se estendem por algumas centenas de km 2 . O que define uma região climática não é propriamente a sua extensão territorial, mas, sim, a combinação de processos e fatores particulares, como as células regionais do clima articulado aos fatores geográficos intervenientes. Um bom exemplo desta abordagem pode ser observado na proposta de Monteiro (1973), sobre as feições climáticas individualizadas nos climas regionais para o Estado de São Paulo, por meio da articulação com as unidades da paisagem (Figura 6) As escalas regionais permitem a observação da morfologia do relevo, dos usos extensivos do solo rural (áreas das grandes monoculturas e da pecuária) e das áreas urbanas das grandes metrópoles. Sob este aspecto, trata-se da escala que melhor permiteMarcela Realce Marcela Realce identificar os elementos espaciais que nos aproxima de uma visão da organização do espaço geográfico. Figura 6. Articulação das feições climáticas regionais com as unidades da paisagem Fonte: Monteiro (1973) As estratégias e abordagens inerentes a esta escala pressupõem, além da utilização de imagens de satélite e cartas sinóticas (também utilizadas para as escalas globais) para a identificação dos tipos de tempo, incluem-se os fatores geográficos de organização da paisagem, como a topografia, a direção e orientação das vertentes, a distância do mar, a distribuição da vegetação natural, o uso da terra por meio das grandes unidades espaciais rurais e urbanas. Os fatores geográficos funcionam como uma estrutura física da paisagem que, sem alterar o caráter genético dos climas, produzem modificações nos elementos meteorológicos por meio de forçantes (como o relevo), e catalisadores das interações atmosfera/superfície (incluindo aqui, as transformações da paisagem originadas pelas intervenções humanas). Assim, os climas regionais tanto podem abranger paisagens mais homogêneas de grande extensão territorial quanto as unidades de paisagem mais complexas e de menor extensão, pois o que determina a escala regional não é a sua dimensão espacial, mas a magnitude das interferências dos fatores geográficos atuantes. As estratégias de análise permitem a identificação dos tipos de clima por meio da caracterização, da comparação e da classificação climática, tanto através das redes e transectos espaciais e temporais, quanto pelo mapeamento sistemático. O uso da Marcela Realce estatística aplicada é fundamental para a compreensão da variabilidade dos elementos do clima e identificação da periodicidade e ciclicidade de episódios normais e extremos. A dimensão temporal da escala regional comporta o uso de séries temporais de pelo menos 30 anos de dados dos elementos do clima, conforme determinação da Organização Meteorológica Mundial – OMM. Nesta escala é importante o estudo da variabilidade do clima, ou seja, a identificação dos padrões normais e dos períodos de anomalias que são determinados tanto por processos de macroescala (como a influência do El niño/oscilação sul - ENOS, da Oscilação décadal do Pacífico – ODP), quanto por dinâmicas mais setoriais e restritas no tempo e no espaço, como a ação da Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS ou dos Complexos Convectivos de Mesoescala – CCM, que são determinados pela sazonalidade. Desta forma, se somente é possível a compreensão das mudanças climáticas na perspectiva da escala global, o entendimento das variações sazonais e anomalias interanuais, enquadram-se de forma mais adequada, às escalas regionais. É importante lembrar que dada à profunda e progressiva transformação das paisagens pela sociedade, as alterações na utilização da terra verificadas por meio do desmatamento, da poluição atmosférica, da agricultura monocultora em grandes espaços rurais e a expansão territorial das grandes cidades e áreas metropolitanas já se constituem em fatores de influência nos regimes climáticos regionais. Portanto, nesta dimensão escalar, não só os mecanismos físicos naturais do clima determinam sua dinâmica, como a forma com que a sociedade tem organizado os seus territórios implica em interferências nas interações atmosfera/superfície terrestre, capaz de gerar modificações nas características dos padrões climáticos. 3. As escalas locais do clima No conjunto das escalas inferiores, ou seja, as de 4ª, 5ª e 6ª ordem de grandeza, encontram-se os climas locais, nomeadamente os mesoclimas, os topoclimas e os microclimas. Os processos e as interações envolvidos nestas dimensões escalares resultam cada vez mais complexos, na medida em que a especialização dos espaços naturais, Marcela Realce transformados e/ou produzidos, submete-se a dinâmicas e ciclos temporais em velocidades variadas. Isto significa que quanto menor a ordem de grandeza escalar (e, portanto, uma dimensão espacial mais reduzida), maior é o conjunto de elementos, fatores, dinâmicas e processos envolvidos. A escala dos mesoclimas envolve unidades de superfície da ordem de dezenas de km 2 e muitas das estratégias de abordagem são semelhantes as dos climas regionais. O uso de imagem de satélites e cartas sinóticas para a identificação dos tipos de tempo é igualmente relevante, além da rede meteorológica de superfície de postos de observação. Os fatores geográficos do clima assumem nesta escala uma importância crescente, uma vez que a rugosidade do relevo, a existência (ou não) de corpos de água e de vegetação é suficientemente latente para exercer influência nas características das células locais dos climas regionais. Os espaços rurais são identificados ao nível das grandes propriedades e da estrutura do parcelamento rural, em que os diversos padrões de uso do solo e os tipos de paisagens naturais (campos, florestas, áreas alagadas, etc...) trocam energia e matéria com a atmosfera, capazes de aumentar ou diminuir a umidade, a temperatura, a velocidade do vento, o material particulado, entre outros, na transformação dos climas naturais. Para os espaços urbanos, que nesta escala adéquam-se à análise dos climas das cidades de porte grande e médio, a estrutura e a forma urbana exercem influência significativa, em função das trocas de calor, das emissões de material particulado e gases para a atmosfera, que pode gerar, entre outros, o fenômeno da ilha de calor (Figura 7). Ao nível dos topoclimas, as feições que revelam os detalhes mais particulares das paisagens exigem a utilização de técnicas mais diretas, como os registros móveis dos elementos meteorológicos, ou a instalação de estações automáticas em locais apropriados. Em áreas urbanas, a densidade de construção e as características das áreas verdes interferem na ventilação, na umidade que geram inércia térmica. A estreita relação entre a estrutura e a forma urbana com os climas locais e as interações somente podem ser reveladas nesta ordem escalar. Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Figura 7. Perfil da ilha de calor urbana (temp. em °C) É imprescindível para a compreensão dos topoclimas recorrer-se às análises espaciais e sistêmicas, emprestando da Arquitetura e Urbanismo as técnicas relacionadas ao conforto bioclimático. O mesmo ocorre para as análises dos climas rurais desta ordem escalar, envolvendo os aspectos agrometeorológicos das culturas agrícolas ou, ainda dos geossistemas naturais. Desta forma, os fatores de organização dos climas locais (mesoclimas e topoclimas) relacionam-se geneticamente tanto aos aspectos geoecológicos, quanto os antropogênicos. Assim deve-se atentar tanto ao estudo dos ritmos climáticos naturais, determinados pela sucessão dos tipos de tempo, quanto pela construção dos climas antrópicos, produzidos pelas interferências dos agentes sociais e econômicos. A escala dos microclimas está associada aos elementos da paisagem na dimensão espacial de metros quadrados. Os aspectos mais gerais da dinâmica atmosférica são minimizados enquanto os detalhes e as formas das paisagens urbanas e rurais apresentam maior destaque. A radiação solar assume um papel central na configuração das características climáticas. Em áreas urbanas, as propriedades físicas e as cores dos materiais construtivos apresentam respostas térmicas em função do albedo dos alvos urbanos. Assim, o conforto e a eficiência térmica respondem a estas interações (Figura 8). Figura 8. Albedo nos diferentes elementos e alvos urbanos. Em áreas rurais ou, ainda, em áreas verdes urbanas, nas escalas microclimáticas, a relação se dá entre as plantas (espécies vegetais) e os elementos meteorológicos, principalmente, no balanço hídrico, no balanço de radiação e na resposta à ventilação do ar. Nestaescala, também denominadas de “escalas finas” em função da profunda especialização do espaço, as interações entre o clima e as paisagens urbanas e rurais são extremamente sensíveis e, respondem às transformações impostas pelas ações da sociedade, de forma imediata. A dimensão temporal dos microclimas deve ser observada considerando períodos horários e diários. Assim, somente a análise rítmica (Monteiro, 1971) é adequada para decompor as unidades de tempo cronológico, como estratégia para identificas os sistemas atmosféricos. Somando-se a esta técnica, é imprescindível a utilização de instrumentos e aparelhos especiais, capazes de medir e monitorar as respostas termo- higrométricas dos alvos (naturais e construídos). Marcela Realce Marcela Realce Marcela Realce Desta forma, os estudos microclimáticos necessitam de um conjunto de técnicas e métodos provenientes da interação da geografia com a arquitetura, a meteorologia e a agronomia, para obter uma análise consistente das interações envolvidas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escala do clima, como foi discutida ao longo do capítulo, configura-se como um instrumento de análise fundamental para a compreensão das relações temporais e espaciais entre o clima e a superfície terrestre. Estas interações pressupõem a concepção das escalas enquanto processos. As dimensões espaciais (escala cartográfica) e temporais (escala histórica e geológica) que são fatores importantes e indissociáveis da análise climática, não devem ser tomadas como fundamentos que antecedem a ação das dinâmicas e processos envolvidos na interação entre a atmosfera e o espaço geográfico. Assim, os conceitos básicos inerentes às escalas são definidos pela mudança, pela variabilidade e pelo ritmo climático. As mudanças climáticas referem-se ao tempo longo, definidas pelas grandes alterações dos padrões climáticos ao longo da história geológica da Terra. Mais recentemente, tem-se utilizado este mesmo termo para designar o aquecimento global, o efeito estufa e as alterações dos padrões pluviométricos de origem antrópica. Porém há que se distinguir os dois processos. O primeiro refere-se a uma combinação de forças terrestres e astronômicas (precessão dos equinócios, mudança de posição do eixo terrestre e órbita circumsolar da Terra) que produzem a grandes glaciações quaternárias. O segundo trata das transformações antropogênicas, particularmente ocorridas após a Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII, que possivelmente tem alterado o albedo planetário e a composição química da atmosfera, gerando uma série de efeitos como o aumento da temperatura média do planeta, entre outros. As escalas intermediárias, que são geográficas por excelência, referem-se àquelas em que a dimensão das estruturas e processos permite a compreensão de como o espaço se organiza. Trata-se, pois, da perspectiva do planejamento territorial. De um lado, a compreensão da dinâmica atmosférica e dos padrões do clima associada aos fatores geográficos permitem conhecer os arranjos espaciais e temporais por meio da análise dos processos genéticos da circulação dos sistemas atmosféricos e dos tipos de tempo. Por outro, a estatística aplicada contribui para o desvendamento da periodicidade, da ciclicidade e dos episódios extremos, que afetam os padrões normais habituais. Como a sociedade tem demonstrado ser capaz de transformar as paisagens naturais numa velocidade crescente, o impacto do desmatamento, da expansão territorial das áreas urbanas, a poluição do ar e as queimadas agrícolas, as interações entre a baixa troposfera e a superfície terrestre já indicam alterações que implicam na produção de climas antrópicos. Assim, a escala regional do clima assume importante papel para a compreensão dos climas naturais e suas transformações em climas produzidos pelos agentes e atores sociais, revelando o perfeito caráter geográfico desta perspectiva de análise, cujos métodos de abordagem são eminentemente desta área do conhecimento. Por fim, as escalas finas, ou seja, os climas locais (mesoclimas e topoclimas) e os microclimas relacionam-se com o próprio cotidiano da sociedade e os ciclos do mundo natural. A complexidade das paisagens urbanas e rurais, explicada pelos vários tipos de usos, formas e elementos naturais e antrópicos, configuram espaços e territórios bastante especializados. Que interagem modificando os elementos do clima por meio da relação entre o balanço de energia e a composição dos sistemas naturais, urbanos e agrícolas. A velocidade das transformações se dá na escala de horas e dias, ou seja, as variações diuturnas dos ritmos da sociedade e da natureza complementam-se e conflitam entre si, na medida no nível e extensão do estágio das derivações naturais e da produção social do espaço. Nesta ordem escalar, as interações ocorrem em interações físicas, químicas e biológicas, portanto, em abordagens identificadas com os métodos e técnicas das ciências naturais, além daquelas mais vinculadas a estudos das estruturas e processos em microescala, como a agrometeorologia agrícola e a arquitetura. De qualquer forma, em função da escala de análise dos processos interativos entre a atmosfera e a superfície terrestre (incluindo-se aqui os espaços produzidos pela sociedade) é que são determinadas as estratégias de abordagem, os métodos a serem empregados e as técnicas e de análise apropriadas, E, nesta perspectiva, a geografia demonstra ser capaz de contribuir efetivamente, pela natureza de seu objeto e de seus métodos, na análise dos processos e dinâmicas em escalas regionais e locais. BIBLIOGRAFIA
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